Processo
RecInoCiv - RECURSO INOMINADO CÍVEL / SP
0000414-72.2020.4.03.6306
Relator(a)
Juiz Federal TAIS VARGAS FERRACINI DE CAMPOS GURGEL
Órgão Julgador
14ª Turma Recursal da Seção Judiciária de São Paulo
Data do Julgamento
07/02/2022
Data da Publicação/Fonte
DJEN DATA: 10/02/2022
Ementa
E M E N T A
PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR IDADE HÍBRIDA. CARÊNCIA. FACULTATIVO.
BENEFÍCIO POR INCAPACIDADE INTERCALADO POR PERÍODOS CONTRIBUTIVOS.
POSSIBILIDADE. PERÍODO DE LABOR RURAL. SEGURADO ESPECIAL. INÍCIO DE PROVA
MATERIAL CORROBORADA PELA PROVA TESTEMUNHAL. TEMPO DE CARÊNCIA
SUFICIENTE.
1. É possível o cômputo de períodos de gozo de benefício por incapacidade como carência,
desde que intercalado de períodos contributivos, ainda que como segurado facultativo e sem
necessidade de ser imediato ao fim do gozo.
2. Basta início de prova material contemporânea ao período rural em regime de economia familiar
que se pretende comprovar, não sendo necessária a juntada de um documento por ano, havendo
efeitos retroativos e prospectivos em tal documentação; cabe, ademais, a análise do conjunto
probatório, em especial da prova testemunhal produzida à luz de tal documentação.
3. No caso concreto, o início de prova material, ainda que pequeno, foi corroborado pelas
testemunhas ouvidas em Juízo.
4. Computados os períodos de contribuição reconhecidos pela sentença, tempo rural e benefício
por incapacidade como carência, há tempo de carência suficiente para a aposentadoria por idade.
5. Recurso inominado a que se dá provimento.
Acórdao
Jurisprudência/TRF3 - Acórdãos
PODER JUDICIÁRIOTurmas Recursais dos Juizados Especiais Federais Seção Judiciária de
São Paulo
14ª Turma Recursal da Seção Judiciária de São Paulo
RECURSO INOMINADO CÍVEL (460) Nº0000414-72.2020.4.03.6306
RELATOR:41º Juiz Federal da 14ª TR SP
RECORRENTE: HELENA MARIA LIMA DOS SANTOS
Advogados do(a) RECORRENTE: CARLOS EDUARDO GARUTTI JUNIOR - SP364033-A,
SERGIO DURAES DOS SANTOS - SP335193-A, ALVARO PROIETE - SP109729-A
RECORRIDO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
OUTROS PARTICIPANTES:
PODER JUDICIÁRIOJUIZADO ESPECIAL FEDERAL DA 3ª REGIÃOTURMAS RECURSAIS
DOS JUIZADOS ESPECIAIS FEDERAIS DE SÃO PAULO
RECURSO INOMINADO CÍVEL (460) Nº0000414-72.2020.4.03.6306
RELATOR:41º Juiz Federal da 14ª TR SP
RECORRENTE: HELENA MARIA LIMA DOS SANTOS
Advogados do(a) RECORRENTE: CARLOS EDUARDO GARUTTI JUNIOR - SP364033-A,
SERGIO DURAES DOS SANTOS - SP335193-A, ALVARO PROIETE - SP109729-A
RECORRIDO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
OUTROS PARTICIPANTES:
R E L A T Ó R I O
Trata-se de recurso interposto pela parte autora contra a sentença que julgou parcialmente
procedente o pedido de concessão de aposentadoria por idade híbrida, apenas para reconhecer
os períodos de recolhimentos de 01/01/2007 a 28/02/2009, 01/03/2009 a 31/10/2015 e
01/01/2018 a 30/11/2019, sem concessão do benefício.
O recorrente alega que a prova dos autos permite o reconhecimento do período rural de
06/03/1971 a 15/05/1979, assim como o período de benefício por incapacidade intercalado por
períodos contributivos de 08/03/2016 a 29/04/2016, pelo que possui tempo suficiente para a
aposentadoria por idade híbrida.
É o relatório.
PODER JUDICIÁRIOJUIZADO ESPECIAL FEDERAL DA 3ª REGIÃOTURMAS RECURSAIS
DOS JUIZADOS ESPECIAIS FEDERAIS DE SÃO PAULO
RECURSO INOMINADO CÍVEL (460) Nº0000414-72.2020.4.03.6306
RELATOR:41º Juiz Federal da 14ª TR SP
RECORRENTE: HELENA MARIA LIMA DOS SANTOS
Advogados do(a) RECORRENTE: CARLOS EDUARDO GARUTTI JUNIOR - SP364033-A,
SERGIO DURAES DOS SANTOS - SP335193-A, ALVARO PROIETE - SP109729-A
RECORRIDO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
OUTROS PARTICIPANTES:
V O T O
De saída, anoto que o Tema 1.104/STF, pelo qual as demandas com o presente objeto estavam
sobrestadas, foi definitivamente julgado em 09/02/2021, afastando-se a repercussão geral do
tema, por não ser matéria infraconstitucional.
De início, importante reforçar a possibilidade de aposentadoria por idade híbrida, ou seja, com a
utilização de tempo de serviço urbano, bem como de tempo rural em regime de economia
familiar e não contributivo, ambos para fins de carência.
Pois bem, determina o art. 55, § 2º, da Lei n.º 8.213/91 expressamente:
“Art. 55. (...)
§ 2º O tempo de serviço do segurado trabalhador rural, anterior à data de início de vigência
desta Lei, será computado independentemente do recolhimento das contribuições a ele
correspondentes, exceto para efeito de carência, conforme dispuser o Regulamento.
(...)”
Não obstante a clareza da regra transcrita, aplica-se ao caso concreto a exceção prevista no
art. 48, §§ 3º e 4º, da Lei n.º 8.213/91, combinado com o art. 3º, inciso I, da Lei n.º 11.718/2008,
verbis (grifos meus):
“Art. 48. A aposentadoria por idade será devida ao segurado que, cumprida a carência exigida
nesta Lei, completar 65 (sessenta e cinco) anos de idade, se homem, e 60 (sessenta), se
mulher.
§ 1º. Os limites fixados no ‘caput’ são reduzidos para sessenta e cinqüenta e cinco anos no
caso de trabalhadores rurais, respectivamente homens e mulheres, referidos na alínea a do
inciso I, na alínea g do inciso V e nos incisos VI e VII do art. 11.
§ 2º. Para os efeitos do disposto no § 1º deste artigo, o trabalhador rural deve comprovar o
efetivo exercício de atividade rural, ainda que de forma descontínua, no período imediatamente
anterior ao requerimento do benefício, por tempo igual ao número de meses de contribuição
correspondente à carência do benefício pretendido, computado o período a que se referem os
incisos III a VIII do § 9º do art. 11 desta Lei.
§ 3º. Os trabalhadores rurais de que trata o § 1º deste artigo que não atendam ao disposto no §
2º deste artigo, mas que satisfaçam essa condição, se forem considerados períodos de
contribuição sob outras categorias do segurado, farão jus ao benefício ao completarem 65
(sessenta e cinco) anos de idade, se homem, e 60 (sessenta) anos, se mulher.
§ 4º. Para efeito do § 3º deste artigo, o cálculo da renda mensal do benefício será apurado de
acordo com o disposto no inciso II do ‘caput’ do art. 29 desta Lei, considerando-se como salário-
de-contribuição mensal do período como segurado especial o limite mínimo de salário-de-
contribuição da Previdência Social.”
“Art. 3º. Na concessão de aposentadoria por idade do empregado rural, em valor equivalente ao
salário mínimo, serão contados para efeito de carência:
I - até 31 de dezembro de 2010, a atividade comprovada na forma do art. 143 da Lei no 8.213,
de 24 de julho de 1991;
(...)”
O art. 143 da Lei n.º 8.213/91, a que faz referência o art. 3º da Lei n.º 11.718/2008, acima
transcrito, estabelece regra de carência “ficta” aplicável ao tempo de serviço rural em regime de
economia familiar. Nos termos desse dispositivo, a carência da aposentadoria por idade pode
ser substituída pela comprovação de “exercício de atividade rural, ainda que descontínua, no
período imediatamente anterior ao requerimento do benefício, em número de meses idêntico à
carência do referido benefício”.
Importante assentar que se a regra mencionada vale para o segurado trabalhador rural que
apresenta, em seu histórico contributivo, períodos de atividade urbana, não há razão para que
tal regra não se aplique também, por questão de isonomia, ao trabalhador urbano que tenha
exercido atividade rural. Do contrário, chegar-se-ia à seguinte inconsistência: o trabalhador que
tivesse exercido atividade rural por um só dia, na véspera do requerimento da aposentadoria,
poderia computar, para efeito de carência, todo o seu período de atividade, urbana ou rural,
anterior ou posterior à vigência da Lei n.º 8.213/91, ainda que seu histórico profissional e perfil
contributivo fosse predominantemente urbano, ao passo que um outro trabalhador, com
histórico profissional e perfil contributivo predominantemente rural, mas que tivesse exercido um
só dia de atividade urbana na véspera do pedido de aposentadoria, já não poderia beneficiar-se
da mesma regra.
No caso concreto, a autora não estava em exercício de atividade urbana ou rural comprovada, à
época do implemento da idade mínima exigida (60 anos, já que não se aplica para a
aposentadoria por idade híbrida a redução de idade constante do dispositivo mencionado retro),
mas esta perda da qualidade de segurada ou ausência de comprovação de exercício de
atividade rural no período imediatamente anterior ao seu aniversário em nada lhe afeta.
Com efeito, desnecessárias maiores digressões quanto à desnecessidade de qualidade de
segurado para a aposentadoria por idade, estando pacificada e sedimentada a dissociação
temporal dos requisitos de tal espécie benefício.
Por outro lado, para o caso dos autos, igualmente não é necessária a comprovação de
atividade rural no período imediatamente anterior à implementação da idade ou do pedido
administrativo, hipótese que se aplica exclusivamente aos casos de aposentadoria por idade
rural, dada sua caracterização própria na lei.
No sentido do retro exposto, trago o minucioso acórdão do E. STJ:
PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR IDADE HÍBRIDA. ART. 48, §§ 3º e 4º, DA LEI
8.213/1991. TRABALHO URBANO E RURAL NO PERÍODO DE CARÊNCIA. REQUISITO.
LABOR CAMPESINO NO MOMENTO DO IMPLEMENTO DO REQUISITO ETÁRIO OU DO
REQUERIMENTO ADMINISTRATIVO. EXIGÊNCIA AFASTADO. CONTRIBUIÇÕES.
TRABALHO RURAL. CONTRIBUIÇÕES. DESNECESSIDADE.
1. O INSS interpôs Recurso Especial aduzindo que a parte ora recorrida não se enquadra na
aposentadoria por idade prevista no art. 48, § 3º, da Lei 8.213/1991, pois no momento do
implemento do requisito etário ou do requerimento administrativo era trabalhadora urbana,
sendo a citada norma dirigida a trabalhadores rurais. Aduz ainda que o tempo de serviço rural
anterior à Lei 8.213/1991 não pode ser computado como carência.
2. O § 3º do art. 48 da Lei 8.213/1991 (com a redação dada pela Lei 11.718/2008) dispõe: "§ 3o
Os trabalhadores rurais de que trata o § 1o deste artigo que não atendam ao disposto no § 2o
deste artigo, mas que satisfaçam essa condição, se forem considerados períodos de
contribuição sob outras categorias do segurado, farão jus ao benefício ao completarem 65
(sessenta e cinco) anos de idade, se homem, e 60 (sessenta) anos, se mulher."
3. Do contexto da Lei de Benefícios da Previdência Social se constata que a inovação
legislativa trazida pela Lei 11.718/2008 criou forma de aposentação por idade híbrida de
regimes de trabalho, contemplando aqueles trabalhadores rurais que migraram temporária ou
definitivamente para o meio urbano e que não têm período de carência suficiente para a
aposentadoria prevista para os trabalhadores urbanos (caput do art. 48 da Lei 8.213/1991) e
para os rurais (§§ 1º e 2º do art. 48 da Lei 8.213/1991).
4. Como expressamente previsto em lei, a aposentadoria por idade urbana exige a idade
mínima de 65 anos para homens e 60 anos para mulher, além de contribuição pelo período de
carência exigido. Já para os trabalhadores exclusivamente rurais, as idades são reduzidas em
cinco anos e o requisito da carência restringe-se ao efetivo trabalho rural (art. 39, I, e 143 da Lei
8.213/1991).
5. A Lei 11.718/2008, ao incluir a previsão dos §§ 3º e 4º no art. 48 da Lei 8.213/1991, abrigou,
como já referido, aqueles trabalhadores rurais que passaram a exercer temporária ou
permanentemente períodos em atividade urbana, já que antes da inovação legislativa o mesmo
segurado se encontrava num paradoxo jurídico de desamparo previdenciário: ao atingir idade
avançada, não podia receber a aposentadoria rural porque exerceu trabalho urbano e não tinha
como desfrutar da aposentadoria urbana em razão de o curto período laboral não preencher o
período de carência.
6. Sob o ponto de vista do princípio da dignidade da pessoa humana, a inovação trazida pela
Lei 11.718/2008 consubstancia a correção de distorção da cobertura previdenciária: a situação
daqueles segurados rurais que, com a crescente absorção da força de trabalho campesina pela
cidade, passam a exercer atividade laborais diferentes das lides do campo, especialmente
quanto ao tratamento previdenciário.
7. Assim, a denominada aposentadoria por idade híbrida ou mista (art. 48, §§ 3º e 4º, da Lei
8.213/1991) aponta para um horizonte de equilíbrio entre as evolução das relações sociais e o
Direito, o que ampara aqueles que efetivamente trabalharam e repercute, por conseguinte, na
redução dos conflitos submetidos ao Poder Judiciário.
8. Essa nova possibilidade de aposentadoria por idade não representa desequilíbrio atuarial,
pois, além de exigir idade mínima equivalente à aposentadoria por idade urbana (superior em
cinco anos à aposentadoria rural), conta com lapsos de contribuição direta do segurado que a
aposentadoria por idade rural não exige.
9. Para o sistema previdenciário, o retorno contributivo é maior na aposentadoria por idade
híbrida do que se o mesmo segurado permanecesse exercendo atividade exclusivamente rural,
em vez de migrar para o meio urbano, o que representará, por certo, expressão jurídica de
amparo das situações de êxodo rural, já que, até então, esse fenômeno culminava em severa
restrição de direitos previdenciários aos trabalhadores rurais.
10. Tal constatação é fortalecida pela conclusão de que o disposto no art. 48, §§ 3º e 4º, da Lei
8.213/1991 materializa a previsão constitucional da uniformidade e equivalência entre os
benefícios destinados às populações rurais e urbanas (art. 194, II, da CF), o que torna
irrelevante a preponderância de atividade urbana ou rural para definir a aplicabilidade da
inovação legal aqui analisada.
11. Assim, seja qual for a predominância do labor misto no período de carência ou o tipo de
trabalho exercido no momento do implemento do requisito etário ou do requerimento
administrativo, o trabalhador tem direito a se aposentar com as idades citadas no § 3º do art. 48
da Lei 8.213/1991, desde que cumprida a carência com a utilização de labor urbano ou rural.
Por outro lado, se a carência foi cumprida exclusivamente como trabalhador urbano, sob esse
regime o segurado será aposentado (caput do art. 48), o que vale também para o labor
exclusivamente rurícola (§§1º e 2º da Lei 8.213/1991).
12. Na mesma linha do que aqui preceituado: REsp 1.376.479/RS, Rel. Ministro Mauro
Campbell Marques, Segunda Turma, Julgado em 4.9.2014, pendente de publicação.
14. Observando-se a conjugação de regimes jurídicos de aposentadoria por idade no art. 48, §
3º, da Lei 8.213/1991, denota-se que cada qual deve ser observado de acordo com as
respectivas regras.
15. Se os arts. 26, III, e 39, I, da Lei 8.213/1991 dispensam o recolhimento de contribuições
para fins de aposentadoria por idade rural, exigindo apenas a comprovação do labor
campesino, tal situação deve ser considerada para fins do cômputo da carência prevista no art.
48, § 3º, da Lei 8.213/1991, não sendo, portanto, exigível o recolhimento das contribuições.
16. Correta a decisão recorrida que concluiu (fl. 162/e-STJ): "somados os 126 meses de
reconhecimento de exercício de atividades rurais aos 54 meses de atividades urbanas, chega-
se ao total de 180 meses de carência por ocasião do requerimento administrativo, suficientes à
concessão do benefício, na forma prevista pelo art. 48, § 3º, da Lei nº 8.213/1991".
17. Recurso Especial não provido.” (REsp 1407613, Segunda Turma, relator Ministro Herman
Benjamin, DJe 28/11/2014)
A questão da utilização do tempo remoto, por seu turno, foi julgada recentemente pelo E. STJ,
no Tema 1007, sendo firmada a seguinte tese: “O tempo de serviço rural, ainda que remoto e
descontínuo, anterior ao advento da Lei 8.213/1991, pode ser computado para fins da carência
necessária à obtenção da aposentadoria híbrida por idade, ainda que não tenha sido efetivado
o recolhimento das contribuições, nos termos do art. 48, § 3o. da Lei 8.213/1991, seja qual for a
predominância do labor misto exercido no período de carência ou o tipo de trabalho exercido no
momento do implemento do requisito etário ou do requerimento administrativo.”
Como referido acima, de tal julgado foi interposto recurso extraordinário, cuja admissibilidade foi
refutada pelo E. STF, pelo que tal tese está definitivamente julgada.
Assim, definida a regularidade do benefício em questão, assim como a irrelevância da
qualidade de segurado ou comprovação de exercício de atividade rural pelo período
imediatamente anterior ao implemento da idade pela autora. Entretanto, como se observa da
tese firmada, somente o tempo remoto não contributivo anterior à vigência da Lei 8.213/91 pode
ser utilizado para todos os fins, inclusive como carência.
Firmados tais contornos para a aposentadoria híbrida, passo à análise do caso concreto.
Pois bem, a sentença não reconheceu o período rural vindicado, alegando não haver início de
prova material contemporâneo e, de qualquer forma, que a prova testemunhal seria frágil.
Pois bem, a parte autora juntou para início de prova material a certidão de casamento de seus
pais, em que não constam as respectivas profissões; comprovante de registro no INCRA da
propriedade rural de seu pai; carteirinha de filiado ao Sindicato de Trabalhadores Rurais de
Carpina, datada de 21/12/1972; certidão de óbito de sua mãe, sem indicação de profissão; e
sua certidão de casamento, datada de 1980, já em Santos e com a profissão de seu marido
como industriário.
Assim, entendo haver início, ainda que parco, de prova material, especialmente pela
comprovação da existência da propriedade rural e pela natureza de sindicalizado do pai da
autora, sendo este documento contemporâneo aos fatos que pretende comprovar. Importante
ressaltar não ser necessária a juntada de um documento por ano que se pretende comprovar,
havendo possibilidade de que os documentos lancem seus efeitos retroativamente ou
prospectivamente, desde que corroborados por outros meios de prova.
Pois bem, foram ouvidas duas testemunhas nos autos, assim como uma informante, irmã da
autora. Apesar dos depoimentos um pouco confusos, o que é justificado pela simplicidade dos
depoentes, foram bastante uniformes em atestar que a autora vivia com sua família até o
casamento, trabalhando no campo com a cultura de milho, algodão, batata doce, macaxeira,
entre outros.
De todo o conjunto probatório, entendo possível o reconhecimento do período pleiteado no
recurso.
Com efeito, mesmo que em nome do genitor, os documentos demonstram o vínculo da família
com o campo, sendo comum que, em uma regime familiar, todos os componentes do grupo
auxiliem nas tarefas.
Por outro lado, a própria autora alega ter trabalhado até 15/05/1979, tendo vindo posteriormente
para São Paulo e aqui casado, o que é igualmente harmônico com a prova dos autos.
Entretanto, diante da prova apresentada, entendo que somente seja possível o reconhecimento
a partir de 21/12/1972, já que antes desta data não há qualquer elemento nos autos, seja na
prova documental, seja na prova testemunhal, a indicar o exercício do labor rural pelo núcleo
familiar.
Assim, a sentença merece reforma para que seja reconhecido o tempo rural de 21/12/1972 a
15/05/1979, inclusive como carência especificamente para a finalidade de obtenção de
aposentadoria por idade híbrida.
Passo à análise do cômputo de período de gozo de benefício por incapacidade para fins de
carência.
O artigo 55 da Lei n. 8.213/91 expressamente prevê que o tempo de gozo de benefício por
incapacidade intercalado por períodos de atividade deve ser computado para fins de tempo de
serviço. Confira-se:
“Artigo 55 – O tempo de serviço será comprovado na forma estabelecida noRegulamento,
compreendendo, além do correspondente às atividades dequalquer das categorias de
segurados de que trata o art. 11 desta Lei, mesmoque anterior à perda da qualidade de
segurado.(....)
II – o tempo intercado em que esteve em gozo de auxílio-doença ou aposentadoria por
invalidez; (....)”
Por outro lado, o Decreto 3.048/99, ao regulamentar a lei em questão, estabeleceu o seguinte,
na redação vigente à época do pedido administrativo:
“Art. 60. Até que lei específica discipline a matéria, são contados como tempo de contribuição,
entre outros:
(...)
III – o período em que o segurado esteve recebendo auxílio-doença ou aposentadoria por
invalidez, entre períodos de atividade;
(...)
IX - o período em que o segurado esteve recebendo benefício por incapacidade por acidente do
trabalho, intercalado ou não;
(...)”
No presente caso, observa-se do CNIS da parte autora que o benefício em questão é de
natureza previdenciária, pelo que necessária a constatação de que foi intercalado por
contribuições.
Pois bem, resta bastante claro do CNIS juntado aos autos que a autora contribuía como
facultativa desde 01/01/2007, gozando do benefício de 08/03/2016 a 29/04/2016, entre novas
contribuições a tal título, que ocorreram a partir de 01/07/2017.
Desta forma, não resta qualquer dúvida de que o período de auxílio-doença em questão foi
intercalado por períodos contributivo.
Por outro lado, a jurisprudência vem admitindo que o cômputo do tempo de contribuição dê-se
para todos os fins, aí incluída a carência.
Neste sentido o seguinte julgado:
“PROCESSUAL CIVIL E PREVIDENCIÁRIO. RECURSO ESPECIAL. APOSENTADORIA POR
IDADE. PERÍODO DE GOZO DE AUXÍLIO-DOENÇA. CÔMPUTO DO TEMPO PARA FINS DE
CARÊNCIA. INEXISTÊNCIA DE CONTRIBUIÇÃO EM PERÍODO INTERCALADO.
IMPOSSIBILIDADE. ACÓRDÃO EM CONSONÂNCIA COM A JURISPRUDÊNCIA DO STJ. 1. É
firme no Superior Tribunal de Justiça o entendimento de que é possível a consideração dos
períodos em que o segurado esteve em gozo de auxílio-doença ou de aposentadoria por
invalidez como carência para a concessão de aposentadoria por idade, se intercalados com
períodos contributivos, o que não ocorreu na espécie.
2. Tem-se que o acórdão recorrido está em consonância com a orientação do STJ, incidindo na
pretensão recursal, pois, o óbice da Súmula 83/STJ.
3. Ademais, não há como infirmar as conclusões do Tribunal de origem sem arredar as
premissas fático-probatórias sobre as quais se assentam, o que é vedado nos termos da
Súmula 7/STJ.
4. Recurso Especial não conhecido.”
(REsp 1709917/SP, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em
15/03/2018, DJe 16/11/2018)
Tal é o teor da súmula n. 73 da TNU, a saber:
“O tempo de gozo de auxílio-doença ou de aposentadoria por invalidez não decorrentes de
acidente de trabalho só pode ser computado como tempo de contribuição ou para fins de
carência quando intercalado entre períodos nos quais houve recolhimento de contribuições para
a previdência social.”
Acrescente-se que não há qualquer óbice pelo fato de as contribuições serem na qualidade de
facultativo, já que o que é demandado é que o benefício esteja intercalado por períodos
contributivos, inclusive não havendo estipulação legal para o número mínimo de contribuições.
Também não demanda a lei que os períodos sejam imediatamente posteriores ao gozo do
benefício, sequer que não tenha havido a perda de qualidade de segurado antes do reinício das
contribuições.
Assim, merece retoque a sentença, devendo ser reconhecido o período de 08/03/2016 a
29/04/2016 como carência.
Da concessão da aposentadoria
A aposentadoria por idade híbrida tem como requisitos a idade mínima que, para mulheres, é
de 60 anos e o tempo de carência que deve ser verificado nos termos do artigo 142 da Lei
8.213/91.
A autora completou a idade mínima em 30/06/2014, pelo que são necessários 180 meses de
carência para a implantação do benefício.
Da análise do processo administrativo é possível verificar que o INSS não reconheceu qualquer
período contributivo ou não contributivo ao autor, como se conclui do evento 2, fl. 79.
Nestes termos, até a DER (07/08/2019), a parte autora possuía, somado o período de labor
rural, benefício por incapacidade intercalado e os períodos urbanos de contribuição já
reconhecidos pela sentença, sem recurso do INSS, 209 meses de carência, conforme a planilha
que segue:
CONTAGEM DE TEMPO DE CONTRIBUIÇÃO
TEMPO DE SERVIÇO COMUM
-Data de nascimento: 30/06/1954
-Sexo: Feminino
-DER: 07/08/2019
- Período 1 -21/12/1972a15/05/1979- 6 anos, 4 meses e 25 dias - 78 carências - Tempo comum
- Período 2 -01/01/2007a28/02/2009- 2 anos, 2 meses e 0 dias - 26 carências - Tempo comum
- Período 3 -01/03/2009a31/10/2015- 6 anos, 8 meses e 0 dias - 80 carências - Tempo comum
- Período 4 -08/03/2016a29/04/2016- 0 anos, 1 meses e 22 dias - 2 carências - Tempo comum
- Período 5 -01/07/2017a30/09/2017- 0 anos, 3 meses e 0 dias - 3 carências - Tempo comum
- Período 6 -01/01/2018a30/11/2019- 1 anos, 11 meses e 0 dias - 23 carências - Tempo comum
(Período parcialmente posterior à DER)
-Soma até 07/08/2019 (DER): 17 anos, 2 meses, 24 dias, 209 carências
Assim, a autora reunia todos os requisitos para a concessão da aposentadoria por idade
híbrida.
Ante o exposto, DOU PROVIMENTO ao recurso da parte autora, para reconhecer o período
rural de 21/12/1972 a 15/05/1979, assim como o período de gozo de benefício de incapacidade
de 08/03/2016 a 29/04/2016 como carência, e conceder à parte autora aposentadoria por idade
híbrida, desde a DER (07/08/2019). Condeno o INSS, ainda, ao pagamento de todas as
prestações em atraso, que deverão ser acrescidas de atualização monetária, desde quando
devidas, e de juros moratórios, desde a citação, nos parâmetros constantes da Resolução CJF
658/20.
Concedo tutela específica para a implantação do benefício no prazo de 30 dias. Oficie-se com
urgência.
Sem condenação em custas e honorários advocatícios.
É como voto.
SÚMULA
APOSENTADORIA POR IDADE HÍBRIDA
AJUIZAMENTO: 30/01/2020
CITAÇÃO: 12/02/2020
DIB: 07/08/2019
PERÍODO RECONHECIDO NO ACÓRDÃO: período rural de 21/12/1972 a 15/05/1979, assim
como o período de gozo de benefício de incapacidade de 08/03/2016 a 29/04/2016 como
carência
E M E N T A
PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR IDADE HÍBRIDA. CARÊNCIA. FACULTATIVO.
BENEFÍCIO POR INCAPACIDADE INTERCALADO POR PERÍODOS CONTRIBUTIVOS.
POSSIBILIDADE. PERÍODO DE LABOR RURAL. SEGURADO ESPECIAL. INÍCIO DE PROVA
MATERIAL CORROBORADA PELA PROVA TESTEMUNHAL. TEMPO DE CARÊNCIA
SUFICIENTE.
1. É possível o cômputo de períodos de gozo de benefício por incapacidade como carência,
desde que intercalado de períodos contributivos, ainda que como segurado facultativo e sem
necessidade de ser imediato ao fim do gozo.
2. Basta início de prova material contemporânea ao período rural em regime de economia
familiar que se pretende comprovar, não sendo necessária a juntada de um documento por ano,
havendo efeitos retroativos e prospectivos em tal documentação; cabe, ademais, a análise do
conjunto probatório, em especial da prova testemunhal produzida à luz de tal documentação.
3. No caso concreto, o início de prova material, ainda que pequeno, foi corroborado pelas
testemunhas ouvidas em Juízo.
4. Computados os períodos de contribuição reconhecidos pela sentença, tempo rural e
benefício por incapacidade como carência, há tempo de carência suficiente para a
aposentadoria por idade.
5. Recurso inominado a que se dá provimento. ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Décima Quarta Turma
Recursal do Juizado Especial Federal da Terceira Região, Seção Judiciária de São Paulo
decidiu, por unanimidade, dar provimento ao recurso da parte autora, nos termos do relatório e
voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Resumo Estruturado
VIDE EMENTA
