
9ª Turma
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0000423-03.2016.4.03.6006
RELATOR: Gab. 31 - DES. FED. DALDICE SANTANA
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: MARIA AGUIAR DA SILVA, DANIEL MONTEIRO DA SILVA, DEMILSON MONTEIRO DA SILVA, MARCIA MONTEIRO DA SILVA SIQUEIRA, MARIA APARECIDA MONTEIRO DA SILVA, VANDERLEY MONTEIRO DA SILVA
Advogado do(a) APELADO: ANGELICA DE CARVALHO CIONI - PR39693-A
OUTROS PARTICIPANTES:
9ª Turma
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0000423-03.2016.4.03.6006
RELATOR: Gab. 31 - DES. FED. DALDICE SANTANA
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: MARIA AGUIAR DA SILVA, DANIEL MONTEIRO DA SILVA, DEMILSON MONTEIRO DA SILVA, MARCIA MONTEIRO DA SILVA SIQUEIRA, MARIA APARECIDA MONTEIRO DA SILVA, VANDERLEY MONTEIRO DA SILVA
Advogado do(a) APELADO: ANGELICA DE CARVALHO CIONI - MS16851-A
R E L A T Ó R I O
Cuida-se de apelação interposta em face de sentença que julgou parcialmente procedentes o pedido, para tão somente determinar ao Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) que se abstenha de realizar a cobrança administrativa dos valores devidos a título de aposentadoria por idade indevidamente pagos, observada a sucumbência recíproca.
Houve dispensa do reexame necessário.
Inconformado, o Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) assevera, em síntese, ser possível a cobrança dos valores recebidos indevidamente pelo réu, visto haver expressa previsão legal de restituição no artigo 115, II, da Lei n. 8.213/1991.
Ao final, prequestiona a matéria para fins recursais.
Com contrarrazões, os autos subiram a esta Corte.
É o relatório.
DECLARAÇÃO DE VOTO
O Exmo. Desembargador Federal Gilberto Jordan:
Em sessão de julgamento realizada no dia 07/08/2024, a e. relatora reduziu a sentença aos limites do pedido, por ultra petita, ao fundamento de que a parte autora não realizou pedido expresso concernente em obter ordem judicial a fim de obstar a autarquia de realizar cobrança administrativa de valores pagos a título de aposentadoria por idade rural indevidamente pagos e julgou prejudicado o recurso do INSS.
Com a devida vênia, divirjo da e. relatora.
A ação proposta tem por escopo o restabelecimento da aposentadoria por idade à trabalhadora rural, após revisão administrativa.
O pedido da autora foi formulado nos seguintes termos:
“Condenar o INSS a restabelecer a autora o BENEFÍCIO DA APOSENTADORIA POR IDADE a partir da suspenção (sic) Administrativa, com a condenação do pagamento das prestações em atraso corrigidas na forma da lei, acrescidas de juros de mora desde quando se tornaram devidas às prestações”.
É firme a jurisprudência do e. STJ no sentido de que o pedido veiculado demanda de uma interpretação lógico-sistemática da petição inicial em sua integralidade, sendo desnecessário seu requerimento expresso no final da peça processual.
Confira-se:
AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. CONTRATO DE TRANSPORTE. INDENIZAÇÃO. DANO MORAL. JULGAMENTO EXTRA PETITA. NÃO OCORRÊNCIA. AGRAVO INTERNO DESPROVIDO.
1. A jurisprudência desta Corte Superior firmou entendimento no sentido de que "inexiste o alegado julgamento ultra petita, pois o julgador não violou os limites objetivos da pretensão, tampouco concedeu providência jurisdicional diversa do pedido formulado na inicial, porquanto o pedido deve ser extraído a partir de interpretação lógico-sistemática de toda a petição inicial, sendo desnecessária a sua formulação expressa na parte final desse documento, podendo o Juiz realizar análise ampla e detida da relação jurídica posta em exame" (AgRg no AREsp n. 420.451/RJ, Rel. Ministro Raul Araújo, Quarta Turma, julgado em 5/12/2013, DJe 19/12/2013).
2. Agravo interno desprovido.
(AgInt no AREsp n. 1.146.033/RS, relator Ministro Marco Aurélio Bellizze, Terceira Turma, julgado em 15/10/2018, DJe de 19/10/2018.)
In casu, a petição inicial afirma a legalidade e a regularidade da concessão com a prova do labora rural acostada no procedimento administrativo, portanto, ainda que não expressamente dito, assevera que os pagamentos efetuados são de direito.
Dessa forma, reiterando a máxima vênia à e. relatora, de uma intepretação lógico-sistemática de todo o asseverado na petição inicial, quando do indeferimento do pedido de restabelecimento do benefício, a declaração de inexigibilidade dos valores já percebidos em razão do reconhecimento da boa-fé da autora, tal como lançada na sentença recorrida não extrapolou os limites da lide. Isso porque, tal providência já está contido ou subentendido no pedido de restabelecimento do benefício desde a cessão administrativa do pagamento, como também está em harmonia com o princípio da efetividade da entrega da prestação jurisdicional, para se assegurar à parte o direito à atividade satisfativa da tutela jurisdicional, dando primazia a solução do mérito da causa, com a supremacia do direito material em detrimento do direito processual.
Portanto, entendo que a sentença não ultrapassou os limites do pedido, devendo a apelação do INSS ser conhecida no mérito.
Ante o exposto, não reconheço a nulidade da sentença por ultra petita e voto por conhecer do mérito da apelação do INSS.
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DECLARAÇÃO DE VOTO
VOTO COMPLEMENTAR
O Exmo. Desembargador Federal Gilberto Jordan:
Com a devida vênia, no tocante ao mérito, divirjo da eminente relatora no referente à conduta da parte autora perante a autarquia previdenciária, com o escopo de obter por via ilícita o benefício de aposentadoria rural.
Passo diretamente à controvérsia dos autos.
Do exame da documentação acostada aos autos, não antevejo o elemento substancial para verificação do ânimo da parte autora em obter benefício previdenciário de forma fraudulenta.
De fato, não se depreende da petição inicial da presente ação, bem como também das decisões administrativas proferidas no curso da revisão, a imputação à Autora de quaisquer condutas ilícitas consubstanciadas em apresentação de documentos falsos ou falsificados ou inserção de dados laborais fraudulentos para a concessão do benefício.
Não obstante a cessação tenha sido decorrente da Operação Lavoro deflagrada, que culminou em processos criminais em relação aos servidores autárquicos e pessoas do Sindicato, não foi alegado nem comprovado conluio da Autora para a fraude perpetrada.
É certo que a revisão do benefício que ensejou a cessação teve por base o reexame dos elementos probatórios que fundamentaram sua concessão, considerado ausente o exercício de atividade rural pelo período de carência necessário.
Contudo, é de se apontar que, no concernente aos documentos apresentados pela Autora, a atividade rural do grupo familiar estava amparada em documentos contemporâneos diversos, notadamente certidão de casamento e de nascimento dos filhos, constando o esposo da Autora como lavrador (Id. 291904496, pág. 17, 20 e 21).
Ainda, corroborando os documentos mencionados, são os depoimentos das testemunhas deste processo e do processo de concessão de pensão por morte rural nº 2008.60.06.000471-8, que tramitou perante a 1ª Vara Federal de Naviraí-MS, cuja cópia da transcrição de depoimentos da Autora e de seu filho Daniel, bem como de duas testemunhas, e da sentença que reconheceu a condição de trabalhador rural do esposo da Autora, concedendo-lhe a pensão por morte rural estão acostadas aos autos (Id. 291904496, págs. 52/58 e 291904497, págs. 01/03).
Sob esse aspecto, é de se concluir que a família da Autora, de fato, encontrava-se inserida em ambiente rural, que a Autora exerceu labor campesino e que seu sustento adivinha, direta ou indiretamente, do trabalho no campo.
Quanto à alegada aplicação do Tema 979 do STJ, certo é que deverá ocorrer somente para demandas distribuídas após a publicação do acórdão, havida em 23/04/2021, a saber:
“Com relação aos pagamentos indevidos aos segurados decorrentes de erro administrativo (material ou operacional), não embasado em interpretação errônea ou equivocada da lei pela Administração, são repetíveis os valores, sendo legítimo o seu desconto no percentual de até 30% (trinta por cento) do valor do benefício mensal, ressalvada a hipótese em que o segurado, diante do caso concreto, comprova sua boa-fé objetiva, sobretudo com demonstração de que não lhe era possível constatar o pagamento indevido.
Modulação dos efeitos: Tem-se de rigor a modulação dos efeitos definidos neste representativo da controvérsia, em respeito à segurança jurídica e considerando o inafastável interesse social que permeia a questão sub examine, e a repercussão do tema que se amolda a centenas de processos sobrestados no Judiciário. Desse modo somente deve atingir os processos que tenham sido distribuídos, na primeira instância, a partir da publicação deste acórdão”.
Desse modo, para as demandas distribuídas até 23/04/2021, a pacífica jurisprudência assentada era no sentido de que os benefícios recebidos por segurados que não agiam de má-fé eram irrepetíveis, em razão da presunção da boa-fé e do caráter alimentar da verba.
No caso destes autos, a ação foi distribuída antes de 23/04/2021, portanto, quando vigorada o entendimento de presunção de boa-fé, competindo ao INSS o ônus da prova da ativa atuação com má-fé por parte do segurado.
Nesse sentido foi o recente entendimento desta 9ª Turma em caso análogo, da mesma Operação Lavoro, assim ementado:
PREVIDENCIÁRIO. PROCESSUAL CIVIL. APOSENTADORIA POR IDADE. DEVOLUÇÃO DE VALORES PAGOS INDEVIDAMENTE. MÁ-FÉ NÃO COMPROVADA. REPETIÇÃO INDEVIDA.
- A hipótese não enseja reexame necessário. O artigo 475, §2º, do Código de Processo Civil de 1973, vigente na data da prolação da sentença, afasta a exigência do duplo grau de jurisdição quando a condenação ou o proveito econômico perseguido for inferior a 60 (sessenta) salários mínimos. Comparece, no caso, a certeza matemática de que a condenação que se objetiva não será superior ao limite legal estabelecido, daí por que aqui não se aplica o teor da Súmula nº 490 do Superior Tribunal de Justiça.
- A matéria devolvida, veiculada na apelação do INSS, cinge-se à exigibilidade da cobrança referente a indébito consistente nas prestações pagas a título de aposentadoria por idade considerada indevida.
- A partir de indício de irregularidade na concessão do benefício à autora, instaurou-se inquérito policial. A conclusão daquele apuratório foi no sentido de que o benefício foi concedido indevidamente ou de forma temerária.
- Sobre a autora, apontou-se que foi vítima de extorsão e entendeu-se não ser o caso de indiciá-la, à vista de indícios de que foi enganada por bando criminoso, sem envolvimento na falsificação de documentos utilizados pelos terceiros indiciados.
- Em procedimento de apuração de irregularidade, o INSS concluiu caracterizada fraude na concessão da aposentadoria, determinando sua cessação e dando início à cobrança dos valores pagos.
- Mas não comprovou a coparticipação da autora no engenho fraudulento.
- Má-fé da autora, portanto, não ficou demonstrada.
- E, ao tempo da propositura da ação – anterior à publicação do acórdão atrelado ao Tema 979/STJ –, a apelada estava dispensada de provar boa-fé comportamento.
- Nessa toada, dever de restituir não comparece.
- De consequência, impõe-se a manutenção da respeitável sentença.
- Apelo desprovido.
(TRF 3ª Região - ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL / MS 0002342-95.2014.4.03.6006 - Relator Desembargador Federal FERNANDO DAVID FONSECA GONCALVES - Órgão Julgador 9ª Turma - DJEN DATA: 16/05/2024)
Destarte, inexistindo comprovação de participação da Autora na fraude ou má-fé, e havendo provas concretas de sua condição de segurada especial, ainda que possa eventualmente não ter atingido a carência necessária - questão não apreciada neste julgado, em razão do Princípio do Tantum Devolutum Quanto Apellatum - é de se reconhecer presente a boa-fé objetiva da Autora, de modo a justificar a não devolução dos valores percebidos da aposentadoria por idade cessada, nos termos da sentença proferida.
HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS
Em razão da sucumbência recursal majoro em 100% os honorários fixados em sentença, observando-se o limite máximo de 20% sobre o valor da causa, a teor dos §§ 2º e 11 do art. 85 do CPC/2015.
DISPOSITIVO
Ante o exposto, com a devida vênia à e. relatora, voto por negar provimento à apelação do INSS, observados os honorários advocatícios fixados na fundamentação.
9ª Turma
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0000423-03.2016.4.03.6006
RELATOR: Gab. 31 - DES. FED. DALDICE SANTANA
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: MARIA AGUIAR DA SILVA, DANIEL MONTEIRO DA SILVA, DEMILSON MONTEIRO DA SILVA, MARCIA MONTEIRO DA SILVA SIQUEIRA, MARIA APARECIDA MONTEIRO DA SILVA, VANDERLEY MONTEIRO DA SILVA
Advogado do(a) APELADO: ANGELICA DE CARVALHO CIONI - MS16851-A
V O T O
A sentença é parcialmente nula.
Efetivamente, houve julgamento ultra petita na sentença, ao determinar que o INSS se abstivesse de realizar a cobrança administrativa dos valores devidos a título de aposentadoria por idade rural indevidamente pagos.
Isso porque, identifica-se que a parte apelada, em sua exordial, não realizou esse pedido, limitando-se a requerer o restabelecimento do benefício previdenciário desde a suspensão administrativa.
Ao assim atuar, o magistrado incorreu nas vedações expressas dos artigos 141 e 492 do Código de Processo Civil, caracterizando sua decisão como ultra petita, o que impõe sua adequação aos limites da pretensão veiculada.
Nesse sentido, destaco a doutrina de Rosa Maria de Andrade Nery e Nelson Nery Júnior, segundo a qual:
“1. Correlação entre pedido, causa de pedir e sentença. O autor fixa os limites da lide e da causa de pedir na petição inicial (CPC 128), cabendo ao juiz decidir de acordo com esse limite. É vedado ao magistrado proferir sentença acima (ultra), fora (extra) ou abaixo (citra ou infra) do pedido. Caso o faça a sentença será eivada de vício, corrigível por meio de recurso. A sentença citra ou infra petita pode ser corrigida por meio de embargos de declaração, cabendo ao juiz suprir a omissão; a sentença ultra ou extra petita não pode ser corrigida por embargos de declaração, mas só por apelação. Cumpre ao tribunal, ao julgar o recurso, reduzi-la aos limites do pedido” (in Código de Processo Civil Comentado e Legislação Extravagante, 11ª ed., Ed. RT, p. 697).
Dessa forma, a sentença deve ser reduzida aos limites do pedido, excluída a parte ultra petita que declarou indevida a cobrança dos valores pagos a título de aposentadoria por idade, diante da boa-fé da parte autora.
Diante do exposto, reduzo, de ofício, a sentença aos limites do pedido e, em consequência, julgo prejudicada a apelação.
É o voto.
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VOTO COMPLEMENTAR
Em razão do deliberado pela Nona Turma, por maioria, na sessão de julgamento de 7/8/2024, passo à apreciação das demais questões submetidas à julgamento.
A Administração Pública goza de prerrogativas, dentre as quais o controle administrativo, sendo-lhe dado rever os atos de seus próprios órgãos, anulando aqueles eivados de ilegalidade (artigo 37 da Constituição Federal – CF/1988), bem como revogando os atos cuja conveniência e oportunidade não mais subsistam.
Trata-se do poder de autotutela administrativo, enunciado nas Súmulas n. 346 e 473 do Supremo Tribunal Federal (STF), tendo como fundamento os princípios constitucionais da legalidade, da moralidade administrativa e da supremacia do interesse público, desde que obedecidos os regramentos constitucionais do contraditório e da ampla defesa (artigo 5º, LIV e LV, da CF), além da Lei n. 9.784/1999, aplicável à espécie:
"A Administração Pública pode declarar a nulidade dos seus próprios atos."
"A administração pode anular seus próprios atos, quando eivados de vícios que os tornem ilegais, porque deles não se originam direitos; ou revogá-los, por motivo de conveniência e oportunidade, respeitados os direitos adquiridos, e ressalvada, em todos os casos a apreciação judicial."
No caso dos autos, em revisão administrativa nos termos do artigo 11 da Lei 10.666/2003, a Administração Pública identificou anormalidades na concessão do benefício de aposentadoria por idade rural da parte autora (NB 41/141.727.262-4), após requisição da Procuradoria da República no Município de Dourados/MS, formalizada por meio dos Ofícios n. 97/2013/GABPRM2-MSMJ-DRS/MPF e 224/2013/MSMJ-DRS/MPS.
Houve reanálise motivada, sobretudo, pela deflagração da “Operação Lavoro”, cujo modus operandi era exatamente este: o sindicato expedia uma declaração de exercício de atividade rural sem base em documentos e evidências para que o servidor do INSS envolvido no esquema homologasse o tempo de serviço, concedendo indevidamente aposentadoria por idade rural. Essa foi a razão pela qual o benefício foi cessado, conforme Ofício n. 53/06.521/MOB/2015.
Ao que se depreende do ofício citado, emitido pela Gerência Executiva do INSS de Dourados/MS, a autarquia, em reanálise às peças concessórias, constatou, em resumo, as seguintes irregularidades quando da concessão do benefício:
“a) benefício concedido a requerente que não comprovou a condição de trabalhadora rural em todo o período necessário, até a data da entrada do requerimento ou até a data da implementação etária previsto no artigo 183 do Decreto n. 3.048/1999; (b) não comprovação de carência e qualidade de segurado como trabalhadora rural, de 168 meses na dará do requerimento do benefício ou 138 meses na implementação do quesito etário, na forma do artigo 48 da Lei n. 8.213/1991 e artigo 62 do Decreto n. 3.048/1999; (c) perda da qualidade de segurada entre a data do último período de atividade rural comprovado (08.1993) até a data da entrada do requerimento (2009) ou da implementação etária (2004), conforme artigo 15 da Lei n. 8.213/1991 e 13 do Decreto n. 3.048/1999.”
Assim, a autora foi notificada para que quitasse o débito previdenciário de R$ 50.499,12 (cinquenta mil, quatrocentos e noventa e nove reais e sessenta e doze centavos).
Quanto à necessidade de devolução dos valores, à luz do Código Civil (artigo 876), percebe pagamento indevido todo "aquele que recebeu o que não era devido" e, por consequência, "fica obrigado a restituir".
Ademais, deve ser levado em consideração o princípio geral do direito, positivado como regra no atual Código Civil, consistente na proibição do enriquecimento ilícito ou sem causa.
É o que textualmente estabelece o artigo 884 do Código Civil:
"Art. 884. Aquele que, sem justa causa, se enriquecer à custa de outrem, será obrigado a restituir o indevidamente auferido, feita a atualização dos valores monetários.
Parágrafo único. Se o enriquecimento tiver por objeto coisa determinada, quem a recebeu é obrigado a restituí-la, e, se a coisa não mais subsistir, a restituição se fará pelo valor do bem na época em que foi exigido."
Na seara do direito previdenciário, a possibilidade de cobrança imediata dos valores pagos indevidamente, mediante descontos no valor do benefício, está prevista no artigo 115, II, da Lei n. 8.213/1991.
Assim, ao estabelecer hipóteses de desconto sobre o valor do benefício, o próprio legislador reconheceu que as prestações previdenciárias, embora tenham a natureza de verbas alimentares, são repetíveis em quaisquer circunstâncias.
Nesse sentido: TRF 3ª Região, NONA TURMA, Ap - APELAÇÃO CÍVEL - 1028622 - 0021597-06.2005.4.03.9999, Rel. DESEMBARGADORA FEDERAL MARISA SANTOS, julgado em 24/05/2010, e-DJF3 Judicial 1 DATA:08/07/2010 PÁGINA: 1303; TRF 3ª Região, SÉTIMA TURMA, Ap - APELAÇÃO CÍVEL - 1627788 - 0016651-78.2011.4.03.9999, Rel. DESEMBARGADOR FEDERAL FAUSTO DE SANCTIS, julgado em 02/10/2017, e-DJF3 Judicial 1 DATA:16/10/2017.
A propósito, especificamente sobre devolução de valores recebidos em razão de erro da Administração, o Superior Tribunal de Justiça (STJ), em sede de recurso repetitivo (Tema 979), julgado em 10/3/2021, DJe 23/4/2021, assim deliberou sobre a matéria:
“Com relação aos pagamentos indevidos aos segurados decorrentes de erro administrativo (material ou operacional), não embasado em interpretação errônea ou equivocada da lei pela Administração, são repetíveis os valores, sendo legítimo o seu desconto no percentual de até 30% (trinta por cento) do valor do benefício mensal, ressalvada a hipótese em que o segurado, diante do caso concreto, comprova sua boa-fé objetiva, sobretudo com demonstração de que não lhe era possível constatar o pagamento indevido.”
Neste caso, dos pontos discutidos, conclui-se ter havido o recebimento de benefício previdenciário mediante fraude.
Não obstante as alegações da demandante, não há como eximi-la da responsabilização civil pelo ato ilícito praticado perante o INSS e que resultou em inegável prejuízo aos cofres públicos.
Quem se declarou como trabalhadora rural e usufruiu da vantagem decorrente do ato ilícito foi a autora, razão pela qual não há como dissociar o desfalque ao Erário do recebimento por ela de aposentadoria indevida por mais de seis anos.
Cabe frisar o fato de que este caso não se confunde com o erro administrativo tratado no Tema n. 979 do STJ.
Vale dizer: não houve erro operacional da Administração, mas a prática de ato viciado, em virtude do emprego de meios artificiosos.
Nessa esteira, não cabe cogitar da incidência da ressalva disposta nesse tema relativa à “demonstração de que não lhe era possível constatar o pagamento indevido”.
Incide na espécie, portanto, a regra da repetibilidade dos valores indevidamente recebidos (artigos 115, II, da Lei n. 8.213/1991, e 154, § 3º, do Decreto n. 3.048/1999), a qual prescinde da aferição da presença ou não de boa-fé objetiva da beneficiária ou da natureza alimentar do benefício.
Em decorrência, constatado o nexo de causalidade entre o dano aos cofres públicos e o ato ilícito praticado, a restituição dos valores recebidos indevidamente pela autora, a título de aposentadoria por idade rural, no período de 14/4/2009 a 30/06/2015, é medida que se impõe, nos termos do artigo 927 do Código Civil.
Fica mantida apenas a condenação da parte autora a pagar custas processuais e honorários de advogado, arbitrados em 12% (doze por cento) sobre o valor atualizado da causa, já majorados em razão da fase recursal, conforme critérios do artigo 85, §§ 1º e 11, do CPC, suspensa, porém, a exigibilidade, na forma do artigo 98, § 3º, do mesmo estatuto processual, por tratar-se de beneficiária da justiça gratuita.
Diante do exposto, vencida quanto ao reconhecimento da nulidade parcial da sentença, prossigo no julgamento a fim de dar provimento à apelação, para possibilitar a cobrança administrativa dos valores devidos a título de aposentadoria por idade indevidamente pagos.
É o voto complementar.
E M E N T A
PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR IDADE. CESSAÇÃO POR IRREGULARIDADE. OPERAÇÃO LAVORO. DEVOLUÇÃO DE VALORES PAGOS. INEXIGIBILIDADE. BOA-FÉ OBJETIVA CONFIGURADA. INAPLICABILIDADE DO TEMA 979/STJ. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS.
- O Superior Tribunal de Justiça, ao analisar o Tema 979 (REsp 1.381.734/RN), fixou a seguinte tese: "Com relação aos pagamentos indevidos aos segurados, decorrentes de erro administrativo (material ou operacional) não embasado em interpretação errônea ou equivocada da lei pela administração, são repetíveis, sendo legítimo o desconto no percentual de até 30% do valor do benefício pago ao segurado/beneficiário, ressalvada a hipótese em que o segurado, diante do caso concreto, comprove sua boa-fé objetiva, sobretudo com demonstração de que não lhe era possível constatar o pagamento indevido."
- Em procedimento de apuração de irregularidade, o INSS concluiu caracterizada fraude na concessão da aposentadoria, determinando sua cessação e dando início à cobrança dos valores pagos.
- A configuração da boa-fé fica mantida quando ausentes omissões, práticas fraudulentas ou em desacordo com a realidade dos fatos intentadas com vistas a ludibriar a Administração Pública.
- Para demandas distribuídas até 23/04/2021, a pacífica jurisprudência assentada era no sentido de que os benefícios recebidos por segurados que não agiam de má-fé eram irrepetíveis, em razão da presunção da boa-fé e do caráter alimentar da verba. Inaplicável, assim, o Tema 979/STJ.
- Honorários advocatícios majorados ante a sucumbência recursal, observando-se o limite legal, nos termos do §§ 2º e 11 do art. 85 do CPC/2015.
- Apelação do INSS não provida.
ACÓRDÃO
DESEMBARGADOR FEDERAL
