
| D.E. Publicado em 20/07/2018 |
EMENTA
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Nona Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, negar provimento ao recurso, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Desembargadora Federal
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APELAÇÃO CÍVEL Nº 0043184-64.2017.4.03.9999/SP
RELATÓRIO
Trata-se de apelação autoral tirada de sentença que julgou improcedente pedido de aposentadoria por idade de trabalhadora rural, ante a ausência de comprovação do período de carência legal exigida para o deferimento da referida benesse. Deixou de condenar a vencida em honorários advocatícios em virtude da concessão dos benefícios da justiça gratuita (fls. 85/87).
Em seu recurso, a promovente pugna pela reforma da decisão combatida, ao argumento de existência de início de prova material da atividade rurícola, corroborada por prova testemunhal harmônica (fls. 91/96).
Sem contrarrazões (fls. 103), subiram os autos a este Tribunal.
Em síntese, o relatório.
VOTO
Conheço do recurso de apelação, uma vez que cumpridos os requisitos de admissibilidade, conforme o artigo 1.011 do NCPC.
A aposentadoria por idade de rurícola exige idade mínima de 60 anos (homem) e 55 anos (mulher), bem assim comprovação do exercício de atividade rural, ainda que de forma descontínua, no período imediatamente anterior ao requerimento do benefício, em número de meses idêntico à carência da benesse, conforme tabela progressiva, de cunho transitório, inserta no art. 142 da Lei nº 8.213/91, a ser manejada conforme o ano de implementação do requisito etário, ficando afastada a obrigatoriedade de contribuições. Findo o período de vigência da norma de transição, imperioso aplicar-se a regra permanente estampada no art. 48 e parágrafos do mesmo diploma, na dicção da Lei nº 11.718/2008, fincada, nesse particular, a exigência de demonstração do exercício de labor rural por 180 meses (carência da aposentadoria por idade).
Muito se debateu a respeito da comprovação da atividade rural para efeito de concessão do aludido benefício e, atualmente, reconhece-se na jurisprudência elenco de posicionamentos assentados sobre o assunto, a nortear apreciação das espécies e a valoração dos respectivos conjuntos probatórios. Dentre esses entendimentos, podem-se destacar os seguintes:
(i) é suficiente à demonstração do labor rural início de prova material (v.g., documentos expedidos por órgãos públicos que contemplem a qualificação rurícola da parte autora, não sendo taxativo o rol de documentos previsto no art. 106 da Lei nº 8.213/91), corroborado por prova testemunhal coesa e harmônica, sendo inservível a tal finalidade prova exclusivamente testemunhal (Súmula STJ 149), inclusive para os chamados "boias-frias" (REsp nº 1.321.493/PR, apreciado na sistemática do art. 543-C do CPC);
(ii) são extensíveis à mulher, a partir da celebração do matrimônio ou do limiar da união estável, os documentos em que os cônjuges, ou conviventes, aparecem qualificados como lavradores (v.g., STJ, AGARESP 201402280175, Relatora Min. Assusete Magalhães, Segunda Turma, DJE 11/12/2014)
(iii) não se enquadra como princípio documental certidão recente da Justiça Eleitoral, preenchida de acordo com informações fornecidas pelo próprio postulante do jubilamento, assemelhando-se, portanto, à singela declaração unilateral de atividade profissional (e.g., TRF3, AC 00160584920114039999, Relator Juiz Convocado Valdeci dos Santos, Décima Turma, e-DJF3 01/07/2015; AC 00025385620104039999, AC 1482334, Relatora Desembargadora Federal Tania Marangoni, Oitava Turma, e-DJF3 16/04/2015).
(iv) o afastamento do ofício rural, após o preenchimento de todos os requisitos exigidos à aposentadoria, não interfere em sua concessão, sendo, contudo, inaplicável aos rurícolas o estatuído no art. 3º, da Lei nº 10.666/2003 (STJ, PET nº 7.476/PR, 3ª Seção, Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, j. 13/12/2010, Rel. p/ acórdão Min. Jorge Mussi; AgRg no REsp nº 1.253.184, 5ª Turma, Rel. Min. Jorge Mussi, j. 06/09/2011; AgRg no REsp nº 1.242.720, 6ª Turma, Rel. Min. Sebastião Reis Junior, j. 02/02/2012; REsp nº 1.304.136, 2ª Turma, Rel. Min. Herman Benjamim, j. 21/02/2013, DJe 07/03/2013), sob pena, inclusive, de se atribuir aos trabalhadores rurais regime híbrido em que se mesclariam as vantagens típicas dos campesinos e outras inerentes exclusivamente aos obreiros urbanos;
(v) possível o reconhecimento de tempo de serviço rural antecedente ou ulterior ao princípio de prova documental apresentado, desde que ratificado por testemunhos idôneos (STJ, REsp nº 1.348.633/SP, Relator Min. Arnaldo Esteves Lima, Primeira Seção, j. 28/08/2013, DJE 05/12/2014).
A despeito de toda evolução exegética a respeito da matéria, certo é que alguns pontos permaneceram polêmicos por anos e apenas recentemente experimentaram pacificação. Talvez o maior deles diga respeito, justamente, à necessidade de demonstração da labuta rural no período imediatamente anterior ao requerimento da benesse.
Respeitáveis posições recusavam uma resposta apriorística do que viesse a se entender pela expressão período imediatamente anterior, sob o argumento de que a solução da controvérsia passa por acurado estudo de cada caso concreto, com destaque à cronologia laboral da parte autora, a fim de definir se verdadeiramente se está diante de pessoa que dedicou sua vida profissional às lides rurais.
Sem embargo, o dissenso acabou desfechado pelo c. STJ em sede de recurso representativo de controvérsia, in verbis:
Da análise dos entendimentos jurisprudenciais coletados, penso que a concessão da aposentadoria por idade de trabalhador rural há de se atrelar à comprovação do desempenho de labor rural quando da propositura da ação, da formulação do requerimento administrativo ou, ao menos, por ocasião do atingimento do requisito etário, como, de resto, textualmente deliberado por esta E. Corte em paradigma da Terceira Seção:
Outra temática remanesce polêmica à atualidade, mormente na seara desta egrégia Corte, e diz com a necessidade de contemporaneidade do início de prova material amealhado a, quando menos, uma fração do período exigido pela lei para a outorga do benefício.
Muito embora reconheça postura algo hesitante deste Tribunal - que, muita vez, vem relativizando o atendimento dessa exigência, principalmente naquelas espécies em que o histórico laborativo rural da parte impressiona, permitindo divisar que na maior parte de sua jornada trabalhista a parte dedicou-se veramente aos ofícios campestres - tenho por certo que o egrégio STJ vem consagrando a imprescindibilidade de concomitância temporal - ainda que ínfima - entre a data do documento indiciário do afazer rurícola e o interstício de atividade rural necessário à concessão da benesse.
Seguem arestos nesse diapasão:
Esposando o mesmo raciocínio, a Súmula 34 da TNU, verbis:
"Para fins de comprovação do tempo de labor rural, o início de prova material deve ser contemporâneo à época dos fatos a provar".
A propósito, tenho que a condicionante resulta, de certo modo, enaltecida em recurso repetitivo emanado do c. STJ. Vale constatar, num primeiro lanço, o seguinte aresto, exarado sob o rito do art. 543-C do CPC/1973:
Ora bem, da leitura da ementa retrotranscrita, ressai cristalino ser dispensável que o princípio de prova documental diga respeito a todo o período a comprovar-se: admite-se que aluda, apenas, à parcela deste. Equivale, pois, a afirmar-se que o princípio deve reportar-se ao menos a um quinhão do intervalo laborativo a ser comprovado. E, em ação de aposentadoria por idade rural, o que deve ser demonstrado é justamente o lapso dito de carência, vale dizer, a labuta campesina no período imediatamente anterior à vindicação do benefício, pois, sem isso, não há benesse a deferir-se.
Destarte, à luz dos julgados do c. STJ e da linha exegética acima, inclino-me pela simultaneidade, ainda quando diminuta, entre os documentos ofertados e o interregno laboral necessário à outorga do beneplácito.
Postas as balizas, passa-se ao exame do caso dos autos.
De pronto, verifica-se o cumprimento pela autora do requisito etário em 16/06/2007 (fl. 08), incumbindo-lhe, pois, demonstrar atividade campestre por 156 meses.
A título de início de prova material, foi colacionada cópia da CTPS da autora com a anotação de diversos vínculos empregatícios rurais, entre 22/10/1979 e 01/07/2000, além de um vínculo urbano, junto a empresa "Hotel Duas Marias Ltda", como camareira, no período de 21/09/2001 a 08/03/2004 (fls. 09/14) .
Quanto às testemunhas, ouvidas em 14/06/2017, Alzira Azeli Antunes Santos declarou que conhece a autora desde 2000, pois eram vizinhas; afirmou que a autora trabalhava na lavoura (laranja, corte de cana), pois a via saindo para trabalhar todos os dias; a autora e seu marido trabalhavam juntos, com o turmeiro Donizete.
Aparecida Luzia Rita da Costa, de seu turno, informou que conhece a autora há 20 anos, pois eram vizinhas; que a requerente trabalhou na lavoura, durante mais de 15 anos, não sabendo informar nomes de empregadores; via a requerente "saindo cedo e voltando tarde" até 5 anos atrás.
Por aí vai-se vendo que os testigos ouvidos, coesos e harmônicos quanto à prestação de trabalho rural pela requerente, em consonância com o início de prova material, permitem concluir pelo desempenho dessa atividade pela autoria. E, por óbvio que não se pode descartar lapso de memória, de todo escusável face ao decurso de tempo, quanto à exatidão das datas citadas pelos depoentes.
Haure-se, do compulsar dos autos, que a sentença monocrática esquadrinhou as premissas necessárias ao implante de aposentadoria por idade de trabalhador rural e as reputou ausentes no caso vertente, ao argumento de que não teria restado comprovado o trabalho rural no período de carência, compreendido entre 16/06/1994 e 16/06/2007.
Assim, é de rigor que se aquilate a factibilidade de aposentadoria por idade, com aproveitamento de tempos de labor rural e urbano.
De logo, diga-se que na senda previdenciária se conhece certa flexibilização na apropriação dos pedidos deduzidos nas exordiais, em razão da própria hipossuficiência denotada pela parte autora, a mitigar-se o rigorismo próprio da legislação processual, permitindo-se, muita vez, certa fungibilidade na valoração da prestação pleiteada (cite-se, à guisa de exemplo, o deferimento de auxílio-doença quando postulada, apenas, aposentadoria por invalidez). Quanto à hipótese especificamente esboçada neste feito, muito embora se conheça jurisprudência havendo por extra petita a decisão judicial, sendo de citar, a título de exemplo, precedente desta própria Nona Turma nesse diapasão (APELREEX proc. reg. nº 00319623620164039999, Relator JUIZ CONVOCADO RODRIGO ZACHARIAS, TRF3, NONA TURMA, e-DJF3 Judicial 1 27/01/2017), certo é que o c. STJ tem decidido em sentido diverso. Consulte-se, a propósito, o seguinte precedente:
Nesse contexto, passa-se ao exame da possibilidade de outorga de aposentadoria por idade híbrida e, por isso, considera-se a carência de 180 meses, eis que a autora implementou o requisito etário da benesse (60 anos para a mulher) em 2012.
Assim, pelas provas carreadas aos autos, verifica-se a possibilidade de reconhecer o exercício do labor rural entre 1997 (ano a partir do qual a testemunha Aparecida Luzia Rita da Costa confirma a atividade rural da autora) e 20/09/2001 (data em que a requerente tornou-se camareira, fl. 13), além dos períodos compreendidos nas anotações da CTPS, totalizando 8 anos, 3 meses e 24 dias.
Observo que a anotação em CTPS é prova plena do labor campestre, no lapso nela indicado, e funciona como vestígio de prova no que concerne ao restante do interregno a ser comprovado, sendo apta, em linha de princípio, a amparar o trabalho agrícola no intervalo necessário, desde que ratificada por prova oral coesa e harmônica. Ademais disto, a produção do documento situa-se no âmbito do período de carência, como recomenda a jurisprudência.
Acerca da possibilidade de referido documento fazer as vezes de início de prova material, impende conferir os seguintes julgados deste Tribunal: AC 00145693520154039999, Relator DESEMBARGADOR FEDERAL PAULO DOMINGUES, SÉTIMA TURMA, e-DJF3 Judicial 03/03/2016; AC 00542011520084039999, Relatora DESEMBARGADORA FEDERAL LUCIA URSAIA, NONA TURMA, e-DJF3 06/07/2011.
Agregam-se ao lapso de labor rural, ora reconhecido, o interregno de serviço urbano que ecoa da cópia da CTPS da requerente e do extrato do CNIS (fls. 49), de 21/09/2001 a 08/03/2004.
Observo, ainda, que a autora esteve em gozo de auxílio-doença entre 18/11/2004 e 18/09/2005, bem como de 16/08/2006 a 01/01/2007.
Ressai, portanto, que a suplicante totaliza 10 anos, 9 meses e 12 dias e, assim, não reúne o tempo legalmente reclamado à concessão de aposentadoria por idade na modalidade híbrida.
Do exposto, NEGO PROVIMENTO AO RECURSO DA PARTE AUTORA, mantendo íntegra a sentença recorrida, por fundamentos diversos.
É o voto.
ANA PEZARINI
Desembargadora Federal
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| Data e Hora: | 10/07/2018 20:55:53 |
