
9ª Turma
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5063364-40.2022.4.03.9999
RELATOR: Gab. 30 - DES. FED. CRISTINA MELO
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: MARIA JOSE DOS SANTOS
Advogado do(a) APELADO: EMIL MIKHAIL JUNIOR - SP92562-N
OUTROS PARTICIPANTES:
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5063364-40.2022.4.03.9999
RELATOR: Gab. 30 - DES. FED. CRISTINA MELO
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: MARIA JOSE DOS SANTOS
Advogado do(a) APELADO: EMIL MIKHAIL JUNIOR - SP92562-N
R E L A T Ó R I O
A EXCELENTÍSSIMA DESEMBARGADORA FEDERAL CRISTINA MELO: Trata-se de apelação interposta pelo INSS contra sentença de procedência (ID 261695862 - Pág. 6), proferida nos seguintes termos:
“JULGO PROCEDENTE o pedido formulado por MARIA JOSÉ DOS SANTOS em face de INSTITUTO NACIONAL DE SEGURO SOCIAL (INSS), com fundamento no artigo 487, I, do Código de Processo Civil para DETERMINAR à autarquia que averbe nos assentamentos da autora, para todos os fins legais, o período de labor rural exercido entre 23/02/1981 até a data do requerimento administrativo (13/11/2019- fls. 127/129). Em consequência, CONDENO ré a conceder à parte autora o benefício de aposentadoria por idade rural, retroagindo os efeitos desta decisão até a data do requerimento administrativo, observada a prescrição quinquenal”.
Em síntese, a Autora, ora Apelada, Maria José dos Santos, moveu ação em face do INSS objetivando concessão de aposentadoria por idade rural, sob alegação de exercício da atividade campesina pelo período exigido, bem como preenchimento do requisito etário.
Sustenta o INSS, preliminarmente, falta de interesse de agir em razão de inércia da parte autora no que tange ao não cumprimento de exigência no processo administrativo junto ao INSS. Requereu, ainda, fixação do termo inicial na data da citação e a não condenação da autarquia em honorários advocatícios.
Embargos de declaração recebidos e provido nos seguintes termos:
"Indefiro o pedido de antecipação dos efeitos da tutela, tendo em vista que não ficou demonstrado que o aguardo do trânsito em julgado poderá causar risco de dano grave ou de difícil reparação".
Sem contrarrazões, os autos foram remetidos a esta E. Corte Regional.
É O RELATÓRIO.
9ª Turma
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5063364-40.2022.4.03.9999
RELATOR: Gab. 30 - DES. FED. CRISTINA MELO
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: MARIA JOSE DOS SANTOS
Advogado do(a) APELADO: EMIL MIKHAIL JUNIOR - SP92562-N
OUTROS PARTICIPANTES:
V O T O
A EXCELENTÍSSIMA DESEMBARGADORA FEDERAL CRISTINA MELO (RELATORA): Tempestivo o recurso e preenchidos os demais requisitos de admissibilidade, passo ao exame da matéria devolvida a esta Corte.
Pois bem. O benefício de aposentadoria por idade a trabalhador rural encontra-se disposto nos arts. 39, inciso I; 48, §§ 1º e 2º; e 143 da Lei nº 8.213/91 e regulamentado pelo art. 56 do RPS (redação dada pelo Decreto nº 10.410/2020).
O § 1 da Lei de Benefícios propiciou eficácia a regra constitucional disciplinada no inciso I do art. 202 da CF, a qual reduziu exigência etária em 5 anos para trabalhadores rurais, ou seja, idade mínima de 60 anos para o homem e de 55 anos para a mulher.
Cabe esclarecer que a distinção na idade foi mantida pela EC nº 103/2019, com a nova redação ao art. 201, § 7º, II, mantendo-se a exigência etária para essa aposentadoria voltada aos trabalhadores rurais e aos que exerçam suas atividades em regime de economia familiar, nestes incluídos o produtor rural, o garimpeiro e o pescador artesanal.
Além do requisito etário, é imprescindível a comprovação do exercício de atividade rural, ainda que de forma descontínua, no período imediatamente anterior ao requerimento do benefício ou ao implemento da idade exigida, em número de meses igual à carência, nos termos do disposto no art. 142 da Lei 8.213/91.
No que tange ao cumprimento de carência pelo trabalhador rural (art. 26, inciso III), cumpre destacar que não se exige o recolhimento de contribuição previdenciária por determinado número de meses, mas a comprovação do exercício da atividade rural durante o respectivo período (STJ, AgInt no REsp n. 1.793.400/RS, relator Ministro Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, julgado em 6/6/2019, DJe de 17/6/2019; REsp n. 502.817/SC, relatora Ministra Laurita Vaz, Quinta Turma, julgado em 14/10/2003, DJ de 17/11/2003, p. 361; REsp n. 207.425/SP, relator Ministro Jorge Scartezzini, Quinta Turma, julgado em 21/9/1999, DJ de 25/10/1999, p. 123).
No que concerne a comprovação da atividade rural, a Lei 8.213/91, bem como a jurisprudência consolidada do C. Superior Tribunal de Justiça exigem início de prova material. Sendo, pois, a prova exclusivamente testemunhal insuficiente para tal finalidade. Trata-se de matéria, já sumulada pela Corte Superior, no enunciado de nº 149:
“A prova exclusivamente testemunhal não basta a comprovação da atividade rurícola, para efeito da obtenção de benefício previdenciário”.
Cumpre ressaltar que o Poder Judiciário não está adstrito ao rol de documentos, enumerados pelo artigo 106 da Lei 8.213/91 (STJ, AgRg no REsp n. 847.712/SP, relator Ministro Gilson Dipp, Quinta Turma, julgado em 3/10/2006, DJ de 30/10/2006, p. 409.).
Destaca-se, ainda, que não é necessário, conforme preceitos da súmula 14 da TNU, que a parte autora tenha um documento para cada ano do período de carência, bastando que os anos em que não existem tais documentos sejam relativamente próximos daqueles que contêm início de prova material. Ademais, a Corte Superior, no julgamento dos REsp´s 1348633/SP, 1348130/SP e 1348382/SP, submetidos ao regime dos recursos repetitivos, firmou orientação na possibilidade de reconhecimento de tempo de serviço rural anterior ao documento mais antigo, desde que amparado por convincente prova testemunhal, colhida sob o contraditório (Tema 638):
PREVIDENCIÁRIO. RECURSO ESPECIAL REPRESENTATIVO DA CONTROVÉRSIA. APOSENTADORIA POR TEMPO DE SERVIÇO. ART. 55, § 3º, DA LEI 8.213/91. TEMPO DE SERVIÇO RURAL. RECONHECIMENTO A PARTIR DO DOCUMENTO MAIS ANTIGO. DESNECESSIDADE. INÍCIO DE PROVA MATERIAL CONJUGADO COM PROVA TESTEMUNHAL. PERÍODO DE ATIVIDADE RURAL COINCIDENTE COM INÍCIO DE ATIVIDADE URBANA REGISTRADA EM CTPS. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO.1. A controvérsia cinge-se em saber sobre a possibilidade, ou não, de reconhecimento do período de trabalho rural anterior ao documento mais antigo juntado como início de prova material.2. De acordo com o art. 400 do Código de Processo Civil "a prova testemunhal é sempre admissível, não dispondo a lei de modo diverso". Por sua vez, a Lei de Benefícios, ao disciplinar a aposentadoria por tempo de serviço, expressamente estabelece no § 3º do art. 55 que a comprovação do tempo de serviço só produzirá efeito quando baseada em início de prova material, "não sendo admitida prova exclusivamente testemunhal, salvo na ocorrência de motivo de força maior ou caso fortuito, conforme disposto no Regulamento" (Súmula 149/STJ).3. No âmbito desta Corte, é pacífico o entendimento de ser possível o reconhecimento do tempo de serviço mediante apresentação de um início de prova material, desde que corroborado por testemunhos idôneos. Precedentes.4. A Lei de Benefícios, ao exigir um "início de prova material", teve por pressuposto assegurar o direito à contagem do tempo de atividade exercida por trabalhador rural em período anterior ao advento da Lei 8.213/91 levando em conta as dificuldades deste, notadamente hipossuficiente.5. Ainda que inexista prova documental do período antecedente ao casamento do segurado, ocorrido em 1974, os testemunhos colhidos em juízo, conforme reconhecido pelas instâncias ordinárias, corroboraram a alegação da inicial e confirmaram o trabalho do autor desde 1967.6. No caso concreto, mostra-se necessário decotar, dos períodos reconhecidos na sentença, alguns poucos meses em função de os autos evidenciarem os registros de contratos de trabalho urbano em datas que coincidem com o termo final dos interregnos de labor como rurícola, não impedindo, contudo, o reconhecimento do direito à aposentadoria por tempo de serviço, mormente por estar incontroversa a circunstância de que o autor cumpriu a carência devida no exercício de atividade urbana, conforme exige o inc. II do art. 25 da Lei 8.213/91.7. Os juros de mora devem incidir em 1% ao mês, a partir da citação válida, nos termos da Súmula n. 204/STJ, por se tratar de matéria previdenciária. E, a partir do advento da Lei 11.960/09, no percentual estabelecido para caderneta de poupança. Acórdão sujeito ao regime do art. 543-C do Código de Processo Civil.
Ademais, frise-se que no julgamento do REsp 1354908/SP, o Superior Tribunal de Justiça decidiu que a atividade rural deve ser comprovada no período imediatamente anterior ao requerimento, ressalvada a hipótese de direito adquirido (Tema 642):
PROCESSUAL CIVIL E PREVIDENCIÁRIO. RECURSO ESPECIAL REPRESENTATIVO DA CONTROVÉRSIA. APOSENTADORIA POR IDADE RURAL. COMPROVAÇÃO DA ATIVIDADE RURAL NO PERÍODO IMEDIATAMENTE ANTERIOR AO REQUERIMENTO. REGRA DE TRANSIÇÃO PREVISTA NO ARTIGO 143 DA LEI 8.213/1991. REQUISITOS QUE DEVEM SER PREENCHIDOS DE FORMA CONCOMITANTE. RECURSO ESPECIAL PROVIDO.1. Tese delimitada em sede de representativo da controvérsia, sob a exegese do artigo 55, § 3º combinado com o artigo 143 da Lei 8.213/1991, no sentido de que o segurado especial tem que estar laborando no campo, quando completar a idade mínima para se aposentar por idade rural, momento em que poderá requerer seu benefício. Se, ao alcançar a faixa etária exigida no artigo 48, § 1º, da Lei 8.213/1991, o segurado especial deixar de exercer atividade rural, sem ter atendido a regra transitória da carência, não fará jus à aposentadoria por idade rural pelo descumprimento de um dos dois únicos critérios legalmente previstos para a aquisição do direito. Ressalvada a hipótese do direito adquirido em que o segurado especial preencheu ambos os requisitos de forma concomitante, mas não requereu o benefício.2. Recurso especial do INSS conhecido e provido, invertendo-se o ônus da sucumbência. Observância do art. 543-C do Código de Processo Civil.
Do caso dos autos
Inicialmente, afasto a preliminar de falta de interesse processual, tendo em vista que a parte instruiu o requerimento administrativo com diversos documentos aptos para fins de início de prova material no que tange ao labor rural, conforme depreende-se da análise dos autos (ID Num. 261695741 - Págs. 1 e 2). Ademais, em que pese tenha alegado indeferimento em razão da impossibilidade de análise do pedido e ausência de cumprimento de exigência pela parte requerente, a comunicação de decisão (ID 261695792 - Pág. 36) destacou como motivo a falta dos requisitos previstos.
Afastada a preliminar, passo à análise do mérito.
Conforme disposto no § 1º do art. 48 da Lei nº 8.213/91, a aposentadoria por idade de rurícola reclama idade mínima de 60 anos, se homem, e 55 anos, se mulher. Assim, de pronto, verifica-se o cumprimento pela parte autora do requisito etário, posto que preencheu a idade mínima à época do requerimento administrativo ( ID 261695677 - Pág. 2), incumbindo-lhe, pois, demonstrar atividade campestre por 180 meses.
Para demostrar o direito à benesse pleiteada, a parte juntou documentos, dentre os quais destacam-se:
-Título de domínio sobre gleba do genitor da requerente, datada de 1986;
-Cópia de certidão de contribuição em que consta o pai da parte autora como produtor rural, datada de 2006;
-Notas fiscais de venda de produtos agropecuários datadas de 1986, 1988, 1992, 1999, 2000, 2002, 2003, 2005, 2006, 2007, 2008, 2009, 2010, 2011, 2013, 2014 em nome do genitor da autora;
-Autodeclaração de segurado especial em nome da requerente, correspondente ao período de 23/02/1981 a 08/03/2021.
Na forma da súmula 14 da TNU: “Para a concessão de aposentadoria rural por idade, não se exige que o início de prova material, corresponda a todo o período equivalente à carência do benefício”. Ademais, em razão da realidade do exercício de tal atividade, não há um rigor no que tange à comprovação desta. Ainda, destaca-se o entendimento do STJ na possibilidade de reconhecer documentos de terceiros integrantes do grupo familiar.
Assim, depreende-se do caso em tela, início de prova material suficiente e contundente, portanto, de rigor o deferimento de benefício, porquanto comprovado o exercício da atividade rural pelo período da carência legalmente exigido, bem como o exercício em período imediatamente anterior ao implemento do requisito etário, conforme estabelecido pelo Colendo Superior Tribunal de Justiça no julgamento do RESP n. º 1.354.908/SP.
Cabe ressaltar, ainda, que os depoimentos testemunhais foram firmes e convincentes no sentido de afirmação do exercício de atividade campesina pela requerente no período de carência exigido pela lei, bem como da permanência do labor rural nos dias atuais.
A testemunha Cícero afirma que conhece a requerente desde quando esta possuía 12 anos de idade, confirmou o exercício da atividade campesina desta junto a família e, ainda, ressaltou que o labor rural continua até os dias atuais. No mesmo sentido, a testemunha José Ramalho, quem alegou que conhece a requerente desde criança e que sempre a viu trabalhando junto com os pais nas atividades rurícolas. Por fim a testemunha João Batista, quem corroborou as alegações dos demais e pontuou que a requerente ajudava, especialmente nas colheitas de feijão, milho e algodão.
Destarte, devido a concessão do benefício pleiteado. A data de início deste é, por força do inciso II, do artigo 49 da Lei nº 8.213/91, a data da entrada do requerimento administrativo.
No tocante a correção monetária e os juros de mora serão aplicados de acordo com Manual de Cálculos da Justiça Federal vigente à época da liquidação.
Desprovido o recurso do INSS, cabível a majoração dos honorários em grau recursal, os quais majoro em 2%, em observância aos critérios do art. 85, §2º c.c. §11º do CPC.
Ante o exposto, nego provimento à apelação do INSS, nos termos da fundamentação.
É o voto.
E M E N T A
PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR IDADE RURAL. COMPROVAÇÃO DO TRABALHO RURAL PELO PERÍODO EXIGIDO NA LEGISLAÇÃO. REQUISITOS PREENCHIDOS.
Na forma da súmula 14 da TNU: “Para a concessão de aposentadoria rural por idade, não se exige que o início de prova material, corresponda a todo o período equivalente à carência do benefício”. Ademais, em razão da realidade do exercício de tal atividade, não há um rigor no que tange à comprovação desta, de maneira que nos autos em tela, restou evidente o início de prova material.
De rigor, portanto, o deferimento do benefício, porquanto comprovado o exercício de atividade rural pelo período de carência legalmente exigido, bem como o exercício da atividade campesina em período imediatamente anterior ao implemento do requisito etário, em observância ao estabelecido pelo Colendo Superior Tribunal de Justiça no julgamento do RESP n.º 1.354.908/SP.
Majoração dos honorários em grau recursal.
Não provimento da apelação do INSS.
ACÓRDÃO
DESEMBARGADORA FEDERAL
