Processo
RecInoCiv - RECURSO INOMINADO CÍVEL / SP
0000528-69.2020.4.03.6319
Relator(a)
Juiz Federal TAIS VARGAS FERRACINI DE CAMPOS GURGEL
Órgão Julgador
14ª Turma Recursal da Seção Judiciária de São Paulo
Data do Julgamento
23/06/2021
Data da Publicação/Fonte
DJEN DATA: 25/06/2021
Ementa
E M E N T A
PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR IDADE HÍBRIDA. RECURSO DA AUTORA.
DOCUMENTOS EM NOME DO MARIDO, QUE POSSUI CONTRATAÇÃO COM O MUNICÍPIO
DE PROMISSÃO NO MESMO PERÍODO (2003 A 2015). DÚVIDA ACERCA DA NATUREZA DO
SERVIÇO PRESTADO, MAS A PRÓPRIA PARTE AUTORA FALA EM VÍNCULOS URBANOS
NA INICIAL. AUSÊNCIA DE OUTROS DOCUMENTOS COMO PROVA DE INÍCIO MATERIAL
PARA O PERÍODO. PERÍODO DE 1984 A 1991 COM INÍCIO DE PROVA MATERIAL
CORROBORADA PELAS TESTEMUNHAS. USO DE TEMPO REMOTO ATÉ 31/10/1991.
TEMAS 1007/STJ E 1104/STF. AUSÊNCIA DE RECONHECIMENTO ADMINISTRATIVO DOS
VÍNCULOS URBANOS, SEM PEDIDO JUDICIA PARA A SUA AVERBAÇÃO. IMPOSSIBILIDADE
DE APOSENTADORIA HÍBRIDA. RECURSO A QUE SE DÁ PARCIAL PROVIMENTO,
SOMENTE PARA O RECONHECIMENTO DO TEMPO REMOTO PARA EVENTUAL
APOSENTADORIA HÍBRIDA FUTURA.
Acórdao
PODER JUDICIÁRIOTurmas Recursais dos Juizados Especiais Federais Seção Judiciária de
São Paulo
14ª Turma Recursal da Seção Judiciária de São Paulo
Jurisprudência/TRF3 - Acórdãos
RECURSO INOMINADO CÍVEL (460) Nº0000528-69.2020.4.03.6319
RELATOR:41º Juiz Federal da 14ª TR SP
RECORRENTE: MARIA INES SIMOES MANTOVANI
Advogado do(a) RECORRENTE: ADRIANA GERMANI - SP259355-A
RECORRIDO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
OUTROS PARTICIPANTES:
PODER JUDICIÁRIOJUIZADO ESPECIAL FEDERAL DA 3ª REGIÃOTURMAS RECURSAIS
DOS JUIZADOS ESPECIAIS FEDERAIS DE SÃO PAULO
RECURSO INOMINADO CÍVEL (460) Nº0000528-69.2020.4.03.6319
RELATOR:41º Juiz Federal da 14ª TR SP
RECORRENTE: MARIA INES SIMOES MANTOVANI
Advogado do(a) RECORRENTE: ADRIANA GERMANI - SP259355-A
RECORRIDO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
OUTROS PARTICIPANTES:
R E L A T Ó R I O
Trata-se de recurso interposto pela parte autora contra a sentença que julgou improcedente o
pedido de concessão de aposentadoria por idade híbrida, entendendo não haver comprovação
de exercício de atividade rural pela autora pelo período requerido.
O recorrente alega que desde seu casamento, em 29/12/1984, passou a residir e trabalhar na
propriedade rural de seu sogro (“Sítio São Luiz”), onde vivem até hoje, sendo que o imóvel está
em inventário. Alega que juntou documentação suficiente que comprova a atividade do núcleo
familiar de 1984 a 2020, corroborada pelas testemunhas ouvidas, sendo que suas atividades
eram fundamentais à manutenção da família, não sendo necessário que se dedicasse a todas
as atividades rurais desenvolvidas no sítio.
É o relatório.
PODER JUDICIÁRIOJUIZADO ESPECIAL FEDERAL DA 3ª REGIÃOTURMAS RECURSAIS
DOS JUIZADOS ESPECIAIS FEDERAIS DE SÃO PAULO
RECURSO INOMINADO CÍVEL (460) Nº0000528-69.2020.4.03.6319
RELATOR:41º Juiz Federal da 14ª TR SP
RECORRENTE: MARIA INES SIMOES MANTOVANI
Advogado do(a) RECORRENTE: ADRIANA GERMANI - SP259355-A
RECORRIDO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
OUTROS PARTICIPANTES:
V O T O
De saída, anoto que o Tema 1.104/STF, pelo qual as demandas com o presente objeto estavam
sobrestadas, foi definitivamente julgado em 09/02/2021, afastando-se a repercussão geral do
tema, por não ser matéria infraconstitucional.
Importante reforçar a possibilidade de aposentadoria por idade híbrida, ou seja, com a utilização
de tempo de serviço urbano, bem como de tempo rural em regime de economia familiar e não
contributivo, ambos para fins de carência.
Pois bem, determina o art. 55, § 2º, da Lei n.º 8.213/91 expressamente:
“Art. 55. (...)
§ 2º O tempo de serviço do segurado trabalhador rural, anterior à data de início de vigência
desta Lei, será computado independentemente do recolhimento das contribuições a ele
correspondentes, exceto para efeito de carência, conforme dispuser o Regulamento.
(...)”
Não obstante a clareza da regra transcrita, aplica-se ao caso concreto, a exceção prevista no
art. 48, §§ 3º e 4º, da Lei n.º 8.213/91, combinado com o art. 3º, inciso I, da Lei n.º 11.718/2008,
verbis (grifos meus):
“Art. 48. A aposentadoria por idade será devida ao segurado que, cumprida a carência exigida
nesta Lei, completar 65 (sessenta e cinco) anos de idade, se homem, e 60 (sessenta), se
mulher.
§ 1º. Os limites fixados no ‘caput’ são reduzidos para sessenta e cinqüenta e cinco anos no
caso de trabalhadores rurais, respectivamente homens e mulheres, referidos na alínea a do
inciso I, na alínea g do inciso V e nos incisos VI e VII do art. 11.
§ 2º. Para os efeitos do disposto no § 1º deste artigo, o trabalhador rural deve comprovar o
efetivo exercício de atividade rural, ainda que de forma descontínua, no período imediatamente
anterior ao requerimento do benefício, por tempo igual ao número de meses de contribuição
correspondente à carência do benefício pretendido, computado o período a que se referem os
incisos III a VIII do § 9º do art. 11 desta Lei.
§ 3º. Os trabalhadores rurais de que trata o § 1º deste artigo que não atendam ao disposto no §
2º deste artigo, mas que satisfaçam essa condição, se forem considerados períodos de
contribuição sob outras categorias do segurado, farão jus ao benefício ao completarem 65
(sessenta e cinco) anos de idade, se homem, e 60 (sessenta) anos, se mulher.
§ 4º. Para efeito do § 3º deste artigo, o cálculo da renda mensal do benefício será apurado de
acordo com o disposto no inciso II do ‘caput’ do art. 29 desta Lei, considerando-se como salário-
de-contribuição mensal do período como segurado especial o limite mínimo de salário-de-
contribuição da Previdência Social.”
“Art. 3º. Na concessão de aposentadoria por idade do empregado rural, em valor equivalente ao
salário mínimo, serão contados para efeito de carência:
I - até 31 de dezembro de 2010, a atividade comprovada na forma do art. 143 da Lei no 8.213,
de 24 de julho de 1991;
(...)”
O art. 143 da Lei n.º 8.213/91, a que faz referência o art. 3º da Lei n.º 11.718/2008, acima
transcrito, estabelece regra de carência “ficta” aplicável ao tempo de serviço rural em regime de
economia familiar. Nos termos desse dispositivo, a carência da aposentadoria por idade pode
ser substituída pela comprovação de “exercício de atividade rural, ainda que descontínua, no
período imediatamente anterior ao requerimento do benefício, em número de meses idêntico à
carência do referido benefício”.
Importante assentar que se a regra mencionada vale para o segurado trabalhador rural que
apresenta, em seu histórico contributivo, períodos de atividade urbana, não há razão para que
tal regra não se aplique também, por questão de isonomia, ao trabalhador urbano que tenha
exercido atividade rural. Do contrário, chegar-se-ia à seguinte inconsistência: o trabalhador que
tivesse exercido atividade rural por um só dia, na véspera do requerimento da aposentadoria,
poderia computar, para efeito de carência, todo o seu período de atividade, urbana ou rural,
anterior ou posterior à vigência da Lei n.º 8.213/91, ainda que seu histórico profissional e perfil
contributivo fosse predominantemente urbano, ao passo que um outro trabalhador, com
histórico profissional e perfil contributivo predominantemente rural, mas que tivesse exercido um
só dia de atividade urbana na véspera do pedido de aposentadoria, já não poderia beneficiar-se
da mesma regra.
Mesmo que o segurado não esteja em exercício de atividade urbana ou rural comprovada, à
época do implemento da idade mínima exigida (60 ou 65 anos, já que não se aplica para a
aposentadoria por idade híbrida a redução de idade constante do dispositivo mencionado retro),
esta perda da qualidade de segurada ou ausência de comprovação de exercício de atividade
rural no período imediatamente anterior ao seu aniversário em nada lhe afeta.
Com efeito, desnecessárias maiores digressões quanto à desnecessidade de qualidade de
segurado para a aposentadoria por idade, estando pacificada e sedimentada a dissociação
temporal dos requisitos de tal espécie benefício.
Por outro lado, para o caso dos autos, igualmente não é necessária a comprovação de
atividade rural no período imediatamente anterior à implementação da idade ou do pedido
administrativo, hipótese que se aplica exclusivamente aos casos de aposentadoria por idade
rural, dada sua caracterização própria na lei.
No sentido do retro exposto, trago o minucioso acórdão do E. STJ:
PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR IDADE HÍBRIDA. ART. 48, §§ 3º e 4º, DA LEI
8.213/1991. TRABALHO URBANO E RURAL NO PERÍODO DE CARÊNCIA. REQUISITO.
LABOR CAMPESINO NO MOMENTO DO IMPLEMENTO DO REQUISITO ETÁRIO OU DO
REQUERIMENTO ADMINISTRATIVO. EXIGÊNCIA AFASTADO. CONTRIBUIÇÕES.
TRABALHO RURAL. CONTRIBUIÇÕES. DESNECESSIDADE.
1. O INSS interpôs Recurso Especial aduzindo que a parte ora recorrida não se enquadra na
aposentadoria por idade prevista no art. 48, § 3º, da Lei 8.213/1991, pois no momento do
implemento do requisito etário ou do requerimento administrativo era trabalhadora urbana,
sendo a citada norma dirigida a trabalhadores rurais. Aduz ainda que o tempo de serviço rural
anterior à Lei 8.213/1991 não pode ser computado como carência.
2. O § 3º do art. 48 da Lei 8.213/1991 (com a redação dada pela Lei 11.718/2008) dispõe: "§ 3o
Os trabalhadores rurais de que trata o § 1o deste artigo que não atendam ao disposto no § 2o
deste artigo, mas que satisfaçam essa condição, se forem considerados períodos de
contribuição sob outras categorias do segurado, farão jus ao benefício ao completarem 65
(sessenta e cinco) anos de idade, se homem, e 60 (sessenta) anos, se mulher."
3. Do contexto da Lei de Benefícios da Previdência Social se constata que a inovação
legislativa trazida pela Lei 11.718/2008 criou forma de aposentação por idade híbrida de
regimes de trabalho, contemplando aqueles trabalhadores rurais que migraram temporária ou
definitivamente para o meio urbano e que não têm período de carência suficiente para a
aposentadoria prevista para os trabalhadores urbanos (caput do art. 48 da Lei 8.213/1991) e
para os rurais (§§ 1º e 2º do art. 48 da Lei 8.213/1991).
4. Como expressamente previsto em lei, a aposentadoria por idade urbana exige a idade
mínima de 65 anos para homens e 60 anos para mulher, além de contribuição pelo período de
carência exigido. Já para os trabalhadores exclusivamente rurais, as idades são reduzidas em
cinco anos e o requisito da carência restringe-se ao efetivo trabalho rural (art. 39, I, e 143 da Lei
8.213/1991).
5. A Lei 11.718/2008, ao incluir a previsão dos §§ 3º e 4º no art. 48 da Lei 8.213/1991, abrigou,
como já referido, aqueles trabalhadores rurais que passaram a exercer temporária ou
permanentemente períodos em atividade urbana, já que antes da inovação legislativa o mesmo
segurado se encontrava num paradoxo jurídico de desamparo previdenciário: ao atingir idade
avançada, não podia receber a aposentadoria rural porque exerceu trabalho urbano e não tinha
como desfrutar da aposentadoria urbana em razão de o curto período laboral não preencher o
período de carência.
6. Sob o ponto de vista do princípio da dignidade da pessoa humana, a inovação trazida pela
Lei 11.718/2008 consubstancia a correção de distorção da cobertura previdenciária: a situação
daqueles segurados rurais que, com a crescente absorção da força de trabalho campesina pela
cidade, passam a exercer atividade laborais diferentes das lides do campo, especialmente
quanto ao tratamento previdenciário.
7. Assim, a denominada aposentadoria por idade híbrida ou mista (art. 48, §§ 3º e 4º, da Lei
8.213/1991) aponta para um horizonte de equilíbrio entre as evolução das relações sociais e o
Direito, o que ampara aqueles que efetivamente trabalharam e repercute, por conseguinte, na
redução dos conflitos submetidos ao Poder Judiciário.
8. Essa nova possibilidade de aposentadoria por idade não representa desequilíbrio atuarial,
pois, além de exigir idade mínima equivalente à aposentadoria por idade urbana (superior em
cinco anos à aposentadoria rural), conta com lapsos de contribuição direta do segurado que a
aposentadoria por idade rural não exige.
9. Para o sistema previdenciário, o retorno contributivo é maior na aposentadoria por idade
híbrida do que se o mesmo segurado permanecesse exercendo atividade exclusivamente rural,
em vez de migrar para o meio urbano, o que representará, por certo, expressão jurídica de
amparo das situações de êxodo rural, já que, até então, esse fenômeno culminava em severa
restrição de direitos previdenciários aos trabalhadores rurais.
10. Tal constatação é fortalecida pela conclusão de que o disposto no art. 48, §§ 3º e 4º, da Lei
8.213/1991 materializa a previsão constitucional da uniformidade e equivalência entre os
benefícios destinados às populações rurais e urbanas (art. 194, II, da CF), o que torna
irrelevante a preponderância de atividade urbana ou rural para definir a aplicabilidade da
inovação legal aqui analisada.
11. Assim, seja qual for a predominância do labor misto no período de carência ou o tipo de
trabalho exercido no momento do implemento do requisito etário ou do requerimento
administrativo, o trabalhador tem direito a se aposentar com as idades citadas no § 3º do art. 48
da Lei 8.213/1991, desde que cumprida a carência com a utilização de labor urbano ou rural.
Por outro lado, se a carência foi cumprida exclusivamente como trabalhador urbano, sob esse
regime o segurado será aposentado (caput do art. 48), o que vale também para o labor
exclusivamente rurícola (§§1º e 2º da Lei 8.213/1991).
12. Na mesma linha do que aqui preceituado: REsp 1.376.479/RS, Rel. Ministro Mauro
Campbell Marques, Segunda Turma, Julgado em 4.9.2014, pendente de publicação.
14. Observando-se a conjugação de regimes jurídicos de aposentadoria por idade no art. 48, §
3º, da Lei 8.213/1991, denota-se que cada qual deve ser observado de acordo com as
respectivas regras.
15. Se os arts. 26, III, e 39, I, da Lei 8.213/1991 dispensam o recolhimento de contribuições
para fins de aposentadoria por idade rural, exigindo apenas a comprovação do labor
campesino, tal situação deve ser considerada para fins do cômputo da carência prevista no art.
48, § 3º, da Lei 8.213/1991, não sendo, portanto, exigível o recolhimento das contribuições.
16. Correta a decisão recorrida que concluiu (fl. 162/e-STJ): "somados os 126 meses de
reconhecimento de exercício de atividades rurais aos 54 meses de atividades urbanas, chega-
se ao total de 180 meses de carência por ocasião do requerimento administrativo, suficientes à
concessão do benefício, na forma prevista pelo art. 48, § 3º, da Lei nº 8.213/1991".
17. Recurso Especial não provido.” (REsp 1407613, Segunda Turma, relator Ministro Herman
Benjamin, DJe 28/11/2014)
A questão da utilização do tempo remoto, por seu turno, foi julgada recentemente pelo E. STJ,
no Tema 1007, sendo firmada a seguinte tese: “O tempo de serviço rural, ainda que remoto e
descontínuo, anterior ao advento da Lei 8.213/1991, pode ser computado para fins da carência
necessária à obtenção da aposentadoria híbrida por idade, ainda que não tenha sido efetivado
o recolhimento das contribuições, nos termos do art. 48, § 3o. da Lei 8.213/1991, seja qual for a
predominância do labor misto exercido no período de carência ou o tipo de trabalho exercido no
momento do implemento do requisito etário ou do requerimento administrativo.”
Como referido acima, de tal julgado foi interposto recurso extraordinário, cuja admissibilidade foi
refutada pelo E. STF, pelo que tal tese está definitivamente julgada.
Assim, definida a regularidade do benefício em questão, assim como a irrelevância da
qualidade de segurado ou comprovação de exercício de atividade rural pelo período
imediatamente anterior ao implemento da idade pela autora. Entretanto, como se observa da
tese firmada, somente o tempo remoto não contributivo anterior à vigência da Lei 8.213/91 pode
ser utilizado para todos os fins, inclusive como carência.
Firmados tais contornos para a aposentadoria híbrida, passo à análise do caso concreto.
A sentença não reconheceu qualquer período rural à autora, entendendo não ter havido a
comprovação de que ela de fato exercesse atividades laborais rurais na propriedade da família
do seu esposo, na qual passou a residir após o matrimônio.
A parte autora juntou aos autos uma série de documentos que podem ser reconhecidos como
início de prova documental: certidão de casamento em que seu esposo é qualificado como
lavrador, de 1984; certidão de nascimento de seus filhos, de 1986 e 1989, igualmente com a
qualificação de seu esposo como lavrador; notas fiscais de venda de café, em nome de seu
sogro, datadas de 1984 e 1986; diversas notas fiscais de venda e comprovantes de vacinação
de gado, que cobrem o período de 2002 a 2017; comprovantes de residência em nome do
esposo da autora no “Sítio São Luiz”, em 2014 e 2019; comprovante da propriedade do sítio em
nome do sogro da autora e em inventário.
Pois bem, resta bastante claro que a autora reside na propriedade rural com seu esposo desde
o casamento, assim como que foi exercida atividade rural por este por grande parte de sua vida.
A grande questão é se o conjunto probatório trazido permite a comprovação de atividade rural,
como trabalhadora rural em sentido amplo (empregada, diarista ou economia familiar), seja no
período imediatamente anterior ao pedido administrativo ou implementação da idade, para
aposentadoria por idade rural, seja em qualquer período, para a aposentadoria por idade
híbrida, expressamente requerida na inicial.
Logo de início pontuo que a própria autora menciona na inicial que no período de 2003 a 2015 o
esposo da autora possuiu vínculos como contribuinte individual, o que é comprovado pelo
CNIS, onde consta vínculo como contratante com o Município de Promissão, anotado como
urbano. Assim, ainda que tenha havido comercialização de gado desde 2002, como comprovam
as notas fiscais dos autos, estes vínculos impedem que se reconheça que há exercício de
atividade rural em economia familiar, essencial à manutenção familiar, no período.
Desta forma, tais vínculos impedem que a documentação em nome de seu esposo lhe seja
estendida para a finalidade de comprovação de exercício de atividade rural em economia
familiar, como é alegado nos autos, pelo que não há início de prova documental para o período
imediatamente anterior ao implemento da idade (55 anos - 2015) ou requerimento
administrativo, de fato não sendo o caso de concessão de aposentadoria por idade rural. Anoto,
ademais, que o pedido da autora não foi de tal benefício, mas sim de aposentadoria por idade
híbrida.
Por outro lado, há documentos de 2002 (notas fiscais) que indicam a venda de gado pelo
marido da autora e que antecedem os vínculos urbanos anotados no sistema, assim como há
documentação mais antiga, de 1984 a 1989 que comprova o labor rural e a residência em sítio,
em época na qual era realizado o cultivo de café na propriedade.
A testemunha VALMIR afirmou ser vizinho da autora e que, depois de casada, a autora não
trabalhou em outros locais que não a propriedade rural em que foi residir, que era de seu sogro.
Afirmou, ainda, que laborava no sítio na horta, limpando um quintal, mas não soube dizer com
clareza se auxiliava no exercício dos cultivos ou pecuária, inclusive afirmando que achava que
não participava da ordenha das vacas. Afirmou, ainda, que havia empregados na propriedade
quando o cultivo era de café, mas não depois, quando começou a haver a produção de leite.
A testemunha PEDRO, por seu turno, afirmou que nunca trabalhou com a autora, mas era
vizinho do Sítio em que ela vivia com o marido. Afirmou ter havido empregados na propriedade,
mas somente muito tempo atrás, sendo que bem antigamente a produção era de café e, mais
recentemente, gado de leite. Afirmou que a autora ajudava no sítio em serviços gerais, fazendo
o que fosse necessário.
Pois bem, ainda que as testemunhas tenham dito que, no cultivo do café, havia o auxílio de
colonos, inclusive tendo uma delas dito que a autora não auxiliava no cultivo e colheita em si, o
fato é que é possível concluir de seus testemunhos que a autora realizava outras atividades
rurais igualmente importantes para a manutenção do núcleo familiar, em especial o cultivo de
hortaliças. Além disso, é notório que no âmbito rural há o auxílio de todos os membros da
família em alguma parte do ciclo produtivo, como referendado pelas testemunhas.
Entretanto, como dito acima, para aposentadoria por idade híbrida somente pode ser utilizado
para carência o tempo rural remoto sem contribuições até 31/10/1991, não sendo possível o
reconhecimento dos períodos posteriores.
Diante de tal quadro, somente é possível o reconhecimento do período de 29/12/1984 a
31/10/1991 como carência exclusivamente para a finalidade de aposentadoria por idade híbrida.
Da concessão da aposentadoria
A aposentadoria por idade híbrida tem como requisitos a idade mínima que, para mulheres, é
de 60 anos e o tempo de carência que deve ser verificado nos termos do artigo 142 da Lei
8.213/91.
A autora completou a idade mínima em 31/08/2019, pelo que são necessários 180 meses de
carência para a implantação do benefício.
Da análise do processo administrativo é possível verificar que o INSS não reconheceu qualquer
período contributivo ou não contributivo à autora (fl. 114 dos documentos anexos à inicial), ou
seja, também não computou os períodos urbanos anotados em sua CTPS.
Entretanto, a parte autora não formulou pedido específico de reconhecimento dos períodos em
questão, pelo que não é possível o seu reconhecimento nos presentes autos sob pena de
sentença extra petita, afinal não houve qualquer oportunidade de defesa ao INSS acerca do
assunto.
Não sendo possível computar o período urbano laborado, não há falar em concessão de
aposentadoria por idade híbrida, que demanda a somatória de períodos urbanos e rurais
laborados pela parte.
Consigno, ao final, que não se está entrando no mérito da análise dos períodos a partir de
01/01/1991, não havendo julgamento em relação a aposentadoria por idade rural. É importante
ressaltar que os documentos trazidos em nome do marido da autora são forte indício do labor
rural em economia familiar até os dias atuais, sendo que o contrato com o Município de
Promissão, aparentemente através de cooperativa, mereceria melhor análise, a ser
expressamente discutida em ação própria, já que não é objeto do presente feito, na medida em
que resta dúvida se não há justamente a intermediação do fornecimento de leite.
Entretanto, como dito, nenhuma dessas questões foi objeto de discussão no presente feito, ao
contrário, pelo que não podem ser aqui conhecidas.
Ante o exposto, DOU PARCIAL PROVIMENTO ao recurso da parte autora, para reconhecer o
período rural remoto de 29/12/1984 a 31/10/1991, que poderá ser usado como carência para
eventual aposentadoria por idade híbrida, exclusivamente.
Sem condenação em custas e honorários advocatícios.
É como voto.
E M E N T A
PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR IDADE HÍBRIDA. RECURSO DA AUTORA.
DOCUMENTOS EM NOME DO MARIDO, QUE POSSUI CONTRATAÇÃO COM O MUNICÍPIO
DE PROMISSÃO NO MESMO PERÍODO (2003 A 2015). DÚVIDA ACERCA DA NATUREZA
DO SERVIÇO PRESTADO, MAS A PRÓPRIA PARTE AUTORA FALA EM VÍNCULOS
URBANOS NA INICIAL. AUSÊNCIA DE OUTROS DOCUMENTOS COMO PROVA DE INÍCIO
MATERIAL PARA O PERÍODO. PERÍODO DE 1984 A 1991 COM INÍCIO DE PROVA
MATERIAL CORROBORADA PELAS TESTEMUNHAS. USO DE TEMPO REMOTO ATÉ
31/10/1991. TEMAS 1007/STJ E 1104/STF. AUSÊNCIA DE RECONHECIMENTO
ADMINISTRATIVO DOS VÍNCULOS URBANOS, SEM PEDIDO JUDICIA PARA A SUA
AVERBAÇÃO. IMPOSSIBILIDADE DE APOSENTADORIA HÍBRIDA. RECURSO A QUE SE DÁ
PARCIAL PROVIMENTO, SOMENTE PARA O RECONHECIMENTO DO TEMPO REMOTO
PARA EVENTUAL APOSENTADORIA HÍBRIDA FUTURA. ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Décima Quarta Turma,
por unanimidade, deu parcial provimento ao recurso da parte autora, para reconhecer o período
rural remoto de 29/12/1984 a 31/10/1991, que poderá ser usado como carência para eventual
aposentadoria por idade híbrida, exclusivamente, nos termos do relatório e voto que ficam
fazendo parte integrante do presente julgado.
Resumo Estruturado
VIDE EMENTA
