
| D.E. Publicado em 08/10/2018 |
EMENTA
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Sétima Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, dar provimento ao recurso, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Desembargadora Federal Relatora
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| Data e Hora: | 26/09/2018 17:08:03 |
APELAÇÃO CÍVEL Nº 0018583-57.2018.4.03.9999/SP
RELATÓRIO
A EXMA. SRA. DESEMBARGADORA FEDERAL INÊS VIRGÍNIA: Trata-se de apelação interposta por VALNIDE DE FÁTIMA VILELA OLIVEIRA em ação ajuizada em face do INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS, objetivando a concessão do benefício de aposentadoria por idade rural.
A r. sentença julgou improcedente o pedido inicial e condenou a parte autora a arcar com as taxas judiciária, as despesas processuais, com incidência de juros legais de 1% ao mês, além de correção monetária de acordo com a tabela prática do Egrégio TJ, a partir de cada desembolso, bem como o pagamento de honorários advocatícios no percentual de 10% sobre o valor atualizado da causa, nos termos do artigo 85, § 2º do CPC, ressalvados os benefícios da justiça gratuita que se aplicam no caso concreto somente para a parte autora.
Em suas razões recursais, a parte autora pugna pela reforma da sentença sob os seguintes fundamentos: a) todos os registros existentes na CTPS do marido são em propriedades rurais e em atividades agropecuárias e há provas nos autos em nome próprio da apelante; b) foi apresentado início de prova material que deve ser complementado com a prova testemunhal; c) os requisitos de idade mínima e tempo de serviço rural não necessitam ser cumpridos simultaneamente, de tal sorte que o período de trabalho não precisa ser imediatamente anterior ao requisito de idade; d) fica resguardado o direito à concessão da aposentadoria por idade, sendo irrelevante a ausência da qualidade de segurado quando do preenchimento do requisito etário; e) não é possível se exigir do lavrador diarista a comprovação do recolhimento de contribuições previdenciárias para a obtenção do benefício previdenciário, uma vez que a legislação atribuiu essa obrigação aos contratantes de seus serviços, cujo descumprimento não pode prejudicar o trabalhador boia-fria; f) prequestionamento de dispositivos legais.
Regularmente processado o feito, com contrarrazões, os autos subiram a este Eg. Tribunal.
Certificado pela Subsecretaria da Sétima Turma, nos termos da Ordem de Serviço nº 13/2016, artigo 8º, que a apelação foi interposta no prazo legal e, ainda, que a parte autora é beneficiária da justiça gratuita.
É o relatório.
VOTO
A EXMA. SRA. DESEMBARGADORA FEDERAL INÊS VIRGÍNIA: Inicialmente, recebo a apelação interposta sob a égide do Código de Processo Civil/2015 e, em razão de sua regularidade formal, possível sua apreciação, nos termos do artigo 1.011 do Código de Processo Civil.
A parte autora alegou que desde a tenra idade trabalha no campo até os dias de hoje. Passou a sua vida toda trabalhando em atividades rurais, em determinado período, em regime de economia familiar e, em outros, como diarista boia-fria.
E ajuizou a ação, pleiteiando a concessão de aposentadoria por idade rural, prevista no artigo 48, §§1º e 2º da Lei nº 8.213/91, verbis:
"Art. 48. A aposentadoria por idade será devida ao segurado que, cumprida a carência exigida nesta Lei, completar 65 (sessenta e cinco) anos de idade, se homem, e 60 (sessenta), se mulher. |
§ 1º Os limites fixados no caput são reduzidos para sessenta e cinquenta e cinco anos no caso de trabalhadores rurais, respectivamente homens e mulheres, referidos na alínea a do inciso I, na alínea g do inciso V e nos incisos VI e VII do art. 11. |
§ 2º Para os efeitos do disposto no § 1º deste artigo, o trabalhador rural deve comprovar o efetivo exercício de atividade rural, ainda que de forma descontínua, no período imediatamente anterior ao requerimento do benefício, por tempo igual ao número de meses de contribuição correspondente à carência do benefício pretendido, computado o período a que se referem os incisos III a VIII do § 9º do art. 11 desta Lei." |
Em síntese, para a obtenção da aposentadoria por idade, deve o requerente comprovar o preenchimento dos seguintes requisitos: (i) idade mínima e (ii) efetivo exercício da atividade rural, ainda que de forma descontínua, no período imediatamente anterior ao requerimento do benefício, por tempo igual ao da carência exigida para a sua concessão.
No que tange à carência, considerando o ano em que o rurícola implementou todas as condições necessárias à obtenção do benefício, o artigo 142 da Lei nº 8.213/91 estabelece regra de transição a ser observada pelos segurados inscritos na Previdência Social até 24/07/91.
Por sua vez, a regra de transição prevista na Lei nº 8.213/91, em seu artigo 143, estabelece que "O trabalhador rural ora enquadrado como segurado obrigatório no Regime Geral de Previdência Social, na forma da alínea "a" do inciso I, ou do inciso IV ou VII do art. 11 desta Lei, pode requerer aposentadoria por idade, no valor de um salário mínimo, durante 15 (quinze) anos, contados a partir da data de vigência desta Lei, desde que comprove o exercício de atividade rural, ainda que descontínua, no período imediatamente anterior ao requerimento do benefício, em número de meses idêntico à carência do referido benefício."
Em outras palavras, facultou-se aos trabalhadores rurais, atualmente enquadrados como segurados obrigatórios, que requeressem até o ano de 2006 (15 anos da data de vigência da Lei n.º 8.213/91) aposentadoria por idade, no valor de um salário mínimo, bastando apenas a comprovação do exercício de trabalho rural em número de meses idêntico à carência do benefício, ainda que de forma descontínua, no período imediatamente anterior ao seu requerimento.
Com o advento da Lei nº 11.718/2008, referido prazo foi prorrogado, exaurindo-se em 31/12/2010, a partir de quando se tornou exigível o recolhimento de contribuições, na forma estabelecida em seu art. 3º.
Portanto, em se tratando de segurado filiado ao Regime Geral de Previdência Social até 24/07/91, deve ser considerada a tabela progressiva inserta no artigo 142 da Lei de Benefícios, não havendo que se falar em exigência de contribuição ao trabalhador rural, bastando a comprovação do efetivo exercício da atividade rural, ainda que de forma descontínua, em número de meses idêntico à carência do referido benefício.
Aos que ingressaram no sistema após essa data, aplica-se a regra prevista no art. 25, inc. II, da Lei de Benefícios que exige a comprovação de 180 contribuições mensais.
COMPROVAÇÃO DO LABOR RURAL
A comprovação do tempo de serviço em atividade rural, seja para fins de concessão de benefício previdenciário ou para averbação de tempo de serviço, deve ser feita mediante a apresentação de início de prova material, conforme preceitua o artigo 55, § 3º, da Lei de Benefícios, não sendo admitida prova exclusivamente testemunhal, entendimento cristalizado na Súmula nº 149, do C. STJ: "A prova exclusivamente testemunhal não basta à comprovação da atividade rurícola, para efeito de obtenção do benefício previdenciário".
Dentro desse contexto, considerando as precárias condições em que se desenvolve o trabalho do lavrador e as dificuldades na obtenção de prova material do seu labor, quando do julgamento do REsp. 1.321.493/PR, realizado segundo a sistemática de recurso representativo da controvérsia (CPC, art. 543-C), abrandou-se a exigência da prova admitindo-se início de prova material sobre parte do lapso temporal pretendido, a ser complementada por idônea e robusta prova testemunhal.
Conforme entendimento jurisprudencial sedimentado, a prova testemunhal possui aptidão para ampliar a eficácia probatória da prova material trazida aos autos, sendo desnecessária a sua contemporaneidade para todo o período de carência que se pretende comprovar (Recurso Especial Repetitivo 1.348.633/SP, (Rel. Ministro Arnaldo Esteves Lima, Primeira Seção, DJe 5/12/2014) e Súmula 577 do Eg. STJ.
O fato de um dos membros da família exercer atividade diversa da rural, por si só, não descaracteriza a condição de segurado especial de quem pleiteia o benefício.
Isso porque, o regime de economia familiar, tal como preceituado no inciso VII, do artigo 11, da Lei 8.213/1991, somente será descaracterizado se comprovado que a remuneração proveniente do trabalho urbano do membro da família dedicado a outra atividade que não a rural dispense a renda do trabalho rural dos demais para a subsistência do grupo familiar.
Sobre a questão, o Eg. Superior Tribunal de Justiça, no julgamento de Recurso Especial submetido à sistemática dos recursos repetitivos, REsp 1.304.479/SP, sedimentou entendimento de que o "trabalho urbano de um dos membros do grupo familiar não descaracteriza, por si só, os demais integrantes como segurados especiais, devendo ser averiguada, a dispensabilidade do trabalho rural para a subsistência do grupo familiar".
Nesse sentido é a orientação firmada pela TNU que editou a Súmula 41 que porta o seguinte enunciado:
"A circunstância de um dos integrantes do núcleo familiar desempenhar atividade urbana não implica, por si só, a descaracterização do trabalhador rural como segurado especial, condição que deve ser analisada no caso concreto." |
A função de tratorista/operador de máquinas em estabelecimento rural é atividade ligada ao campo, comprovando que trabalhava no meio rural .
Com efeito, a função de tratorista agrícola é essencialmente de natureza rural, lida com a terra, o plantio, a colheita, de sorte que o trator deve ser considerado instrumento de trabalho de qualidade rural.
Assim, se o tratorista/operador de máquinas operar trator/máquinas para empresa instituída em meio urbano e de atividades tipicamente urbanas, será considerado trabalhador urbano. Ao revés, se laborar no campo, em atividades ligadas ao meio rural, será considerado trabalhador rurícola.
CASO CONCRETO
A idade mínima exigida para obtenção do benefício restou comprovada, tendo a parte autora nascido em 07/04/1962 (fl. 13).
Com o implemento do requisito etário em 07/04/2017, a parte autora deve comprovar o exercício do labor rural no período imediatamente anterior ao implemento da idade, mesmo que de forma descontínua, por tempo igual ao número de meses de contribuição correspondente à carência do benefício requerido (180 meses), não tendo o Instituto-réu conseguido infirmar a validade dos depoimentos prestados e do(s) documento(s) trazidos.
Anote-se que a necessidade da demonstração do exercício da atividade campesina em período imediatamente anterior ao implemento do requisito etário, restou sedimentada pelo C. STJ, no julgamento do REsp nº 1.354.908/SP, sob a sistemática dos recursos representativos de controvérsia repetitiva.
Considerando a dificuldade do trabalhador rural na obtenção da prova escrita, o Eg. STJ vem admitindo outros documentos além daqueles previstos no artigo 106, parágrafo único, da Lei nº 8.213/91, cujo rol não é taxativo, mas sim, exemplificativo (AgRg no REsp nº 1362145/SP, 2ª Turma, Relator Ministro Mauro Campell Marques, DJe 01/04/2013; AgRg no Ag nº 1419422/MG, 6ª Turma, Relatora Ministra Assussete Magalhães, DJe 03/06/2013; AgRg no AREsp nº 324.476/SE, 2ª Turma, Relator Ministro Humberto Martins, DJe 28/06/2013).
Para comprovar suas alegações, a parte autora apresentou os seguintes documentos:
- Certidão de Casamento celebrado em 1990, onde consta o marido como lavrador;
- Certidões de Nascimento de filhos nascidos em 1982, 1986, e 1991;
- Carteira de filiação do Sindicato Rural de Mendonça, com admissão em 1986, do marido da autora;
- Guia de Encaminhamento de Beneficiário - INAMPS, do ano de 1987, em nome do marido da autora, com endereço no sítio Sapé;
- Cópia do formal de partilha, expedido em 1996, onde consta o marido como lavrador;
- Contrato de parceria agrícola em nome da autora, desde 2016;
- CTPS do marido como trabalhador rural nos anos de 1990/1993, 1999/2001 e 2002/2007, inseminador (Sítio Boa Sorte) em 2008, motorista (Agropecuária Terras Novas S/A) de 2008/2015 e tratorista agrícola desde 2016;
- livro de matrícula em nome da autora, onde consta o pai como lavrador;
- CTPS da autora sem qualquer anotação.
Os documentos colacionados pela parte autora constituem início razoável de prova material de que ela trabalhava nas lides campesinas.
Anote-se que o marido da autora, quando trabalhou como motorista e tratorista, exerceu suas atividades em fazendas agrícolas.
Por sua vez, as testemunhas Antonia Ruiz Maria Martins e Aparecido Vieira Aguiar trabalharam com a autora em períodos diversos (a primeira em 2008 e o outro em 1978), trabalhando nas culturas de quiabo, café e outros itens). A testemunha José Simão Ferreira não sabia com exatidão a época em que viu a autora trabalhando na roça pela primeira vez, mas sabe que ela trabalha no campo até os dias de hoje.
Assim sendo, o início de prova material, corroborado por robusta e coesa prova testemunhal, comprova a atividade campesina exercida pela parte autora.
CONCLUSÃO
Desse modo, presentes os pressupostos legais para a concessão do benefício, vez que implementado o requisito da idade e demonstrado o exercício da atividade rural, por período equivalente ao da carência exigida pelo artigo 142 da Lei nº 8213/91, a procedência do pedido era de rigor.
Relativamente ao termo inicial do benefício, com razão a parte autora.
O artigo 49 da Lei 8.213/91 dispõe:
"Art. 49. A aposentadoria por idade será devida: |
I - ao segurado empregado, inclusive o doméstico, a partir: |
a) da data do desligamento do emprego, quando requerida até essa data ou até 90 (noventa) dias depois dela; ou |
b) da data do requerimento, quando não houver desligamento do emprego ou quando for requerida após o prazo previsto na alínea "a"; |
II - para os demais segurados, da data da entrada do requerimento." |
Assim sendo, o termo inicial do benefício deve coincidir com a data do requerimento administrativo em 25/04/2017 (fl. 44).
Vale destacar que a inconstitucionalidade do critério de correção monetária introduzido pela Lei nº 11.960/2009 foi declarada pelo Egrégio STF, ocasião em que foi determinada a aplicação do IPCA-e (RE nº 870.947/PE, repercussão geral).
Apesar da recente decisão do Superior Tribunal de Justiça (REsp repetitivo nº 1.495.146/MG), que estabelece o INPC/IBGE como critério de correção monetária, não é o caso de adotá-lo, porque em confronto com o julgado acima mencionado.
Para o cálculo dos juros de mora e correção monetária, aplicam-se, até a entrada em vigor da Lei nº 11.960/2009, os índices previstos no Manual de Orientação de Procedimentos para os Cálculos da Justiça Federal, aprovado pelo Conselho da Justiça Federal; e, após, considerando a natureza não-tributária da condenação, os critérios estabelecidos pelo C. Supremo Tribunal Federal, no julgamento do RE nº 870.947/PE, realizado em 20/09/2017, na sistemática de Repercussão Geral.
De acordo com a decisão do Egrégio STF, os juros moratórios serão calculados segundo o índice de remuneração da caderneta de poupança, nos termos do disposto no artigo 1º-F da Lei 9.494/97, com a redação dada pela Lei nº 11.960/2009; e a correção monetária, segundo o Índice de Preços ao Consumidor Amplo Especial - IPCA-E.
Vencido o INSS, a ele incumbe o pagamento de honorários advocatícios, fixados em 10% do valor das prestações vencidas até a data do presente julgamento (Súmula nº 111/STJ).
Ante o exposto, DOU PROVIMENTO ao recurso da autora para condenar o INSS ao pagamento da APOSENTADORIA POR IDADE RURAL, no valor de 01 (um) salário mínimo, desde a data do requerimento administrativo em 03/08/2015, determinando, ainda, na forma acima explicitada, a aplicação de juros de mora e correção monetária, bem como o pagamento de honorários de sucumbência.
É O VOTO.
INÊS VIRGÍNIA
Desembargadora Federal Relatora
| Documento eletrônico assinado digitalmente conforme MP nº 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que instituiu a Infra-estrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil, por: | |
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| Data e Hora: | 26/09/2018 17:07:59 |
