Processo
ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL / MS
5004877-48.2020.4.03.9999
Relator(a)
Desembargador Federal THEREZINHA ASTOLPHI CAZERTA
Órgão Julgador
8ª Turma
Data do Julgamento
01/10/2020
Data da Publicação/Fonte
e - DJF3 Judicial 1 DATA: 06/10/2020
Ementa
E M E N T A
PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR IDADE A TRABALHADOR RURAL. ART. 143 DA
LEI N.º 8.213/91. COMPROVAÇÃO DA ATIVIDADE DE RURÍCOLA NO PERÍODO ANTERIOR
AO REQUERIMENTO. CONCESSÃO DO BENEFÍCIO.
- Não conhecimento do reexame necessário, conforme disposto no art. 496, § 3.º, inciso I, do
Código de Processo Civil, que afasta a exigência do duplo grau de jurisdição quando a
condenação ou o proveito econômico for inferior a 1.000 salários mínimos.
- A atividade rural deve ser comprovada por meio de início de prova material, aliada à prova
testemunhal.
- O conjunto probatório é suficiente para ensejar a concessão do benefício vindicado.
- Reconhecimento da procedência do pedido formulado.
Acórdao
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº5004877-48.2020.4.03.9999
RELATOR:Gab. 27 - DES. FED. THEREZINHA CAZERTA
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
Jurisprudência/TRF3 - Acórdãos
PROCURADOR: PROCURADORIA-REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO
APELADO: RENI GOETTEMS MARTINS
Advogado do(a) APELADO: CLEIA ROCHA BOSSAY - MS8045-A
OUTROS PARTICIPANTES:
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº5004877-48.2020.4.03.9999
RELATOR:Gab. 27 - DES. FED. THEREZINHA CAZERTA
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
PROCURADOR: PROCURADORIA-REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO
APELADA: RENI GOETTEMS MARTINS
Advogado do(a) APELADO: CLEIA ROCHA BOSSAY - MS8045-A
OUTROS PARTICIPANTES:
R E L A T Ó R I O
Demanda proposta objetivando a concessão de aposentadoria por idade a trabalhadora rural,
prevista no art. 143 da Lei n.º 8.213/91.
O juízo a quo julgou procedente o pedido formulado, reconhecendo à parte autora o direito ao
benefício pretendido, a contar do requerimento administrativo. Concedeu a tutela antecipada.
Sentença submetida ao reexame necessário.
O INSS apela, requerendo, preliminarmente, o recebimento do recurso no duplo efeito. No mérito,
pleiteia a reforma da sentença, sustentando, em síntese, o não cumprimento dos requisitos legais
necessários à concessão em questão. Se vencido, requer o reconhecimento da “prescrição das
parcelas vencidas anteriormente ao quinquênio que precede o ajuizamento da ação, nos termos
do art. 103, parágrafo único, da Lei n. 8.213/91”. Ao final, prequestiona a matéria.
Sem contrarrazões, subiram os autos.
É o relatório.
THEREZINHA CAZERTA
Desembargadora Federal Relatora
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº5004877-48.2020.4.03.9999
RELATOR:Gab. 27 - DES. FED. THEREZINHA CAZERTA
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
PROCURADOR: PROCURADORIA-REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO
APELADA: RENI GOETTEMS MARTINS
Advogado do(a) APELADO: CLEIA ROCHA BOSSAY - MS8045-A
OUTROS PARTICIPANTES:
V O T O
Inicialmente, esclareça-se não ser caso de se ter submetida a decisão de 1.º grau ao reexame
necessário, considerando o disposto no art. 496, § 3.º, inciso I, do Código de Processo Civil, que
afasta a exigência do duplo grau de jurisdição quando a condenação ou o proveito econômico for
inferior a 1.000 salários mínimos.
Tempestivo o recurso e presentes os demais requisitos de admissibilidade, passa-se ao exame
da insurgência propriamente dita, considerando-se a matéria objeto de devolução.
A preliminar de atribuição de efeito suspensivo dever ser rejeitada, nos termos do art. 1.012, § 1.º,
inciso V, do CPC, que determina que a sentença que confirma, concede ou revoga tutela
provisória produz efeitos imediatos.
APOSENTADORIA POR IDADE (RURAL)
O benefício de aposentadoria por idade a trabalhador rural encontra-se disciplinado nos arts. 39,
inciso I; 48, §§ 1.º e 2.º; e 143 da Lei n.º 8.213/91.
Antes mesmo do advento da Lei de Benefícios, a Lei Complementar n.º 11, de 25 de maio de
1971, que instituiu o Programa de Assistência ao Trabalhador Rural, em seu art. 4.º dispunha que
a aposentadoria seria devida quando se completassem 65 anos de idade, cabendo a concessão
do benefício apenas ao respectivo chefe ou arrimo de família (parágrafo único).
Por sua vez, de acordo com o art. 5.º da Lei Complementar n.º 16/73, o trabalhador rural deveria
comprovar a sua atividade pelo menos nos três últimos anos anteriores à data do pedido do
benefício.
Referidos dispositivos não foram recepcionados pela Constituição Federal de 1988, que passou
para 60 anos, para homens, e 55, para mulheres, a idade mínima exigida para a concessão do
benefício (art. 201, § 7.º, inciso II), excluindo a exigência da condição de chefe de família.
Além do requisito etário (60 anos, se homem, e 55 anos, se mulher), o trabalhador rural deve
comprovar o exercício de atividade rural, mesmo que descontínua, no período imediatamente
anterior ao requerimento do benefício, em número de meses idêntico à carência do benefício.
O dispositivo legal citado deve ser analisado em consonância com o art. 142 da Lei de Benefícios.
Não se exige do trabalhador rural o cumprimento de carência (art. 26, inciso III), como o dever de
verter contribuição por determinado número de meses, senão a comprovação do exercício laboral
durante o período respectivo.
Vale dizer: em relação às contribuições previdenciárias, é assente, desde sempre, o
entendimento de serem desnecessárias, sendo suficiente a comprovação do efetivo exercício de
atividade no meio rural (STJ, REsp n.º 207.425, 5.ª Turma, j. em 21/9/1999, v.u., DJ de
25/10/1999, p. 123, Rel. Ministro Jorge Scartezzini; e STJ, RESP n. 502.817, 5.ª Turma, j. em
14/10/2003, v.u., DJ de 17/11/2003, p. 361, Rel. Ministra Laurita Vaz).
Noutro passo, com relação ao art. 143 da Lei n.º 8.213/91, a regra transitória assegurou aos
rurícolas o direito de requerer aposentadoria por idade, no valor de um salário mínimo, durante 15
(quinze) anos, contados da vigência da referida Lei.
Assim, o referido prazo expiraria em 25/7/2006.
Entretanto, em relação ao trabalhador rural enquadrado como segurado empregado ou como
segurado contribuinte individual, que presta serviços de natureza rural, em caráter eventual, a
uma ou mais empresas, sem relação de emprego, o aludido prazo foi prorrogado por mais 2
(dois) anos, estendendo-se até 25/7/2008, em face do disposto na MP n.º 312/06, convertida na
Lei n.º 11.368/06.
Posteriormente, a Medida Provisória n.º 410/07, convertida na Lei n.º 11.718/08, estabeleceu
nova prorrogação para o prazo previsto no art. 143 da Lei n.º 8.213/91, ao determinar, em seu art.
2.º, que “Para o trabalhador rural empregado, o prazo previsto no art. 43 da Lei n.º 8.213/91, de
24 de julho de 1991, fica prorrogado até o dia 31 de dezembro de 2010” (art. 2.º) e, em seu art.
3.º, que “Na concessão de aposentadoria por idade do empregado rural , em valor equivalente ao
salário mínimo, serão contados para efeito de carência: I - até 31 de dezembro de 2010, a
atividade comprovada na forma do art. 143 da Lei n.º 8.213, de 24 de julho de 1991; II - de janeiro
de 2011 a dezembro de 2015, cada mês comprovado de emprego, multiplicado por 3 (três),
limitado a 12 (doze) meses, dentro do respectivo ano civil; e III - de janeiro de 2016 a dezembro
de 2020, cada mês comprovado de emprego, multiplicado por 2 (dois), limitado a 12 (doze)
meses dentro do respectivo ano civil”.
É de observar-se que, para os empregados rurais e contribuintes individuais eventuais, a regra
permanente do art. 48 da Lei n.º 8.213/91 continua a exigir, para concessão de aposentadoria por
idade a rurícolas, apenas a comprovação do efetivo exercício de "atividade rural, ainda que de
forma descontínua, no período imediatamente anterior ao requerimento do benefício, por tempo
igual ao número de meses de contribuição correspondente à carência do benefício pretendido",
consoante §§ 1.º e 2.º do referido dispositivo.
Essa comprovação do labor rural, nos termos dos arts. 48 e 143 da Lei de Benefícios, dar-se-á
por meio de prova documental, ainda que incipiente, e, nos termos do art. 55, § 3.º, da retrocitada
Lei, corroborada por prova testemunhal.
Acrescente-se que a jurisprudência de longa data vem atentando para a necessidade dessa
conjunção de elementos probatórios (início de prova documental e colheita de prova
testemunhal), o que resultou até mesmo na edição do verbete n.º 149 da Súmula da
Jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, in verbis:”
"A prova exclusivamente testemunhal não basta a comprovação da atividade rurícola, para efeito
de obtenção do benefício previdenciário".
DO CASO DOS AUTOS
O requisito etário restou satisfeito, pois a parte autora completou a idade mínima em 17/08/2014,
devendo fazer prova do exercício de atividade rural por 180 meses.
A autora afirmou que "nasceu e cresceu em área rural no Rio Grande Do Sul, trabalhando com
sua família em atividades essencialmente agrícolas, tendo dedicação exclusiva ao labor rural e de
forma contínua” (ID n.º 134287359 - Pág. 1).
Sustenta que “após casar-se com o senhor JOÃO ADAIR BREIT MARTINS, também trabalhador
rural, se mudaram para Bonito e deram continuidade aos trabalhos rurais”; que, “de 1984 a 1986,
trabalhou na Fazenda São Pedro, onde seu marido teve sua CTPS anotada”; que, “de 1998 a
2000, trabalhou em uma chácara arrendada por seu marido do Sr. João de Freitas, em
Bonito/MS, onde cultivavam mandioca, banana e hortaliças”; que, “de 2001 a 2003, trabalhou na
Fazenda São João, do Sr. Jallad, inicialmente em Bela Vista/MS”; que, “posteriormente, foram
transferidos para Bonito, em propriedade do mesmo patrão”; que, “em março de 2003, adquiriram
uma pequena propriedade no Assentamento Guaicurus, que utilizam para plantio de ramas,
hortaliças e criação de pequenos animais para consumo próprio, comercializando o excedente”.
(ID n.º 134287359 - Pág. 2).
Para demonstrar as alegações, juntou documentos, entre os quais destacam-se:
- cópia da certidão de casamento, celebrado em 24/12/1977, com JOÃO ADAIR BREIT MARTINS
(ID n.º 134287359 - Pág. 87).
- cópia da CTPS do Sr. JOÃO ADAIR BREIT MARTINS, emitida em 1975, comprovando vínculos
empregatícios: de 15/05/1980 até 30/05/1981, no cargo de “serviços gerais” para o empregador:
"IRMÃOS GEORGE E LINS" e de 01/09/1984 até o ano de 1986, no cargo de "tratorista", na
“Fazenda São Pedro”, tipo do estabelecimento: "agropecuária" - empregador: “PEDRO GALVÃO
P. TEODORO” (ID n.º 134287359 - Págs. 32 a 33).
- cópia do "CONTRATO DE ARRENDAMENTO DE IMÓVEL RURAL PARA FINS DE
EXPLORAÇÃO AGRÍCOLA", celebrado em 15/10/1998, no município de Bonito/MS, constando o
Sr. JOÃO ADAIR BREIT MARTINS como arrendatário de parte do referido imóvel rural
("aproximadamente 17 hectares") e responsável, pelo prazo de dois anos (de 15/10/1998 a
15/10/2000) pelo "plantio de dois hectares de mandioca amarelinha e 200 pés de bananas de
primeira qualidade" (ID n.º 134287359 - Págs. 24 a 25);
- cópia do contrato, celebrado em 31/05/2000, para “ARRENDAMENTO DO IMÓVEL RURAL
DENOMINADO FAZENDA SÃO JOÃO", no município de Bela Vista/MS, para fins de exploração
agrícola, constando o Sr. JOÃO JOSÉ JALLAD como arrendador e o Sr. JOÃO ADAIR BREIT
MARTINS como arrendatário, pelo prazo de três anos e quatro meses - de 01/06/2000 a
30/09/2003 (ID n.º 134287359 - Págs. 26 a 29);
- cópia da carteira de associado do SINDICATO DOS TRABALHADORES RURAIS DE
BONITO/MS, em nome do Sr. JOÃO ADAIR BREIT MARTINS, com data de admissão em
12/01/2002 (ID n.º 134287359 - Pág. 18);
- recibos, em nome do Sr. JOÃO ADAIR BREIT MARTINS, comprovando o pagamento de
mensalidades ao referido Sindicado, de "julho a novembro de 2002" e de "outubro a novembro de
2004" (ID n.º 134287359 - Pág. 20);
- cópia do contrato de compra e venda, em 17/03/2003, comprovando a aquisição, pela autora e
seu marido (JOÃO ADAIR BREIT MARTINS - qualificado como "agricultor"), de um "lote de
terreno rural, situado no Assentamento Guaicurus", devidamente registrado no INCRA sob o n.º
128658 – documento autenticado em Cartório (ID n.º 134287359 - Págs. 21 a 23);
- certidão de nascimento de LEONARDO DANIEL CRISTALDO MARTINS, em 20/01/2010, neto
da requerente - filho de DANIEL GOETTEMS MARTINS e MARIANA LIMA CRISTALDO (ID n.º
134287359 - Pág. 11). Consta dos autos que DANIEL GOETTEMS MARTINS (filho da autora)
faleceu em acidente de trânsito no dia 23/12/2009 (ID n.º 134287359 - Págs. 12 a 15).
- cópia do “TERMO DE ACORDO SOBRE GUARDA DE MENOR”, comprovando que a
requerente e seu marido (qualificado como "lavrador") detêm a guarda do neto LEONARDO
DANIEL CRISTALDO MARTINS (ID n.º 134287359 - Págs. 30 a 31);
- comprovante de que o benefício de aposentadoria por idade rural requerido pela autora (em
26/08/2014) foi indeferido na esfera administrativa (ID n.º 134287359 - Pág. 35);
- cópia de documento subscrito pelo Diretor da "Escola Municipal Rural Ozório Jacques - Projeto
de Assentamento Guaicurus - Zona Rural - Bonito/MS" de que o aluno LEONARDO DANIEL
CRISTALDO MARTINS (neto que vive sob a guarda da autora e de seu marido) está matriculado
no referido estabelecimento de ensino, tendo frequentado “o 2.º ano do Ensino Fundamental, no
ano letivo de 2017” (ID n.º 134287359 - Pág. 34).
Cabe ressaltar a existência de prova oral. Consta do Termo da audiência, realizada em
18/04/2018, perante o MM. Juízo da 1.ª Vara da Comarca de Bonito/MS (ID n.º 134287359 -
Págs. 80 e 81), que as testemunhas declaram que conhecem a parte autora há bastante tempo e
confirmam o alegado labor rural. Acrescentam que o casal trabalha, em regime de economia
familiar, na pequena propriedade deles, localizada no referido “Assentamento Guaicurus”,
integrante da Zona Rural do município de Bonito/MS, inclusive até a data da audiência.
Embora não haja transcrição dos depoimentos nos autos, da oitiva das mídias constantes do
processo no Sistema PJe, é possível verificar que a testemunha DARIO MORAIS DAS DORES
afirmou que “conhece a autora desde 2004; que ela já morava no assentamento antes dele
chegar com a família; que sabe dizer que “o lote é pequeno”; que “a autora e o marido não têm
empregados”; que "os vizinhos trocam serviços quando necessário"; que "a autora e o marido
moram lá nessa propriedade até hoje"; que “as propriedades rurais nesse assentamento e que o
aproveitamento é de apenas 50%”; que "a autora e marido vivem do que produzem na roça".
Indagado sobre "o que eles produzem", o depoente respondeu que "eles fazem uma
plantaçãozinha mais caseira, como: rama, batata, hortaliça, essas coisas, além de terem uma
vaquinha leiteira”; que “eles também criam frango e, quando aparece um comprador, eles vendem
o que produzem na própria propriedade”.
Por sua vez, a testemunha DULCINEIA PEREIRA ROCHA afirmou conhecer autora "desde
2003”; “quando conheceu a autora, ela já era casada com Seu João e que eles têm dois filhos".
Afirmou que eles tiveram "uma menina e um menino", mas que o rapaz "já é falecido"; que a
depoente e a autora moram no Assentamento Guaicurus e que são vizinhas; que “desde 2003 até
os dias atuais, a autora e seu marido moram e trabalham juntos na mesma propriedade rural
localizada no referido assentamento.”
Ao ser questionada sobre o tamanho da propriedade em que mora a autora, a depoente
respondeu que (sic) "deve ser uns 17 hectares, pois eu moro em um sítio de 17 hectares e, nesse
assentamento, os sítios são mais ou menos do mesmo tamanho"; que “a autora e seu marido não
têm empregados”; que "moram e trabalham no referido sítio, junto com o netinho”; que “eles
plantam horta, mandioca e essas coisinhas da roça"; que "desde que conheceu a família, nem o
seu João (marido da autora) nem Dona Reni trabalharam na cidade"; que a depoente já mora no
referido assentamento há 24 anos, mas somente conheceu a autora no ano de 2003, ocasião em
que ela e o marido foram morar no referido assentamento. Pelo que sabe, “a autora e seu marido
vivem do produto do trabalho do campo”.
Por fim, a testemunha RUFINO MARQUES GARCIA afirmou que “conhece a autora antes de
2000”. Informou “que, no ano de 2000, a Dona Reni e o marido arrendaram uma terra do "Seu
João". Afirmou que, por diversas vezes, ajudou Dona Reni e seu marido nas referidas
propriedades. Ao ser questionado se “apenas o marido da autora trabalhava na roça ou se ela
também ajudava”, a testemunha respondeu que (sic) "autora ajudava direto o marido na roça".
Declarou que "a autora e o marido passavam de fazenda em fazenda, sempre trabalhando na
roça, até que foram morar no Assentamento Guaicurus, em 2003; que, "de 2003 até hoje eles
moram e trabalham juntos nesse assentamento rural". Ao ser indagada sobre "o que eles plantam
nessa propriedade", a testemunha respondeu que "eles plantam horta, plantação" e que "eles
vivem do que eles produzem lá"; que "eles não têm empregados"; que sabe que "Seu João e
Dona Reni não trabalharam na cidade, desde o tempo em que os conhece”. Afirmou que sempre
os viu "trabalhando na roça"; que não sabe detalhar "se Dona Reni e Seu João são casados no
papel ou se vivem juntos"; que sabe que eles tiveram filhos.
É inconteste o valor probatório dos documentos apresentados, dos quais é possível inferir a
profissão exercida pelo marido da parte autora, à época dos fatos que se pretende comprovar.
Não se pode perder de vista que, diante da situação peculiarmente difícil no campo, é patente
que a mulher labore em auxílio a seu cônjuge, visando ao aumento de renda para obter melhores
condições de sobrevivência.
E os elementos documentais juntados constituem início de prova material, o que foi corroborado
pela prova testemunhal, confirmando a atividade campesina da parte autora.
Portanto, não vigora o argumento da autarquia apelante no sentido de que não se aproveita à
autora a condição de trabalhador rural de seu cônjuge. Veja-se:
“RECURSO ESPECIAL Nº 1.627.249 - PE (2016/0248066-8).
Trata-se de recurso especial interposto pelo INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL, com
fundamento no art. 105, III, a, da Constituição Federal, contra acórdão proferido pelo TRIBUNAL
REGIONAL FEDERAL DA 5.ª REGIÃO, assim ementado:
PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO. APOSENTADORIA POR IDADE. TRABALHADORA RURAL.
SEGURADA ESPECIAL. REGIME DE ECONOMIA FAMILIAR. INÍCIO DE PROVA MATERIAL.
EXTENSÃO DA CONDIÇÃO DE TRABALHADOR RURAL AO CONJUGE. COMPROVAÇÃO.
VALORES EM ATRASO. JUROS DE MORA. CORREÇÃO MONETÁRIA. MODULAÇÃO DOS
EFEITOS DAS ADI's 4357/DF e 4425/DF. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS.
- O trabalhador rural tem direito à aposentadoria especial, aos 60 (sessenta) anos, se homem, e
aos 55 (cinquenta e cinco) anos, se mulher (art. 201, § 7º, II, CF/88), comprovados o exercício de
labor no campo e o período de carência (art. 143, da Lei nº. 8.213/91).
- A prova da atividade rural deve ser feita na forma prevista no artigo 106 da Lei 8.213/91.
Contudo, ante as reconhecidas dificuldades daqueles que vivem na zona rural, em sua maioria
desprovidos de qualquer registro de seu trabalho, a jurisprudência tem admitido que a
comprovação seja feita mediante início de prova documental, corroborado por depoimentos
testemunhais.
- No caso, a autora colacionou aos autos o comprovante de recebimento do benefício de pensão
por morte, decorrente do óbito de seu esposo, como empregado rural, além dos registros na
CTPS de seu cônjuge como empregado rural, que complementado pelos depoimentos
testemunhais comprovam a sua atividade rurícola, fazendo, jus, portanto, a concessão do
benefício de aposentadoria por idade, na qualidade de trabalhadora rural, desde a data do
requerimento administrativo.
- É assente a jurisprudência no colendo STJ de que a juntada de documentos em nome do
marido da requerente demonstrando a condição de rurícola deste aproveita-se, também, a
esposa, sendo despicienda, assim, a documentação em nome próprio. Precedentes do colendo
STJ.
- Os honorários advocatícios devem ser reduzidos para o percentual de 10% sobre o valor da
condenação, com observância do disposto contido na Súmula 111/STJ.[...]
(STJ – REsp: 1627249 PE 2016/0248066-8, Relator: Ministro FRANCISCO FALCÃO, DJ de
20/04/2018 – g.n.)
Não obstante o INSS ter apontado que a demandante e seu marido possuem antigos registros de
atividade urbana, nos termos da consulta realizada no Sistema CNIS da Previdência Social, nota-
se que esses fatos não alteram a solução da causa, pois tais vínculos empregatícios são
relacionados à ocasião anterior à carência exigida em lei. A consulta atualizada ao CNIS revela
que o registro urbano da autora terminou em 31/07/1992.
Tenha-se presente que restou provada a predominância da atividade rural durante todo o período
produtivo de exercício laboral, consoante corroboram os depoimentos das testemunhas ouvidas,
no sentido de que a autora desenvolvia o labor rural ao lado de seu marido, a fim de contribuir
para a subsistência da família.
Esclareça-se que o Colendo Superior Tribunal de Justiça estabeleceu, no julgamento do RESP
n.º 1.354.908/SP, sob a sistemática dos recursos representativos de controvérsia repetitiva, a
necessidade da demonstração do exercício da atividade campesina em período imediatamente
anterior ao implemento do requisito etário.
Conforme registrado pela magistrada sentenciante, in verbis:
"A prova testemunhal atestou que, de fato, a parte autora laborou no meio rural, em verdadeiro
regime de economia familiar. Outrossim, a existência de eventuais anotações esparsas em
regime urbano não tiram da requerente a qualidade de segurada especial.
(...) A prova testemunhal colhida sobre o crivo do contraditório, ainda mais quando não
contraditadas as testemunhas, tem um valor relevante e integram o sistema probatório
processual, permitindo ao juízo sopesar a sua valia e sobre ela acertar a sua convicção.
No feito em tela, os elementos indiciários, documentos constantes nos autos, somados aos
esclarecimentos prestados pelas testemunhas, comprovam plenamente o período laborado pela
autora." (ID n.º 134287359 - Págs. 94 e 95)
De rigor, portanto, o deferimento do benefício, porquanto comprovado o exercício de atividade
rural pelo período de carência legalmente exigido.
A aposentadoria corresponde ao valor de um salário mínimo mensal, nos termos do art. 143 da
Lei n.º 8.213/91.
O termo inicial do benefício previdenciário deve retroagir à data do requerimento administrativo,
de acordo com a previsão contida no inciso II do art. 49 da Lei n.º 8.213/91. Na ausência de
demonstração do requerimento, o termo inicial deve retroagir à data da citação, ocasião em que a
autarquia tomou conhecimento da pretensão.
No caso, existe comprovação de requerimento, devendo o termo inicial ser nele fixado – mais
precisamente, em 26/08/2014, conclusão que, por si só, indica não ter razão alguma a prejudicial
de mérito trazida pelo INSS em seu recurso, concernente à alegada prescrição das parcelas
vencidas anteriormente ao quinquênio que precede o ajuizamento da ação, nos termos do art.
103, parágrafo único, da Lei n.º 8.213/91.
Devida a gratificação natalina, nos termos preconizados no art. 7.º, inciso VIII, da Constituição da
República.
A correção monetária das parcelas vencidas se dará nos termos da normatização de regência
(Lei n.º 6.899/1981 e legislação superveniente), bem como do Manual de Orientação de
Procedimentos para os cálculos na Justiça Federal, observado o decidido, sob a sistemática da
repercussão geral, no Recurso Extraordinário n.º 870.947, de 20/9/2017, sob relatoria do Ministro
Luiz Fux.
Fica afastada a incidência da Taxa Referencial (TR) na condenação, pois o Supremo Tribunal
Federal, ao apreciar embargos declaratórios no recurso extraordinário em questão, decidiu pela
não modulação dos efeitos.
Os juros moratórios são devidos à razão de 0,5% (meio por cento) ao mês, a contar da citação,
nos termos dos arts. 1.062 do Código Civil de 1916 e 240 do Código de Processo Civil. A partir da
vigência do novo Código Civil (Lei n.º 10.406/2002), deverão ser computados nos termos do art.
406 desse diploma, em 1% (um por cento) ao mês, nesse caso até 30/6/2009. A partir de 1.º de
julho de 2009, incidirão, uma única vez, até a conta final que servir de base para a expedição do
precatório, para fins de atualização monetária e de juros, os índices oficiais de remuneração
básica e juros aplicados à caderneta de poupança, nos termos do art. 1.º-F da Lei n.º 9.494/97,
com a redação dada pela Lei n.º 11.960/2009 (Repercussão Geral no RE n.º 870.947),
observada, quanto ao termo final da incidência, a tese firmada em Repercussão Geral no RE n.º
579.431, de 19/4/2017, Rel. Ministro Marco Aurélio.
Nos termos do art. 4.º, inciso I, da Lei Federal n.º 9.289/1996, o INSS está isento do pagamento
de custas processuais nas ações de natureza previdenciária ajuizadas nesta Justiça Federal,
assim como o está naquelas aforadas na Justiça do estado de São Paulo, por força do art. 6.º da
Lei Estadual n.º 11.608/2003, c. c. o art. 1.º, § 1.º, da mesma Lei n.º 9.289/1996, circunstância
que não o exime, porém, de arcar com as custas e as despesas processuais em restituição à
parte autora, em decorrência da sucumbência, na hipótese de pagamento prévio.
Já no que diz respeito às ações propostas perante a Justiça do estado de Mato Grosso do Sul, as
normativas que tratavam da aludida isenção (Leis Estaduais n.º 1.135/91 e n.º 1.936/98) restaram
revogadas a partir da edição da Lei Estadual n.º 3.779/09 (art. 24, §§ 1.º e 2.º), pelo que, nos
feitos advindos daquela Justiça Estadual, de rigor a imposição à autarquia previdenciária do
pagamento das custas processuais, exigindo-se o recolhimento apenas ao final da demanda,
caso caracterizada a sucumbência. Quanto ao prequestionamento suscitado, saliente-se inexistir
contrariedade alguma a legislação federal ou a dispositivos constitucionais.
Posto isso, não conheço do reexame necessário, rejeito a matéria preliminar e, no mérito, nego
provimento à apelação.
É o voto.
THEREZINHA CAZERTA
Desembargadora Federal Relatora
E M E N T A
PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR IDADE A TRABALHADOR RURAL. ART. 143 DA
LEI N.º 8.213/91. COMPROVAÇÃO DA ATIVIDADE DE RURÍCOLA NO PERÍODO ANTERIOR
AO REQUERIMENTO. CONCESSÃO DO BENEFÍCIO.
- Não conhecimento do reexame necessário, conforme disposto no art. 496, § 3.º, inciso I, do
Código de Processo Civil, que afasta a exigência do duplo grau de jurisdição quando a
condenação ou o proveito econômico for inferior a 1.000 salários mínimos.
- A atividade rural deve ser comprovada por meio de início de prova material, aliada à prova
testemunhal.
- O conjunto probatório é suficiente para ensejar a concessão do benefício vindicado.
- Reconhecimento da procedência do pedido formulado. ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Oitava Turma, por
unanimidade, decidiu não conhecer do reexame necessário, rejeitar a matéria preliminar e, no
mérito, negar provimento à apelação, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte
integrante do presente julgado.
Resumo Estruturado
VIDE EMENTA
