Processo
ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL / SP
6105639-89.2019.4.03.9999
Relator(a)
Desembargador Federal MONICA APARECIDA BONAVINA CAMARGO
Órgão Julgador
9ª Turma
Data do Julgamento
02/02/2022
Data da Publicação/Fonte
DJEN DATA: 09/02/2022
Ementa
E M E N T A
PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR IDADE HÍBRIDA. CONCESSÃO DO BENEFÍCIO.
CARÊNCIA CUMPRIDA. COMPROVADA A ATIVIDADE RURAL POR INÍCIO DE PROVA
MATERIAL CORROBORADO POR TESTEMUNHOS. CÔMPUTO DE LABOR URBANO
- Requisito etário adimplido.
- Início eficaz de prova material corroborado por testemunhos firmes e convincentes, acrescido de
período de labor urbano.
- Comprovação de carência exigida.
- Juros de mora e correção monetária fixados na forma explicitada.
- Isenção da autarquia previdenciária do pagamento de custas processuais, com exceção das
custas e despesas comprovadamente realizadas pela parte autora.
- Verba honorária de sucumbência recursal majorada na forma do § 11 do art. 85 do Código de
Processo Civil.
- Apelação do INSS desprovida.
Jurisprudência/TRF3 - Acórdãos
Acórdao
PODER JUDICIÁRIOTribunal Regional Federal da 3ª Região
9ª Turma
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº6105639-89.2019.4.03.9999
RELATOR:Gab. 30 - JUÍZA CONVOCADA MONICA BONAVINA
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: MARIA APARECIDA DE SOUZA RIBEIRO
Advogado do(a) APELADO: FAGNER JOSE DO CARMO VIEIRA - SP244611-N
OUTROS PARTICIPANTES:
PODER JUDICIÁRIOTribunal Regional Federal da 3ª Região9ª Turma
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº6105639-89.2019.4.03.9999
RELATOR:Gab. 30 - JUÍZA CONVOCADA MONICA BONAVINA
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: MARIA APARECIDA DE SOUZA RIBEIRO
Advogado do(a) APELADO: FAGNER JOSE DO CARMO VIEIRA - SP244611-N
OUTROS PARTICIPANTES:
R E L A T Ó R I O
Cuida-se de apelação autárquica, tirada de sentença, não submetida à remessa oficial, que, em
autos de concessão de aposentadoria por idade, com aproveitamento de tempos de trabalho
rural e urbano, julgou procedente o pedido e condenou o réu ao pagamento das prestações
vencidas, a partir do requerimento administrativo, discriminados os consectários. Arbitrou-se
verba honorária à ordem de 10% sobre o valor da condenação.
O INSS pugna pela reforma da decisão combatida, ao argumento de ausência de início de
prova material da atividade rurícola exercida no período de carência. Aduz a ocorrência de
coisa julgada. Sustenta a aplicabilidade da Lei n. 11.960/2009 quanto à correção monetária e
juros de mora. Pleiteia a modificação dos critérios de arbitramento da verba honorária.
Prequestiona a matéria para fins recursais.
Decorrido “in albis” o prazo para contrarrazões, subiram os autos a este Tribunal.
É o relatório.
PODER JUDICIÁRIOTribunal Regional Federal da 3ª Região9ª Turma
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº6105639-89.2019.4.03.9999
RELATOR:Gab. 30 - JUÍZA CONVOCADA MONICA BONAVINA
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: MARIA APARECIDA DE SOUZA RIBEIRO
Advogado do(a) APELADO: FAGNER JOSE DO CARMO VIEIRA - SP244611-N
OUTROS PARTICIPANTES:
V O T O
Inicialmente, afigura-se correta a não submissão da r. sentença à remessa oficial.
De fato, o art. 496, § 3º, inciso I, do novo Código de Processo Civil, que entrou em vigor em 18
de março de 2016, dispõe que não está sujeita ao reexame necessário a sentença em ações
movidas contra a União Federal e respectivas autarquias e fundações e cujo direito
controvertido não exceda mil salários mínimos.
No caso dos autos, considero as datas do termo inicial do benefício e da prolação da sentença,
em 05/11/ 2018. Atenho-me ao teto para o salário-de-benefício como parâmetro de
determinação do valor da benesse Verifico que a hipótese em exame não excede os mil
salários mínimos.
Não sendo, pois, o caso de conhecer da remessa oficial, passo à análise do recurso interposto,
uma vez cumpridos os requisitos de admissibilidade previstos no diploma processual.
De início, cumpre afastar a preliminar de coisa julgada. Com efeito, ofenômeno da coisa
julgada, óbice à reprodução de ação anteriormente ajuizada, impõe a extinção do processo sem
o julgamento do mérito, nos termos do art. 485, V do Código de Processo Civil.
A extinção do processo por repetição de demandas exige a chamada "tríplice identidade". E há
coisa julgada quando se repete ação com decisão ainda transitada em julgado, considerando-se
idênticas as ações que possuem as mesmas partes, pedido e causa de pedir.
Compulsando os autos, verifica-se que a parte autora propôs outra ação previdenciária
anteriormente - processo nº 0010661-08.2008.4.03.6315, perante o JEF Cível de Sorocaba, em
09/09/2008, visando à concessão do benefício de aposentadoria por idade rural. O pedido foi
julgado improcedente, com trânsito em julgado em 06/04/2010 (id 99978922).
No caso da presente ação, proposta em junho de 2017, a parte autora elaborou pedido de
concessão do benefício de aposentadoria por idade na modalidade híbrida, com fundamento no
labor rurícola e rural exercidos em períodos não contidos na primeira demanda.
Não há que se falar, portanto, em coincidência entre as demandas, porquanto a causa de pedir
da presente ação difere da anteriormente proposta, sendo de se afastar a incidência do
fenômeno da coisa julgada.
No mérito, amodalidade de jubilamento postulado pela autoria vem consagrado no § 3º do
artigo 48 da Lei nº 8.213/91, na dicção da Lei nº 11.718/2008, e é, tradicionalmente,
denominado híbrido ou misto, haja vista a permissão legislativa quanto à contagem de tempo
desempenhado em mister rural, em consórcio a outros interstícios contributivos atinentes a
categorias de segurado diversas, de sorte a adimplir, com referido somatório, o lapso de
carência, delimitado a partir da aplicação da tabela progressiva constante do artigo 142 da Lei
nº 8.213/91. Quanto ao quesito etário, remanesce assinalado em 65 anos (homem) e 60 anos
(mulher).
Ao prever tal espécie de aposentação, teve o legislador ordinário por fito salvaguardar os
interesses dos exercentes de ofício rural que, em sua jornada profissional, de forma transitória
ou permanente, vieram a galgar ocupações distintas, notadamente de natureza urbana,
circunstância que, eventualmente, empecer-lhes-ia a outorga de aposentadoria por idade de
trabalhador rural, relegando-os a verdadeiro limbo jurídico, à constatação de que
desempenharam labor urbano por expressivo lapso temporal ou bem teriam abandonado a
atividade campestre antes do atingimento etário ou da vindicação da benesse. É-lhes
propiciada, nessa medida, a contabilização do tempo laboral desenvolvido no campo, ainda que
de forma descontínua, conjugando-o ao afazer urbano, na busca do atendimento à carência
legal. Desimporta, aqui, investigar-se do predomínio de atividades rurais no histórico laboral do
requerente do benefício; tampouco, apurar-se se, quando da dedução do requerimento, o
solicitante ainda estava a labutar no campo.
Vale ponderar, ainda, que, ao contrário do que sucede na aposentadoria por idade de
trabalhador rural, na modalidade híbrida encontra aplicabilidade o artigo 3º, § 1º, da Lei nº
10.666/2003, mercê do qual a perda da qualidade de segurado, anteriormente ao atingimento
da idade exigida, não é de molde a obstar a outorga do benefício, contanto que seja alcançada
a carência exigida. Precedente deste Tribunal nesse diapasão: AC 00038436520164039999,
Relator DESEMBARGADOR FEDERAL TORU YAMAMOTO, TRF3, SÉTIMA TURMA, e-DJF3
Judicial 23/06/2016.
Quanto à demonstração do labor rural, há de se operar à luz dos contornos arraigados na
jurisprudência, tais os seguintes:
- é suficiente à demonstração do labor rural início de prova material (v.g., documentos
expedidos por órgãos públicos que contemplem a qualificação rurícola da parte autora, não
sendo taxativo o rol de documentos previsto no art. 106 da Lei nº 8.213/91), corroborado por
prova testemunhal coesa e harmônica, sendo inservível a tal finalidade prova exclusivamente
testemunhal (Súmula STJ 149), inclusive para os chamados "boias-frias" (REsp nº
1.321.493/PR, apreciado na sistemática do art. 543-C do CPC);
- são extensíveis à mulher, a partir da celebração do matrimônio ou do limiar da união estável,
os documentos em que os cônjuges, ou conviventes, aparecem qualificados como lavradores
(v.g., STJ, AGARESP 201402280175, Relatora Min. Assusete Magalhães, Segunda Turma,
DJE 11/12/2014);
- possível o reconhecimento de tempo de serviço rural antecedente ou ulterior ao princípio de
prova documental apresentado, desde que ratificado por testemunhos idôneos (STJ, REsp nº
1.348.633/SP, Relator Min. Arnaldo Esteves Lima, Primeira Seção, j. 28/08/2013, DJE
05/12/2014).
- indisputável a existência de início de prova material contemporâneo a, quando menos,
quinhão do período rural por testificar-se (v. Súmula TNU 34; cf., também, RESP
201200891007, Relator Min. HERMAN BENJAMIN, PRIMEIRA SEÇÃO, DJE 19/12/2012,
apreciado sob o rito do art. 543-C do CPC/1973, donde se colhe ser dispensável que o princípio
de prova documental diga respeito a todo o interregno a comprovar, admitindo-se que aluda,
apenas, à parcela deste);
- tratando-se de aposentadoria híbrida, despiciendo quer o recolhimento de contribuições
previdenciárias relativamente ao tempo rural invocado pela autoria, à moda do que sucede em
sede de aposentadoria por idade de trabalhador rural (RESP nº1788404/PR, 1ª Seção, Rel.
Min. Napoleão Nunes Maia Filho, data de julgamento 14/08/2019), quer a demonstração do
exercício da labuta campesina ao tempo da oferta do requerimento administrativo do benefício
(AgRg no RESP 1.497.086/PR, Rel. Min. Herman Benjamin, STJ - Segunda Turma, DJe
06/04/2015; RESP 201300429921, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, STJ - Segunda Turma,
DJe 10/09/2014).
Ao caso dos autos, pois.
A parte autora, nascida em 05/02/1950 adimpliu o requisito etário em 2010, incumbindo-lhe
demonstrar o exercício de atividades rurícola e urbana por, no mínimo, 174 meses.
No intuito de denotar a labuta campesina, sem registro em carteira, desenvolvida, consoante
aduz, entre 05/02/1962 a 31/12/1991 e 01/04/2017 e 31/05/2017, a parte autora colacionou
documentos em seu nome e de seu cônjuge, em que se acham qualificados como lavradores,
quais sejam, certidão de casamento, celebrado em 1967; certidão de filhos havidos nos anos de
1970, 1977, 1978, 1981,1984 e1987; carteira de filiação ao Sindicato dos TrabalhadoresRurais
de Tatui em 1974 e respectivos comprovantes de contribuição, no período de 1974 a 1995; e
registros em CTPS, em períodos intermitentes de junho de 1985 a maio de 2012.
Os depoimentos testemunhais foram firmes e convincentes no sentido do exercício de
atividades rurícolas.Deveras, João Manoel e José Epaminondas,que conhecem a autora há
cerca de trinta anos, afirmaram que ela trabalhou na lavoura, na companhia do genitor, na
qualidade de diarista rural e, posteriormente, de seu cônjuge, indicando a fazenda Iguatemi,
dentre outras.
Destarte, os testemunhos, coesos e harmônicos quanto à prestação de trabalho rural, em
consonância com o início de prova material, permitem concluir pelo desempenho dessa
atividade no período almejado. Remarque-se a existência de vestígio documental do trabalho
rural, a refutar a arguição vertida pela autarquia securitária, no sentido de que o reconhecimento
da atividade agrícola escora-se em prova exclusivamente testemunhal.
Ademais, a autarquia previdenciária reconheceu, administrativamente, o período laboral de
natureza urbana, constante do extrato do CNIS,referente aos meses de 01/04/2017 a
31/05/2017 (id 99978918).
Agregando-se o lapso de labor rural ora reconhecido aos demais interregnos de serviço que
ecoam dos elementos carreados aos autos, ressai que a parte autora reúne tempo superior ao
legalmente reclamado, sendo de rigor a acolhida do pleito inicial e, de conseguinte, a
manutençãoda sentença de procedência.
Cumpre esclarecer que, em 20 de setembro de 2017, o STF concluiu o julgamento do RE
870.947, definindo as seguintes teses de repercussão geral sobre a incidência da Lei n.
11.960/2009: "1) . . . quanto às condenações oriundas de relação jurídica não-tributária, a
fixação dos juros moratórios segundo o índice de remuneração da caderneta de poupança é
constitucional, permanecendo hígido, nesta extensão, o disposto no art. 1º-F da Lei nº 9.494/97
com a redação dada pela Lei nº 11.960/09; e 2) O art. 1º-F da Lei nº 9.494/97, com a redação
dada pela Lei nº 11.960/09, na parte em que disciplina a atualização monetária das
condenações impostas à Fazenda Pública segundo a remuneração oficial da caderneta de
poupança, revela-se inconstitucional ao impor restrição desproporcional ao direito de
propriedade (CRFB, art. 5º, XXII), uma vez que não se qualifica como medida adequada a
capturar a variação de preços da economia, sendo inidônea a promover os fins a que se
destina."
Por derradeiro, assinale-se que o STF, por maioria, nos termos do voto do Ministro Alexandre
de Moraes, decidiu não modular os efeitos da decisão anteriormente proferida, rejeitando todos
os embargos de declaração opostos, conforme certidão de julgamento da sessão extraordinária
de 03/10/2019.
Assim, a questão relativa à aplicação da Lei n. 11.960/2009, no que se refere aos juros e à
correção monetária, não comporta mais discussão, cabendo apenas o cumprimento da decisão
exarada pelo STF em sede de repercussão geral.
Nesse cenário, sobre os valores em atraso incidirão juros e correção monetária em
conformidade com os critérios legais compendiados no Manual de Orientação de
Procedimentos para os Cálculos na Justiça Federal, observadas as teses fixadas no julgamento
final do RE 870.947, de relatoria do Ministro Luiz Fux.
Conquanto imperiosa a mantença da condenação da autarquia em honorários advocatícios,
esta deve ser fixada em percentual mínimo a ser definido na fase de liquidação, nos termos do
inciso II do § 4º do artigo 85 do NCPC, observando-se o disposto nos §§ 3º, 5º e 11 desse
mesmo dispositivo legal e considerando-se as parcelas vencidas até a data da decisão
concessiva do benefício (Súmula n. 111 do STJ).
Os valores já pagos, seja na via administrativa ou por força de decisão judicial, deverão ser
integralmente abatidos do débito.
Quanto ao prequestionamento suscitado, assinalo não haver qualquer infringência à legislação
federal ou a dispositivos constitucionais.
Ante o exposto, nego provimento ao apelo do INSS, nos termos da fundamentação. Explicito os
critérios de incidência dos juros de mora e da correção monetária, na forma delineada. Majoro a
verba honorária de sucumbência recursal, na forma delineada.
É o meu voto.
E M E N T A
PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR IDADE HÍBRIDA. CONCESSÃO DO BENEFÍCIO.
CARÊNCIA CUMPRIDA. COMPROVADA A ATIVIDADE RURAL POR INÍCIO DE PROVA
MATERIAL CORROBORADO POR TESTEMUNHOS. CÔMPUTO DE LABOR URBANO
- Requisito etário adimplido.
- Início eficaz de prova material corroborado por testemunhos firmes e convincentes, acrescido
de período de labor urbano.
- Comprovação de carência exigida.
- Juros de mora e correção monetária fixados na forma explicitada.
- Isenção da autarquia previdenciária do pagamento de custas processuais, com exceção das
custas e despesas comprovadamente realizadas pela parte autora.
- Verba honorária de sucumbência recursal majorada na forma do § 11 do art. 85 do Código de
Processo Civil.
- Apelação do INSS desprovida.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Nona Turma, por
unanimidade, decidiu negar provimento à apelação, nos termos do relatório e voto que ficam
fazendo parte integrante do presente julgado.
Resumo Estruturado
VIDE EMENTA
