Processo
ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL / SP
5000889-93.2019.4.03.6138
Relator(a)
Desembargador Federal TORU YAMAMOTO
Órgão Julgador
7ª Turma
Data do Julgamento
29/09/2021
Data da Publicação/Fonte
DJEN DATA: 05/10/2021
Ementa
E M E N T A
PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR IDADE HÍBRIDA. REQUISITOS NÃO
PREENCHIDOS. CONJUNTO PROBATÓRIO INSUFICIENTE/INCONSISTENTE. PESCADOR
ARTESANAL. ATIVIDADE E REGIME DE ECONOMIA FAMILIAR NÃO COMPROVADOS.
EXTINÇÃO SEM RESOLUÇÃO DE MÉRITO. RESP REPETITIVO 1352721/SP. APELAÇÃO DO
INSS PARCIALMENTE PROVIDA. PROCESSO EXTINTO. APELAÇÃO DA PARTE AUTORA
PREJUDICADA.
1. Para a percepção de Aposentadoria por Idade, o segurado deve demonstrar o cumprimento da
idade mínima de 65 anos, se homem, e 60 anos, se mulher, e número mínimo de contribuições
para preenchimento do período de carência correspondente, conforme artigos 48 e 142 da Lei
8.213/91.
2. Anoto, por oportuno, que a edição da Lei nº 11.718, de 20 de junho de 2008, promoveu uma
alteração no art. 48 da Lei 8.213/91, que possibilitou a contagem mista do tempo de labor rural e
urbano para fins de concessão de aposentadoria por idade, com a majoração do requisito etário
mínimo para 60 (sessenta) e 65 (sessenta e cinco) anos, respectivamente, para mulheres e
homens.
3. Frise-se que a lei não faz distinção acerca de qual seria a atividade a ser exercida pelo
segurado no momento imediatamente anterior ao implemento do requisito etário ou requerimento
administrativo, sendo irrelevante aferir se a atividade agrícola foi ou não exercida por último.
4. Verifico, ainda, que, por meio de acórdão publicado no DJe de 04/09/2019 (Resp
1.674.221/PR), a Primeira Seção do C. Superior Tribunal de Justiça – STJ, em julgamento sob o
Jurisprudência/TRF3 - Acórdãos
rito dos recursos repetitivos, fixou a seguinte tese em relação ao Tema Repetitivo 1.007: "O
tempo de serviço rural, ainda que remoto e descontínuo, anterior ao advento da Lei 8.213/1991,
pode ser computado para fins da carência necessária à obtenção da aposentadoria híbrida por
idade, ainda que não tenha sido efetivado o recolhimento das contribuições, nos termos do artigo
48, parágrafo 3º, da Lei 8.213/1991, seja qual for a predominância do labor misto exercido no
período de carência ou o tipo de trabalho exercido no momento do implemento do requisito etário
ou do requerimento administrativo".
5. Observe-se, por fim, que o C. STF concluiu, no dia 25/9/2020 (Plenário Virtual), o julgamento
do Tema 1104 (RE 1.281.909), que discutia a questão dos requisitos para concessão da
aposentadoria híbrida, tendo firmado o seguinte entendimento: “É infraconstitucional, a ela se
aplicando os efeitos da ausência de repercussão geral, a controvérsia relativa à definição e ao
preenchimento dos requisitos legais necessários para a concessão de aposentadoria híbrida,
prevista no art. 48, § 3º da Lei nº 8.213/91.”. Desse modo, estando ausente arepercussão geralda
matéria, prevalece o entendimento adotado pelo C.STJ, ao julgar o Tema 1007.
6. Ao analisar o conjunto probatório, entendo que o início de prova material é parco e insuficiente
para manter o reconhecimento havido em primeiro grau, uma vez que o simples registro ou
pedido de registro na qualidade de pescador artesanal não comprova, de maneira minimamente
satisfatória, o exercício de tal atividade pela autora, nem que tal atividade, caso de fato exercida,
seja essencial à sobrevivência do grupo familiar, considerando a inexistência de demais
documentos a apontar tal situação nesse sentido, até porque o elemento essencial identificador
da qualidade de segurado especial, para o fim da proteção extraordinária pelo Regime Geral de
Previdência Social é o exercício das atividades especificadas na lei em regime de economia
familiar, indispensavelmente voltado à subsistência e ao desenvolvimento socioeconômico da
família, em condições de mútua dependência e colaboração, o que aqui não restou comprovado.
7. Ademais, a prova testemunhal, que poderia robustecer as alegações trazidas pela exordial, não
se mostrou consistente para viabilizar o reconhecimento havido pela decisão de primeiro grau, na
medida em que as testemunhas ouvidas nunca a viram exercendo tal função e nunca compraram
peixe dela, sendo certo que a testemunha Ana Lucia disse que ela viu a autora vendendo Tilápia,
pescado essa que nem sequer a autora afirma conseguir fisgar (com molinete e bambu), nos dias
em que vai pescar. A improcedência do pedido inaugural, nesse contexto, seria medida
imperativa.
8. Contudo, de acordo com o atual entendimento adotado pelo STJ: "A ausência de conteúdo
probatório eficaz a instruir a inicial, conforme determina o art. 283 do CPC, implica a carência de
pressuposto de constituição e desenvolvimento válido do processo, impondo a sua extinção sem
o julgamento do mérito (art. 267, IV do CPC) e a consequente possibilidade de o autor intentar
novamente a ação (art. 268 do CPC), caso reúna os elementos necessários à tal iniciativa."
(REsp 1352721/SP).
9. Impõe-se, por isso, face à ausência de prova constitutiva do direito previdenciário da parte
autora, a extinção do processo sem julgamento do mérito, nos termos do artigo 485, IV, do CPC.
10. Apelação do INSS parcialmente provida. Processo extinto. Apelação da parte autora
prejudicada.
Acórdao
PODER JUDICIÁRIOTribunal Regional Federal da 3ª Região
7ª Turma
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº5000889-93.2019.4.03.6138
RELATOR:Gab. 23 - DES. FED. TORU YAMAMOTO
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: IRENE BARBOSA BORGES
Advogado do(a) APELADO: ANDREIA CRISTIANE JUSTINO SANTOS ANTONINI - SP189184-
A
OUTROS PARTICIPANTES:
PODER JUDICIÁRIOTribunal Regional Federal da 3ª Região7ª Turma
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº5000889-93.2019.4.03.6138
RELATOR:Gab. 23 - DES. FED. TORU YAMAMOTO
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: IRENE BARBOSA BORGES
Advogado do(a) APELADO: ANDREIA CRISTIANE JUSTINO SANTOS ANTONINI - SP189184-
A
OUTROS PARTICIPANTES:
R E L A T Ó R I O
O Exmo. Desembargador Federal Toru Yamamoto (Relator):
Trata-se de ação de conhecimento onde a parte autora postulou a concessão de aposentadoria
por idade híbrida.
A r. sentença julgou parcialmente procedente o pedido inaugural para reconhecer o trabalho da
autora na condição de segurada especial pescadora artesanal no período de 31/05/2010 até
25/11/2015, determinando a averbação de tal interregno no CNIS da autora; julgou
improcedente, no entanto, o pedido de aposentadoria por idade formulado na exordial,
porquanto não comprovada a carência mínima necessária à concessão da benesse pretendida.
Sustenta a Autarquia apelante, em suas razões recursais e em apertada síntese, acerca da
impossibilidade do reconhecimento havido, motivando as razões de sua insurgência. Requer,
nesses termos, a reforma da r. sentença para julgar improcedente o pleito inaugural.
Apela também a parte autora, pleiteando o reconhecimento de sua atividade como segurada
especial (pesca artesanal) no período de 30/05/2010 a 25/11/2020.
Com as contrarrazões apresentadas apenas pela parte autora, subiram os autos a esta E.
Corte.
É o relatório.
PODER JUDICIÁRIOTribunal Regional Federal da 3ª Região7ª Turma
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº5000889-93.2019.4.03.6138
RELATOR:Gab. 23 - DES. FED. TORU YAMAMOTO
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: IRENE BARBOSA BORGES
Advogado do(a) APELADO: ANDREIA CRISTIANE JUSTINO SANTOS ANTONINI - SP189184-
A
OUTROS PARTICIPANTES:
V O T O
O Exmo. Desembargador Federal Toru Yamamoto (Relator):
Verifico, em juízo de admissibilidade, que os recursos ora analisados se mostram formalmente
regulares, motivados (artigo 1.010 CPC) e com partes legítimas, preenchendo os requisitos de
adequação (art. 1009 CPC) e tempestividade (art. 1.003 CPC). Assim, presente o interesse
recursal e inexistindo fato impeditivo ou extintivo, recebo-os e passo a apreciá-los nos termos
do artigo 1.011 do Código de Processo Civil.
Para a percepção de Aposentadoria por Idade, o segurado deve demonstrar o cumprimento da
idade mínima de 65 anos, se homem, e 60 anos, se mulher, e número mínimo de contribuições
para preenchimento do período de carência correspondente, conforme artigos 48 e 142 da Lei
8.213/91.
Cumpre ressaltar que, com o advento da Lei nº 10.666, de 08 de maio de 2003, a perda da
qualidade de segurado se tornou irrelevante para a concessão da aposentadoria por idade,
desde que o segurado já conte com o tempo de contribuição correspondente ao exigido para
efeito de carência, na data de requerimento do benefício.
"Art. 3º: A perda da qualidade do segurado não será considerada para a concessão das
aposentadorias por tempo de contribuição e especial.
§1º Na hipótese de aposentadoria por idade, a perda da qualidade de segurado não será
considerada para a concessão desse benefício, desde que o segurado conte com, no mínimo, o
tempo de contribuição correspondente ao exigido para efeito de carência na data do
requerimento do benefício.
§2º A concessão do benefício de aposentadoria por idade, nos termos do §1º, observará, para
os fins de cálculo do valor do benefício, o disposto no art. 3º, caput e §2°, da Lei nº 9.876, de 26
de novembro de 1999, ou, não havendo salários de contribuição recolhidos no período a partir
da competência julho de 1994, o disposto no art. 35 da Lei nº 8.213, de 24 de julho de 1991."
Muito embora o art. 3º, §1º, da Lei 10.666/2003 estabeleça que o segurado conte com no
mínimo o tempo de contribuição correspondente ao exigido para efeito de carência na data do
requerimento do benefício, a Jurisprudência do Egrégio Superior Tribunal de Justiça entende
que a carência exigida deve levar em conta a data em que o segurado implementou as
condições necessárias à concessão do benefício e não a data do requerimento administrativo.
Nesse sentido, trago à colação o seguinte julgado do Superior Tribunal de Justiça:
"PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR TEMPO DE SERVIÇO. ART. 142 DA LEI Nº
8.213/91. PERÍODO DE CARÊNCIA. PREENCHIMENTO. PERDA DA QUALIDADE DE
SEGURADO. ATENDIMENTO PRÉVIO DOS REQUISITOS. BENEFÍCIO DEVIDO.
1. Na forma da atual redação do art. 142 da Lei nº 8.213/91, alterado pela Lei nº 9.032/95, a
carência das aposentadorias por idade, por tempo de serviço e especial obedecerá à tabela ali
prevista, mas levando-se em consideração o ano em que o segurado implementou as
condições necessárias à concessão do benefício e não a data do requerimento administrativo.
2. Aplica-se ao caso o art. 102, § 1º, da Lei nº 8.213/91, que dispõe que a perda da qualidade
de segurado não prejudica o direito à aposentadoria para cuja concessão tenham sido
preenchidos todos os requisitos segundo a legislação então em vigor (arts. 52 e 53 da Lei nº
8.213/91).
3. Recurso especial provido."
(REsp.nº 490.585/PR, Relator o Ministro ARNALDO ESTEVES LIMA, DJU de 23/8/2005).
O artigo 24 da Lei nº 8.213/1991 dispõe que: "Período de carência é o número mínimo de
contribuições mensais indispensáveis para que o beneficiário faça jus ao benefício,
consideradas a partir do transcurso do primeiro dia dos meses de suas competências."
Por seu turno, o art. 25, inciso II, da referida Lei estabelece que:
"A concessão das prestações pecuniárias do Regime Geral de Previdência Social depende dos
seguintes períodos de carência, ressalvado o disposto no art. 26:
(...)
II - aposentadoria por idade, aposentadoria por tempo de serviço e aposentadoria especial: 180
contribuições mensais."
Porém, para os segurados inscritos na Previdência Social Urbana até 24 de julho de 1991, o art.
142 da Lei nº 8.213/1991, trouxe uma regra de transição, consubstanciada em uma tabela
progressiva de carência, de acordo com o ano em que foram implementadas as condições para
a aposentadoria por idade.
Deve-se observar que para aferir a carência a ser cumprida deverá ser levada em consideração
a data em que foi implementado o requisito etário para a obtenção do benefício e não aquele
em que a pessoa ingressa com o requerimento de aposentadoria por idade junto ao Instituto
Nacional do Seguro Social.
Trata-se de observância do mandamento constitucional de que todos são iguais perante a lei
(art. 5º, caput, da Constituição Federal). Se, por exemplo, aquele que tivesse preenchido as
condições de idade e de carência, mas que fizesse o requerimento administrativo
posteriormente seria prejudicado com a postergação do seu pedido, já que estaria obrigado a
cumprir um período maior de carência do que aquele que o fizesse no mesmo momento em que
tivesse completado a idade mínima exigida, o que obviamente não se coaduna com o princípio
da isonomia, que requer que pessoas em situações iguais sejam tratadas da mesma maneira.
Por outro lado, no caso de cumprimento do requisito etário, mas não da carência, o aferimento
desta, relativamente à aposentadoria por idade, será realizado quando do atingimento da idade
esperada, ainda que, naquele momento a pessoa não tivesse completado a carência
necessária.
Nessa situação, o próprio adiamento da possibilidade de obtenção do benefício para o
momento em que fosse cumprida a carência exigida no artigo 142 da Lei de Benefícios
Previdenciários já estabeleceria diferença entre aquele que cumpriu a carência no momento em
que completara a idade mínima, não havendo que se falar em necessidade de qualquer prazo
adicional.
Corroborando este entendimento, cito a Súmula nº 02 da Turma Regional de Uniformização dos
Juizados Especiais Federais da 4ª Região, que assim dispôs: Para a concessão da
aposentadoria por idade, não é necessário que os requisitos da idade e da carência sejam
preenchidos simultaneamente.
Anoto, por oportuno, que a edição da Lei nº 11.718, de 20 de junho de 2008, promoveu uma
alteração no art. 48 da Lei 8.213/91, que possibilitou a contagem mista do tempo de labor rural
e urbano para fins de concessão de aposentadoria por idade, com a majoração do requisito
etário mínimo para 60 (sessenta) e 65 (sessenta e cinco) anos, respectivamente, para mulheres
e homens.
Trago à colação a redação mencionada, in litteris:
"§2º: Para os efeitos do disposto no § 1o deste artigo, o trabalhador rural deve comprovar o
efetivo exercício de atividade rural, ainda que de forma descontínua, no período imediatamente
anterior ao requerimento do benefício, por tempo igual ao número de meses de contribuição
correspondente à carência do benefício pretendido, computado o período a que se referem os
incisos III a VIII do § 9o do art. 11 desta Lei.
§3º: Os trabalhadores rurais de que trata o § 1o deste artigo que não atendam ao disposto no §
2o deste artigo, mas que satisfaçam essa condição, se forem considerados períodos de
contribuição sob outras categorias do segurado, farão jus ao benefício ao completarem 65
(sessenta e cinco) anos de idade, se homem, e 60 (sessenta) anos, se mulher.
§4º: Para efeito do § 3o deste artigo, o cálculo da renda mensal do benefício será apurado de
acordo com o disposto no inciso II do caput do art. 29 desta Lei, considerando-se como salário-
de-contribuição mensal do período como segurado especial o limite mínimo de salário-de-
contribuição da Previdência Social." (g.n.)
Frise-se que a lei não faz distinção acerca de qual seria a atividade a ser exercida pelo
segurado no momento imediatamente anterior ao implemento do requisito etário ou
requerimento administrativo, sendo irrelevante aferir se a atividade agrícola foi ou não exercida
por último.
Verifico, ainda, que, por meio de acórdão publicado no DJe de 04/09/2019 (Resp
1.674.221/PR), a Primeira Seção do C. Superior Tribunal de Justiça – STJ, em julgamento sob
o rito dos recursos repetitivos, fixou a seguinte tese em relação ao Tema Repetitivo 1.007: "O
tempo de serviço rural, ainda que remoto e descontínuo, anterior ao advento da Lei 8.213/1991,
pode ser computado para fins da carência necessária à obtenção da aposentadoria híbrida por
idade, ainda que não tenha sido efetivado o recolhimento das contribuições, nos termos do
artigo 48, parágrafo 3º, da Lei 8.213/1991, seja qual for a predominância do labor misto
exercido no período de carência ou o tipo de trabalho exercido no momento do implemento do
requisito etário ou do requerimento administrativo".
Observe-se, por fim, que o C. STF concluiu, no dia 25/9/2020 (Plenário Virtual), o julgamento do
Tema 1104 (RE 1.281.909), que discutia a questão dos requisitos para concessão da
aposentadoria híbrida, tendo firmado o seguinte entendimento: “É infraconstitucional, a ela se
aplicando os efeitos da ausência de repercussão geral, a controvérsia relativa à definição e ao
preenchimento dos requisitos legais necessários para a concessão de aposentadoria híbrida,
prevista no art. 48, § 3º da Lei nº 8.213/91.”
Desse modo, estando ausente arepercussão geralda matéria, prevalece o entendimento
adotado pelo C.STJ, ao julgar o Tema 1007.
Feitas tais considerações, passo à análise dos requisitos necessários. A idade mínima de 60
anos exigida para a obtenção do benefício foi atingida pela parte autora em 2015, haja vista
haver nascido em 25/01/1955, segundo atesta sua documentação. Desse modo, necessária
agora a comprovação da carência no montante de 180 meses, conforme redação dada ao art.
142 da Lei 8.213/91, após sua modificação pela Lei 9.032/95.
Com relação ao labor rural, a jurisprudência do E. STJ firmou-se no sentido de que é
insuficiente apenas a produção de prova testemunhal para a comprovação de atividade rural, na
forma da Súmula 149 - STJ, in verbis:
"A prova exclusivamente testemunhal não basta à comprovação da atividade rurícola, para
efeito de obtenção de benefício previdenciário.".
Ainda de acordo com a jurisprudência, necessária demonstração razoável de início de prova
material, a ser corroborada por prova testemunhal, atentando-se, dentre outros aspectos, que,
em regra, são extensíveis aos postulantes rurícolas os documentos em que os genitores, os
cônjuges, ou os conviventes, aparecem qualificados como lavradores.
Vale destacar, por fim, que início de prova material não significa completude, mas elemento
indicativo que permita o reconhecimento da situação jurídica discutida, desde que associada a
outros dados probatórios.
Na exordial, a parte autora alega, in litteris:
“(...)
A Autora, com 62 anos de idade, conta mais de 15 anos de tempo de serviço, sendo que a
maior parte desse tempo advém de trabalho exercido na área rural, o restante é proveniente de
atividades urbanas. Atualmente a autora é pescadora artesanal, labor que exerce desde 2010.
Na sua Carteira de Trabalho há apenas um registro, que não contabiliza 01mes de trabalho.
A atividade laboral da autora assim se resume:
De 1970 a 1976 trabalhou como diarista na Fazenda Pindurama com o corretor Sr Adeludio
Pereira de Abreu;
De 1977 a 1986 trabalhou com o corretor Sr. Almedino de Araujo para diversas Fazendas da
região, sobretudo na Fazenda Jatai;
De 1987 a 1998 exerceu o labor rural na Fazenda Buracão com o corretor Sr Norberto Pereira
da Teloia;
De 1999 a 2008 exerceu atividade urbana como faxineira (diarista);
A partir de 2010 obteve registro como pescadora artesanal, atividade que exerce até hoje.
De se notar que a soma dos períodos acima, exercidos em atividade mista, totaliza mais de 15
anos de tempo de serviço.
(...)”
No caso dos autos, a parte autora apresentou, como início de prova material:
- Sua Certidão de Casamento, cujo enlace matrimonial ocorreu aos 15/06/1974, onde seu
esposo foi qualificado como “industriário” e a autora como “preendas domésticas”;
- CTPS da autora, onde foi registrada no estabelecimento S.A. Frigirífico Anglo no cargo de
servente, no período de 25/06/1973 a 09/07/1973;
- Carteira de Pescador Artesanal em nome da autora, emitida aos 31/05/2010;
- Pedido de Licença de Pescador Profissional em nome da autora, relacionado à Colônia de
Pescadores Profissionais e Agricultores z-10 (Planura/MG), recebido aos 10/02/2014;
Nada mais.
A prova oral foi produzida, consistente em depoimento pessoal da autora e oitivas de
testemunhas, foi assim resumida pela r. sentença:
“(...)
Em seu depoimento pessoal, a autora disse que começou trabalhando nas fazendas, como
Jataí, Pindorama, Buracão; que fez faxina nas casas depois; que em 2010, começou a trabalhar
na pesca; que começou a trabalhar com 12 ou 14 anos; que saiu da escola com 12 anos; que
morava em Barretos, na Av. 41; que trabalhou nas Fazendas Pindurama, Jataí e Buracão; que
não teve registro em carteira; que sempre trabalhou na roça; que entre 1999 a 2008 trabalhou
fazendo faxina; que ficou só 15 dias no frigorífico Anglo; que depois voltou a trabalhar na roça,
mas sem registro; que recebia fichas depois de trabalhar o dia todo; que juntava as fichas e no
fim de semana, trocava por dinheiro; que quando não era ficha, era um talão; que trabalhava
por diária; que ia de caminhão; que ia de caminhão pau de arara; que o pau-de-arara ia buscar
em um ponto, no Bom Jesus, chamado Chapéu do Bagaço; que quem levara era o corretor e
ele quem pagava; que os corretores eram Adelurdio, na Fazenda Pindorama; que na fazenda
Jataí era o Sr. Almedino; que na Fazenda Buracão era o Sr. Norberto; que já fez muita coisa;
que apanhou algodão, trabalhou carpindo, apanhando laranja; que tirou pendão de milho e
quebrou milho; que depois foi trabalhar como diarista; que trabalhou como diarista em várias
casas; que trabalhou para Maria Lucia, Dr. Fernando; que ia toda semana, uma vez por
semana; que fazia faxina, mas não passava roupas nem cozinhava; que morava ela e o marido;
que ela pagava por diária, em dinheiro; que não dava recibo; que fazia duas ou três faxinas por
semana; que se registrou em 2010 como pescadora; que antes de ser registrada não pescava;
que pega piauçu, curimba; que pesca no rio grande e no rio pardo; que pesca com molinete e
vara de bambu; que vai três vezes na semana; que às vezes pega 5kg, às vezes pega 3kg; que
vende o peixe para os vizinhos; que não tem banquinha na feira; que as pessoas já a conhecem
e compram; que recebeu seguro-defeso, quando não pode pescar.
A testemunha ANA LUCIA RODRIGUES MIRANDA falou que é vizinha da autora, na Avenida
41; que ela mora lá até hoje; que mora lá desde a adolescência; que a depoente é aposentada;
que se aposentou por invalidez e trabalhava como doméstica; que era registrada como
doméstica; que nunca trabalhou com a autora; que ela trabalhava na colheita de algodão,
quebrando milho, carpindo, cata de laranja; que sempre moraram perto e a depoente sempre
soube que ela trabalhava com isso; que nessa época já trabalhava como doméstica; que o
ponto era no Chapéu do Bagaço; que a autora ia para o Chapéu do Bagaço com a mãe e as
irmãs da depoente; que as irmãs e a mãe da depoente trabalharam com a autora na roça de
algodão; que elas também iam para o chapéu do bagaço pegar o transporte; que hoje ela é
pescadora; que nunca comprou peixe dela, mas o irmão sim; que a viu vendendo tilápia; que
faz uns cinco anos; que ela trabalhou de doméstica sem registro; que ela fazia diárias; que ela
fez faxina para o ex-patrão da depoente, de nome Sérgio Oliveira; que ela passou a pescar
depois de fazer as diárias; que os empreiteiros eram Sr. Adelúdio, Sr. Norberto.
A testemunha LUCIA HELENA TEIXEIRA DA SILVA, por seu turno, disse que trabalhou junto
com a autora na roça; que trabalhou na roça desde pequena; que conheceu a autora entre 68 e
70; que se conheceram na roça; que nasceu em 1953; que ia com a mãe para a roça; que já
trabalharam juntas na Fazenda Pindorama, na Fazenda Buracão e não lembra as outras, pois
eram muitos lugares; que não morava nas Fazendas, mas em Barretos, na zona urbana; que
iam de caminhão; que na 37 tinha um lugar onde todo mundo esperava os caminhões para ir;
que o local chamava Chapéu do Bagaço; que os corretores eram o Sr. Adelurdio, chamado de
Sr. Lurdes; Sr. Juca; Sr. Norberto; que já pegou o mesmo caminhão que a autora; que
trabalharam juntas na mesma fazenda; que primeiro tinha a ralação de algodão, depois colhia;
que tirava pendão de milho, carpia, tirava amendoim; que não tinha registro; que o pagamento
eles davam umas fichas e podia gastar no armazém ou juntar no fim de semana para trocar por
dinheiro; que trabalhou na roça até dois anos antes de casar, em 78; que hoje ela não trabalha
na roça; que ela lhe falou que pesca peixe para vender; que depois da roça ela trabalhou como
doméstica; que ela trabalhou de faxineira onde a depoente trabalha; que ela ia uma ou duas
vezes por semana; que ela trabalhou como faxineira para o coronel Lindolfo; que na época
parece que ela já pescava para sobreviver, mas não era todos os dias; que a viu vendendo para
um vizinho, mas não entende de peixe; que trabalhou com a autora de 1968 até dois anos antes
de casar.
(...)”
A r. sentença, por sua vez, entendeu que o conjunto probatório somente permitiria reconhecer o
trabalho da autora na condição de segurada especial a partir de 31/05/2010 até 25/11/2015, em
atividade pesqueira, sendo insuficiente para preencher a carência de 180 contribuições para ter
direito ao benefício de aposentadoria por idade vindicada.
Pois bem.
Ao analisar o conjunto probatório, entendo que o início de prova material é parco e insuficiente
para manter o reconhecimento havido em primeiro grau, uma vez que o simples registro ou
pedido de registro na qualidade de pescador artesanal não comprova, de maneira minimamente
satisfatória, o exercício de tal atividade pela autora, nem que tal atividade, caso de fato
exercida, seja essencial à sobrevivência do grupo familiar, considerando a inexistência de
demais documentos a apontar tal situação nesse sentido, até porque o elemento essencial
identificador da qualidade de segurado especial, para o fim da proteção extraordinária pelo
Regime Geral de Previdência Social é o exercício das atividades especificadas na lei em regime
de economia familiar, indispensavelmente voltado à subsistência e ao desenvolvimento
socioeconômico da família, em condições de mútua dependência e colaboração, o que aqui não
restou comprovado.
Ademais, a prova testemunhal, que poderia robustecer as alegações trazidas pela exordial, não
se mostrou consistente para viabilizar o reconhecimento havido pela decisão de primeiro grau,
na medida em que as testemunhas ouvidas nunca a viram exercendo tal função e nunca
compraram peixe dela, sendo certo que a testemunha Ana Lucia disse que ela viu a autora
vendendo Tilápia, pescado essa que nem sequer a autora afirma conseguir fisgar (com molinete
e bambu), nos dias em que vai pescar. A improcedência do pedido inaugural, nesse contexto,
seria medida imperativa.
Contudo, de acordo com o atual entendimento adotado pelo STJ: "A ausência de conteúdo
probatório eficaz a instruir a inicial, conforme determina o art. 283 do CPC, implica a carência
de pressuposto de constituição e desenvolvimento válido do processo, impondo a sua extinção
sem o julgamento do mérito (art. 267, IV do CPC) e a consequente possibilidade de o autor
intentar novamente a ação (art. 268 do CPC), caso reúna os elementos necessários à tal
iniciativa." (REsp 1352721/SP).
Impõe-se, por isso, face à ausência de prova constitutiva do direito previdenciário da parte
autora, a extinção do processo sem julgamento do mérito.
Condeno a parte autora ao pagamento de honorários fixados em R$ 1.000,00 (mil reais), cuja
exigibilidade observará o disposto no artigo 12 da Lei nº 1.060/1950 (artigo 98, § 3º, do Código
de Processo Civil/2015), por ser beneficiária da justiça gratuita.
Por esses fundamentos, dou parcial provimento à apelação do INSS, extinguindo o processo
nos termos do artigo 485, IV, do CPC, conforme ora consignado, restando prejudicado o
recurso de apelação da parte autora.
É o voto.
E M E N T A
PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR IDADE HÍBRIDA. REQUISITOS NÃO
PREENCHIDOS. CONJUNTO PROBATÓRIO INSUFICIENTE/INCONSISTENTE. PESCADOR
ARTESANAL. ATIVIDADE E REGIME DE ECONOMIA FAMILIAR NÃO COMPROVADOS.
EXTINÇÃO SEM RESOLUÇÃO DE MÉRITO. RESP REPETITIVO 1352721/SP. APELAÇÃO
DO INSS PARCIALMENTE PROVIDA. PROCESSO EXTINTO. APELAÇÃO DA PARTE
AUTORA PREJUDICADA.
1. Para a percepção de Aposentadoria por Idade, o segurado deve demonstrar o cumprimento
da idade mínima de 65 anos, se homem, e 60 anos, se mulher, e número mínimo de
contribuições para preenchimento do período de carência correspondente, conforme artigos 48
e 142 da Lei 8.213/91.
2. Anoto, por oportuno, que a edição da Lei nº 11.718, de 20 de junho de 2008, promoveu uma
alteração no art. 48 da Lei 8.213/91, que possibilitou a contagem mista do tempo de labor rural
e urbano para fins de concessão de aposentadoria por idade, com a majoração do requisito
etário mínimo para 60 (sessenta) e 65 (sessenta e cinco) anos, respectivamente, para mulheres
e homens.
3. Frise-se que a lei não faz distinção acerca de qual seria a atividade a ser exercida pelo
segurado no momento imediatamente anterior ao implemento do requisito etário ou
requerimento administrativo, sendo irrelevante aferir se a atividade agrícola foi ou não exercida
por último.
4. Verifico, ainda, que, por meio de acórdão publicado no DJe de 04/09/2019 (Resp
1.674.221/PR), a Primeira Seção do C. Superior Tribunal de Justiça – STJ, em julgamento sob
o rito dos recursos repetitivos, fixou a seguinte tese em relação ao Tema Repetitivo 1.007: "O
tempo de serviço rural, ainda que remoto e descontínuo, anterior ao advento da Lei 8.213/1991,
pode ser computado para fins da carência necessária à obtenção da aposentadoria híbrida por
idade, ainda que não tenha sido efetivado o recolhimento das contribuições, nos termos do
artigo 48, parágrafo 3º, da Lei 8.213/1991, seja qual for a predominância do labor misto
exercido no período de carência ou o tipo de trabalho exercido no momento do implemento do
requisito etário ou do requerimento administrativo".
5. Observe-se, por fim, que o C. STF concluiu, no dia 25/9/2020 (Plenário Virtual), o julgamento
do Tema 1104 (RE 1.281.909), que discutia a questão dos requisitos para concessão da
aposentadoria híbrida, tendo firmado o seguinte entendimento: “É infraconstitucional, a ela se
aplicando os efeitos da ausência de repercussão geral, a controvérsia relativa à definição e ao
preenchimento dos requisitos legais necessários para a concessão de aposentadoria híbrida,
prevista no art. 48, § 3º da Lei nº 8.213/91.”. Desse modo, estando ausente arepercussão
geralda matéria, prevalece o entendimento adotado pelo C.STJ, ao julgar o Tema 1007.
6. Ao analisar o conjunto probatório, entendo que o início de prova material é parco e
insuficiente para manter o reconhecimento havido em primeiro grau, uma vez que o simples
registro ou pedido de registro na qualidade de pescador artesanal não comprova, de maneira
minimamente satisfatória, o exercício de tal atividade pela autora, nem que tal atividade, caso
de fato exercida, seja essencial à sobrevivência do grupo familiar, considerando a inexistência
de demais documentos a apontar tal situação nesse sentido, até porque o elemento essencial
identificador da qualidade de segurado especial, para o fim da proteção extraordinária pelo
Regime Geral de Previdência Social é o exercício das atividades especificadas na lei em regime
de economia familiar, indispensavelmente voltado à subsistência e ao desenvolvimento
socioeconômico da família, em condições de mútua dependência e colaboração, o que aqui não
restou comprovado.
7. Ademais, a prova testemunhal, que poderia robustecer as alegações trazidas pela exordial,
não se mostrou consistente para viabilizar o reconhecimento havido pela decisão de primeiro
grau, na medida em que as testemunhas ouvidas nunca a viram exercendo tal função e nunca
compraram peixe dela, sendo certo que a testemunha Ana Lucia disse que ela viu a autora
vendendo Tilápia, pescado essa que nem sequer a autora afirma conseguir fisgar (com molinete
e bambu), nos dias em que vai pescar. A improcedência do pedido inaugural, nesse contexto,
seria medida imperativa.
8. Contudo, de acordo com o atual entendimento adotado pelo STJ: "A ausência de conteúdo
probatório eficaz a instruir a inicial, conforme determina o art. 283 do CPC, implica a carência
de pressuposto de constituição e desenvolvimento válido do processo, impondo a sua extinção
sem o julgamento do mérito (art. 267, IV do CPC) e a consequente possibilidade de o autor
intentar novamente a ação (art. 268 do CPC), caso reúna os elementos necessários à tal
iniciativa." (REsp 1352721/SP).
9. Impõe-se, por isso, face à ausência de prova constitutiva do direito previdenciário da parte
autora, a extinção do processo sem julgamento do mérito, nos termos do artigo 485, IV, do
CPC.
10. Apelação do INSS parcialmente provida. Processo extinto. Apelação da parte autora
prejudicada.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Sétima Turma, por
unanimidade, decidiu dar parcial provimento ao recurso de apelação do INSS, extinguindo o
processo nos termos do artigo 485, IV, do CPC, restando prejudicado o recurso de apelação da
parte autora, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente
julgado.
Resumo Estruturado
VIDE EMENTA
