Processo
RecInoCiv - RECURSO INOMINADO CÍVEL / SP
0000570-54.2020.4.03.6308
Relator(a)
Juiz Federal FERNANDA SOUZA HUTZLER
Órgão Julgador
14ª Turma Recursal da Seção Judiciária de São Paulo
Data do Julgamento
10/12/2021
Data da Publicação/Fonte
Intimação via sistema DATA: 21/12/2021
Ementa
E M E N T A
PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR IDADE HÍBRIDA. COMPROVAÇÃO DE LABOR
RURAL REMOTO. INÍCIO DE PROVA MATERIAL AUSENTE. BÓIA FRIA. PROVA ORAL
INSUFICIENTE. CONFIRMAÇÃO PELOS SEUS PRÓPRIOS FUNDAMENTOS (ART 46, LEI
Nº9099/95).
1. Trata-se de recurso inominado interposto pela parte autora, em face da sentença que julgou
extinto o processo sem resolução do mérito quanto ao pedido de declaração de tempo de serviço
rural nos períodos de 23/10/1963 a 08/04/1973, 17/05/1973 a 09/06/1974, 25/06/1974 a
18/11/1974, 14/12/1974 a 27/11/1975, 05/09/1976 a 06/03/1977, 05/05/1977 a 11/04/1978,
11/05/1978 a 19/07/1979, 28/11/1979 a 06/07/1980, 24/08/1985 a 05/04/1987, e, no mérito, julgou
improcedente o pedido de aposentadoria por idade híbrida
2. Ausência de provas materiais. Prova oral insuficiente para comprovar labor como boia fria nos
intervalos sem registro em CTPS.
3. Recurso que se nega provimento à parte autora.
Acórdao
PODER JUDICIÁRIOTurmas Recursais dos Juizados Especiais Federais Seção Judiciária de
São Paulo
14ª Turma Recursal da Seção Judiciária de São Paulo
Jurisprudência/TRF3 - Acórdãos
RECURSO INOMINADO CÍVEL (460) Nº0000570-54.2020.4.03.6308
RELATOR:40º Juiz Federal da 14ª TR SP
RECORRENTE: ANTONIO CARLOS DAVID
Advogados do(a) RECORRENTE: MARIA AUXILIADORA MACEDO DO AMARAL - SP269240-
N, OSWALDO MULLER DE TARSO PIZZA - SP268312-N
RECORRIDO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
PROCURADOR: PROCURADORIA-REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO
OUTROS PARTICIPANTES:
PODER JUDICIÁRIOJUIZADO ESPECIAL FEDERAL DA 3ª REGIÃOTURMAS RECURSAIS
DOS JUIZADOS ESPECIAIS FEDERAIS DE SÃO PAULO
RECURSO INOMINADO CÍVEL (460) Nº0000570-54.2020.4.03.6308
RELATOR:40º Juiz Federal da 14ª TR SP
RECORRENTE: ANTONIO CARLOS DAVID
Advogados do(a) RECORRENTE: MARIA AUXILIADORA MACEDO DO AMARAL - SP269240-
N, OSWALDO MULLER DE TARSO PIZZA - SP268312-N
RECORRIDO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
PROCURADOR: PROCURADORIA-REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO
OUTROS PARTICIPANTES:
R E L A T Ó R I O
Trata-se de recurso inominado interposto pela parte autora, em face da sentença que julgou
extinto o processo sem resolução do mérito quanto ao pedido de declaração de tempo de
serviço rural nos períodos de 23/10/1963 a 08/04/1973, 17/05/1973 a 09/06/1974, 25/06/1974 a
18/11/1974, 14/12/1974 a 27/11/1975, 05/09/1976 a 06/03/1977, 05/05/1977 a 11/04/1978,
11/05/1978 a 19/07/1979, 28/11/1979 a 06/07/1980, 24/08/1985 a 05/04/1987, com fundamento
no art. 485, IV, do Código de Processo Civil, e, no mérito, julgou improcedente o pedido de
aposentadoria por idade híbrida, com fulcro no art. 487, I, do CPC.
Nas razões recursais, a parte autora alega que a CTPS, referente aos períodos anteriores a
1991, revela que durante os interstícios de tempo sempre trabalhou na roça, motivo pelo qual
não pode o magistrado simplesmente desconsiderar sua condição de rurícola por ter um ou
outro vínculo de natureza urbana anotado em CTPS. Sustenta que tanto no depoimento pessoal
como em relação às testemunhas nota-se que todos foram firmes ao expor seu trabalho na
roça. Afirma que, conforme jurisprudência consolidada, houve excesso de formalismo na
sentença. Por estas razões, pretende a reforma da r. sentença.
Sem contrarrazões.
É o relatório.
PODER JUDICIÁRIOJUIZADO ESPECIAL FEDERAL DA 3ª REGIÃOTURMAS RECURSAIS
DOS JUIZADOS ESPECIAIS FEDERAIS DE SÃO PAULO
RECURSO INOMINADO CÍVEL (460) Nº0000570-54.2020.4.03.6308
RELATOR:40º Juiz Federal da 14ª TR SP
RECORRENTE: ANTONIO CARLOS DAVID
Advogados do(a) RECORRENTE: MARIA AUXILIADORA MACEDO DO AMARAL - SP269240-
N, OSWALDO MULLER DE TARSO PIZZA - SP268312-N
RECORRIDO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
PROCURADOR: PROCURADORIA-REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO
OUTROS PARTICIPANTES:
V O T O
Da Aposentadoria Por Idade Híbrida (Art. 48, § 3º, Lei 8.213/91):
Para a concessão do benefício de aposentadoria por idade, mister se faz a presença dos
requisitos exigidos pelas leis que o disciplinam.
O benefício pleiteado está previsto no artigo 48 da Lei 8.213/91:
Art. 48. A aposentadoria por idade será devida ao segurado que, cumprida a carência exigida
nesta Lei, completar 65 (sessenta e cinco) anos de idade, se homem, e 60 (sessenta), se
mulher. (Redação dada pela Lei nº 9.032, de 1995)
§ 1º Os limites fixados no caput são reduzidos para sessenta e cinqüenta e cinco anos no caso
de trabalhadores rurais, respectivamente homens e mulheres, referidos na alínea a do inciso I,
na alínea g do inciso V e nos incisos VI e VII do art. 11. (Redação Dada pela Lei nº 9.876, de
26.11.99)
§ 2º Para os efeitos do disposto no § 1º deste artigo, o trabalhador ruraldeve comprovar o
efetivo exercício de atividade rural, ainda que de forma descontínua, no período imediatamente
anterior ao requerimento do benefício, por tempo igual ao número de meses de contribuição
correspondente à carência do benefício pretendido, computado o período a que se referem os
incisos III a VIII do § 9º do art. 11 desta Lei. (Redação dada pela Lei nº 11,718, de 2008)
§ 3oOs trabalhadores rurais de que trata o § 1o deste artigo que não atendam ao disposto no §
2o deste artigo, mas que satisfaçam essa condição, se forem considerados períodos de
contribuição sob outras categorias do segurado, farão jus ao benefício ao completarem 65
(sessenta e cinco) anos de idade, se homem, e 60 (sessenta) anos, se mulher. (Incluído pela
Lei nº 11,718, de 2008) (...)
Ademais, a carência da aposentadoria por idade para os segurados inscritos na Previdência
Social até 24 de julho de 1991 obedecerá à tabela de carência disposta no artigo art. 142 da Lei
8.213/91.
Pois bem, a princípio o art. 143 da Lei 8.213/91 veio a tutelar os trabalhadores rurais que
permaneceram no meio rural por toda vida, reclamando a comprovação de atividade rural, no
período imediatamente anterior ao requerimento, pelo mesmo prazo previsto para a carência
(uma vez que os trabalhadores rurais não recolhiam contribuição).
O problema é que muitos trabalhadores não implementavam o requisito da “imediatidade”, pois,
em face de suas trajetórias laborais haviam exercido atividades rurais no passado, mas se
deslocaram do campo para a cidade (o chamado êxodo rural), passando a exercer atividades
urbanas. Então, esses trabalhadores não poderiam receber aposentadoria por idade rural,
porquanto trabalhou no final da vida em atividade urbana, mas também não conseguiria acessar
a aposentadoria por idade urbana, em razão de não implementar o período de carência.
De fato, a situação era paradoxal. Conferia-se um tratamento mais gravoso para o segurado
que havia contribuído pouco, mas tinha contribuído, enquanto concedia benefício para o
trabalhador rural que exerceu atividade rural por toda vida, sem que houvesse o pagamento de
contribuições.
Assim, na tentativa de evitar essas distorções desarrazoadas, o legislador pátrio editou a Lei nº.
11.718/2008, que redefiniu os §§ 2º, 3º e 4º do art. 48 da Lei 8.213/91, sendo que o §3º do art.
48 da Lei 8.213/1991 passou a permitir ao segurado mesclar período urbano ao período rural e
vice-versa, mas mantendo-se o limite etário de 65 anos para o homem e 60 anos para a mulher.
Dessa forma, após 23/06/2008, data da vigência da lei mencionada acima, é possível a
concessão de aposentadoria por idade ao trabalhador que um dia foi rural (sem contribuição),
desde que se enquadre em outra categoria de segurado (empregado, contribuinte individual ou
trabalhador avulso), observando-se a idade mínima de 65 anos para o homem e 60 anos para a
mulher. A essa espécie de aposentadoria foi atribuído o nome de aposentadoria por idade
híbrida ou mista, porquanto permitiu a mescla dos requisitos das aposentadorias por idade
urbana e rural.
Assim, quando não atendido o disposto no § 2º do art. 48 para concessão da aposentadoria por
idade rural (aposentadoria especial), é reconhecido ao segurado o direito à aposentadoria por
idade híbrida, computando ao tempo rural (sem contribuição) períodos de tempo urbano (com
contribuição), inclusive para efeitos de carência, apenas não aproveitando a redução de cinco
anos na idade e aplicando-se a regra do § 4º, também do art. 48, para o cálculo da renda
mensal do benefício.
De início, sedimentou-se o entendimento no STJ, que passou a ser acompanhado pela TNU, no
sentido de se admitir a aposentadoria por idade híbrida tanto para a última atividade rural
quanto para a urbana, fixando a tese em julgamento de Incidente Representativo de
Controvérsia (Tema 131), que fixou a seguinte tese: “Para a concessão de aposentadoria por
idade híbrida ou mista, na forma do art. 48, § 3º, da Lei n. 8.213/91, cujo requisito etário é o
mesmo exigido para a aposentadoria por idade urbana, é irrelevante o caráter rural ou urbano
da atividade exercida pelo segurado no período imediatamente anterior à implementação do
requisito etário ou do requerimento do benefício. Ainda, não há vedação para que o tempo rural
anterior à Lei 8.213/91 seja considerado efeito de carência, ainda que não verificado o
recolhimento das respectivas contribuições” (Informativo 10 - PEDILEF 5009416-
32.2013.4.04.7200, de 20/10/2016).
Registre-se, ainda, que a última controvérsia com relação à aposentadoria por idade híbrida
trazida à baila, foi quanto à possibilidade de se utilizar o “tempo remoto e descontínuo de
atividade rural (sem contribuição)” para o cômputo da carência para ser somado ao tempo de
atividade urbana (com contribuição), exercida a qualquer tempo (ou seja, com contribuições
vertidas a qualquer tempo), afastando-se a necessidade de comprovação do exercício no
período imediatamente anterior ao requerimento do benefício, ou, ao contrário, se para a
obtenção da aposentadoria por idade híbrida seria necessário se comprovar o efetivo exercício
da atividade rural (sem contribuição) e da atividade urbana (com contribuição), dentro do
período imediatamente anterior ao requerimento do benefício ou do implemento da idade, por
tempo igual ao número de meses de contribuição correspondente à carência do benefício
pretendido.
Assim, após o sobrestamento de todos os feitos no país, no mês de 09/2019, a Primeira Seção
do Superior Tribunal de Justiça (STJ), em julgamento sob o rito dos recursos repetitivos, fixou a
seguinte tese: "O tempo de serviço rural, ainda que remoto e descontínuo, anterior ao advento
da Lei 8.213/1991, pode ser computado para fins da carência necessária à obtenção da
aposentadoria híbrida por idade, ainda que não tenha sido efetivado o recolhimento das
contribuições, nos termos do artigo 48, parágrafo 3º, da Lei 8.213/1991, seja qual for a
predominância do labor misto exercido no período de carência ou o tipo de trabalho exercido no
momento do implemento do requisito etário ou do requerimento administrativo" (Tema 1.007):
PREVIDENCIÁRIO. RECURSO ESPECIAL. RECURSO ESPECIAL SUBMETIDO AO RITO
DOS RECURSOS REPETITIVOS. OBSERVÂNCIA DO ARTIGO 1.036, § 5º. DO CÓDIGO FUX
E DOS ARTS. 256-E, II, E 256-I DO RISTJ. APOSENTADORIA HÍBRIDA. ART. 48, §§ 3º. E 4º.
DA LEI 8.213/1991. PREVALÊNCIA DO PRINCÍPIO DE ISONOMIA A TRABALHADORES
RURAIS E URBANOS. MESCLA DOS PERÍODOS DE TRABALHO URBANO E RURAL.
EXERCÍCIO DE ATIVIDADE RURAL, REMOTO E DESCONTÍNUO, ANTERIOR À LEI
8.213/1991 A DESPEITO DO NÃO RECOLHIMENTO DE CONTRIBUIÇÃO. CÔMPUTO DO
TEMPO DE SERVIÇO PARA FINS DE CARÊNCIA. DESNECESSIDADE DE COMPROVAÇÃO
DO LABOR CAMPESINO POR OCASIÃO DO IMPLEMENTO DO REQUISITO ETÁRIO OU DO
REQUERIMENTO ADMINISTRATIVO. TESE FIXADA EM HARMONIA COM O PARECER
MINISTERIAL. RECURSO ESPECIAL DA SEGURADA PROVIDO. (RECURSO ESPECIAL Nº
1.674.221 - SP (2017/0120549-0), Relator Min. NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, data
julgamento 14/08/2019).
Desse modo, a TNU deverá revisitar a matéria para o fim de cancelar o Tema 168 (PEDILEF nº
00015080520094036318, publicado em 27/08/2018) que decidia em sentido contrário ao novo
entendimento do STJ (Tema 1.007).
Assim, se para o período anterior ao advento da Lei 8.213/91 pode ser computado como
carência o período rural sem contribuição, a contrario sensu, para o período posteriorà Lei
8.213/91 somente pode ser computado como carência, o período rural que se comprovar o
recolhimento das respectivas contribuições previdenciárias.
Desse modo, ressalvada posição doutrinária em contrário, apósnovembro de 1991, não será
admitida a contagem de tempo de serviço rural sem que tenha havido recolhimento de
contribuições (tempo de contribuição ficto), salvo nos casos em que a lei atribui a obrigação de
desconto e do recolhimento de contribuições para pessoa diversa do segurado (art. 30, da Lei
8.212/91 e art. 4º, da Lei 10.666/2003).
Cumpre assinalar que, o STF, ao apreciar o Tema nº 1.104 (RE 1281909), em 25.09.2020,
firmou o entendimento no sentido de que não há questão constitucional quanto aos requisitos
legais necessários para a concessão do benefício de aposentadoria híbrida por idade,
afastando a repercussão geral e não conhecendo do recurso, com a devolução do feito à
origem, restando pacificado o Tema 1.007 do STJ, de modo que poderá ser computado, para
fins de carência, o tempo de serviço rural em períodos remotos e descontínuos, anterior a Lei
8.213/1991. Referida decisão transitou em julgado em 09.02.2021.
Ainda, no que se refere à implantação do benefício de aposentadoria por idade híbrida, na
forma do art. 48, § 3º, da Lei 8.213/91, há que se esclarecer que a renda mensal inicial (RMI) do
benefício poderá se dar pela média dos salários de contribuição, não se limitando ao valor de
01 (um) salário mínimo, como é o caso do benefício de aposentadoria por idade rural pura, que
deverá seguir o disposto no art. 39, I, c/c art. 143 da Lei 8.2213/91.
Por fim, o art. 3º caput e § 2º da EC 103/2019 garante o direito adquirido do segurado à
aplicação da legislação anterior, caso preenchidos os requisitos para a concessão de qualquer
benefício com base nas regras existentes ante da vigência da referida Emenda Constitucional.
Portanto, a mulher que preenche os requisitos para a concessão da aposentadoria voluntária
híbrida antes da vigência da EC 103/2019 (13.11.2019), o seu critério etário será 60 anos, mas
a partir de 14.11.2019, a regra geral será de 62 anos ou de acordo com a regra de transição do
art. 18 da EC 103/2019.
Da produção de provas do período rural:
No que se refere à produção de provas no caso presente, o sistema previdenciário, a fim de
resguardar o equilíbrio atuarial e financeiro, exige em qualquer comprovação de tempo de
serviço início de prova material contemporânea dos fatos, não admitida prova exclusivamente
testemunhal. É o que explicita o artigo 55, § 3º, da Lei 8213/91 (com redação dada pela Lei
13.846 de 2019).
No caso da comprovação de tempo rural não é diferente, como esclarece a Súmula 149 do STJ:
“A prova exclusivamente testemunhal não basta à comprovação de atividade rurícola, para
efeito de obtenção de benefício previdenciário”.
Quanto ao que se deve entender por início razoável de prova material, a jurisprudência tem
fornecido os parâmetros para tal avaliação. Tem-se entendido que qualquer documento idôneo,
que evidencie a condição de trabalhador rural, atende a tal requisito. Neste sentido, Súmula nº
06 da TNU: “A certidão de casamento ou outro documento idôneo que evidencie a condição de
trabalhador rural do cônjuge constitui início razoável de prova material da atividade rurícola.”
Do mesmo modo, os documentos em nome do pai ou de familiar próximo podem ser utilizados
como documento idôneo para evidenciar a condição de trabalhadora rural da filha, até a data do
seu casamento ou até a data em que a filha deixou a propriedade rural em que vivia com sua
família.
Outrossim, nos termos da Súmula nº 34 também da TNU, a prova material para comprovação
do tempo de labor rural deve ser contemporânea à época dos fatos a provar.
Por outro lado, não se confunde início de prova material com suficiência de prova material,
razão pela qual não se exige que o início de prova material corresponda a todo o período
probante (Súmula nº 14 da TNU). Logo, não é necessário que exista um documento para cada
ano do interregno que se pretende provar.
Contudo, entendo que para o reconhecimento do exercício de atividade rural, ainda que não se
exija documento para cada ano trabalhado ou correspondente a todo período probante, é
indispensável haver alguma prova material contemporânea que comprove sua ocorrência não
apenas em um dos anos do período pleiteado, mas ao menos em períodos intercalados,
fazendo denotar o exercício da atividade no lapso pretendido.
De todo modo, o STJ na Súmula 577, passou a admitir que: “É possível reconhecer o tempo de
serviço rural anterior ao documento mais antigo apresentado, desde que amparado em
convincente prova testemunhal colhida sob o contraditório”.
O serviço rural prestado pelo menor de 12 a 14 anos, até o advento da Lei nº 8.213/91, pode
ser reconhecido, para fins previdenciários, nos termos da Súmula nº 5 da TNU.
Ressalte-se, por fim, que declarações de ex empregadores ou de terceiros acerca da atividade
rural não passam de provas orais reduzidas a termo, pelo que não servem como prova material
para o início de comprovação do tempo rural.
Os documentos imobiliários referentes à propriedade rural, por si só, não são suficientes para
possibilitar o reconhecimento de tempo de serviço rural. O simples fato de a parte ou seus
familiares serem proprietários de imóvel rural não significa que tenha havido, efetivamente,
labor na lavoura.
A declaração de Sindicato dos Trabalhadores Rurais tem valor probante relativo, caso não
tenha sido homologada pelo INSS (Lei 8.213/1991, art. 106, inc. III). Também não servem como
indício material as declarações firmadas por testemunhas.
E ainda, é importante estar atento à Súmula 46 da TNU prevê que: “O exercício de atividade
urbana intercalada não impede a concessão de benefício previdenciário de trabalhador rural,
condição que deve ser analisada no caso concreto”.
Na mesma linha, a Súmula 41 da TNU prevê que: “A atividade urbana de membro da família
não descaracteriza o regime de economia familiar, desde que a renda advinda da agricultura
seja indispensável ao sustento do lar”.
A título exemplificativo, o artigo 106 da Lei nº 8213/91 traz um rol de documentos que podem
servir como início razoável de prova material.
Enfim, do exposto se conclui que, em regra, os documentos utilizados como início razoável de
prova material são os documentos públicos nos quais o autor tenha sido qualificado como
lavrador, tais como certificado de reservista, título de eleitor, certidão de casamento, certidão de
nascimento de filhos, certidão de óbito. Documentos particulares também são admitidos, desde
que datados e idôneos, tais como notas fiscais de produção, notas fiscais de entrada, contratos
de parceria agrícola, dentre outros, que estejam diretamente relacionados com o trabalho na
lavoura.
Feitas essas considerações, passo à análise do mérito.
Do Caso Concreto:
A r. sentença recorrida decidiu o pedido inicial de modo exauriente, analisando todas as
questões suscitadas pelas partes, revelando-se desnecessárias meras repetições de sua
fundamentação:
“(...)
Em linhas gerais, o autor requer a declaração como "tempo de efetivo labor, para fins de
averbação e contagem como tempo de contribuição", dos períodos de 23/10/1963 a
08/04/1973, 17/05/1973 a 09/06/1974, 25/06/1974 a 18/11/1974, 14/12/1974 à 27/11/1975,
05/09/1976 a 06/03/1977, 05/05/1977 a 11/04/1978, 11/05/1978 à 19/07/1979, 28/11/1979 à
06/07/1980, 24/08/1985 à 05/04/1987, bem como a consequente condenação do INSS à
concessão de aposentadoria por idade "híbrida" desde a DER (id 70494858).
O INSS, em contestação, requereu a improcedência do pedido e sustentou:
"Para obter a Aposentadoria, ele pede o reconhecimento de alegado trabalho rural sem registro
entre: 1. 23/10/1963 (aos dez anos de idade) à 08/04/1973 (mas não disse onde nem
apresentou prova contemporânea); 2. 17/05/1973 à 09/06/1974 (mas não disse onde nem
apresentou prova contemporânea); 3. 25/06/1974 à 18/11/1974 (mas não disse onde nem
apresentou prova contemporânea); 4. 14/12/1974 à 27/11/1975 (mas não disse onde nem
apresentou prova contemporânea); 5. 05/09/1976 à 06/03/1977 (mas não disse onde nem
apresentou prova contemporânea); 6. 05/05/1977 à 11/04/1978 (mas não disse onde nem
apresentou prova contemporânea); 7. 11/05/1978 à 19/07/1979 (mas não disse onde nem
apresentou prova contemporânea); 8. 28/11/1979 à 06/07/1980 (mas não disse onde nem
apresentou prova contemporânea); 9. 24/08/1985 à 05/04/1987 (mas não disse onde nem
apresentou prova contemporânea)."
E com razão a autarquia federal.
Quanto ao período de 23/10/1963 a 08/04/1973, não há início de prova material
contemporâneo. Não há qualquer documento que remonte ao período que qualifique o autor ou
qualquer de seus familiares como trabalhador rural, como sói ocorrer em casos semelhantes,
com juntada de documentação em nome dos genitores, título de eleitor, certificado de dispensa
de atividade militar, entre outros, e, segundo depoimento pessoal, o autor sempre morou na
cidade. A CTPS, por sua vez, é extemporânea, e o primeiro registro nem diz respeito a
atividade propriamente rural.
A mesma solução se aplica no tocante aos períodos de 17/05/1973 a 09/06/1974, 25/06/1974 a
18/11/1974, 14/12/1974 a 27/11/1975, 05/09/1976 a 06/03/1977, 05/05/1977 a 11/04/1978,
11/05/1978 a 19/07/1979, 28/11/1979 a 06/07/1980, 24/08/1985 a 05/04/1987, de trabalho rural
sem registro, pois não existe qualquer início de prova material aproveitável.
Como regra geral, tem-se admitido a CTPS como início de prova material de períodos de labor
rural não abrangidos por registros, tendo em vista o sabido informalismo que marca o exercício
do trabalho rural em regime de boia-fria/diarista, como alegado na petição inicial.
Entendimento contrário significaria exigir documento de todo interstício que não foi contemplado
por registro em Carteira de Trabalho, às vezes de curtíssimo tempo, o que constituiria
demasiado formalismo, em prejuízo ao trabalhador rural. Uma desproporcionalidade, portanto.
Nessa mesma linha, a experiência advinda da observância do que ordinariamente ocorre
demonstra ser muito comum o exercício de trabalho rural na informalidade em períodos
entressafras, o que, logicamente, afasta a existência de documentos específicos nesses
períodos.
No entanto, é imprescindível que a CTPS evidencie a dedicação do trabalhador exclusivamente
ao labor rural durante todo o tempo pretendido, porquanto a existência de vínculo urbano
intercalado afasta a presunção de continuidade do exercício de atividade rural.
Ora, se nem sempre o autor exerceu atividade rural nos períodos com registro, não é possível
presumir que atuou como rural em todos os períodos sem registro, afinal a existência de
atividade urbana comprovada abre margem para conclusão diversa.
No caso sob análise, é certo que a CTPS do autor (fls. 21/29 do id 70494859) contempla
diversos registros de vínculos rurais em boa parte dos períodos pleiteados.
Contudo, a Carteira também ostenta diversos vínculos urbanos em períodos próximos, como
operário na preparação de sementes (09/04/193 a 16/05/1973), servente (10/06/1974 a
24/06/1974), servente na construção civil (19/11/1974 a 13/12/1974), servente na construção
civil (26/09/1979 a 27/11/1979), ajudante de serviços gerais em indústria de fertilizantes
(07/07/1980 a 06/02/1981), operário na produção de sementes (17/05/1982 a 25/05/1982),
operário na produção de bens (12/05/1985 a 27/05/1985) e ajudante de descascamento
(06/04/1987 a 08/01/1988).
Daí porque, se, por um lado, a CTPS contempla diversos registros de vínculos rurais, por outro,
quase todos são intercalados por vínculos urbanos, o que, repito, afasta a possibilidade de se
presumir o exercício de atividade rural nos intervalos sem registro.
Destarte, ausente início de prova material, é o caso de julgar-se extinto o processo sem
resolução do mérito por ausência de pressuposto processual específico (Tema 629 do C. STJ -
A ausência de conteúdo probatório eficaz a instruir a inicial, conforme determina o art. 283 do
CPC, implica a carência de pressuposto de constituição e desenvolvimento válido do processo,
impondo sua extinção sem o julgamento do mérito (art. 267, IV do CPC) e a consequente
possibilidade de o autor intentar novamente a ação (art. 268 do CPC), caso reúna os elementos
necessários à tal iniciativa).
Ademais, ainda que assim não fosse, a prova oral foi muito modesta e limitada no tempo em
relação ao longo período de labor rural na informalidade cujo reconhecimento se pretende.
No depoimento pessoal, Antonio disse que sempre morou na cidade, mas foi trabalhar no
campo a partir dos dez anos porque era pobre. Os pais também moravam na cidade e
trabalhavam na roça. Quando era moleque, ia para a roça com o pai e com a mãe. A partir dos
doze anos, começou a ir sozinho. Ia de caminhão. Pegava ônibus na Rua Felix Fagundes.
Mencionou nomes de turmeiros da região (Dito Marciano, Vicente Nunes, Orestes), usinas
(Usina Barra Grande) e fazendas (como a Piracicaba) em que laborou, mas sem situar o labor
no tempo e no espaço.Ao cabo do depoimento pessoal, questionado peloProcurador Federal,
disse que nunca arrumou empregado na cidade, mas, logo em seguida, instado, disse que
trabalhou como servente de pedreiro em algumas oportunidades.
As testemunhas Luiz Carlos e Sebastião Benedito, por seu turno, afirmaram que trabalharam
com o autor na área rural e na informalidade, o primeiro entre 1976 e 1977 e o segundo, entre
1980/1981. Sebastião trabalhou menos de um ano com o autor na cana e não se lembrou de
nome de turmeiros, limitando-se a dizer que via o autor no ponto de ônibus da Turma com a
enxada, ao passo que Luiz Carlos citou nomes de turmeiros, afirmou que via o autor com a
enxada na mão no ponto e pontuou que também atuava como boia-fria, mas alternava a
atividade com a de servente de pedreiro.
Como se vê, embora tenham mencionado genericamente ciência de que o autor se dedicou às
lides rurais na época, o que se extrai da própria CTPS, as testemunhas trabalharam com o
autor em pequenos intervalos nos anos de 1976/1977 e 1980/1981, períodos esses intercalados
por registros urbanos e rurais e em relação aos quais não há início de prova material do labor
rural.
Embora a alegação do labor rural à época seja mesmo crível, como apontado na petição inicial,
o julgamento do mérito deve basear-se em prova, e não em verossimilhança.
Quanto à aposentadoria por idade híbrida, como nenhum período foi reconhecido, nada há a se
acrescentar à contagem de carência realizada pelo INSS no processo administrativo (fls. 96/97
do id 70494859), o que conduz à rejeição do pleito, pois o requisito da carência não foi
atendido. O autor não contava com 180 (cento e oitenta) contribuições mensais ao RGPS.
(...) - destaquei
Em complemento, observo que o autor, nascido em 23/10/1953, pretende obter a aposentadoria
por idade híbrida, na DER em 31/07/2019, por meio do reconhecimento de atividade rural nos
períodos de 23/10/1963 a 08/04/1973, 17/05/1973 a 09/06/1974, 25/06/1974 a 18/11/1974,
14/12/1974 a 27/11/1975, 05/09/1976 a 06/03/1977, 05/05/1977 a 11/04/1978, 11/05/1978 a
19/07/1979, 28/11/1979 a 06/07/1980, 24/08/1985 a 05/04/1987.
Na petição inicial, a parte autora alega que “desde tenra idade se dedica as lides agrárias,
tendo trabalhado como trabalhador rural em regime de economia familiar e na condição de
empregada e/ou bóia-fria em várias propriedades rurais. Houve também a prestação de
serviços urbanos, sendo que contemporaneamente estes são a grande parte das atividade do
requerente.”
Contudo, tanto na inicial como no processo administrativo não se extraem quaisquer
documentos aptos a comprovar suas alegações.
É importante frisar que o entendimento do STJ (Súmula 149) no sentido da inadmissibilidade de
concessão do benefício baseado exclusivamente em prova testemunhal também se aplica ao
boia-fria, mas a exigência de início de prova material pode ser mitigadapara o caso do boia-
fria/diarista/volante, desde que a prova testemunhal se mostre robusta, verossímil e confiável,
diante da clara dificuldade de se obter prova documental para comprovar tal atividade.
A TNU, no mesmo sentido, também fixou entendimento que, “Em se tratando de trabalhadores
rurícolas volantes, diaristas, safristas ou ‘boias-frias’, a análise dos pressupostos necessários à
concessão dos benefícios previdenciários há de ser menos rigorosa no que concerne à prova
da sua atividade laboratícia, pois, na maioria das vezes, aqueles não possuem meios de
comprová-la” (TNU - PEDILEF n.º 200570510019810, Juiz Federal Marcos Roberto Araujo dos
Santos, DJU 4 abr. 2008; PEDILEF n.º 200770550012380, Juíza Federal Joana Carolina Lins
Pereira, DJU 8 abr. 2011).
Desse modo, o conjunto probatório existente nos autos não permite concluir que a parte autora
sempre trabalhou como volante/boia-fria/diarista, salientando que a prova oral não se
apresentou precisa, clara e firme, deixando entrever pontos omissos, como por exemplo nomes
de turmeiros em comum com as testemunhas, ou algum fato ocorrido à época do alegado
trabalho na roça.
Ademais, não é crível que a parte autora com apenas 10 anos de idade já estava trabalhando
como boia-fria ou empregado rural sem registro, pois, como é sabido, nesta idade, quando
muito, o autor poderia ter trabalhado como segurado especial em regime de economia familiar.
No entanto, nenhuma prova material foi juntada aos autos nesse sentido.
É importante frisar que o fato do autor ter trabalhado por pequenos períodos intercalados em
atividade urbana não inviabilizaria o seu pedido, a teor da Súmula 46 da TNU que prevê: “O
exercício de atividade urbana intercalada não impede a concessão de benefício previdenciário
de trabalhador rural, condição que deve ser analisada no caso concreto”.
Porém, no caso em concreto, a parte autora não trouxe início de prova material e a prova oral
se mostrou insuficiente.
Assim, considerando que a r. sentença recorrida bem decidiu a questão, deve ser mantida nos
termos do artigo 46 da Lei nº 9.099/95.
Diante do exposto, nego provimento ao recurso da parte autora.
Condeno o Recorrente vencido ao pagamento de honorários advocatícios, os quais fixo em
10% (dez por cento) sobre o valor da condenação (não havendo condenação, do valor da
causa), nos termos do art. 55, caput, da Lei 9.099/95 c/c art. 85, § 3º, do CPC – Lei nº
13.105/15. Na hipótese de a parte autora ser beneficiária de assistência judiciária gratuita e
recorrente vencida, o pagamento dos valores mencionados ficará suspenso nos termos do § 3º
do art. 98, do CPC – Lei nº 13.105/15.
É o voto.
E M E N T A
PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR IDADE HÍBRIDA. COMPROVAÇÃO DE LABOR
RURAL REMOTO. INÍCIO DE PROVA MATERIAL AUSENTE. BÓIA FRIA. PROVA ORAL
INSUFICIENTE. CONFIRMAÇÃO PELOS SEUS PRÓPRIOS FUNDAMENTOS (ART 46, LEI
Nº9099/95).
1. Trata-se de recurso inominado interposto pela parte autora, em face da sentença que julgou
extinto o processo sem resolução do mérito quanto ao pedido de declaração de tempo de
serviço rural nos períodos de 23/10/1963 a 08/04/1973, 17/05/1973 a 09/06/1974, 25/06/1974 a
18/11/1974, 14/12/1974 a 27/11/1975, 05/09/1976 a 06/03/1977, 05/05/1977 a 11/04/1978,
11/05/1978 a 19/07/1979, 28/11/1979 a 06/07/1980, 24/08/1985 a 05/04/1987, e, no mérito,
julgou improcedente o pedido de aposentadoria por idade híbrida
2. Ausência de provas materiais. Prova oral insuficiente para comprovar labor como boia fria
nos intervalos sem registro em CTPS.
3. Recurso que se nega provimento à parte autora. ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, visto, relatado e discutido
este processo, em que são partes as acima indicadas, a Décima Quarta Turma Recursal do
Juizado Especial Federal da Terceira Região, Seção Judiciária de São Paulo decidiu, por
unanimidade, negar provimento ao recurso da parte autora, nos termos do voto da Juíza
Federal Relatora Fernanda Souza Hutzler, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo
parte integrante do presente julgado.
Resumo Estruturado
VIDE EMENTA
