Processo
RecInoCiv - RECURSO INOMINADO CÍVEL / SP
0000346-86.2020.4.03.6318
Relator(a)
Juiz Federal TAIS VARGAS FERRACINI DE CAMPOS GURGEL
Órgão Julgador
14ª Turma Recursal da Seção Judiciária de São Paulo
Data do Julgamento
12/11/2021
Data da Publicação/Fonte
DJEN DATA: 18/11/2021
Ementa
E M E N T A
PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR IDADE HÍBRIDA. CARÊNCIA. PERÍODO DE
LABOR RURAL. SEGURADO ESPECIAL. INÍCIO DE PROVA MATERIAL CORROBORADA
PELA PROVA TESTEMUNHAL. TEMPO DE CARÊNCIA SUFICIENTE.
1. Basta início de prova material contemporânea ao período rural em regime de economia familiar
que se pretende comprovar, não sendo necessária a juntada de um documento por ano, havendo
efeitos retroativos e prospectivos em tal documentação; cabe, ademais, a análise do conjunto
probatório, em especial da prova testemunhal produzida à luz de tal documentação.
3. No caso concreto, o início de prova material, ainda que pequeno, foi corroborado pelas
testemunhas ouvidas em Juízo, mas apenas para parte do período pleiteado.
4. Computados tempo rural e períodos como empregada doméstica constantes do CNIS, há
tempo de carência suficiente para a aposentadoria por idade.
5. Recurso inominado a que se dá parcial provimento.
Acórdao
PODER JUDICIÁRIOTurmas Recursais dos Juizados Especiais Federais Seção Judiciária de
São Paulo
14ª Turma Recursal da Seção Judiciária de São Paulo
Jurisprudência/TRF3 - Acórdãos
RECURSO INOMINADO CÍVEL (460) Nº0000346-86.2020.4.03.6318
RELATOR:41º Juiz Federal da 14ª TR SP
RECORRENTE: MARLENE VIEIRA DE OLIVEIRA
Advogados do(a) RECORRENTE: FELIPE RODOLFO NASCIMENTO TOLEDO - SP330435-N,
MAURICIO CESAR NASCIMENTO TOLEDO - SP329102-N
RECORRIDO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
OUTROS PARTICIPANTES:
PODER JUDICIÁRIOJUIZADO ESPECIAL FEDERAL DA 3ª REGIÃOTURMAS RECURSAIS
DOS JUIZADOS ESPECIAIS FEDERAIS DE SÃO PAULO
RECURSO INOMINADO CÍVEL (460) Nº0000346-86.2020.4.03.6318
RELATOR:41º Juiz Federal da 14ª TR SP
RECORRENTE: MARLENE VIEIRA DE OLIVEIRA
Advogados do(a) RECORRENTE: FELIPE RODOLFO NASCIMENTO TOLEDO - SP330435-N,
MAURICIO CESAR NASCIMENTO TOLEDO - SP329102-N
RECORRIDO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
OUTROS PARTICIPANTES:
R E L A T Ó R I O
Trata-se de recurso interposto pela parte autora contra a sentença que julgou improcedente o
pedido de concessão de aposentadoria por idade híbrida.
O recorrente alega que a prova dos autos permite o reconhecimento do período rural de 1972 a
1992, pelo que possui tempo suficiente para a aposentadoria por idade híbrida.
É o relatório.
PODER JUDICIÁRIOJUIZADO ESPECIAL FEDERAL DA 3ª REGIÃOTURMAS RECURSAIS
DOS JUIZADOS ESPECIAIS FEDERAIS DE SÃO PAULO
RECURSO INOMINADO CÍVEL (460) Nº0000346-86.2020.4.03.6318
RELATOR:41º Juiz Federal da 14ª TR SP
RECORRENTE: MARLENE VIEIRA DE OLIVEIRA
Advogados do(a) RECORRENTE: FELIPE RODOLFO NASCIMENTO TOLEDO - SP330435-N,
MAURICIO CESAR NASCIMENTO TOLEDO - SP329102-N
RECORRIDO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
OUTROS PARTICIPANTES:
V O T O
De saída, anoto que o Tema 1.104/STF, pelo qual as demandas com o presente objeto estavam
sobrestadas, foi definitivamente julgado em 09/02/2021, afastando-se a repercussão geral do
tema, por não ser matéria infraconstitucional.
Importante reforçar a possibilidade de aposentadoria por idade híbrida, ou seja, com a utilização
de tempo de serviço urbano, bem como de tempo rural em regime de economia familiar e não
contributivo, ambos para fins de carência.
Pois bem, determina o art. 55, § 2º, da Lei n.º 8.213/91 expressamente:
“Art. 55. (...)
§ 2º O tempo de serviço do segurado trabalhador rural, anterior à data de início de vigência
desta Lei, será computado independentemente do recolhimento das contribuições a ele
correspondentes, exceto para efeito de carência, conforme dispuser o Regulamento.
(...)”
Não obstante a clareza da regra transcrita, aplica-se ao caso concreto a exceção prevista no
art. 48, §§ 3º e 4º, da Lei n.º 8.213/91, combinado com o art. 3º, inciso I, da Lei n.º 11.718/2008,
verbis (grifos meus):
“Art. 48. A aposentadoria por idade será devida ao segurado que, cumprida a carência exigida
nesta Lei, completar 65 (sessenta e cinco) anos de idade, se homem, e 60 (sessenta), se
mulher.
§ 1º. Os limites fixados no ‘caput’ são reduzidos para sessenta e cinqüenta e cinco anos no
caso de trabalhadores rurais, respectivamente homens e mulheres, referidos na alínea a do
inciso I, na alínea g do inciso V e nos incisos VI e VII do art. 11.
§ 2º. Para os efeitos do disposto no § 1º deste artigo, o trabalhador rural deve comprovar o
efetivo exercício de atividade rural, ainda que de forma descontínua, no período imediatamente
anterior ao requerimento do benefício, por tempo igual ao número de meses de contribuição
correspondente à carência do benefício pretendido, computado o período a que se referem os
incisos III a VIII do § 9º do art. 11 desta Lei.
§ 3º. Os trabalhadores rurais de que trata o § 1º deste artigo que não atendam ao disposto no §
2º deste artigo, mas que satisfaçam essa condição, se forem considerados períodos de
contribuição sob outras categorias do segurado, farão jus ao benefício ao completarem 65
(sessenta e cinco) anos de idade, se homem, e 60 (sessenta) anos, se mulher.
§ 4º. Para efeito do § 3º deste artigo, o cálculo da renda mensal do benefício será apurado de
acordo com o disposto no inciso II do ‘caput’ do art. 29 desta Lei, considerando-se como salário-
de-contribuição mensal do período como segurado especial o limite mínimo de salário-de-
contribuição da Previdência Social.”
“Art. 3º. Na concessão de aposentadoria por idade do empregado rural, em valor equivalente ao
salário mínimo, serão contados para efeito de carência:
I - até 31 de dezembro de 2010, a atividade comprovada na forma do art. 143 da Lei no 8.213,
de 24 de julho de 1991;
(...)”
O art. 143 da Lei n.º 8.213/91, a que faz referência o art. 3º da Lei n.º 11.718/2008, acima
transcrito, estabelece regra de carência “ficta” aplicável ao tempo de serviço rural em regime de
economia familiar. Nos termos desse dispositivo, a carência da aposentadoria por idade pode
ser substituída pela comprovação de “exercício de atividade rural, ainda que descontínua, no
período imediatamente anterior ao requerimento do benefício, em número de meses idêntico à
carência do referido benefício”.
Importante assentar que se a regra mencionada vale para o segurado trabalhador rural que
apresenta, em seu histórico contributivo, períodos de atividade urbana, não há razão para que
tal regra não se aplique também, por questão de isonomia, ao trabalhador urbano que tenha
exercido atividade rural. Do contrário, chegar-se-ia à seguinte inconsistência: o trabalhador que
tivesse exercido atividade rural por um só dia, na véspera do requerimento da aposentadoria,
poderia computar, para efeito de carência, todo o seu período de atividade, urbana ou rural,
anterior ou posterior à vigência da Lei n.º 8.213/91, ainda que seu histórico profissional e perfil
contributivo fosse predominantemente urbano, ao passo que um outro trabalhador, com
histórico profissional e perfil contributivo predominantemente rural, mas que tivesse exercido um
só dia de atividade urbana na véspera do pedido de aposentadoria, já não poderia beneficiar-se
da mesma regra.
No caso concreto, a autora estava em exercício de atividade urbana comprovada, à época do
implemento da idade mínima exigida (60 anos, já que não se aplica para a aposentadoria por
idade híbrida a redução de idade constante do dispositivo mencionado retro), mas ainda que
não estivesse, a perda da qualidade de segurada ou ausência de comprovação de exercício de
atividade rural no período imediatamente anterior ao seu aniversário em nada lhe afetaria.
Com efeito, desnecessárias maiores digressões quanto à desnecessidade de qualidade de
segurado para a aposentadoria por idade, estando pacificada e sedimentada a dissociação
temporal dos requisitos de tal espécie benefício.
Por outro lado, para o caso dos autos, igualmente não é necessária a comprovação de
atividade rural no período imediatamente anterior à implementação da idade ou do pedido
administrativo, hipótese que se aplica exclusivamente aos casos de aposentadoria por idade
rural, dada sua caracterização própria na lei.
No sentido do retro exposto, trago o minucioso acórdão do E. STJ:
PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR IDADE HÍBRIDA. ART. 48, §§ 3º e 4º, DA LEI
8.213/1991. TRABALHO URBANO E RURAL NO PERÍODO DE CARÊNCIA. REQUISITO.
LABOR CAMPESINO NO MOMENTO DO IMPLEMENTO DO REQUISITO ETÁRIO OU DO
REQUERIMENTO ADMINISTRATIVO. EXIGÊNCIA AFASTADO. CONTRIBUIÇÕES.
TRABALHO RURAL. CONTRIBUIÇÕES. DESNECESSIDADE.
1. O INSS interpôs Recurso Especial aduzindo que a parte ora recorrida não se enquadra na
aposentadoria por idade prevista no art. 48, § 3º, da Lei 8.213/1991, pois no momento do
implemento do requisito etário ou do requerimento administrativo era trabalhadora urbana,
sendo a citada norma dirigida a trabalhadores rurais. Aduz ainda que o tempo de serviço rural
anterior à Lei 8.213/1991 não pode ser computado como carência.
2. O § 3º do art. 48 da Lei 8.213/1991 (com a redação dada pela Lei 11.718/2008) dispõe: "§ 3o
Os trabalhadores rurais de que trata o § 1o deste artigo que não atendam ao disposto no § 2o
deste artigo, mas que satisfaçam essa condição, se forem considerados períodos de
contribuição sob outras categorias do segurado, farão jus ao benefício ao completarem 65
(sessenta e cinco) anos de idade, se homem, e 60 (sessenta) anos, se mulher."
3. Do contexto da Lei de Benefícios da Previdência Social se constata que a inovação
legislativa trazida pela Lei 11.718/2008 criou forma de aposentação por idade híbrida de
regimes de trabalho, contemplando aqueles trabalhadores rurais que migraram temporária ou
definitivamente para o meio urbano e que não têm período de carência suficiente para a
aposentadoria prevista para os trabalhadores urbanos (caput do art. 48 da Lei 8.213/1991) e
para os rurais (§§ 1º e 2º do art. 48 da Lei 8.213/1991).
4. Como expressamente previsto em lei, a aposentadoria por idade urbana exige a idade
mínima de 65 anos para homens e 60 anos para mulher, além de contribuição pelo período de
carência exigido. Já para os trabalhadores exclusivamente rurais, as idades são reduzidas em
cinco anos e o requisito da carência restringe-se ao efetivo trabalho rural (art. 39, I, e 143 da Lei
8.213/1991).
5. A Lei 11.718/2008, ao incluir a previsão dos §§ 3º e 4º no art. 48 da Lei 8.213/1991, abrigou,
como já referido, aqueles trabalhadores rurais que passaram a exercer temporária ou
permanentemente períodos em atividade urbana, já que antes da inovação legislativa o mesmo
segurado se encontrava num paradoxo jurídico de desamparo previdenciário: ao atingir idade
avançada, não podia receber a aposentadoria rural porque exerceu trabalho urbano e não tinha
como desfrutar da aposentadoria urbana em razão de o curto período laboral não preencher o
período de carência.
6. Sob o ponto de vista do princípio da dignidade da pessoa humana, a inovação trazida pela
Lei 11.718/2008 consubstancia a correção de distorção da cobertura previdenciária: a situação
daqueles segurados rurais que, com a crescente absorção da força de trabalho campesina pela
cidade, passam a exercer atividade laborais diferentes das lides do campo, especialmente
quanto ao tratamento previdenciário.
7. Assim, a denominada aposentadoria por idade híbrida ou mista (art. 48, §§ 3º e 4º, da Lei
8.213/1991) aponta para um horizonte de equilíbrio entre as evolução das relações sociais e o
Direito, o que ampara aqueles que efetivamente trabalharam e repercute, por conseguinte, na
redução dos conflitos submetidos ao Poder Judiciário.
8. Essa nova possibilidade de aposentadoria por idade não representa desequilíbrio atuarial,
pois, além de exigir idade mínima equivalente à aposentadoria por idade urbana (superior em
cinco anos à aposentadoria rural), conta com lapsos de contribuição direta do segurado que a
aposentadoria por idade rural não exige.
9. Para o sistema previdenciário, o retorno contributivo é maior na aposentadoria por idade
híbrida do que se o mesmo segurado permanecesse exercendo atividade exclusivamente rural,
em vez de migrar para o meio urbano, o que representará, por certo, expressão jurídica de
amparo das situações de êxodo rural, já que, até então, esse fenômeno culminava em severa
restrição de direitos previdenciários aos trabalhadores rurais.
10. Tal constatação é fortalecida pela conclusão de que o disposto no art. 48, §§ 3º e 4º, da Lei
8.213/1991 materializa a previsão constitucional da uniformidade e equivalência entre os
benefícios destinados às populações rurais e urbanas (art. 194, II, da CF), o que torna
irrelevante a preponderância de atividade urbana ou rural para definir a aplicabilidade da
inovação legal aqui analisada.
11. Assim, seja qual for a predominância do labor misto no período de carência ou o tipo de
trabalho exercido no momento do implemento do requisito etário ou do requerimento
administrativo, o trabalhador tem direito a se aposentar com as idades citadas no § 3º do art. 48
da Lei 8.213/1991, desde que cumprida a carência com a utilização de labor urbano ou rural.
Por outro lado, se a carência foi cumprida exclusivamente como trabalhador urbano, sob esse
regime o segurado será aposentado (caput do art. 48), o que vale também para o labor
exclusivamente rurícola (§§1º e 2º da Lei 8.213/1991).
12. Na mesma linha do que aqui preceituado: REsp 1.376.479/RS, Rel. Ministro Mauro
Campbell Marques, Segunda Turma, Julgado em 4.9.2014, pendente de publicação.
14. Observando-se a conjugação de regimes jurídicos de aposentadoria por idade no art. 48, §
3º, da Lei 8.213/1991, denota-se que cada qual deve ser observado de acordo com as
respectivas regras.
15. Se os arts. 26, III, e 39, I, da Lei 8.213/1991 dispensam o recolhimento de contribuições
para fins de aposentadoria por idade rural, exigindo apenas a comprovação do labor
campesino, tal situação deve ser considerada para fins do cômputo da carência prevista no art.
48, § 3º, da Lei 8.213/1991, não sendo, portanto, exigível o recolhimento das contribuições.
16. Correta a decisão recorrida que concluiu (fl. 162/e-STJ): "somados os 126 meses de
reconhecimento de exercício de atividades rurais aos 54 meses de atividades urbanas, chega-
se ao total de 180 meses de carência por ocasião do requerimento administrativo, suficientes à
concessão do benefício, na forma prevista pelo art. 48, § 3º, da Lei nº 8.213/1991".
17. Recurso Especial não provido.” (REsp 1407613, Segunda Turma, relator Ministro Herman
Benjamin, DJe 28/11/2014)
A questão da utilização do tempo remoto, por seu turno, foi julgada recentemente pelo E. STJ,
no Tema 1007, sendo firmada a seguinte tese: “O tempo de serviço rural, ainda que remoto e
descontínuo, anterior ao advento da Lei 8.213/1991, pode ser computado para fins da carência
necessária à obtenção da aposentadoria híbrida por idade, ainda que não tenha sido efetivado
o recolhimento das contribuições, nos termos do art. 48, § 3o. da Lei 8.213/1991, seja qual for a
predominância do labor misto exercido no período de carência ou o tipo de trabalho exercido no
momento do implemento do requisito etário ou do requerimento administrativo.”
Como referido acima, de tal julgado foi interposto recurso extraordinário, cuja admissibilidade foi
refutada pelo E. STF, pelo que tal tese está definitivamente julgada.
Assim, definida a regularidade do benefício em questão, assim como a irrelevância da
qualidade de segurado ou comprovação de exercício de atividade rural pelo período
imediatamente anterior ao implemento da idade pela autora. Entretanto, como se observa da
tese firmada, somente o tempo remoto não contributivo anterior à vigência da Lei 8.213/91 pode
ser utilizado para todos os fins, inclusive como carência.
Firmados tais contornos para a aposentadoria híbrida, passo à análise do caso concreto.
Pois bem, a sentença não reconheceu o período rural vindicado, alegando que o conjunto
probatório seria muito fraco, já que apenas contemplaria sua CTPS com vínculos em 1986 e
1992.
Trago, no que diz respeito análise da prova dos autos, o relato e conclusões tecidas pela
sentença:
“(...)
No caso concreto, a autora, nascida aos 22/07/1959, completou 60 (sessenta) anos de idade
aos 22/07/2019. Pelo que se depreende da tabela do artigo 142 da Lei n.º 8.213/91, a carência
necessária para a concessão do benefício que pleiteia seria de 180 contribuições. Este é o
tempo de atividade rural que a autora deve comprovar ter exercido, para a procedência de seu
pleito.
Para comprovar o fato alegado na inicial, apresentou como início de prova material tão-somente
os seguintes documentos: i) CTPS nº 45063 – série 00031SP emitida em 23/04/1986, com
registro de vínculos empregatícios rurais de 15/02/1986 a 16/09/1986 e 18/05/1992 a
27/06/1992, com início de vínculo empregatício urbano (empregada doméstica), a partir de
01/07/1992; ii) certidão de casamento civil de José Carlos Pereira Sander, qualificado como
serviços gerais, e Marlene Vieira de Oliveira, qualificada como empregada doméstica, celebrado
aos 16/02/2019.
Em depoimento pessoal, a parte autora relatou o seguinte:
“que nasceu em 1959, na cidade de Malacacheta/MG; que a família da autora mudou-se para a
cidade de Teófilo Otoni/MG, quando era recém nascida; que o pai da autora trabalhou em
várias fazendas da região de Teófilo Otoni/MG, ocupando a função de amansador de burro
bravo; que, quando a autora tinha 10 anos de idade, o seu pai adquiriu um pequeno sítio,
dedicando-se à plantação de arroz, feijão e milho; que a autora era a mais velha de seis irmãos;
que a autora estudou até 4ª série, na cidade de Cachoeirinha do Aranã/MG, que estudou
durante o período noturno (método Mobral); que a autora trabalhava todos os dias, durante os
períodos da manhã e da tarde; que a autora, quando completou 16 anos de idade, casou-se
com o seu esposo, que era retireiro; que o casal foi morar na Fazenda São Geraldo, de
propriedade do Sr. Jasson, localizada próxima à cidade de Itambacuri/MG; que a autora passou
a trabalhar com plantio de arroz e milho; que eles não tinham carteira assinada; que o filho mais
velho da autora nasceu na Fazenda São Geraldo, no ano de 1980; que, depois que seu filho
mais velho completou três meses de vida, o casal mudou-se para a cidade de Cristais
Paulista/SP; que, em Cristais Paulista/SP, a autora trabalhou na Fazenda Guaraciaba, tirando
leite (retireira), bem como na Fazenda São Pedro; que, depois, começou a trabalhar nas
Fazendas São João e Guaraciaba, em lavoura de café, com registro de contrato de trabalho;
que o esposo da autora sempre trabalhou na roça; que o casal se separou há 16 anos; que a
autora parou de trabalhar no campo em 1992 e começou a laborar como empregada doméstica;
que a autora teve quatro filhos, todos nascidos quando ainda laborava na roça.”
As testemunhas arroladas pela parte autora, ao serem inquiridas em juízo, minudenciaram o
seguinte:
Valdivino Joaquim de Almeida
“que conhece a autora da cidade de Cachoeirinha do Aranã/MG; que a testemunha conheceu o
pai da autora e sabe que ele tinha imóvel rural; que a autora ajudava o pai a tirar leite; que a
família não contava com auxílio de empregados; que a testemunha morava a duas léguas da
casa da autora; que, em Cristais Paulista/SP, a autora e o esposo passaram a residir na
Fazenda São Pedro, de propriedade do Sr. Moacir Mendonça, trabalhando como retireiros; que
a testemunha morou durante 11 anos na Fazenda Santo Antônio, situada próxima à Fazenda
São Pedro; que a autora, desde moça, em Minas Gerais, ajudava o pai no labor rural.”
Adalgisa Gonçalves de Souza Oliveira
“que conheceu a autora há mais de trinta e cinco anos, em Cristais Paulista/SP; que
trabalharam juntas nas Fazendas São João e Pouso Alto, em lavouras de café, durante as
safras e entressafras; que a testemunha chegou a ser registrada, na época de colheita, na
Fazenda São João; que também registravam nas épocas de capina e desbrota; que na
Fazenda Pouso Alto também era registrado o trabalho em carteira; que não sabe precisar o
tempo que trabalhou junto com a autora; que a testemunha chegou a trabalhar como diarista
nessas fazendas, sem registro em CTPS; que, no período rural, a autora não exerceu outra
atividade; que o esposa da autora também trabalhava no campo; que não se lembra dos nomes
de outras fazendas nas quais trabalharam; que se recorda dos empreiteiros de nomes Rogério
e Hélio; que a testemunha aposentou por idade rural.”
Helena Ferreira de Oliveira
“que a testemunha trabalhou com a autora na Fazenda Pouso Alto, em lavoura de café
(colheita, desbrota, adubação e capina); que a testemunha trabalhava como avulsa, sem
registro em CTPS; que trabalharam juntas na Fazenda Pouso Alto durante cinco anos, sendo
que o Sr. Osmar era o administrador; que iam de ‘caminhãozinho’ para a fazenda; que a
fazenda ficava próxima à cidade de Cristais Paulista/SP; que o ex-esposo da autora também
trabalhou na Fazenda Pouso Alto; que trabalhavam tanto no período de safra quanto no de
entressafra; que somente na época da colheita tinha a carteira assinada.”
A prova material é deveras frágil, uma vez que os únicos documentos juntados pela parte
autora são a CTPS, emitida em 23/04/1986, nas quais ostentam dois registros de vínculo
empregatício rural, e a certidão de casamento civil, celebrado recentemente, aos 16/02/2019,
contendo a qualificação profissional de empregada doméstica.
Não obstante a parte autora tenha asseverado que o seu pai, Sr. Irineu Vieira de Oliveira, era
proprietário de pequeno imóvel rural no município de Teófilo Otoni/MG, dedicando-se à
plantação de cereais (arroz, milho e feijão), em regime de economia familiar, não carreou aos
autos a certidão de registro imobiliário, tampouco certidão de casamento ou nascimento dos
irmãos, nas quais indicassem a qualidade de rurícola dos genitores.
Afirmou, ainda, que estudou até a 4ª série na cidade de Cachoeirinha do Aranã/MG, no entanto,
não apresentou o histórico escolar ou outro documento (por exemplo, título de eleitor dos pais
ou irmãos ou atestado de vacinação) que indicasse o domicílio em área rural.
Sublinhou a autora que se casou aos 16 anos de idade e seu cônjuge era trabalhador rural
(retireiro); entretanto, não apresentou a certidão de casamento civil ou religioso que retratasse a
qualidade de rurícola do nubente.
Disse que residiu na Fazenda São Geraldo, localizada na cidade de Itambacuri/MG, tendo,
juntamente com o cônjuge, exercido atividade rural. Novamente, a autora não exibiu nenhum
início razoável de prova material, tais como a certidão de registro do imóvel rural no qual era
exercido o labor campesino, as certidões de nascimento dos filhos que indicassem a qualidade
de rurícola dos pais ou outros documentos.
Relatou a autora que, após se mudar para a cidade de Cristais Paulista/SP, laborou nas
Fazendas Guaraciaba, São Pedro e São João, exercendo as funções de retireira e trabalhadora
rural em lavoura de café. Acrescentou que, nos períodos de safra, os vínculos foram
registrados, no entanto, entre 17/09/1986 e 17/05/1992 continuou a desempenhar atividade
rurícola, sem registro em CTPS, na condição de diarista.
Nesse ponto, consigno que, a despeito da controvérsia existente, comungo do entendimento de
que o trabalhador boia-fria, diarista ou volante equipara-se ao segurado especial previsto no art.
11, VII, da Lei nº 8.213/91, e não ao contribuinte individual ou ao empregado rural, sendo dele,
portanto, inexigível o recolhimento de contribuições para fins de concessão do benefício,
bastando a comprovação do efetivo desempenho de labor agrícola.
Afora os vínculos anotados em CTPS – 15/02/1986 a 16/09/1986 e 18/05/1992 a 27/06/1992 –
e os depoimentos das testemunhas, não há nos autos nenhum início razoável de prova material
que demonstre a continuidade da atividade rural.
A questão relativa à comprovação de atividade rural se encontra pacificada no Superior Tribunal
de Justiça, que exige início de prova material e afasta por completo a prova exclusivamente
testemunhal (Súmula 149 do STJ). De acordo com o que restou definido quando do julgamento
do REsp. 1.321.493/PR, realizado segundo a sistemática de recurso representativo da
controvérsia (CPC, art. 543-C), aplica-se a súmula acima aos trabalhadores rurais denominados
"boias-frias", sendo imprescindível a apresentação de início de prova material, corroborada com
provas testemunhal, para comprovação de tempo de serviço.
Dessarte, não merece acolhida a pretensão da parte autora.”
Pois bem, comungo em parte das conclusões trazidas pela sentença.
Com efeito, há pouco início de prova material, relativo já à contratação da autora como
empregada rural, a partir de 1986 e por duas vezes, a segunda em 1992, o que é indiciário de
seu labor rurícola como boia-fria, por ela declarado em depoimento pessoal e corroborado pelas
testemunhas ouvidas.
Entretanto, esta prova é deveras distante do ano que pretende seja reconhecido seu labor em
regime de economia familiar, na propriedade de seu pai, em 1972. Não há, ademais, como
consignado na sentença, nenhum documento referente a este período, sendo que a autora
declarou ter se casado aos 16 anos e mudando-se, portanto por volta de 1975, mas não há
certidão de casamento ou outro documento afim para o período, que indicasse ao menos a
profissão do esposo.
Também do período em que alegou residir na Fazenda São Geraldo não há qualquer
documento, sequer as certidões de nascimento dos filhos, que demonstrassem ao menos a
residência no local.
As testemunhas ouvidas, por outro lado, demonstram conhecer a autora do período em que já
vivia em Cristais Paulista/SP, que é justamente aquele em que há início de prova material,
oferendo relatos bastante uniformes e fidedignos acerca da atividade realizada como boia-fria.
Há que se ponderar, ademais, que os períodos de 15/02/1986 a 16/09/1986 e 18/05/1992 a
27/07/1992 constam da CTPS e, este último, também do CNIS, pelo que devem ser diretamente
computados uma vez que a responsabilidade pelas contribuições recaía sobre o empregador.
Assim, diante do conjunto probatório trazido aos autos, entendo possível o reconhecimento do
tempo rural de 15/02/1986 a 30/06/1992 (véspera do início do vínculo urbano como empregada
doméstica).
Da concessão da aposentadoria
A aposentadoria por idade híbrida tem como requisitos a idade mínima que, para mulheres, é
de 60 anos e o tempo de carência que deve ser verificado nos termos do artigo 142 da Lei
8.213/91.
A autora completou a idade mínima em 22/07/2019, pelo que são necessários 180 meses de
carência para a implantação do benefício.
Da análise do processo administrativo é possível verificar que o INSS não convalidou os
recolhimentos realizados pela autora como empregada doméstica, natureza esta consignada no
CNIS e que implica na responsabilidade do empregador pelos recolhimentos em questão, que
foram todos efetuados, sendo irrelevante sua eventual extemporaneidade, que nem ocorreu in
casu. Assim, todos os períodos constantes do CNIS como empregada doméstica devem ser
considerados para o cálculo da carência da autora.
Nestes termos, até a DER (24/07/2019), a parte autora possuía, somado o período de labor
rural e os períodos urbanos de contribuição mencionados, como empregada doméstica e
acompanhados de contribuição, 220 meses de carência, conforme a planilha que segue:
CONTAGEM DE CARÊNCIA
-Data de nascimento: 22/07/1959
-Sexo: Feminino
-DER: 24/07/2019
- Período 1 -15/02/1986a14/05/1992- 76 carências
- Período 2 -15/05/1992a27/07/1992- 2 carências
- Período 3 -28/07/1992a30/04/1994- 21 carências
- Período 4 -01/06/2007a31/07/2011- 50 carências
- Período 5 -01/09/2011a31/05/2012- 9 carências
- Período 6 -01/07/2012a31/08/2012- 2 carências
- Período 7 -01/10/2012a31/03/2013- 6 carências
- Período 8 -01/02/2014a30/09/2015- 20 carências
- Período 9 -01/10/2015a29/02/2016- 5 carências
- Período 10 -13/03/2017a14/11/2019- 33 carências (Período parcialmente posterior à DER)
- Período 11 -03/05/2021a30/09/2021- 5 carências (Período posterior à DER)
* Não há períodos concomitantes.
-Soma até 24/07/2019 (DER): 220 carências
Assim, a autora reunia todos os requisitos para a concessão da aposentadoria por idade
híbrida.
Ante o exposto, DOU PARCIAL PROVIMENTO ao recurso da parte autora, para reconhecer o
período rural de 15/02/1986 a 30/06/1992 e conceder à parte autora aposentadoria por idade
híbrida, desde a DER (24/07/2019). Condeno o INSS, ainda, ao pagamento de todas as
prestações em atraso, que deverão ser acrescidas de atualização monetária, desde quando
devidas, e de juros moratórios, desde a citação, nos parâmetros constantes da Resolução CJF
658/20.
Concedo tutela específica para a implantação do benefício no prazo de 45 dias. Oficie-se com
urgência.
Sem condenação em custas e honorários advocatícios.
É como voto.
SÚMULA
APOSENTADORIA POR IDADE HÍBRIDA
AJUIZAMENTO: 03/02/2020
CITAÇÃO: 12/03/2020
DIB: 24/07/2019
PERÍODO RECONHECIDO NO ACÓRDÃO: período rural de 15/02/1986 a 30/06/1992 como
carência
E M E N T A
PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR IDADE HÍBRIDA. CARÊNCIA. PERÍODO DE
LABOR RURAL. SEGURADO ESPECIAL. INÍCIO DE PROVA MATERIAL CORROBORADA
PELA PROVA TESTEMUNHAL. TEMPO DE CARÊNCIA SUFICIENTE.
1. Basta início de prova material contemporânea ao período rural em regime de economia
familiar que se pretende comprovar, não sendo necessária a juntada de um documento por ano,
havendo efeitos retroativos e prospectivos em tal documentação; cabe, ademais, a análise do
conjunto probatório, em especial da prova testemunhal produzida à luz de tal documentação.
3. No caso concreto, o início de prova material, ainda que pequeno, foi corroborado pelas
testemunhas ouvidas em Juízo, mas apenas para parte do período pleiteado.
4. Computados tempo rural e períodos como empregada doméstica constantes do CNIS, há
tempo de carência suficiente para a aposentadoria por idade.
5. Recurso inominado a que se dá parcial provimento. ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Décima Quarta Turma
Recursal do Juizado Especial Federal da Terceira Região, Seção Judiciária de São Paulo
decidiu, por unanimidade, dar parcial provimento ao recurso da parte autora, nos termos do
relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Resumo Estruturado
VIDE EMENTA
