Processo
ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL / SP
5334458-69.2019.4.03.9999
Relator(a)
Desembargador Federal TANIA REGINA MARANGONI
Órgão Julgador
8ª Turma
Data do Julgamento
09/08/2019
Data da Publicação/Fonte
e - DJF3 Judicial 1 DATA: 15/08/2019
Ementa
E M E N T A
PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR IDADE HÍBRIDA. NÃO PREENCHIDOS OS
REQUISITOS PARA A CONCESSÃO DO BENEFÍCIO.
- Pedido de aposentadoria por idade híbrida.
- A questão em debate consiste na possibilidade de utilizar períodos de labor rural do autor, com
e sem registro em CTPS, a fim de conceder ao requerente a aposentadoria por idade.
- As anotações constantes na CTPS do autor possuem indícios de invalidade. O primeiro deles é
que a CTPS foi emitida em 1972, anos após o início do primeiro vínculo empregatício nela
anotado, iniciado, supostamente, em 1966. O segundo indício é que as anotações implicam em
vínculo empregatício mantido junto ao próprio pai, enquanto o conjunto probatório indica que, na
realidade, não havia vínculo empregatício, e sim trabalho conjunto na propriedade da família. E tal
trabalho não era em regime de economia familiar, envolvendo outros funcionários e diversos
prestadores de serviço em várias áreas. A prova testemunhal, por exemplo, indica que a família
do autor explorava uma propriedade que classificaram como, ao menos, “média”, produzia
culturas diversas e criava gado, e ao menos duas das testemunhas declararam prestar serviços
desde a época em que o pai do autor era vivo.
- Inviável acolher como válidas as anotações da CTPS do requerente.
- Os elementos trazidos aos autos indicam que o labor do autor jamais foi como segurado
especial, mas sim como produtor rural, desde a época em que ainda laborava junto ao pai e,
Jurisprudência/TRF3 - Acórdãos
após, em sociedade com o irmão.
- O autor, muito antes da morte do pai, que informa ter ocorrido em 1993, adquiriu outra
propriedade ao lado do irmão, em 1987. E as testemunhas informam que ele jamais deixou de
trabalhar nas terras da família, o que sugere que passou a explorar ao menos duas propriedades.
Na época da aquisição da segunda propriedade, tanto ele quanto o irmão declararam residir em
endereço urbano, ou seja, não moravam na propriedade que exploravam, o que é mais um indício
de que rurícola não se tratava.
- O próprio autor informou que, em dado momento, passou a arrendar também terras de um
vizinho, também destinadas à produção de soja, cultura que se destina à comercialização. As
notas fiscais apresentadas comprovam, ainda, o comércio de grandes quantidades de soja, milho
e trigo, incompatíveis com a produção em regime de economia familiar.
- O autor constituiu pessoa jurídica em 2006, muitos anos antes da data em que alega que
passou a contar com funcionário (2010). Na descrição da pessoa jurídica, consta “contribuinte
individual com empregado/produtor rural/cultivo de soja”.
- O conjunto probatório indica que o autor sempre atuou como produtor rural, e há muito deveria
ter iniciado os recolhimentos como tal, o que só ocorreu a partir de 2010.
- Conjugando-se a data em que foi atingida a idade de 65 anos, o tempo de contribuição ao
Regime Geral da Previdência Social comprovado nos autos e o art. 142 da Lei nº 8.213/91, tem-
se que, por ocasião do requerimento administrativo, não havia sido cumprida a carência exigida.
O autor não faz jus ao benefício.
- Apelo da Autarquia provido.
Acórdao
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5334458-69.2019.4.03.9999
RELATOR: Gab. 27 - DES. FED. TÂNIA MARANGONI
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: JAIR DE CAMPOS BICUDO
Advogado do(a) APELADO: JOSE EDUARDO POZZA - SP89036-N
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5334458-69.2019.4.03.9999
RELATOR: Gab. 27 - DES. FED. TÂNIA MARANGONI
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: JAIR DE CAMPOS BICUDO
Advogado do(a) APELADO: JOSE EDUARDO POZZA - SP89036-N
OUTROS PARTICIPANTES:
R E L A T Ó R I O
A EXMA. SRA. DESEMBARGADORA FEDERAL TÂNIA MARANGONI:
O pedido inicial é de aposentadoria por idade híbrida, envolvendo o cômputo, para fins de
carência, de períodos de labor rural do autor, com e sem registro em CTPS.
A sentença acolheu o pedido autoral para condenar a autarquia a conceder em favor do autor o
benefício de aposentadoria por idade NB 41/164.605.746-2, DER 03/11/2015, bem como a pagar
as prestações vencidas, devidas a partir da data do pedido administrativo (03/11/2015). As
prestações deverão ser corrigidas monetariamente de acordo com o Índice de Preços ao
Consumidor Amplo Especial IPCA-E, desde quando devidos os valores em atraso. Os juros de
mora, contados desde a citação, deverão ser calculados com base nos índices aplicados à
caderneta de poupança, nos termos do disposto no art. 1º-F da Lei 9.494/97, com redação dada
pela Lei 11.960/2009. Sucumbente, arcará o requerido com as custas processuais (Súmula 178
do STJ) e com a verba honorária, fixada em 10% sobre o valor das parcelas vencidas,
considerando-se como tais as compreendidas entre o termo inicial do benefício e a data da
prolação da sentença, salvo as isenções legais.
Inconformada, apela a Autarquia, sustentando, em síntese, que não foram preenchidos os
requisitos para a concessão do benefício. Ressalta que o autor não pode ser enquadrado como
trabalhador rural.
Regularmente processados, subiram os autos a este E. Tribunal.
É o relatório.
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5334458-69.2019.4.03.9999
RELATOR: Gab. 27 - DES. FED. TÂNIA MARANGONI
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: JAIR DE CAMPOS BICUDO
Advogado do(a) APELADO: JOSE EDUARDO POZZA - SP89036-N
OUTROS PARTICIPANTES:
V O T O
A EXMA. SRA. DESEMBARGADORA FEDERAL TÂNIA MARANGONI:
A aposentadoria por idade do trabalhador urbano está prevista no art. 48 e segs., da Lei nº
8.213/91, antes disciplinada pelo art. 32 do Decreto nº 89.312, de 23.01.84. Era devida, por
velhice, ao segurado que, após 60 (sessenta) contribuições mensais, completasse 65 (sessenta e
cinco) anos de idade, se do sexo masculino, ou 60 (sessenta), se do feminino.
Com o Plano de Benefícios passou a exigir-se do segurado o cumprimento de carência e a idade
de 65 anos para o homem e 60 para a mulher.
Segundo o inciso II do art. 24, essa carência é de 180 contribuições mensais, aplicando-se,
contudo, para o segurado filiado à Previdência anteriormente a 1991, os prazos menores
previstos no art. 142 do mesmo Diploma.
São, portanto, exigidos para a concessão desse benefício, o cumprimento da carência e do
requisito etário.
Registre-se, por fim, que a Lei nº 10.666/03, em seu artigo 3ª, §1º, estatuiu que, na hipótese de
aposentadoria por idade, a perda da qualidade de segurado não será considerada para a
concessão do benefício, desde que o segurado conte com, no mínimo, o tempo de contribuição
correspondente ao exigido para efeito de carência na data do requerimento.
A questão em debate consiste na possibilidade de utilizar períodos de labor rural do autor, com e
sem registro em CTPS, a fim de conceder ao requerente a aposentadoria por idade.
De início, cumpre observar a viabilidade do cômputo de períodos de trabalho rural e urbano para
fins de concessão de aposentadoria nos termos do art. 48, §3º e §4º, da Lei 8213/1991.
Sobre o assunto, confira-se:
"PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR IDADE HÍBRIDA. ART. 48, §§ 3º e 4º, DA LEI
8.213/1991. TRABALHO URBANO E RURAL NO PERÍODO DE CARÊNCIA. REQUISITO.
LABOR CAMPESINO NO MOMENTO DO IMPLEMENTO DO REQUISITO ETÁRIO OU DO
REQUERIMENTO ADMINISTRATIVO. EXIGÊNCIA AFASTADO. CONTRIBUIÇÕES. TRABALHO
RURAL. CONTRIBUIÇÕES. DESNECESSIDADE.
1. O INSS interpôs Recurso Especial aduzindo que a parte ora recorrida não se enquadra na
aposentadoria por idade prevista no art. 48, § 3º, da Lei 8.213/1991, pois no momento do
implemento do requisito etário ou do requerimento administrativo era trabalhadora urbana, sendo
a citada norma dirigida a trabalhadores rurais. Aduz ainda que o tempo de serviço rural anterior à
Lei 8.213/1991 não pode ser computado como carência.
2. O § 3º do art. 48 da Lei 8.213/1991 (com a redação dada pela Lei 11.718/2008) dispõe: "§ 3o
Os trabalhadores rurais de que trata o § 1o deste artigo que não atendam ao disposto no § 2o
deste artigo, mas que satisfaçam essa condição, se forem considerados períodos de contribuição
sob outras categorias do segurado, farão jus ao benefício ao completarem 65 (sessenta e cinco)
anos de idade, se
homem, e 60 (sessenta) anos, se mulher."
3. Do contexto da Lei de Benefícios da Previdência Social se constata que a inovação legislativa
trazida pela Lei 11.718/2008 criou forma de aposentação por idade híbrida de regimes de
trabalho, contemplando aqueles trabalhadores rurais que migraram temporária ou definitivamente
para o meio urbano e que não têm período de carência suficiente para a aposentadoria prevista
para os trabalhadores urbanos (caput do art. 48 da Lei 8.213/1991) e para os rurais (§§ 1º e 2º do
art. 48 da Lei 8.213/1991).
4. Como expressamente previsto em lei, a aposentadoria por idade urbana exige a idade mínima
de 65 anos para homens e 60 anos para mulher, além de contribuição pelo período de carência
exigido. Já para os trabalhadores exclusivamente rurais, as idades são reduzidas em cinco anos
e o requisito da carência restringe-se ao efetivo trabalho rural (art. 39, I, e 143 da Lei 8.213/1991).
5. A Lei 11.718/2008, ao incluir a previsão dos §§ 3º e 4º no art. 48 da Lei 8.213/1991, abrigou,
como já referido, aqueles trabalhadores rurais que passaram a exercer temporária ou
permanentemente períodos em atividade urbana, já que antes da inovação legislativa o mesmo
segurado se encontrava num paradoxo jurídico de desamparo previdenciário: ao atingir idade
avançada, não podia receber a aposentadoria rural porque exerceu trabalho urbano e não tinha
como desfrutar da aposentadoria urbana em razão de o curto período laboral não preencher o
período de carência.
6. Sob o ponto de vista do princípio da dignidade da pessoa humana, a inovação trazida pela Lei
11.718/2008 consubstancia a correção de distorção da cobertura previdenciária: a situação
daqueles segurados rurais que, com a crescente absorção da força de trabalho campesina pela
cidade, passam a exercer atividade laborais diferentes das lides do campo, especialmente quanto
ao tratamento previdenciário.
7. Assim, a denominada aposentadoria por idade híbrida ou mista (art. 48, §§ 3º e 4º, da Lei
8.213/1991) aponta para um horizonte de equilíbrio entre as evolução das relações sociais e o
Direito, o que ampara aqueles que efetivamente trabalharam e repercute, por conseguinte, na
redução dos conflitos submetidos ao Poder Judiciário.
8. Essa nova possibilidade de aposentadoria por idade não representa desequilíbrio atuarial, pois,
além de exigir idade mínima equivalente à aposentadoria por idade urbana (superior em cinco
anos à aposentadoria rural), conta com lapsos de contribuição direta do segurado que a
aposentadoria por idade rural não exige.
9. Para o sistema previdenciário, o retorno contributivo é maior na aposentadoria por idade
híbrida do que se o mesmo segurado permanecesse exercendo atividade exclusivamente rural,
em vez de migrar para o meio urbano, o que representará, por certo, expressão jurídica de
amparo das situações de êxodo rural, já que, até então, esse fenômeno culminava em severa
restrição de direitos previdenciários aos trabalhadores rurais.
10. Tal constatação é fortalecida pela conclusão de que o disposto no art. 48, §§ 3º e 4º, da Lei
8.213/1991 materializa a previsão constitucional da uniformidade e equivalência entre os
benefícios destinados às populações rurais e urbanas (art. 194, II, da CF), o que torna irrelevante
a preponderância de atividade urbana ou rural para definir a aplicabilidade da inovação legal aqui
analisada.
11. Assim, seja qual for a predominância do labor misto no período de carência ou o tipo de
trabalho exercido no momento do implemento do requisito etário ou do requerimento
administrativo, o trabalhador tem direito a se aposentar com as idades citadas no § 3º do art. 48
da Lei 8.213/1991, desde que cumprida a carência com a utilização de labor urbano ou rural. Por
outro lado, se a carência foi cumprida exclusivamente como trabalhador urbano, sob esse regime
o segurado será aposentado (caput do art. 48), o que vale também para o labor exclusivamente
rurícola (§§1º e 2º da Lei 8.213/1991).
12. Na mesma linha do que aqui preceituado: REsp 1.376.479/RS, Rel. Ministro Mauro Campbell
Marques, Segunda Turma, Julgado em 4.9.2014, pendente de publicação.
14. Observando-se a conjugação de regimes jurídicos de aposentadoria por idade no art. 48, § 3º,
da Lei 8.213/1991, denota-se que cada qual deve ser observado de acordo com as respectivas
regras. 15. Se os arts. 26, III, e 39, I, da Lei 8.213/1991 dispensam o recolhimento de
contribuições para fins de aposentadoria por idade
rural, exigindo apenas a comprovação do labor campesino, tal situação deve ser considerada
para fins do cômputo da carência prevista no art. 48, § 3º, da Lei 8.213/1991, não sendo,
portanto, exigível o recolhimento das contribuições.
16. Correta a decisão recorrida que concluiu (fl. 162/e-STJ): "somados os 126 meses de
reconhecimento de exercício de atividades rurais aos 54 meses de atividades urbanas, chega-se
ao total de 180 meses de carência por ocasião do requerimento administrativo, suficientes à
concessão do benefício, na forma prevista pelo art. 48, § 3º, da Lei nº 8.213/1991".
17. Recurso Especial não provido."
(STJ. REsp 1407613 / RS. RECURSO ESPECIAL: 2013/0151309-1. Segunda Turma. Relator:
Ministro Heman Benjamin. Data do Julgamento: 14/10/2014. Data da Publicação/Fonte: DJe
28/11/2014)
O autor afirma que atuou como empregado do pai, com registro em CTPS, e, após, em regime de
economia familiar, de 01.10.1988 a 31.01.2010, período durante o qual ele e o irmão exploraram
a propriedade “Sítio Esperança I”. Segundo a inicial, após tal período, com os filhos já maiores e
estudando, o autor e o irmão passaram a contratar empregados, motivo pelo qual a partir daquele
momento se inscreveu junto à Previdência Social.
Com o fim de amparar sua pretensão, o autor apresenta documentos, dentre os quais destaco:
- documentos de identificação do autor, Jair de Campos Bicudo, nascido em 31.10.1950;
- certidão de casamento do autor com Eunice Malaquias do Amaral, contraído em 30.09.1975 –
na ocasião, o autor foi qualificado como lavrador, domiciliado e residente em Elias Fausto, SP; a
esposa foi qualificada como professora primária, domiciliada e residente em Monte Mór, SP;
- comprovante de requerimento administrativo de aposentadoria por idade, formulado pelo autor
em 13.11.2015, ocasião em que declarou residir na r. Esteves Kristensen, 84, Piraju, SP;
- CTPS do autor, emitida em 24.08.1972, com anotações de dois vínculos empregatícios como
“serviços gerais – rural”, sendo em ambos os casos seu próprio pai, Benedito Campos Bicudo, o
empregador: o primeiro, de 02.01.1966 a 18.07.1976, na Fazenda Conceição, em Porto Feliz, SP,
e o segundo de 15.08.1976 a 30.09.1988, na Fazenda Nova Esperança, em Piraju, SP;
- escritura pública de venda e compra, lavrada em 22.01.1987, através da qual o autor e seu
irmão adquiriram uma propriedade de 56,45 hectares, área nas terras da Fazenda São
Bartolomeu ou Palmital, situada no município de Manduri – no documento, o autor foi qualificado
como agricultor e sua esposa como professora, sendo ambos residentes na R. Pio Maladogi, 67,
Vila Jardim Jurumin, em Piraju, enquanto seu irmão, Antonio de Campos Bicudo (qualificado
como casado, constando o nome da esposa), foi qualificado como agricultor, residente na R.
Rodrigo Vasconcelos Spinola, 75, Piraju;
- certidão de matrícula (23.787) do imóvel denominado Sítio Boa Esperança I, situado no Bairro
Douradinho, Piraju, SP; de propriedade do autor e seu irmão Antonio (e suas respectivas
esposas); a matrícula esclarece que a matrícula foi aberta em 22.06.2012 em decorrência da
unificação de dois imóveis, matriculados sob os números 23.785 e 23.786) – no documento, o
autor e a esposa constam como residentes na R. Esteves Kristensen, 84; posteriormente, o
documento indica que a área total é de 36,5751 hectares; em 13.08.2012, o imóvel foi dado como
hipoteca em garantia a dívida assumida pelos proprietários – na ocasião, o autor e o irmão foram
qualificados como produtores rurais, operação que se repetiu em oportunidades posteriores;
- página extraída de ficha de registro de empregados da Fazenda Nova Esperança, enumerando
os seguintes proprietários: o autor, o irmão Antônio, novo registro em nome do autor e um registro
em nome de Daniel Carreira; o livro consta como tendo sido aberto em 12.06.1982; Daniel
Carreira conta com ficha de registro de empregado indicando admissão em 01.07.1988 e
demissão em 14.11.1990 – o autor e seu irmão constam como empregados, respectivamente,
nos períodos de 15.08.1976 a 30.09.1988 e 01.08.1978 a 30.09.1988;
- documentos extraídos do site da Receita Federal, indicando que o autor (Jair de Campos Bicudo
e outro) conta com inscrição como MEI com início de atividade em 22.12.2006, como contribuinte
individual com empregado/produtor rural/cultivo de soja;
- extrato do sistema CNIS da Previdência Social indicando que o autor conta com recolhimentos
individuais relativos às competências de 02.2010 a 09.2015;
- notas fiscais referentes à comercialização da produção rural do Sítio Boa Esperança, em nome
de “Jair de Campos Bicudo e outro”, emitidas a partir de 1998; destacam-se as seguintes: 27.500
kg de soja destinados ao adquirente Cargil Agrícola S/A (11.03.1998); 14.010kg de milho em grão
(26.02 de ano ilegível); 12.500 kg de soja à Granel destinados ao adquirente Bunge Alimentos
S/A (01.04.2001); 13.000 kg de soja destinados ao adquirente Cargil Agrícola S/A (28.03.2002);
15.520kg de milho em grão (22.02.2003); 8.000kg de milho em grão (26.08.2003); 15.000 kg de
soja destinados ao adquirente Cargil Agrícola S/A (12.04.2004); 15.000 kg de trigo em grão,
destinados ao adquirente Bunge Alimentos S/A (22.01.2004), entre diversas outras remessas
relativas a soja, trigo, milho e feijão.
O INSS apresentou documentos, destacando-se os seguintes:
- imagem obtida em agosto de 2011 pelo Google, referente a imóvel localizado na r. Esteves
Kristensen (imóvel de dois pavimentos com fachada adornada em pedra);
- comprovante de inscrição no CNPJ em nome de “Jair de Campos Bicudo e outro”., CNPJ
08.163.220/0001-48, aberta em 18.07.2006, destinada à atividade de produtor rural/pessoa física,
sendo a atividade principal o consumo de milho e a secundária a criação de bovinos para corte,
localizada no Sítio Boa Esperança.
Em audiência realizada em 26.04.2018, foram tomados os depoimentos do autor e de
testemunhas.
O autor declarou que foi empregado do pai em dois períodos. Quanto ao período na Fazenda
Nova Esperança, esclareceu que a propriedade tinha 51 alqueires e “uns quebradinhos”. Após a
morte do pai, em 1993, a propriedade foi dividida, sendo metade para a mãe e metade partilhada
entre os 4 filhos. Antes da divisão, só trabalhavam no local o autor e os dois irmãos. O autor
esclareceu que sua esposa é professora, mas só exerceu a profissão quando solteira. Depois de
casada, só trabalhou em casa. O autor afirmou que já deu a propriedade como garantia para
empréstimos para o custeio da lavoura de soja. Informou que arrenda também terras de um
vizinho (o autor planta nas terras deste vizinho: 5 alqueires, destinados ao cultivo soja).
Atualmente, o autor também planta trigo. Esclareceu que planta soja no verão e trigo no inverno.
O autor afirmou que mora na R. Esteves Kristensen, numa casa que possui pedras na frente.
Afirmou que sua esposa é aposentada, pois contribuiu pelo tempo necessário para se aposentar.
Esclareceu que tem um primo, homônimo, que foi servidor público e se aposentou como tal, mas
o autor nunca foi servidor público, questão que já foi esclarecida nos autos. O autor informou que
seu pai nunca plantou soja, o autor só passou a fazê-lo após a morte do genitor. Esclareceu que
seu pai r plantava milho e arroz. Afirmou que o empréstimo que fez foi justamente para comprar
máquinas e passar a plantar soja. Esclareceu que possui dois tratores grandes, dois tratores
pequenos e uma colhedeira. Um trator é operado pelo autor, outro pelo irmão e outro pelo
sobrinho. Esclareceu que é sócio do irmão desde antes da morte do pai. Na propriedade do autor,
só trabalhavam ele, o irmão e os filhos dos dois, mas há cerca de dez anos tiveram que contratar
um empregado. Há um ano e pouco trabalha no local “José”. Antes dele, trabalharam vários
empregados, saía um e entrava outro.
A testemunha Valdir Humberto afirma que conheceu o autor há uns 40 anos (ou seja, por volta de
1978). Quando o conheceu, ele trabalhava com o pai. Afirmou que o pai dele plantava tomate,
arroz, cítricos. Disse que o autor trabalhou com o pai até o falecimento deste último, mas não
soube informar a data em que isto ocorreu. Depois, o autor passou a trabalhar na propriedade
que agora é dele. A testemunha é caminhoneiro e conheceu o pai do autor levando calcário.
Afirmou que só a família trabalhava no local. Disse que continua servindo a família, mas agora
leva soja. Só o autor, o irmão e os filhos dele trabalham no local. Afirmou que começou a prestar
serviços para a família do autor por volta de 1977. Não soube definir se a produção era grande ou
pequena. Acabou afirmando que era média, e que além da testemunha mais dois ou três
caminhoneiros prestam serviços para a família. Atualmente, o autor e o irmão têm um funcionário.
A testemunha disse que presta serviços ao autor principalmente na época da colheita. Disse que
a propriedade fica no bairro Cascavel. A testemunha não soube informar imóveis o autor possui.
Afirmou, no entanto, que o requerente tem uma caminhonete, que usa para trabalhar, e um carro
de passeio, cuja marca não soube indicar.
A testemunha José Novaga disse ser vizinho do autor há quarenta anos. A propriedade, quando o
conheceu, era do pai do autor, que mexia com lavoura e gado. O autor trabalhou lá até o pai
morrer: ajudava o pai e continua trabalhando no local. Esclareceu que hoje o autor tem lavoura de
soja, mas acredita que seja junto com os irmãos. Na época em que o conheceu, trabalhavam no
local somente o pai dele e os irmãos. A testemunha não via empregados na época. Esclareceu
que atualmente eles têm empregados. Acredita que o autor tem empregados há seis ou sete
anos. Sabe que o autor tem maquinário, alguns tratores, mas não soube dizer quantos.
A testemunha Luiz Assis disse que conhece o autor de vista, pois moram perto. Em 1972, a
testemunha trabalhava com fertilizantes e vendia para o pai dele. Na época, ia à propriedade da
família. Geralmente, visualizava apenas a família trabalhando. A testemunha disse que vendia
também óleo diesel em atacado, o que também vendia para eles. Atualmente, ainda vai à
propriedade do autor, e sabe que ele planta soja e trigo. Trabalham no local o autor, o irmão e um
funcionário. Disse que a propriedade do autor tem máquinas e é “completinha”. A testemunha
disse acreditar que uma colheitadeira custa R$ 300.000,00 ou R$ 400.000,00. A testemunha
esclareceu que fornecia adubo e fertilizante para a propriedade do pai do autor, de acordo com o
plantio. Afirmou que a propriedade era média, mas não soube precisar o tamanho. Depois,
forneceu diesel. A testemunha esclareceu que está aposentada há sete anos e que, até se
aposentar, fornecia diesel para eles. Questionado quanto à quantidade, afirmou que compravam
às vezes mil litros, dois mil litros, na época da colheita, na época dos plantios. Compravam, enfim,
de acordo com a necessidade.
Inicio pela análise dos períodos com registro em CTPS.
Há de se observar, neste caso, que é pacífico na doutrina e jurisprudência que as anotações na
CTPS possuem presunção iuris tantum, o que significa admitir prova em contrário.
Na Justiça Trabalhista, o Enunciado nº 12 do Tribunal Superior do Trabalho fixou entendimento
que as anotações feitas na CTPS são relativas, podendo, portanto, ser invalidadas por qualquer
outra espécie de prova admitida no ordenamento jurídico (perícia, prova testemunhal, etc.). Além
da Súmula nº 225 do STF sedimentando a matéria.
Nesse contexto, confira-se a orientação do Superior Tribunal de Justiça:
RECURSO ESPECIAL. PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR TEMPO DE SERVIÇO.
VALORAÇÃO DE PROVA. INÍCIO DE PROVA MATERIAL. EXISTÊNCIA.
1. "A comprovação do tempo de serviço para os efeitos desta Lei, inclusive mediante justificação
administrativa ou judicial, conforme o disposto no artigo 108, só produzirá efeito quando baseada
em início de prova material, não sendo admitida prova exclusivamente testemunhal, salvo na
ocorrência de motivo de força maior ou caso fortuito, conforme disposto no Regulamento." (artigo
55, parágrafo
3º, da Lei 8.213/91).
2. O início de prova material, de acordo com a interpretação sistemática da lei, é aquele feito
mediante documentos que comprovem o exercício da atividade nos períodos a serem contados,
devendo ser contemporâneos dos fatos a comprovar, indicando, ainda, o período e a função
exercida pelo trabalhador.
3. As anotações em certidões de registro civil, a declaração para fins de inscrição de produtor
rural, a nota fiscal de produtor rural, as guias de recolhimento de contribuição sindical e o contrato
individual de trabalho em Carteira de Trabalho e Previdência Social - CTPS, todos
contemporâneos à época dos fatos alegados, se inserem no conceito de início razoável de prova
material.
4. Recurso conhecido e improvido.
(Origem: STJ - Superior Tribunal de Justiça; Classe: RESP - Recurso Especial - 280402;
Processo: 2000/0099716-1; Órgão Julgador: Sexta Turma; Data da decisão: 26/03/2001; Fonte:
DJ, Data: 10/09/2001, página: 427; Relator: Ministro HAMILTON CARVALHIDO)
No caso dos autos, as anotações constantes na CTPS do autor possuem indícios de invalidade.
O primeiro deles é que a CTPS foi emitida em 1972, anos após o início do primeiro vínculo
empregatício nela anotado, iniciado, supostamente, em 1966.
O segundo indício é que as anotações implicam em vínculo empregatício mantido junto ao próprio
pai, enquanto o conjunto probatório indica que, na realidade, não havia vínculo empregatício, e
sim trabalho conjunto na propriedade da família. E tal trabalho não era em regime de economia
familiar, envolvendo outros funcionários (como sugere o próprio livro de registro de empregados
da propriedade) e diversos prestadores de serviço em várias áreas. A prova testemunhal, por
exemplo, indica que a família do autor explorava uma propriedade que classificaram como, ao
menos. “média”, produzia culturas diversas e criava gado, e ao menos duas das testemunhas
declararam prestar serviços desde a época em que o pai do autor era vivo.
Inviável, portanto, acolher como válidas as anotações da CTPS do requerente.
Passo à análise do pedido relativo ao exercício de atividades rurais, sem anotação em CTPS.
A convicção de que ocorreu o efetivo exercício da atividade, com vínculo empregatício, ou em
regime de economia familiar, durante determinado período, nesses casos, forma-se através do
exame minucioso do conjunto probatório, que se resume nos indícios de prova escrita, em
consonância com a oitiva de testemunhas.
Nesse sentido, é a orientação do Superior Tribunal de Justiça.
Confira-se:
RECURSO ESPECIAL. PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR TEMPO DE SERVIÇO.
VALORAÇÃO DE PROVA. INÍCIO DE PROVA MATERIAL. EXISTÊNCIA. CARÊNCIA.
1. "1. A comprovação do tempo de serviço para os efeitos desta Lei, inclusive mediante
justificação administrativa ou judicial, conforme o disposto no artigo 108, só produzirá efeito
quando baseada em início de prova material, não sendo admitida prova exclusivamente
testemunhal, salvo na ocorrência de motivo de força maior ou caso fortuito, conforme disposto no
Regulamento." (artigo 55, parágrafo 3º, da Lei 8.213/91).
2. O início de prova material, de acordo com a interpretação sistemática da lei, é aquele feito
mediante documentos que comprovem o exercício da atividade nos períodos a serem contados,
devendo ser con tempo râneos dos fatos a comprovar, indicando, ainda, o período e a função
exercida pelo trabalhador." (REsp 280.402/SP, da minha Relatoria, in DJ 10/9/2001).
3. (...)
4. "Não há exigência legal de que o início de prova material se refira, precisamente, ao período de
carência do art. 143 da referida lei, visto que serve apenas para corroborar a prova testemunhal."
(EDclREsp 321.703/SP, Relator Ministro Gilson Dipp, in DJ 8/4/2002).
5. Recurso improvido.
(Origem: STJ - Superior Tribunal de Justiça; Classe: RESP - Recurso Especial - 628995;
Processo: 200400220600; Órgão Julgador: Sexta Turma; Data da decisão: 24/08/2004; Fonte:
DJ, Data: 13/12/2004, página: 470; Relator: Ministro HAMILTON CARVALHIDO)
Neste caso, os elementos trazidos aos autos indicam que o labor do autor jamais foi como
segurado especial, mas sim como produtor rural, desde a época em que ainda laborava junto ao
pai e, após, em sociedade com o irmão.
Observe-se que o autor, muito antes da morte do pai, que informa ter ocorrido em 1993, adquiriu
outra propriedade ao lado do irmão, em 1987. E as testemunhas informam que ele jamais deixou
de trabalhar nas terras da família, o que sugere que passou a explorar ao menos duas
propriedades. Frise-se que na época da aquisição da segunda propriedade, tanto ele quanto o
irmão declararam residir em endereço urbano, ou seja, não moravam na propriedade que
exploravam, o que é mais um indício de que rurícola não se tratava.
O próprio autor informou que, em dado momento, passou a arrendar também terras de um
vizinho, também destinadas à produção de soja, cultura que se destina à comercialização. As
notas fiscais apresentadas comprovam, ainda, o comércio de grandes quantidades de soja, milho
e trigo, incompatíveis com a produção em regime de economia familiar.
Observe-se que o autor constituiu pessoa jurídica em 2006, muitos anos antes da data em que
alega que passou a contar com funcionário (2010). Na descrição da pessoa jurídica, consta
“contribuinte individual com empregado/produtor rural/cultivo de soja”.
Na realidade, o conjunto probatório indica que o autor sempre atuou como produtor rural, e há
muito deveria ter iniciado os recolhimentos como tal, o que só ocorreu a partir de 2010.
Por fim, conjugando-se a data em que foi atingida a idade de 65 anos, o tempo de contribuição ao
Regime Geral da Previdência Social comprovado nos autos e o art. 142 da Lei nº 8.213/91, tem-
se que, por ocasião do requerimento administrativo, não havia sido cumprida a carência exigida
(180 meses).
Em suma, o autor não faz jus ao benefício.
Em face da inversão do resultado da lide, restam prejudicados os demais pontos do recurso do
INSS.
Por essas razões, dou provimento ao apelo da Autarquia, para reformar a sentença e julgar
improcedente o pedido. Condeno a parte autora no pagamento das custas e dos honorários
advocatícios que fixo em R$1.000,00 (hum mil reais), observando-se o disposto no artigo 98, § 3º
do CPC/2015, por ser beneficiária da gratuidade da justiça.
É o voto.
E M E N T A
PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR IDADE HÍBRIDA. NÃO PREENCHIDOS OS
REQUISITOS PARA A CONCESSÃO DO BENEFÍCIO.
- Pedido de aposentadoria por idade híbrida.
- A questão em debate consiste na possibilidade de utilizar períodos de labor rural do autor, com
e sem registro em CTPS, a fim de conceder ao requerente a aposentadoria por idade.
- As anotações constantes na CTPS do autor possuem indícios de invalidade. O primeiro deles é
que a CTPS foi emitida em 1972, anos após o início do primeiro vínculo empregatício nela
anotado, iniciado, supostamente, em 1966. O segundo indício é que as anotações implicam em
vínculo empregatício mantido junto ao próprio pai, enquanto o conjunto probatório indica que, na
realidade, não havia vínculo empregatício, e sim trabalho conjunto na propriedade da família. E tal
trabalho não era em regime de economia familiar, envolvendo outros funcionários e diversos
prestadores de serviço em várias áreas. A prova testemunhal, por exemplo, indica que a família
do autor explorava uma propriedade que classificaram como, ao menos, “média”, produzia
culturas diversas e criava gado, e ao menos duas das testemunhas declararam prestar serviços
desde a época em que o pai do autor era vivo.
- Inviável acolher como válidas as anotações da CTPS do requerente.
- Os elementos trazidos aos autos indicam que o labor do autor jamais foi como segurado
especial, mas sim como produtor rural, desde a época em que ainda laborava junto ao pai e,
após, em sociedade com o irmão.
- O autor, muito antes da morte do pai, que informa ter ocorrido em 1993, adquiriu outra
propriedade ao lado do irmão, em 1987. E as testemunhas informam que ele jamais deixou de
trabalhar nas terras da família, o que sugere que passou a explorar ao menos duas propriedades.
Na época da aquisição da segunda propriedade, tanto ele quanto o irmão declararam residir em
endereço urbano, ou seja, não moravam na propriedade que exploravam, o que é mais um indício
de que rurícola não se tratava.
- O próprio autor informou que, em dado momento, passou a arrendar também terras de um
vizinho, também destinadas à produção de soja, cultura que se destina à comercialização. As
notas fiscais apresentadas comprovam, ainda, o comércio de grandes quantidades de soja, milho
e trigo, incompatíveis com a produção em regime de economia familiar.
- O autor constituiu pessoa jurídica em 2006, muitos anos antes da data em que alega que
passou a contar com funcionário (2010). Na descrição da pessoa jurídica, consta “contribuinte
individual com empregado/produtor rural/cultivo de soja”.
- O conjunto probatório indica que o autor sempre atuou como produtor rural, e há muito deveria
ter iniciado os recolhimentos como tal, o que só ocorreu a partir de 2010.
- Conjugando-se a data em que foi atingida a idade de 65 anos, o tempo de contribuição ao
Regime Geral da Previdência Social comprovado nos autos e o art. 142 da Lei nº 8.213/91, tem-
se que, por ocasião do requerimento administrativo, não havia sido cumprida a carência exigida.
O autor não faz jus ao benefício.
- Apelo da Autarquia provido. ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Oitava Turma, por
unanimidade, decidiu dar provimento à apelação , nos termos do relatório e voto que ficam
fazendo parte integrante do presente julgado.
Resumo Estruturado
VIDE EMENTA
