
7ª Turma
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5001387-76.2024.4.03.9999
RELATOR: Gab. 25 - DES. FED. JEAN MARCOS
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: JULIA DOS SANTOS SOUZA
Advogado do(a) APELADO: PAULO CESAR VIEIRA DE ARAUJO - MS8627-A
OUTROS PARTICIPANTES:
7ª Turma
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5001387-76.2024.4.03.9999
RELATOR: Gab. 25 - DES. FED. JEAN MARCOS
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: JULIA DOS SANTOS SOUZA
Advogado do(a) APELADO: PAULO CESAR VIEIRA DE ARAUJO - MS8627-A
OUTROS PARTICIPANTES:
R E L A T Ó R I O
O Desembargador Federal Jean Marcos (Relator):
Trata-se de ação destinada a viabilizar a concessão da denominada “aposentadoria por idade híbrida”.
A r. sentença (ID 291575179, fls. 148 e ss.) julgou o pedido inicial procedente para determinar a concessão do benefício desde o requerimento administrativo. O INSS foi condenado ao pagamento dos honorários advocatícios, fixados em 10% (dez por cento) do valor da condenação, nos termos da Súmula 111 do Superior Tribunal de Justiça.
Apelação do INSS (ID 291575179, fls. 182 e ss.), na qual requer a reforma da r. sentença. Preliminarmente, sustenta a ocorrência de cerceamento de defesa, por ausência de fundamentação. No mérito, aponta o descumprimento dos requisitos para a concessão do benefício: a autora não teria demonstrado o efetivo exercício de atividade rurícola por período suficiente para completar a carência necessária em momento anterior ao requerimento do benefício. Subsidiariamente, requer a alteração dos critérios de incidência da correção monetária, bem como a fixação do termo inicial na data da citação.
Resposta (ID 291575179, fls. 190 e ss.).
É o relatório.
7ª Turma
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5001387-76.2024.4.03.9999
RELATOR: Gab. 25 - DES. FED. JEAN MARCOS
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: JULIA DOS SANTOS SOUZA
Advogado do(a) APELADO: PAULO CESAR VIEIRA DE ARAUJO - MS8627-A
OUTROS PARTICIPANTES:
V O T O
O Desembargador Federal Jean Marcos (Relator):
A preliminar se confunde com o mérito e com ele será analisada.
A Emenda Constitucional nº 20, de 15-12-98 dispõe:
“Art. 201. A previdência social será organizada sob a forma de regime geral, de caráter contributivo e de filiação obrigatória, observados os critérios que preservem o equilíbrio financeiro e atuarial, e atenderá, nos termos da lei, a:
I – (...)
§ 1º (...).
(...)
§ 7º. É assegurada aposentadoria no regime geral de previdência social, nos termos da lei, obedecidas as seguintes condições:
I – 35 (trinta e cinco) anos de contribuição, se homem, e 30 (trinta) anos de contribuição, se mulher;
II – 65 (sessenta e cinco anos) de idade, se homem, e 60 (sessenta) anos de idade, se mulher, reduzido em 5 (cinco) anos o limite de idade para os trabalhadores rurais de ambos os sexos e para os que exerçam suas atividades em regime de economia familiar, nestes incluídos o produtor rural, o garimpeiro e o pescador artesanal; (destacamos)
(...)”
A Lei nº 8.213, de 24-7-91, estabelece:
“(...).
Art. 11. São segurados obrigatórios da Previdência Social as seguintes pessoas físicas:
V - como contribuinte individual: (Redação dada pela Lei nº 9.876, de 26.11.99)
a) a pessoa física, proprietária ou não, que explora atividade agropecuária, a qualquer título, em caráter permanente ou temporário, em área superior a 4 (quatro) módulos fiscais; ou, quando em área igual ou inferior a 4 (quatro) módulos fiscais ou atividade pesqueira, com auxílio de empregados ou por intermédio de prepostos; ou ainda nas hipóteses dos §§ 9o e 10 deste artigo; (Redação dada pela Lei nº 11.718, de 2008)
VII – como segurado especial: a pessoa física residente no imóvel rural ou em aglomerado urbano ou rural próximo a ele que, individualmente ou em regime de economia familiar, ainda que com o auxílio eventual de terceiros, na condição de: (Redação dada pela Lei nº 11.718, de 2008)
a) produtor, seja proprietário, usufrutuário, possuidor, assentado, parceiro ou meeiro outorgados, comodatário ou arrendatário rurais, que explore atividade: (Incluído pela Lei nº 11.718, de 2008)
1. agropecuária em área de até 4 (quatro) módulos fiscais; (Incluído pela Lei nº 11.718, de 2008)
2. de seringueiro ou extrativista vegetal que exerça suas atividades nos termos do inciso XII do caput do art. 2º da Lei nº 9.985, de 18 de julho de 2000, e faça dessas atividades o principal meio de vida; (Incluído pela Lei nº 11.718, de 2008)
b) pescador artesanal ou a este assemelhado que faça da pesca profissão habitual ou principal meio de vida; e (Incluído pela Lei nº 11.718, de 2008)
c) cônjuge ou companheiro, bem como filho maior de 16 (dezesseis) anos de idade ou a este equiparado, do segurado de que tratam as alíneas a e b deste inciso, que, comprovadamente, trabalhem com o grupo familiar respectivo. (Incluído pela Lei nº 11.718, de 2008)
§ 1o Entende-se como regime de economia familiar a atividade em que o trabalho dos membros da família é indispensável à própria subsistência e ao desenvolvimento socioeconômico do núcleo familiar e é exercido em condições de mútua dependência e colaboração, sem a utilização de empregados permanentes. (Redação dada pela Lei nº 11.718, de 2008)
Art. 48. A aposentadoria por idade será devida ao segurado que, cumprida a carência exigida nesta Lei, completar 65 (sessenta e cinco) anos de idade, se homem, e 60 (sessenta), se mulher. (Redação dada pela Lei nº 9.032, de 1995)
§ 1o Os limites fixados no caput são reduzidos para sessenta e cinqüenta e cinco anos no caso de trabalhadores rurais, respectivamente homens e mulheres, referidos na alínea a do inciso I, na alínea g do inciso V e nos incisos VI e VII do art. 11. (Redação Dada pela Lei nº 9.876, de 26.11.99)
§ 2o Para os efeitos do disposto no § 1o deste artigo, o trabalhador rural deve comprovar o efetivo exercício de atividade rural, ainda que de forma descontínua, no período imediatamente anterior ao requerimento do benefício, por tempo igual ao número de meses de contribuição correspondente à carência do benefício pretendido, computado o período a que se referem os incisos III a VIII do § 9o do art. 11 desta Lei. (Redação dada pela Lei nº 11,718, de 2008)
§ 3o Os trabalhadores rurais de que trata o § 1o deste artigo que não atendam ao disposto no § 2o deste artigo, mas que satisfaçam essa condição, se forem considerados períodos de contribuição sob outras categorias do segurado, farão jus ao benefício ao completarem 65 (sessenta e cinco) anos de idade, se homem, e 60 (sessenta) anos, se mulher. (Incluído pela Lei nº 11,718, de 2008)
§ 4o Para efeito do § 3o deste artigo, o cálculo da renda mensal do benefício será apurado de acordo com o disposto no inciso II do caput do art. 29 desta Lei, considerando-se como salário-de-contribuição mensal do período como segurado especial o limite mínimo de salário-de-contribuição da Previdência Social. (Incluído pela Lei nº 11,718, de 2008)
Art. 49. A aposentadoria por idade será devida:
I - ao segurado empregado, inclusive o doméstico, a partir:
a) da data do desligamento do emprego, quando requerida até essa data ou até 90 (noventa) dias depois dela; ou
b) da data do requerimento, quando não houver desligamento do emprego ou quando for requerida após o prazo previsto na alínea "a";
II - para os demais segurados, da data da entrada do requerimento.
(...).
Art. 55. O tempo de serviço será comprovado na forma estabelecida no Regulamento, compreendendo, além do correspondente às atividades de qualquer das categorias de segurados de que trata o art. 11 desta Lei, mesmo que anterior à perda da qualidade de segurado:
§ 3º A comprovação do tempo de serviço para os efeitos desta Lei, inclusive mediante justificação administrativa ou judicial, conforme o disposto no art. 108, só produzirá efeito quando baseada em início de prova material, não sendo admitida prova exclusivamente testemunhal, salvo na ocorrência de motivo de força maior ou caso fortuito, conforme disposto no Regulamento.
Art. 102. A perda da qualidade de segurado importa em caducidade dos direitos inerentes a essa qualidade. (Redação dada pela Lei nº 9.528, de 10-12-97)
§ 1º A perda da qualidade de segurado não prejudica o direito à aposentadoria para cuja concessão tenham sido preenchidos todos os requisitos, segundo a legislação em vigor à época em que estes requisitos foram atendidos. (Parágrafo incluído pela Lei nº 9.528, de 10-12-97)
Art. 106. A comprovação do exercício de atividade rural será feita, alternativamente, por meio de: (Redação dada pela Lei nº 11.718, de 2008)
I – contrato individual de trabalho ou Carteira de Trabalho e Previdência Social; (Redação dada pela Lei nº 11.718, de 2008)
II – contrato de arrendamento, parceria ou comodato rural; (Redação dada pela Lei nº 11.718, de 2008)
III – declaração fundamentada de sindicato que represente o trabalhador rural ou, quando for o caso, de sindicato ou colônia de pescadores, desde que homologada pelo Instituto Nacional do Seguro Social – INSS; (Redação dada pela Lei nº 11.718, de 2008)
IV – comprovante de cadastro do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária – INCRA, no caso de produtores em regime de economia familiar; (Redação dada pela Lei nº 11.718, de 2008)
V – bloco de notas do produtor rural; (Redação dada pela Lei nº 11.718, de 2008)
VI – notas fiscais de entrada de mercadorias, de que trata o § 7o do art. 30 da Lei no 8.212, de 24 de julho de 1991, emitidas pela empresa adquirente da produção, com indicação do nome do segurado como vendedor; (Incluído pela Lei nº 11.718, de 2008)
VII – documentos fiscais relativos a entrega de produção rural à cooperativa agrícola, entreposto de pescado ou outros, com indicação do segurado como vendedor ou consignante; (Incluído pela Lei nº 11.718, de 2008)
VIII – comprovantes de recolhimento de contribuição à Previdência Social decorrentes da comercialização da produção; (Incluído pela Lei nº 11.718, de 2008)
IX – cópia da declaração de imposto de renda, com indicação de renda proveniente da comercialização de produção rural; ou (Incluído pela Lei nº 11.718, de 2008)
X – licença de ocupação ou permissão outorgada pelo Incra. (Incluído pela Lei nº 11.718, de 2008)
Art. 142. Para o segurado inscrito na Previdência Social Urbana até 24 de julho de 1991, bem como para o trabalhador e o empregador rural cobertos pela Previdência Social Rural, a carência das aposentadorias por idade, por tempo de serviço e especial obedecerá à seguinte tabela, levando-se em conta o ano em que o segurado implementou todas as condições necessárias à obtenção do benefício: (Artigo e tabela com nova redação dada pela Lei nº 9.032, de 1995):
(...).
Art. 143. O trabalhador rural ora enquadrado como segurado obrigatório no Regime Geral de Previdência Social, na forma da alínea "a" do inciso I, ou do inciso IV ou VII do art. 11 desta Lei, pode requerer aposentadoria por idade, no valor de um salário mínimo, durante quinze anos, contados a partir da data de vigência desta Lei, desde que comprove o exercício de atividade rural, ainda que descontínua, no período imediatamente anterior ao requerimento do benefício, em número de meses idêntico à carência do referido benefício. (Redação dada pela Lei nº. 9.063, de 1995) (Vide Lei nº 11.368, de 2006) (Vide Medida Provisória nº 410, de 2007). (Vide Lei nº 11.718, de 2008)”
Conforme se pode ver da norma do § 3º do artigo 48 da LB, a qual foi incluída pela Lei nº 11.718/2008, essa modalidade de aposentadoria por idade é denominada mista ou híbrida justamente porque contempla períodos de labor de diversa natureza (rural e urbano). Nessa modalidade, podem se aposentar a mulher, aos 60 (sessenta) anos, e o homem, aos 65 (sessenta e cinco) anos.
Sobre a aludida norma, ensinam CARLOS ALBERTO PEREIRA DE CASTRO e JOÃO BATISTA LAZZARI o seguinte:
“(...).
A interpretação literal do § 3º do art. 48 da LBPS pode conduzir o intérprete a entender que somente os trabalhadores rurais farão jus à aposentadoria “mista” ao completarem a idade mínima exigida.
Entretanto, essa não é a melhor interpretação para as normas de caráter social.
As normas previdenciárias devem ser interpretadas com base nos princípios constitucionais que regem o sistema, especialmente aqueles contidos nos art. 194, parágrafo único, e art. 201 da CF/1988.
Assim, em respeito ao princípio da uniformidade e da equivalência dos benefícios e serviços às populações urbanas e rurais, previsto no art. 194, parágrafo único, e art. 201 da CF/1988.
Assim, em respeito ao princípio da uniformidade e da equivalência dos benefícios e serviços às populações urbanas e rurais, previsto no art. 194, parágrafo único, inciso II, da Constituição Federal, é possível a concessão de aposentadoria por idade para qualquer espécie de segurado mediante a contagem, para fins de carência, de períodos de contribuição, tanto como segurado urbano ou como rural, e de períodos de atividade, com ou sem a realização de contribuições facultativas, de segurado especial.
Não existe justificativa fática ou jurídica para que se estabeleça qualquer discriminação em relação ao segurado urbano no que tange à contagem, para fins de carência, do período laborado como segurado especial sem contribuição facultativa, já que o requisito etário para ambos – neste caso – é o mesmo.
Enfatizamos que para essa espécie de aposentadoria mista pode ser computado como carência até mesmo o tempo rural anterior a 1°/11/1991, não se aplicando a restrição do art. 55, § 2º da Lei n. 8.213/91 que dispõe: (...).
Considerando-se que a Lei n. 11.718/2008 disciplina de forma inovadora o cômputo do tempo rural (admitindo-o para efeito de carência) e por ser norma posterior, deve prevalecer o entendimento de que o regramento referido (art. 55, § 2º) não tem aplicabilidade para essa modalidade de aposentadoria.
Consigna-se que o STJ, ao referendar o direito de aposentadoria híbrida em favor dos trabalhadores rurais e urbanos, assentou que é permitido ao segurado mesclar o período urbano ao período rural e vice-versa, para implementar a carência mínima necessária e obter o benefício etário híbrido (REsp 1.367.479/RS, DJe 10.9.2014; REsp 1.702.489/SP, DJe 19.12.2017).
(...).
Quanto à TNU, cabe referir a existência de duas teses fixadas em Representativos de Controvérsia, que geram contrariedade em relação ao computo do tempo anterior à Lei 8,213/1991, que pode ser considerado remoto. As teses são a que seguem:
Tema 131: Para a concessão da aposentadoria por idade híbrida ou mista, na forma do art. 48, § 3º, da Lei n. 8.213/91, cujo requisito etário é o mesmo exigido para a aposentadoria por idade urbana, é irrelevante a natureza rural ou urbana da atividade exercida pelo segurado no período imediatamente anterior à implementação do requisito etário ou ao requerimento do benefício. Ainda, não há vedação para que o tempo rural anterior à Lei 8.213/91 seja considerado para efeito de carência, mesmo que não verificado o recolhimento das respectivas contribuições.
Tema 168: Para fins de concessão do benefício de aposentadoria por idade hibrida, só é possível somar ao tempo de contribuição, urbano ou rural, o tempo de serviço rural sem contribuições que esteja no período imediatamente anterior ao implemento da idade ou ao requerimento administrativo, ainda que de forma descontínua, até totalizar o número de meses equivalente à carência do benefício.
Em relação ao tempo rural remoto, registre-se a tese fixada pelo STJ no julgamento do Repetitivo Tema n. 1.007, em que reconheceu a possibilidade de concessão de aposentadoria híbrida, prevista no art. 48, § 3º, da Lei 8.213/1991, mediante o cômputo de período de trabalho rural remoto, exercido antes de 1991, sem necessidade de recolhimentos, ainda que não haja comprovação de atividade rural no período imediatamente anterior ao requerimento administrativo. O julgamento da 1ª Seção foi realizado em 14.8.2019 (REsp 1.674.221/SP, Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho). Com isso, ficou superada a tese fixada pela TNU no Representativo de Controvérsia Tema 168.” (em Manual de Direito Previdenciário, Forense, 23 ed., 2020, p. 565-566).
A tese firmada no Tema 1007/STJ tem o seguinte teor:
“O tempo de serviço rural, ainda que remoto e descontínuo, anterior ao advento da Lei 8.213/1991, pode ser computado para fins da carência necessária à obtenção da aposentadoria híbrida por idade, ainda que não tenha sido efetivado o recolhimento das contribuições, nos termos do art. 48, § 3o. da Lei 8.213/1991, seja qual for a predominância do labor misto exercido no período de carência ou o tipo de trabalho exercido no momento do implemento do requisito etário ou do requerimento administrativo.”(destacamos em negrito) “Obs.: com base no § 1º do art. 1.036 do CPC, foram admitidos como representativos de controvérsia os recursos extraordinários interpostos contra acórdão proferido no julgamento dos Recursos Especiais n. 1.674.221/SP e 1.788.404/PR (Tema Repetitivo n. 1007/STJ).” [cf. cjf.jus.br/tnu/temas representativos/tema 168]
No caso concreto, a autora nasceu em 25/09/1961, de forma que foi cumprido o requisito da idade mínima no ano de 2021.
Considerado o ano do cumprimento do requisito etário, exige-se prova do exercício de atividade urbana e rural por 180 (cento e oitenta) meses.
Inicialmente, cumpre esclarecer que o INSS reconheceu administrativamente o período de carência de 77 meses, considerando os vínculos empregatícios anotados em CTPS e os demais registros constantes no CNIS. Portanto, a concessão do benefício está condicionada ao reconhecimento de, ao menos, 103 meses de atividade rural.
A controvérsia está restrita ao exercício de trabalho rural pelo período alegado pela autora. A requerente afirma, na petição inicial:
“Em 27/09/1984, casou-se com o também trabalhador rural DORIVAL ALVES DE SOUZA e passou a auxiliá-lo no serviço rural que desempenhava na Estância São João, propriedade de FRANCISCO GODOY, nas imediações do Distrito do Quebracho, onde realizada colheita /manual de mamona.
Após, passou a morar com seus esposo e com ele trabalhar em diversas fazendas na região de Anaurilândia, Nova Andradina e Taquarussu, especialmente nas fazendas Santa Marta, Santa Virgínia, Fazenda Chapadão e Fazenda Barro Preto, locais onde realizava a criação de galinhas, plantação e colheita manual de hortaliças, elaboração de requeijão para consumo e revenda informal, além de auxiliar seu esposo como diarista/boia-fria nos cuidados com carneiros nas referidas propriedade, onde ele somente ele possuía vínculo laboral com carteira de trabalho assinada.
Quando residiam na Fazenda Santa Virginia, a autora também teve registro em carteira de trabalho por 03 (três) anos, vez que trabalhava na plantação e preparo manual de mudas de eucalipto.”
Para prova do tempo de serviço rural, foram apresentados:
- Certidão de casamento da autora, realizado em 27/09/1984, em que consta a profissão de seu esposo, Dorival Alves de Souza, como lavrador;
- CTPS da autora, em que constam os seguintes registros: (i) auxiliar de produção Viveiro Mudas, de 01/08/2006 a 10/08/2009; (ii) empregada doméstica, de 01/02/2016 a 30/06/2016;
- CTPS do marido da autora, em que constam registros na qualidade de trabalhador rural nos períodos de 01/01/1993 a 30/10/1993; de 01/05/2000 a 02/05/2001; de 09/10/2001 a 07/02/2003; de 03/03/2003 a 10/08/2009; de 01/02/2010 a 30/06/2011; de 01/02/2012 a 31/08/2014; de 01/05/2015 a 30/12/2015;
- Certidão de nascimento de filha do casal, nascida em 05/06/1994, em que o genitor foi qualificado como “campeiro”;
- Carteira de Identidade de Beneficiário junto ao extinto INAMPS, com validade até 02/1987;
- Carteiras dos Sindicatos dos Trabalhadores Rurais de Taquarussu (admissão em 16/01/1985) e Bataguassú/MS (admissão em 23/02/1999), ambas em nome do marido da autora; e
- Extrato do CNIS em nome da autora, corroborando os vínculos registrados em CTPS e evidenciando, ainda, os seguintes registros: empregada doméstica, de 01/10/2017 a 29/03/2018; contribuinte individual, nos períodos de 01/03/2019 a 30/06/2019; de 01/08/2019 a 31/10/2020; de 01/12/2020 a 31/12/2021.
Na hipótese, é oportuno consignar que “(...) consoante entendimento desta Eg. Sétima Turma, admite-se a extensão da qualificação de lavrador em documento de terceiro - familiar próximo - quando se tratar de agricultura de subsistência, em regime de economia familiar”(TRF-3, 7ª Turma, ApCiv. 5140577-93.2020.4.03.9999, Dje 01/07/2020, Rel. Des. Fed. INÊS VIRGÍNIA).
A certidão de casamento em que consignado a profissão de agricultor ou lavrador da parte ou de um cônjuge têm sido admitidas como início de prova documental do exercício do labor rural por parte do outro cônjuge, exatamente na linha do entendimento jurisprudencial consolidado.
A condição deempregado ruralde um cônjuge não é extensível ao outro, em regra. O contrato de trabalho é personalíssimo.
Todavia, a CTPS, embora registre os vínculos empregatícios entre o cônjuge e seus empregadores rurais, serve, sim, de meio de prova inicial (início de prova documental) da ligação (ao menos) da parte autora ao meio rural, ao campo, ao imóvel onde se dera o labor rural de seu cônjuge. Não transforma a parte autora, é verdade, em empregada rural, repita-se, nem a transforma automaticamente em segurada especial.
Como início de prova, a CTPS apenas serve como ponto de partida para comprovação de eventual atividade da parte autora, em paralelo à atividade como empregado do cônjuge, seja como segurada especial (exercendo aí atividade rural individualmente como arrendatária ou comodatária de uma pequena porção do imóvel do empregador, por exemplo), seja como empregada rural não registrada (apropriação irregular de mão-de-obra por parte do empregador do cônjuge, sendo tal situação aqui posta apenas em tese), seja como diarista ou boia-fria, situação esta equiparável a de segurada especial (conforme orientação jurisprudencial do STJ) etc.
A CTPS, portanto, serve como elemento de prova (ainda que inicial).
Nesse contexto, os documentos apresentados pela requerente foram corroborados pelos depoimentos das testemunhas, com efetivo potencial para ampliar a eficácia probatória da prova documental. A prova oral confirmou o exercício de atividade rural, pela autora, por período suficiente ao preenchimento da carência. Confira-se:
Francisco Assis de Brito Filho conhece a autora há mais de 20 anos, da área rural. Quando se conheceram, a autora campinava em Fazendas, cuidava de galinhas. Afirmou que a autora já trabalhou na propriedade de Francisco Godoy (conhecido como “Chico Cabeludo”). Citou nomes de empregadores. Afirmou que a autora já trabalhou nas Fazendas Santa Marta, Barro Preto, Santa Virgínia. A testemunha conhece o esposo da autora, que também é trabalhador rural, e afirmou que a autora sempre o acompanhou no serviço rural. Nos últimos anos, a autora realiza “bicos” no Quebracho, como diarista.
Gilberto Alves de Souza conhece a autora da região do Quebracho, onde mora há 33 anos. Conhece a autora há cerca de 20 anos. A autora e seu esposo (conhecido pelo apelido “Teba”) são trabalhadores rurais, e já trabalharam no plantio de horta, mandioca, queijo, criação de galinhas. Nunca viu a autora exercer atividades de natureza urbana. A autora já residiu com o esposo na Fazenda Santa Marta, onde plantava abacaxi, fazia queijo para vender e criava galinhas.
Por sua vez, Maria Olindina dos Santos conheceu a autora em 1993, quando trabalhavam na carvoaria. Realizavam o trajeto do Quebracho até a carvoaria. À época, a autora era trabalhadora rural, assim como o esposo. A autora e o esposo já trabalharam em sítios e fazendas. A testemunha afirmou que a autora vendia verduras e galinhas na Vila Quebracho.
A concessão do benefício é regular.
O termo inicial deve ser mantido na data do requerimento administrativo, tendo em vista que, naquela ocasião, a parte autora já havia implementado os requisitos necessários à concessão do benefício.
Apliquem-se, para o cálculo dos juros de mora e correção monetária, os critérios estabelecidos pelo Manual de Orientação de Procedimentos para os Cálculos na Justiça Federal vigente à época da elaboração da conta de liquidação, observando-se o decidido nos autos do RE 870947, até a edição da EC 113/2021, a partir de quando será aplicada exclusivamente a taxa Selic.
Ante o exposto, nego provimento à apelação. De ofício, altero os critérios para o cálculo dos juros de mora e correção monetária.
Considerado o trabalho adicional realizado pelos advogados, em decorrência da interposição de recurso, os honorários advocatícios, por ocasião da liquidação, deverão ser acrescidos de percentual de 1% (um por cento) sobre o valor arbitrado na sentença, nos termos do artigo 85, § 11, do Código de Processo Civil, observada a Súmula nº. 111 do C. Superior Tribunal de Justiça.
É o voto.
E M E N T A
PREVIDENCIÁRIO – APOSENTADORIA POR IDADE HÍBRIDA - RECONHECIMENTO DE TEMPO DE SERVIÇO RURAL – INÍCIO DE PROVA MATERIAL COMPLEMENTADO PELA PROVA TESTEMUNHAL.
1. A Lei Federal nº. 8.213/91 garante ao segurado que exerceu serviço urbano e rural, o direito a se aposentar por idade, na forma híbrida, desde que preenchidos os requisitos etário – 65 (sessenta e cinco) anos para homem e 60 (sessenta) para mulher – e de carência.
2. O art. 55, § 3º, da Lei Federal nº 8.213 estatui que a comprovação do tempo de serviço rural somente produzirá efeito quando baseada em início de prova material, não sendo admitida prova exclusivamente testemunhal. Nesse sentido, a Súmula nº 149 do Superior Tribunal de Justiça.
3. No que tange à atividade rural exercida após a vigência da Lei nº 8.213/91, não obstante ser necessário o recolhimento das respectivas contribuições, não se pode exigir que tal comprovação seja encargo do empregado, do “bóia-fria”, do safrista, do volante, do diarista, etc., na medida em que o responsável pelo recolhimento de tais tributos é o empregador ou patrão. O mesmo ocorre em relação ao segurado especial objeto do art. 11, VII, da Lei Federal nº 8.213.
4. A respeito da idade mínima para o trabalho rural do menor, este não deve ser reconhecido em período anterior aos 12 anos de idade, uma vez que o menor nessas condições, ainda que acompanhasse os pais na lavoura e eventualmente os auxiliasse em algumas atividades, não é razoável supor que pudesse exercer plenamente a atividade rural, principalmente por não contar com vigor físico suficiente para uma atividade tão desgastante.
5. Nos termos de orientação do Superior Tribunal de Justiça, em regime de repetitividade, a falta de prova do labor rural implica a extinção do processo, sem a resolução do mérito: (Corte Especial, REsp. 1.352.721/SP, j. 16/12/2015, DJe: 28/04/2016, Rel. Min. NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO).
6. No caso concreto, a controvérsia está restrita ao exercício de trabalho rural pelo período alegado pela autora.
7. A documentação apresentada constitui início de prova material em favor da parte autora.
8. As testemunhas, por sua vez, confirmaram o exercício de trabalho rural, pela parte autora, por tempo suficiente ao preenchimento da carência.
9. A concessão do benefício é regular.
10. Apelação desprovida. Correção, de ofício, dos critérios de atualização monetária.
