
| D.E. Publicado em 19/10/2018 |
EMENTA
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Sétima Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, negar provimento ao recurso e determinar, de ofício, a aplicação da correção monetária e dos juros de mora, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Desembargadora Federal Relatora
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| Nº de Série do Certificado: | 11DE18032058641B |
| Data e Hora: | 11/10/2018 15:51:42 |
APELAÇÃO CÍVEL Nº 0017406-58.2018.4.03.9999/SP
RELATÓRIO
A EXMA. SRA. DESEMBARGADORA FEDERAL INÊS VIRGÍNIA: Trata-se de apelação interposta pelo Instituto Nacional do Seguro Social - INSS em face da sentença que julgou PROCEDENTE o pedido de concessão do benefício de aposentadoria por idade de trabalhador rural, condenando-o a pagar o benefício a partir do requerimento administrativo (18/09/2012) antecipando, ainda, os efeitos da tutela para implantação do benefício no prazo de 30 (trinta) dias, sob pena de multa diária de R$ 500,00 (quinhentos reais), limitada a R$ 50.000,00 (cinquenta mil reais). Condenou a autarquia a reembolsar o autor das eventuais custas e despesas processuais adiantadas e honorários advocatícios no percentual de 10% sobre as parcelas vencidas até a data da sentença.
O recorrente pede a reforma da sentença, em síntese, sob os seguintes fundamentos: a) a autora possui vínculos urbanos ; b) possui dois vínculos rurais, mas o último se encerrou em 1997; c) juntou aos autos CTPS de terceiro, em que há registros como motorista; d) os registros rurais são controversos e, além de não ter se dedicado unicamente a lides rurais, não há provas documentais de que a parte trabalhou como rural por 15 anos, bem como tenha laborado em lides campesinas no período que antecedeu o seu requerimento administrativo.
Regularmente processado o feito, com contrarrazões, os autos subiram a este Eg. Tribunal.
Certificado pela Subsecretaria da Sétima Turma, nos termos da Ordem de Serviço nº 13/2016, artigo 8º, que a apelação foi interposta no prazo legal.
É o relatório.
VOTO
A EXMA. SRA. DESEMBARGADORA FEDERAL INÊS VIRGÍNIA: Recebo a apelação interposta sob a égide do Código de Processo Civil/2015, e, em razão de sua regularidade formal, possível sua apreciação, nos termos do artigo 1.011 do Código de Processo Civil.
A parte autora alegou que desde a tenra idade trabalhou em regime de economia familiar na companhia de seus pais. Trabalhou também com e sem registro CTPS para diversos empreiteiros e empregadores rurais. Juntou aos autos CTPS do companheiro que possui registros como lavrador, condição extensível a mulher, pela situação de campesinos comum ao casal.
E ajuizou a ação, pleiteiando a concessão de aposentadoria por idade rural, prevista no artigo 48, §§1º e 2º da Lei nº 8.213/91, verbis:
"Art. 48. A aposentadoria por idade será devida ao segurado que, cumprida a carência exigida nesta Lei, completar 65 (sessenta e cinco) anos de idade, se homem, e 60 (sessenta), se mulher. |
§ 1º Os limites fixados no caput são reduzidos para sessenta e cinquenta e cinco anos no caso de trabalhadores rurais, respectivamente homens e mulheres, referidos na alínea a do inciso I, na alínea g do inciso V e nos incisos VI e VII do art. 11. |
§ 2º Para os efeitos do disposto no § 1º deste artigo, o trabalhador rural deve comprovar o efetivo exercício de atividade rural, ainda que de forma descontínua, no período imediatamente anterior ao requerimento do benefício, por tempo igual ao número de meses de contribuição correspondente à carência do benefício pretendido, computado o período a que se referem os incisos III a VIII do § 9º do art. 11 desta Lei." |
Em síntese, para a obtenção da aposentadoria por idade, deve o requerente comprovar o preenchimento dos seguintes requisitos: (i) idade mínima e (ii) efetivo exercício da atividade rural, ainda que de forma descontínua, no período imediatamente anterior ao requerimento do benefício, por tempo igual ao da carência exigida para a sua concessão.
No que tange à carência, considerando o ano em que o rurícola implementou todas as condições necessárias à obtenção do benefício, o artigo 142 da Lei nº 8.213/91 estabelece regra de transição a ser observada pelos segurados inscritos na Previdência Social até 24/07/91.
Por sua vez, a regra de transição prevista na Lei nº 8.213/91, em seu artigo 143, estabelece que "O trabalhador rural ora enquadrado como segurado obrigatório no Regime Geral de Previdência Social, na forma da alínea "a" do inciso I, ou do inciso IV ou VII do art. 11 desta Lei, pode requerer aposentadoria por idade, no valor de um salário mínimo, durante 15 (quinze) anos, contados a partir da data de vigência desta Lei, desde que comprove o exercício de atividade rural, ainda que descontínua, no período imediatamente anterior ao requerimento do benefício, em número de meses idêntico à carência do referido benefício."
Em outras palavras, facultou-se aos trabalhadores rurais, atualmente enquadrados como segurados obrigatórios, que requeressem até o ano de 2006 (15 anos da data de vigência da Lei n.º 8.213/91) aposentadoria por idade, no valor de um salário mínimo, bastando apenas a comprovação do exercício de trabalho rural em número de meses idêntico à carência do benefício, ainda que de forma descontínua, no período imediatamente anterior ao seu requerimento.
Com o advento da Lei nº 11.718/2008, referido prazo foi prorrogado, exaurindo-se em 31/12/2010, a partir de quando se tornou exigível o recolhimento de contribuições, na forma estabelecida em seu art. 3º.
Portanto, em se tratando de segurado filiado ao Regime Geral de Previdência Social até 24/07/91, deve ser considerada a tabela progressiva inserta no artigo 142 da Lei de Benefícios, não havendo que se falar em exigência de contribuição ao trabalhador rural, bastando a comprovação do efetivo exercício da atividade rural, ainda que de forma descontínua, em número de meses idêntico à carência do referido benefício.
Aos que ingressaram no sistema após essa data, aplica-se a regra prevista no art. 25, inc. II, da Lei de Benefícios que exige a comprovação de 180 contribuições mensais.
COMPROVAÇÃO DO LABOR RURAL
A comprovação do tempo de serviço em atividade rural, seja para fins de concessão de benefício previdenciário ou para averbação de tempo de serviço, deve ser feita mediante a apresentação de início de prova material, conforme preceitua o artigo 55, § 3º, da Lei de Benefícios, não sendo admitida prova exclusivamente testemunhal, entendimento cristalizado na Súmula nº 149, do C. STJ: "A prova exclusivamente testemunhal não basta à comprovação da atividade rurícola, para efeito de obtenção do benefício previdenciário".
Diante das precárias condições em que se desenvolve o trabalho do lavrador e as dificuldades na obtenção de prova material do seu labor, quando do julgamento do REsp. 1.321.493/PR, realizado segundo a sistemática de recurso representativo da controvérsia (CPC, art. 543-C), abrandou-se a exigência da prova admitindo-se início de prova material sobre parte do lapso temporal pretendido, a ser complementada por idônea e robusta prova testemunhal.
Importante dizer que a necessidade da demonstração do exercício da atividade campesina em período imediatamente anterior ao implemento do requisito etário, restou sedimentada pelo C. STJ, no julgamento do REsp nº 1.354.908/SP, sob a sistemática dos recursos representativos de controvérsia repetitiva.
Destaca-se, ainda, que, diante da dificuldade do trabalhador rural na obtenção da prova escrita, o Eg. STJ vem admitindo outros documentos além daqueles previstos no artigo 106, parágrafo único, da Lei nº 8.213/91, cujo rol não é taxativo, mas sim, exemplificativo (AgRg no REsp nº 1362145/SP, 2ª Turma, Relator Ministro Mauro Campell Marques, DJe 01/04/2013; AgRg no Ag nº 1419422/MG, 6ª Turma, Relatora Ministra Assussete Magalhães, DJe 03/06/2013; AgRg no AREsp nº 324.476/SE, 2ª Turma, Relator Ministro Humberto Martins, DJe 28/06/2013).
Conforme entendimento jurisprudencial sedimentado, a prova testemunhal possui aptidão para ampliar a eficácia probatória da prova material trazida aos autos, sendo desnecessária a sua contemporaneidade para todo o período de carência que se pretende comprovar (Recurso Especial Repetitivo 1.348.633/SP, (Rel. Ministro Arnaldo Esteves Lima, Primeira Seção, DJe 5/12/2014) e Súmula 577 do Eg. STJ.
CASO CONCRETO
A idade mínima exigida para obtenção do benefício restou comprovada, tendo a parte autora nascido em 28/07/1956 - fl. 14.
Com o implemento do requisito etário em 28/07/2011, a parte autora deve comprovar o exercício do labor rural no período imediatamente anterior ao implemento da idade, mesmo que de forma descontínua, por tempo igual ao número de meses de contribuição correspondente à carência do benefício requerido (180 meses), não tendo o Instituto-réu conseguido infirmar a validade dos depoimentos prestados e do(s) documento(s) trazidos.
Para comprovar suas alegações, a parte autora apresentou os seguintes documentos: a) CTPS da autora com anotações de trabalho como serviços gerais no período de 01/08/1994 a 22/09/1994, serviços gerais na agricultura em 10/10/1994 a 23/09/1996, serviços gerais na Fazenda Boa Sorte no período de 01/10/1996 a 30/12/1997; b) CTPS com anotações como motorista em diversas fazendas em 02/82 a 04/85, 05/88 a 05/89, 04/90 a 08/90; Motorista II para a Usina Delta S/A - Açucar e Alcool; motorista canavieiro em 04/98 a 12/98, 04/99 a 11/2002; motorista de caminhão pipa em Fazendas em 04/2003 a 12/2012 e 03/2012 e sem data de saída.
O CNIS juntado aos autos à fl. 33/34 demonstra que a autora possui anotações como contribuinte individual no período de 05/2012 a 08/2013.
O conceito de trabalhador rural está inserto na Lei nº 5.889/73, cujo art. 2º estabelece que:
"Empregado rural é toda pessoa física que, em propriedade rural ou prédio rústico, presta serviços de natureza não eventual a empregador rural, sob a dependência deste e mediante salário." |
Da leitura do comando normativo em comento verifico que os trabalhadores que exercem a função de tratorista, motorista, capataz ou fiscal rurícola, em veículos da empresa agrícola, não foram excluídos do conceito de empregado rural.
A propósito, Francisco Antônio de Oliveira, em sua obra "Consolidação das Leis do Trabalho Comentada", 2ª ed., Ed. Revista dos Tribunais, 2000, pág. 49, em comentário ao art. 7º, da CLT, leciona que:
"É empregado rural , não só o colono, o meeiro, o parceiro, mas também aqueles trabalhadores que de alguma forma concentram seus esforços laborais em prol da finalidade explorada, v.g., tratoristas, motoristas de caminhão, apontadores de horas trabalhadas, capataz , administradores, fiscais, etc." |
Preleciona Sérgio Pinto Martins (Direito do Trabalho, Ed. Atlas, 15ª edição, 2002, pág. 146):
"Na verdade, não é apenas quem presta serviços em prédio rústico ou propriedade rural que será considerado empregado rural. O empregado poderá prestar serviços no perímetro urbano da cidade e ser considerado trabalhador rural. " |
Por conseguinte, também são considerados empregados rurais aqueles que exercem atividades que embora não sejam inerentes a lavoura, refletem diretamente na produção agrária, como se verifica com aqueles que nas fazendas trabalharam como tratoristas, motoristas de caminhão, apontadores de horas trabalhadas pelos rurícolas e produção pelos mesmos, fiscais e administradores, os quais exercem suas funções inteiramente vinculadas à agricultura ou pecuária.
Dessa forma, o empregado que presta seus serviços no campo como tratorista, motorista ou fiscal rurícolas é, nos termos do art. 3º, § 1º, da Lei nº 5.889/73, trabalhador rural.
O que define a condição do empregado, se urbano ou rural, é a atividade que este desenvolve junto à empresa, pouco importando se a empregadora se dedique à industrialização de produtos agrícolas ou o nome do cargo conferido ao trabalhador.
O exercício de atividade urbana em pequeno período, principalmente aquele exercido na entressafra, não constitui óbice ao reconhecimento do labor rural.
Os documentos colacionados pela parte autora constituem início razoável de prova material de que ela trabalhava nas lides campesinas.
Por sua vez, a prova testemunhal produzida nos autos evidenciou de forma segura e induvidosa o labor rural da parte autora.
A testemunha Alice Faquim de Moraes declarou que conhece a autora há 40 (quarenta) anos. Trabalharam sem registro para diversos empreiteiros (Cida, Paulino japonês, Joãozinho (já falecido), etc. Trabalhou com a autora até há 03 (três) anos atrás na quebra de milho, no cultivo de tomate, tiravam "tendão". Trabalharam nas fazendas Buritizinho, Jacirema, Mamão, Cabeça de Boi, Santa Barbara. O marido trabalhava como tratorista. Não sabe se a autora exerceu qualquer atividade urbana.
A testemunha Delcides Dias Sbrolio afirmou que conhece a autora há 30 (trinta) anos. Trabalhou nas fazendas Cabeça de Boi, Santa Barbara, Jacirema, entre outras. Quebravam milho, trabalhavam no cultivo de arroz. Trabalharam para Cida, Paulinho, Ivo, Nezão e outros. Trabalhou com a autora até 03 (três) anos atrás.
Assim sendo, o início de prova material, corroborado por robusta e coesa prova testemunhal, comprova a atividade campesina exercida pela parte autora.
CONCLUSÃO
Desse modo, presentes os pressupostos legais para a concessão do benefício, vez que implementado o requisito da idade e demonstrado o exercício da atividade rural, por período equivalente ao da carência exigida pelo artigo 142 da Lei nº 8213/91, a procedência do pedido era de rigor.
Vale destacar que a inconstitucionalidade do critério de correção monetária introduzido pela Lei nº 11.960/2009 foi declarada pelo Egrégio STF, ocasião em que foi determinada a aplicação do IPCA-e (RE nº 870.947/SE, repercussão geral).
Tal índice deve ser aplicado ao caso, até porque o efeito suspensivo concedido em 24/09/2018 pelo Egrégio STF aos embargos de declaração opostos contra o referido julgado para a modulação de efeitos para atribuição de eficácia prospectiva, surtirá efeitos apenas quanto à definição do termo inicial da incidência do IPCA-e, o que deverá ser observado na fase de liquidação do julgado.
Apesar da recente decisão do Superior Tribunal de Justiça (REsp repetitivo nº 1.495.146/MG), que estabelece o INPC/IBGE como critério de correção monetária, não é o caso de adotá-lo, porque em confronto com o julgado acima mencionado.
Assim, se a sentença não fixou os critérios de juros de mora e correção monetária a serem observados, pode esta Corte fazê-lo, inclusive de ofício, para adequar o julgado ao entendimento do Egrégio STF, em sede de repercussão geral.
Para o cálculo dos juros de mora e correção monetária, aplicam-se, até a entrada em vigor da Lei nº 11.960/2009, os índices previstos no Manual de Orientação de Procedimentos para os Cálculos da Justiça Federal, aprovado pelo Conselho da Justiça Federal; e, após, considerando a natureza não-tributária da condenação, os critérios estabelecidos pelo C. Supremo Tribunal Federal, no julgamento do RE nº 870.947/SE, realizado em 20/09/2017, na sistemática de Repercussão Geral.
De acordo com a decisão do Egrégio STF, os juros moratórios serão calculados segundo o índice de remuneração da caderneta de poupança, nos termos do disposto no artigo 1º-F da Lei 9.494/97, com a redação dada pela Lei nº 11.960/2009; e a correção monetária, segundo o Índice de Preços ao Consumidor Amplo Especial - IPCA-E.
Ante o exposto, nego provimento ao recurso do INSS e determino, de ofício, a aplicação de juros de mora e correção monetária nos termos acima expendidos.
É o voto.
INÊS VIRGÍNIA
Desembargadora Federal Relatora
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| Data e Hora: | 11/10/2018 15:51:39 |
