
| D.E. Publicado em 07/12/2017 |
EMENTA
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Sétima Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, negar provimento à apelação da parte autora, mantendo íntegra a r. sentença de primeiro grau, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Desembargador Federal
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APELAÇÃO CÍVEL Nº 0049257-28.2012.4.03.9999/SP
RELATÓRIO
O EXCELENTÍSSIMO SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL CARLOS DELGADO (RELATOR):
Vistos em Autoinspeção.
Trata-se de apelação interposta por CÉLIA APARECIDA SILVA, em ação ajuizada em face do INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS, objetivando a concessão de aposentadoria por idade rural, nos termos do art. 39, art. 48, §§ 1º e 2º, e art. 143 da Lei 8.213/91, mediante o reconhecimento de sua condição de trabalhador rural diarista (boia-fria).
A r. sentença de fls. 63/63vº, que acolheu a preliminar de falta de interesse de agir e indeferiu a petição inicial, extinguindo o processo sem resolução de mérito, foi anulada, nos termos da decisão monocrática de fls. 80/82vº, que deu provimento à apelação da autora (fls. 66/74).
Após o regular processamento do feito, sobreveio a r. sentença de fls. 104/106, que julgou improcedente o pedido inicial, condenando a autora no pagamento da verba honorária fixada em 10% (dez por cento) sobre o valor da causa, respeitadas as isenções legais que por ventura goze.
Nas razões de apelação das fls. 113/123, pugna a parte autora pela reforma da sentença, ao fundamento de que comprovou a atividade campesina na condição de trabalhadora rural diarista (volante ou boia-fria), desde criança na companhia dos pais, e com o marido, após ter formado família com ele. Argumenta que o conjunto probatório não foi corretamente valorado e que o breve período de 2 meses, de labor urbano, registrado na base de dados do CNIS, não descaracteriza sua condição. Requer seja julgada procedente a demanda, com a inversão do ônus sucumbencial.
Sem contrarrazões do INSS.
Devidamente processado o recurso, foram os autos remetidos a este Tribunal Regional Federal.
Foi deferida a prioridade de tramitação requerida, ante a comprovação de diagnóstico de doença grave, assim identificada nos termos do art. 6º, XIV, da Lei 7.713/88 (fl. 141).
É o relatório.
VOTO
O EXCELENTÍSSIMO SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL CARLOS DELGADO (RELATOR):
A aposentadoria por idade do trabalhador rural encontra previsão nos artigos 39, inc. I, 48, §§ 1º, 2º e 3º, e 143 da Lei 8.213/91 (LBPS), in verbis:
Após as alterações introduzidas pela Emenda Constitucional nº 20/98, esse direito está consagrado nos termos do art. 201, § 7º, inciso II, in verbis:
Destarte, o art. 39 da Lei 8.213/91 prevê os benefícios devidos ao segurado especial. Assim como o § 2º do art. 48, estabelece, ainda, que para a obtenção da aposentadoria por idade, o segurado especial deverá comprovar o exercício de atividade rural, ainda que de forma descontínua, no período imediatamente anterior ao requerimento do benefício, igual ao número de meses correspondentes à carência, conforme preceitua o artigo 39, inciso I, da lei mencionada. Em outras palavras, não é exigido o cumprimento de carência do segurado especial, mas o efetivo exercício de atividade rural, na forma especificada no dispositivo em comento.
Ressalto o entendimento firmado pela 1ª Seção do C. Superior Tribunal de Justiça, por ocasião do julgamento do REsp nº 1.348.633/SP, adotando a sistemática do artigo 543-C do Código de Processo Civil de 1973, inclusive objeto do enunciado de Súmula n.º 577, no sentido de que é possível o reconhecimento de tempo de serviço rural exercido em momento anterior ou posterior àquele retratado no documento mais antigo juntado aos autos como início de prova material, mas desde que tal período venha delineado em prova testemunhal idônea e robusta.
Quanto ao ponto, também restou assentado pela 1ª Seção do C. Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do REsp nº 1.321.493/SP, em sede de recurso representativo de controvérsia, que é possível o abrandamento da prova para configurar tempo de serviço rural dos trabalhadores rurais denominados "boias-frias", considerando a inerente dificuldade probatória da condição de trabalhador campesino, sendo, para tanto, imprescindível a apresentação de início de prova material sobre parte do lapso temporal pretendido, a ser complementada por idônea e robusta prova testemunhal.
Ainda, há remansosa jurisprudência no sentido de ser extensível à mulher a condição de rurícola nos casos em que os documentos apresentados, para fins de comprovação da atividade campesina, indiquem o marido como trabalhador rural (confira-se: STJ, 3ª Seção, EREsp 1.171.565, relator Ministro Nefi Cordeiro, DJe 05.03.2015).
Em complementação ao tema, a 1ª Seção do C. Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do REsp nº 1.304.479/SP, sob o rito do artigo 543-C do CPC/1973, entendeu que o trabalho urbano de um dos membros do grupo familiar não descaracteriza, por si só, os demais integrantes como segurados especiais, devendo ser averiguada a dispensabilidade do trabalho rural para a subsistência do grupo familiar, sendo que, em exceção a essa regra geral, tem-se que a extensão de prova material em nome de um integrante do núcleo familiar a outro não é possível quando aquele passa a exercer trabalho incompatível com o labor rurícola, como o de natureza urbana.
A efetiva necessidade de comprovação da atividade rural exercida imediatamente antes da implementação do requisito etário ou do requerimento do benefício era questão controversa, que somente foi sedimentada pelo c. Superior Tribunal de Justiça em 09/09/2015, com o julgamento do REsp nº 1.354.908/SP, sob a sistemática dos recursos repetitivos representativos de controvérsia, verbis:
Com a edição das Leis 8.212/91 e 8.213/91, portanto, as disposições constitucionais sobre os trabalhadores rurais ganharam contornos mais definidos, ficando clara a existência das seguintes categorias: empregado rural, trabalhador avulso, autônomo rural e segurado especial.
O conceito de segurado especial é dado pelo artigo 11, inciso VII, da Lei 8.213/91, como sendo a pessoa física residente no imóvel rural ou em aglomerado urbano ou rural próximo a ele que, individualmente ou em regime de economia familiar, exerça as atividades campesinas elencadas em suas alíneas. A Lei 11.718, de 20 de junho de 2008, estendeu ao seringueiro ou extrativista vegetal (que labore na forma do art. 2º, caput, inciso XII da Lei 9.985/2000), bem como ao pescador artesanal ou a este assemelhado a condição de segurado especial.
O § 1º do artigo 11 da Lei 8.213/91 define o regime de economia familiar. É possível ao segurado especial valer-se de empregados contratados, em épocas de safra, por no máximo 120 (cento e vinte) dias, nos termos do § 7º do artigo acima referido. Por outro laudo, o § 8º descreve determinadas atividades que não descaracterizam a condição de segurado especial, enquanto que os incisos do § 9º trazem um rol dos rendimentos que podem ser auferidos por membro do grupo familiar, sem que este perca sua condição de segurado especial.
Por outro lado, com a edição das Leis 8.212/91 e 8.213/91, o empregado rural, o trabalhador avulso e o autônomo rural, passaram a ser segurados obrigatórios do RGPS, devendo verter contribuições à Previdência Social. Assim, esses trabalhadores rurais têm direito à mesma cobertura devida aos trabalhadores urbanos, nos moldes exigidos pela legislação previdenciária, ou seja, comprovação da carência mínima.
O período de carência exigido é de 180 (cento e oitenta) contribuições mensais (art. 25, II, da Lei 8.213/91), observadas as regras de transição previstas no art. 142, da referida Lei.
Passo ao exame do labor rural.
Cumpre ressaltar que o art. 55, § 3º, da Lei de Benefícios estabelece que a comprovação do tempo de serviço somente produzirá efeito quando baseada em início de prova material, não sendo admitida prova exclusivamente testemunhal. Nesse sentido foi editada a Súmula nº 149, do C. Superior Tribunal de Justiça:
A exigência de documentos comprobatórios do labor rural para todos os anos do período que se pretende reconhecer é descabida. Sendo assim, a prova documental deve ser corroborada por prova testemunhal idônea, com potencial para estender a aplicabilidade daquela. Esse o raciocínio que prevalece nesta Eg. 7ª Turma e no Colendo STJ:
Observo, ainda, que tais documentos devem ser contemporâneos ao período que se quer ver comprovado, no sentido de que tenham sido produzidos de forma espontânea, no passado.
É pacifico o entendimento no sentido de ser dispensável o recolhimento das contribuições para fins de obtenção de benefício previdenciário, desde que a atividade rural tenha se desenvolvido antes da vigência da Lei nº 8.213/91, como se pode observar nos seguintes precedentes:
Como se verifica nas informações constantes na base de dados do CNIS, que fazem parte da presente decisão, a autora não estava inscrita na Previdência Social Urbana antes de 24/07/1991.
Logo, na ausência de comprovação de inscrição na Previdência Social Urbana até 24/07/1991, para poder valer-se da regra prevista no art. 142 da Lei 8.213/91, a autora deverá comprovar que estava coberta pela Previdência Social Rural.
No entanto, por ter completado 55 (cinquenta e cinco) anos de idade em 15/12/2011, cumprindo o requisito etário no ano de 2011, a carência mínima a ser comprovada será, igualmente, de 180 (cento e oitenta) meses, como se verifica na tabela do art. 142 da citada lei.
Feitas estas considerações, verifico que a autora, nascida em 15/12/1956, completou 55 (cinquenta e cinco) anos de idade em 15/12/2011, cumprindo, assim, o requisito etário para a aposentação por idade dos trabalhadores rurais no ano de 2011, sendo necessária a comprovação, ainda que de forma descontínua, da atividade rural exercida pelo período de 180 (cento e oitenta) meses (ainda que observadas as regras de transição previstas no art. 142 da Lei 8.213/91) imediatamente anteriores ao referido ano, isto é, entre 1996 e 2011.
A fim de comprovar a atividade rural, coligiu aos autos os seguintes elementos de prova:
a) Cópia da Certidão de Casamento, em que JOSÉ CARLOS FERNANDES, marido da autora, aparece qualificado como trabalhador rural por ocasião da celebração do matrimônio, em 29 de dezembro de 1988 (fl. 17);
b) Cópia do Título de Eleitor de JOSÉ CARLOS FERNANDES, marido da autora, expedido em 06/08/1976, em que o autor aparece qualificado como lavrador (fl. 18);
c) Cópia do Certificado de Dispensa de Incorporação de JOSÉ CARLOS FERNANDES, marido da autora, expedido em 03/01/1974, com validade até 1976, constando qualificado como lavrador, tendo sido dispensado do Serviço Militar Inicial em 31/12/1973, por residir em município não tributário (fl. 19);
d) Cópia da Certidão de Nascimento de sua filha Edicléia Aparecida da Silva Fernandes, em que JOSÉ CARLOS FERNANDES, pai da criança, aparece qualificado como trabalhador rural, em 27 de janeiro de 1983 (fl. 20);
e) Cópia da Certidão de Nascimento de seu filho Ednelson Josué Fernandes, em que JOSÉ CARLOS FERNANDES, pai da criança, aparece qualificado como trabalhador rural, em 16 de setembro de 1988 (fl. 21);
Como foi dito anteriormente, a exigência de documentos comprobatórios do labor rural para todos os anos do período que se pretende reconhecer é descabida. Tais documentos devem ser contemporâneos ao período que se quer ver comprovado, no sentido de que tenham sido produzidos de forma espontânea, no passado, nos moldes do que se verifica no caso dos autos, sendo que os documentos em nome do marido da autora reconhecem a qualificação de lavrador deste, sendo admitida a eventual extensão desse reconhecimento em favor da autora, desde que corroborada pelas demais provas dos autos.
Por oportuno, destaco trecho do voto condutor da relatora Desembargadora Federal Marisa Santos, no julgamento proferido, em 22/06/2017, à unanimidade desta 3ª Seção, com relação à Ação Rescisória n.º 2015.03.00.004818-6:
De outra parte, é pacífico o entendimento jurisprudencial no sentido de que a prova testemunhal idônea, tem potencial para ampliar o período do labor documentalmente demonstrado.
No entanto, no caso dos autos, isso não ocorreu, uma vez que o período abrangido pelos depoimentos vai de 1983 até 2011, sendo unânime a afirmação de que a autora parou de trabalhar havia 2 anos, desde que adoeceu (em 2011), como se verifica da leitura dos depoimentos que foram genéricos, vagos e imprecisos, colhidos em audiência realizada em 10 de junho de 2013, a seguir transcritos:
Sonia Aparecida Cubas de Oliveira, respondendo às perguntas formuladas, respondeu que: 'Conhece a autora há muito anos, desde que ela se casou (desde 1988, portanto). A depoente trabalhou por muitos anos com a autora na lavoura. Trabalharam para Lazinho Alves, Kiko e na Cutrale. A requerente trabalhou a vida toda na lavoura, por dia, em colheitas de laranja e milho. A autora está doente e parou de trabalhar há dois anos.' Às perguntas do advogado da autora, respondeu: 'O marido da autora também trabalhava na lavoura. A depoente trabalhou com a autora durante mais de 15 anos.' Nada mais (fl. 99).
Maria Antonia Barros de Moura, a seu turno, às perguntas formuladas, respondeu que: 'Conhece a autora há mais de trinta anos (portanto, ao menos desde 1983). Ela sempre trabalhou em serviços de roça, em colheitas de laranja e outras lavouras. A autora trabalhava por dia. A autora está doente e parou de trabalhar há dois anos. O marido da autora também trabalhava na lavoura.' Nada mais (fl. 100).
Consideradas as provas materiais, verifica-se que há documentos que atestam a condição de trabalhador rural do marido da autora nos períodos de 1973, 1974, 1976, 1983 e 1988.
No entanto, somente os documentos relativos aos períodos de 1983 e 1988 (Certidões de Nascimento dos filhos e Certidão de Casamento) poderiam ser utilizados para estender a qualidade de rurícola do marido à autora, pois embora o marido já residisse em Capela do Alto, em 1976, não houve comprovação de que a união estável entre eles, presumida desde o período de 9 (nove) meses que antecede à data do nascimento da primeira filha do casal (em 27/01/1983), remontasse até o ano de 1976.
De outro giro, o INSS colacionou aos autos as informações constantes na base de dados do CNIS em nome de seu marido (fls. 44/46), verificando-se o registro de sua admissão, num vínculo laboral urbano em 01/04/1977, sem que tenha sido lançado o seu desligamento. A seguir, consta o registro do vínculo laboral para a Prefeitura de Capela do Alto, de 01/12/2001 até 03/05/2002, na função de servente de obras, atividade tipicamente urbana.
Com relação às informações constantes da base de dados do CNIS relativas à autora, colacionadas pelo INSS (fls. 37/46), demonstrando que esta teve vínculo laboral urbano, junto à Lopesco Indústria de Subprodutos Animais Ltda, entre 14/10/1991 e 02/12/1991, menos de 2 meses.
Muito embora não haja esclarecimentos sobre a natureza da atividade desempenhada pela autora, trata-se de um curto período de menos de 2 meses, que eventualmente poderia ser similar e compatível com a atividade de 'boia-fria', desempenhada antes e depois desse vínculo laboral.
Conforme supramencionado, os curtos períodos anuais de atividade urbana são compatíveis com períodos posteriores à época de colheita e anteriores a de semeadura, conforme premissa fundada em máximas de experiência, subministradas pela observação do que ordinariamente acontece.
Em consulta às informações constantes da base de dados do CNIS, anexas à presente decisão, verifica-se que a autora verteu contribuições, na condição de contribuinte facultativo, de 01/05/2001 até 30/09/2002, ou seja, período praticamente simultâneo ao período em que seu marido laborou para a Prefeitura de Capela do Alto, acima descrito.
No caso concreto seria imprescindível que a autora tivesse apresentado início de prova material em nome próprio, a fim de, em conjunto com outros meios probatórios (como a prova oral), demonstrar que permaneceu no mourejo rural por todo o período equivalente à carência do benefício e imediatamente anterior ao cumprimento do requisito etário, para sua aposentação.
Desse modo, considerando que a atividade rural supostamente exercida pela autora está baseada em prova exclusivamente testemunhal, sem início de prova material suficiente para o período exigido, não reconheço a comprovação do exercício de atividade rural no período imediatamente anterior ao da implementação do requisito etário, entre 1996 e 2011, e equivalente à carência de 180 (cento e oitenta) meses.
Ausente, portanto, o cumprimento de um requisito essencial à concessão do benefício vindicado, nos termos do já citado julgado do C. STJ (REsp nº 1.354.908/SP), que estabeleceu, sob a sistemática dos recursos representativos de controvérsia repetitiva, a necessidade da demonstração do exercício da atividade campesina em período imediatamente anterior ao implemento do requisito etário.
Ante a ausência de cumprimento dos requisitos para a obtenção do benefício de aposentadoria por idade rural, é de rigor o indeferimento do benefício e a improcedência da demanda.
Portanto, não merece reparos a sentença recorrida.
Ante o exposto, nego provimento à apelação da parte autora, mantendo íntegra a r. sentença de primeiro grau.
É como voto.
CARLOS DELGADO
Desembargador Federal
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| Data e Hora: | 28/11/2017 11:42:59 |
