Processo
ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL / MS
5003246-74.2017.4.03.9999
Relator(a)
Desembargador Federal MARISA FERREIRA DOS SANTOS
Órgão Julgador
9ª Turma
Data do Julgamento
19/07/2018
Data da Publicação/Fonte
e - DJF3 Judicial 1 DATA: 26/07/2018
Ementa
E M E N T A
PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR IDADE RURAL. CONCESSÃO DO BENEFÍCIO.
CARÊNCIA CUMPRIDA. COMPROVADA A ATIVIDADE RURAL QUANDO DO IMPLEMENTO
DO REQUISITO IDADE. CORREÇÃO MONETÁRIA E JUROS DE MORA. HONORÁRIOS
ADVOCATÍCIOS. CUSTAS.
- Requisitos para concessão da aposentadoria por idade de trabalhador rural nos arts. 142 e 143
da Lei 8213/1991, e, quando segurado especial em regime de economia familiar, nos arts. 39, I, e
142 da mesma lei. Carência nos termos do art. 142.
- Concessão do benefício a partir de 01/01/2011 com base no art. 48 e parágrafos da Lei
8.213/91, com as modificações introduzidas pela Lei 11.718/2008.
- Completada a idade para a aposentadoria por idade rural após 31.12.2010, devem ser
preenchidos os requisitos previstos no art. 48, §§ 1º e 2º, da Lei n. 8.213/91, com a redação que
lhe foi dada pela Lei n. 11.718/2008.
- O segurado pode ter implementado o requisito carência, como definida em lei, pelo trabalho
rural durante o tempo exigido pelo art. 142 da Lei 8.213/91, concomitantemente com o requisito
idade. Nesses casos, tem direito adquirido ao benefício, mesmo se o requerimento administrativo
for em muito posterior ao implemento dos requisitos. O direito à aposentadoria por idade rural,
desde que implementadas as condições para sua aquisição, pode ser exercido a qualquer tempo.
- Em outros casos, o segurado só completa a carência (anos de atividade rural) posteriormente ao
Jurisprudência/TRF3 - Acórdãos
requisito idade. Em tal situação, é necessária a comprovação do trabalho rural quando do
implemento da idade para a configuração do direito à data do requerimento, adquirido apenas em
decorrência de atividade rural posterior ao cumprimento da idade exigida.
- Para que se caracterize tipicamente como rural, com direito à aposentadoria com idade
reduzida, o trabalhador deve, então, comprovar que exerceu atividade rural pelo menos por um
período que, mesmo que descontínuo, some o total correspondente à carência exigida.
- O reconhecimento de trabalho rural exercido na qualidade de diarista ou em regime de
economia familiar depende da apresentação de início de prova material contemporânea aos fatos,
conforme previsto no art. 55, § 3º, da Lei 8.213/91, corroborado por posicionamento
jurisprudencial consolidado na Súmula 149 do STJ, a ser corroborada por prova testemunhal.
- Comprovação por início de prova material e prova testemunhal da condição de rurícola quando
do implemento do requisito idade, nos termos do REsp 1.354.908/SP. Mantida aconcessão do
benefício.
- Correção monetária que será aplicada em conformidade com a Lei n. 6.899/81 e legislação
superveniente, de acordo com o Manual de Orientação de Procedimentos para os Cálculos da
Justiça Federal, observados os termos do julgamento final proferido na Repercussão Geral no RE
870.947, em 20/09/2017.
- O percentual da verba honorária será fixado somente na liquidação do julgado, na forma do
disposto no art. 85, § 4º, II, e § 11, e no art. 86, ambos do CPC/2015, e incidirá sobre as parcelas
vencidas até a data da sentença (Súmula 111 do STJ).
- Isenta a Autarquia Previdenciária do pagamento de custas processuais, nos termos do art. 4º, I,
da Lei Federal 9.289/96 e do art. 6º da Lei 11.608/03, do Estado de São Paulo, e das Leis
1.135/91 e 1.936/98, com a redação dada pelos arts. 1º e 2º da Lei nº 2.185/00, todas do Estado
do Mato Grosso do Sul, não abrangendo as despesas processuais que houver efetuado, bem
como aquelas devidas a título de reembolso à parte contrária, por força da sucumbência.
- Apelação não conhecida de parte e, na parte conhecida, parcialmente provida.
Acórdao
APELAÇÃO (198) Nº 5003246-74.2017.4.03.9999
RELATOR: Gab. 30 - DES. FED. MARISA SANTOS
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: VALDEMAR DE SOUZA SIMOES
Advogado do(a) APELADO: IRENE JESUS DOS SANTOS - MS18239
APELAÇÃO (198) Nº 5003246-74.2017.4.03.9999
RELATOR: Gab. 30 - DES. FED. MARISA SANTOS
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: VALDEMAR DE SOUZA SIMOES
Advogado do(a) APELADO: IRENE JESUS DOS SANTOS - MS18239
R E L A T Ó R I O
A Desembargadora Federal MARISA SANTOS (Relatora):
Ação ajuizada contra o Instituto Nacional do Seguro Social - INSS, para a concessão de
aposentadoria por idade a trabalhador rural.
Concedidos os benefícios da justiça gratuita.
O juiz de primeiro grau julgou procedente o pedido de aposentadoria por idade rural, desde a data
do requerimento na via administrativa, em 12.10.2015, com correção monetária, juros de mora,
desde a data da citação, e honorários advocatícios fixados em 10% das prestações vencidas até
a data da sentença, nos termos da Súmula 111 do STJ. Deferiu, ainda, a antecipação da tutela.
Apela o INSS requerendo a atribuição de efeito suspensivo e, no mérito, sustenta, em síntese,
que a parte autora não preencheu os requisitos necessários para a concessão do benefício
pretendido. Caso o entendimento seja outro, requer a fixação da correção monetária e dos juros
de mora nos termos do artigo 1º-F da Lei 9.494/97, na redação da Lei 11.960/09, a redução dos
honorários advocatícios e a isenção de custas.
Com contrarrazões, subiram os autos.
É o relatório.
APELAÇÃO (198) Nº 5003246-74.2017.4.03.9999
RELATOR: Gab. 30 - DES. FED. MARISA SANTOS
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: VALDEMAR DE SOUZA SIMOES
Advogado do(a) APELADO: IRENE JESUS DOS SANTOS - MS18239
V O T O
A Desembargadora Federal MARISA SANTOS (Relatora):
Conheço parcialmente da apelação do INSS, deixando de analisar o pedido relativo aos juros de
mora, uma vez que a sentença foi proferida exatamente nos termos do inconformismo.
Os requisitos para concessão da aposentadoria por idade de trabalhador rural estão fixados nos
arts. 142 e 143 da Lei 8213/1991, e, quando segurado especial em regime de economia familiar,
nos arts. 39, I, e 142 da mesma lei.
A carência estatuída no art. 25, II, não tem aplicação integral imediata, devendo ser escalonada e
progressiva, na forma estabelecida no art. 142, levando-se em conta o ano em que o segurado
implementou as condições necessárias à obtenção do benefício. Trata-se de regra de transição
destinada àqueles que já estavam no sistema antes da modificação legislativa.
Embora o art. 2º da Lei 11.718/2008 tenha estabelecido que "para o trabalhador rural empregado,
o prazo previsto no art. 143 da Lei nº 8.213, de 24 de julho de 1991, fica prorrogado até o dia 31
de dezembro de 2010", mesmo a partir de 01.01.2011 é possível a concessão do benefício,
contudo, com base em fundamento legal diverso.
A aposentadoria por idade continua sendo devida aos rurícolas, não mais nos termos do art. 143
do PBPS, mas, sim, com fulcro no art. 48 e parágrafos da Lei 8.213/91, com as modificações
introduzidas pela Lei 11.718/2008:
Art. 48. A aposentadoria por idade será devida ao segurado que, cumprida a carência exigida
nesta Lei, completar 65 (sessenta e cinco) anos de idade, se homem, e 60 (sessenta), se mulher.
(Redação dada pela Lei nº 9.032, de 1995).
§ 1º Os limites fixados no caput são reduzidos para sessenta e cinqüenta e cinco anos no caso de
trabalhadores rurais, respectivamente homens e mulheres, referidos na alínea a do inciso I, na
alínea g do inciso V e nos incisos VI e VII do art. 11. (Redação dada pela Lei nº 9.876, de 1999).
§ 2º Para os efeitos do disposto no § 1º deste artigo, o trabalhador rural deve comprovar o efetivo
exercício de atividade rural, ainda que de forma descontínua, no período imediatamente anterior
ao requerimento do benefício, por tempo igual ao número de meses de contribuição
correspondente à carência do benefício pretendido, computado o período a que se referem os
incisos III a VIII do § 9º do art. 11 desta Lei. (Redação dada pela Lei nº 11.718, de 2008).
§ 3º Os trabalhadores rurais de que trata o § 1º deste artigo que não atendam ao disposto no § 2º
deste artigo, mas que satisfaçam essa condição, se forem considerados períodos de contribuição
sob outras categorias do segurado, farão jus ao benefício ao completarem 65 (sessenta e cinco)
anos de idade, se homem, e 60 (sessenta) anos, se mulher. (Incluído pela Lei nº 11.718, de
2008).
§ 4o Para efeito do § 3º deste artigo, o cálculo da renda mensal do benefício será apurado de
acordo com o disposto no inciso II do caput do art. 29 desta Lei, considerando-se como salário-
de-contribuição mensal do período como segurado especial o limite mínimo de salário-de-
contribuição da Previdência Social. (Incluído pela Lei nº 11.718, de 2008).
Nos casos em que o(a) autor(a) completa a idade para a aposentadoria por idade rural após
31.12.2010, já não se submete às regras de transição dos arts. 142 e 143, e deve preencher os
requisitos previstos no art. 48, §§ 1º e 2º, da Lei n. 8.213/91, com a redação que lhe foi dada pela
Lei n. 11.718/2008): 60 (sessenta) anos de idade, se homem, 55 (cinquenta e cinco) anos de
idade, se mulher, tempo de efetiva atividade rural, ainda que de forma descontínua, no período
correspondente à carência exigida para o benefício, isto é, 180 (cento e oitenta) meses, e
imediatamente anterior ao requerimento.
A inicial sustentou que o autor é trabalhador rural, tendo exercido sua atividade em regime de
economia familiar.
A interpretação sistemática da legislação previdenciária permite concluir que a exigência de
comprovação do exercício da atividade no período imediatamente anterior ao do requerimento do
benefício só tem sentido quando ainda não completado o tempo necessário para a concessão, na
forma prevista no art. 142 da Lei 8.213/91. Se a parte deixou as lides rurais após trabalhar pelo
período exigido no art. 143, não tem sentido negar-lhe o benefício. Aplicando o princípio da
uniformidade e equivalência dos benefícios e serviços para populações urbanas e rurais, descrito
no art. 194, II, da Constituição Federal, é de se entender que, à semelhança dos urbanos, a
posterior perda da condição de segurado não obsta à concessão do benefício quando já cumprida
a carência.
Comprovado o exercício da atividade rural, não há que se falar em perda da qualidade de
segurado, uma vez o trabalhador rural deve apenas comprovar os requisitos idade e tempo de
atividade.
O conceito de carência, para o diarista e para o segurado especial, tem sentido peculiar, que se
satisfaz com o exercício da atividade, dispensando o pagamento das contribuições
previdenciárias.
Nesse sentido, a jurisprudência do STJ:
PROCESSUAL CIVIL. PREVIDENCIÁRIO, RECURSO ESPECIAL. DISSÍDIO PRETORIANO
NÃO DEMONSTRADO. NÃO CONHECIMENTO. INCIDÊNCIA DO ÓBICE DA SÚMULA 284/STF.
RURÍCOLA. APOSENTADORIA. VALOR MÍNIMO. CARÊNCIA. INEXIGIBILIDADE.
...
2. Até 1995, quando do advento da Lei nº 9.032, além do fator idade (60 anos para os homens e
55 anos para as mulheres) a fruição do benefício da aposentadoria de valor mínimo pelo rurícola
condiciona-se apenas ao trabalho rural por um tempo de cinco anos, ainda que em forma
descontínua, não se reclamando período de carência de 180 (cento e oitenta) contribuições
mensais (Lei nº 8.213/91 - arts. 26, III, 39, I, 48, § 1º e 143, II, redação anterior à alteração
introduzida pela Lei nº 9.063, de 14 de junho de 1995).
3. In casu, há início razoável de prova material a comprovar a condição de rurícola do
beneficiário.
4. Recurso especial conhecido em parte (letra "a"), e, nesta extensão, provido.
(RESP 189521 - Proc. 199800707751/SP - Rel. Fernando Gonçalves - DJ 24/05/1999).
O autor completou 60 anos em 11.10.2015, portanto, fará jus ao benefício se comprovar sua
condição de rurícola pelo período de 180 meses.
O art. 106 da Lei 8.213/1991 enumera os documentos aptos à comprovação da atividade, rol que
não é taxativo, admitindo-se outras provas, na forma do entendimento jurisprudencial dominante.
Para comprovar sua condição de rurícola, o autor juntou os documentos de Num. 1302772 - págs.
18/86.
Documentos expedidos por órgãos públicos, nos quais consta a qualificação do autor como
lavrador, podem ser utilizados como início de prova material, como exige o art. 55, § 3º, da Lei
8213/91, para comprovar a sua condição de rurícola, se confirmada por prova testemunhal.
Entendo que a perda da condição de segurado que não impede a concessão do benefício àquele
que cumpriu a carência também se aplica aos trabalhadores rurais.
Entretanto, essa norma, como todas as demais, não comporta leitura e interpretação isoladas.
Deve ser analisada dentro do sistema que a alberga e, no caso, com vistas à proteção
previdenciária dada aos trabalhadores rurais.
Daí que cabe investigar o real significado da exigência contida no art. 143 da Lei 8.213/91, o quê
realmente deve ser exigido do trabalhador rural para que tenha direito à sua aposentadoria por
idade. Deve estar trabalhando no dia imediatamente anterior ao requerimento? Um ano antes?
Dois anos antes? Qual o período de interrupção do trabalho rural que pode ser considerado
imediatamente anterior ao requerimento do benefício?
Penso que a resposta está no próprio art. 143, cuja infeliz redação, ensejadora de tantas
discussões, tem em vista a proteção do trabalhador rural.
No regime anterior à Constituição de 1.988, os trabalhadores rurais estavam expressamente
excluídos do Regime Geral de Previdência Social, e tinham algum amparo apenas dentro dos
limites do Prorural.
A Constituição de 1988 estabelece que, para fins de seguridade social, trabalhadores urbanos e
rurais devem ter tratamento uniforme e equivalente, o que impõe que os trabalhadores rurais
tenham a mesma proteção previdenciária dada aos urbanos.
O novo Regime Geral de Previdência Social, conforme previsto na Constituição, foi implementado
com as Leis 8.212 e 8.213/91.
Instituído o novo RGPS, era necessário dar proteção àqueles trabalhadores rurais que, antes da
nova legislação, estavam expressamente excluídos da cobertura previdenciária, e essa proteção
veio, justamente, na forma prevista no art. 143 da Lei 8.213/91: aposentadoria por idade, desde
que comprovado o efetivo exercício da atividade rural pelo período correspondente à carência
prevista no art. 143, e no período imediatamente anterior ao requerimento do benefício.
A "mens legis" foi, sem dúvida, proteger aquele trabalhador rural que antes do novo regime
previdenciário não tivera proteção previdenciária, ou seja, que fizera das lides rurais o seu meio
de vida. É verdade que a lei tolera que a atividade rural tenha sido exercida de forma
descontínua. Entretanto, não admite que tenha aquele trabalhador perdido a sua natureza
rurícola.
A lei implicitamente reconhece que o trabalhador rural nem sempre consegue emprego, em
especial em época de entressafras, o que o obriga a aceitar trabalho de natureza urbana. Não é
raro encontrar trabalhadores rurais que, por não encontrarem trabalho no campo, acabam por
trabalhar como pedreiros, ou jardineiros, atividades tipicamente urbanas.
Para que se caracterize tipicamente como rural, com direito à aposentadoria com idade reduzida,
o trabalhador deve, então, comprovar que exerceu atividade rural pelo menos por um período
que, mesmo que descontínuo, some o total correspondente à carência exigida.
A análise só pode ser feita no caso concreto. É a história laboral do interessado que pode levar à
conclusão de que permaneceu, ou não, essencialmente, trabalhador rural.
Se das provas surgir a comprovação de que o trabalho rural não foi determinante para a
sobrevivência do interessado, não se tratará de trabalhador rural com direito à proteção
previdenciária prevista no art. 143 da Lei 8.213/91.
O STJ decidiu, reiteradamente, em sede de recurso repetitivo:
PROCESSUAL CIVIL E PREVIDENCIÁRIO. RECURSO ESPECIAL REPRESENTATIVO DA
CONTROVÉRSIA. APOSENTADORIA POR IDADE RURAL. COMPROVAÇÃO DA ATIVIDADE
RURAL NO PERÍODO IMEDIATAMENTE ANTERIOR AO REQUERIMENTO. REGRA DE
TRANSIÇÃO PREVISTA NO ARTIGO 143 DA LEI 8.213/1991. REQUISITOS QUE DEVEM SER
PREENCHIDOS DE FORMA CONCOMITANTE. RECURSO ESPECIAL PROVIDO.
1. Tese delimitada em sede de representativo da controvérsia, sob a exegese do artigo 55, § 3º
combinado com o artigo 143 da Lei 8.213/1991, no sentido de que o segurado especial tem que
estar laborando no campo, quando completar a idade mínima para se aposentar por idade rural,
momento em que poderá requerer seu benefício. Se, ao alcançar a faixa etária exigida no artigo
48, § 1º, da Lei 8.213/1991, o segurado especial deixar de exercer atividade rural, sem ter
atendido a regra transitória da carência, não fará jus à aposentadoria por idade rural pelo
descumprimento de um dos dois únicos critérios legalmente previstos para a aquisição do direito.
Ressalvada a hipótese do direito adquirido em que o segurado especial preencheu ambos os
requisitos de forma concomitante, mas não requereu o benefício.
2. Recurso especial do INSS conhecido e provido, invertendo-se o ônus da sucumbência.
Observância do art. 543-C do Código de Processo Civil.
(REsp 1.354.908/SP, Rel. Ministro Mauro Campbell Marques, DJe 10/2/2016).
O reconhecimento de trabalho rural exercido na qualidade de diarista ou em regime de economia
familiar depende da apresentação de início de prova material contemporânea aos fatos, conforme
previsto no art. 55, § 3º, da Lei 8.213/91, corroborado por posicionamento jurisprudencial
consolidado na Súmula 149 do STJ.
A prova material apresentada deve guardar a necessária correlação lógica e pertinente com a
prova oral, devendo considerar, ainda, as situações peculiares do rurícola diarista, que não possui
similaridade com a do rurícola em regime de economia familiar, pois o primeiro trabalha de forma
avulsa, com vínculo não empregatício com o tomador do serviço, e mediante remuneração, e o
segundo trabalha por conta própria, em regra, com a cooperação de familiares, sem qualquer
vínculo de dependência financeira com terceiros, visando a subsistência ou o rendimento
decorrente da venda da produção.
Evidente, portanto, que a prova material de cada modalidade de trabalho rural possui
características próprias, principalmente quanto ao alcance e à possibilidade de seu
aproveitamento por outrem.
O trabalho rural em regime de economia familiar permite o aproveitamento do início de prova
material em reciprocidade entre os membros da entidade familiar, sendo permitida a comunicação
da qualificação profissional de um membro para outro, como ocorre entre os cônjuges, entre pais
e filhos, e em outras hipóteses nas quais presente o parentesco.
No reconhecimento do trabalho rural do diarista não se permite, em regra, o aproveitamento da
prova material, que não em nome próprio, em razão do caráter solitário e avulso do trabalho
desempenhado.
Assim, o diarista só poderá aproveitar o início de prova material produzida em nome de outrem,
mesmo que de algum familiar, se devidamente amparado pelas demais provas dos autos.
Ocorre que, se de um lado a jurisprudência alarga o conceito de início de prova material, por
outro lado, o início de prova material, por si só, não serve para comprovar o trabalho rural, sendo
indispensável a existência de prova testemunhal convincente.
Nesse sentido:
(...)
2. "A comprovação do tempo de serviço para os efeitos desta Lei, inclusive mediante justificação
administrativa ou judicial, conforme o disposto no art. 108, só produzirá efeito quando baseada
em início de prova material, não sendo admitida prova exclusivamente testemunhal, salvo na
ocorrência de motivo de força maior ou caso fortuito, conforme disposto no Regulamento." (artigo
55, parágrafo 3º, da Lei 8.213/91).
3. O início de prova material, de acordo com a interpretação sistemática da lei, é aquele feito
mediante documentos que comprovem o exercício da atividade nos períodos a serem contados,
devendo ser contemporâneos dos fatos a comprovar, indicando, ainda, o período e a função
exercida pelo trabalhador.
4. A jurisprudência desta Corte é firme no sentido de que para fins de concessão do benefício de
aposentadoria por idade, o início de prova material deverá ser corroborado por idônea e robusta
prova testemunhal.
5. Em havendo o acórdão recorrido afirmado que, a par de não bastante à demonstração do
tempo de serviço a prova documental, a testemunhal era insuficiente à comprovação da atividade
rural desempenhada pelo segurado, a preservação da improcedência do pedido de aposentadoria
por idade é medida que se impõe.
6. Ademais, a 3ª Seção desta Corte tem firme entendimento no sentido de que a simples
declaração prestada em favor do segurado, sem guardar contemporaneidade com o fato
declarado, carece da condição de prova material, exteriorizando, apenas, simples testemunho
escrito que, legalmente, não se mostra apto a comprovar a atividade laborativa para fins
previdenciários (EREsp 205.885/SP, Relator Ministro Vicente Leal, in DJ 30/10/2000).
7. Recurso não conhecido.
(STJ, Rel. Min. Hamilton Carvalhido, REsp 434015/CE, DJ 17.03.2003).
Em recurso repetitivo (Resp 1352791-SP, Rel. Min. Arnaldo Esteves Lima, julgamento em
27/11/2013), o STJ firmou posicionamento de que os períodos em que o rurícola trabalhou com
registro em CTPS na atividade rural devem ser computados para efeito de carência, mesmo em
outras modalidades de aposentadoria. Isto porque o responsável pelo recolhimento para o
Funrural era o empregador, não o empregado.
No mesmo sentido, a Turma Nacional de Uniformização dos Juizados Especiais Federais, em 19
de agosto de 2015, firmou a tese de que o INSS deve computar, para efeito de carência, o
período trabalhado como empregado rural, registrado por empresas agroindustriais ou
comerciais, em aposentadoria por tempo de serviço rural (Processo nº 0516170-
28.2009.4.05.8300).
Ao caso dos autos.
Para comprovar a condição de rurícola, o autor apresentou cópia dos seguintes documentos:
- Comprovante de residência em nome do autor;
- Declarações de rendimentos de pessoa física, em nome do pai do autor, relativas aos exercícios
de 1972/1973, comprovando a propriedade de um imóvel rural de 5 alqueires, denominado “Sítio
Nossa Senhora Aparecida”;
- Nota de crédito rural emitida em favor do autor, em 1988;
- CTPS do autor, sem nenhum registro de emprego;
- Certidão de casamento, lavrada em 20.10.2000, demonstrando que o autor e esposa estão
qualificados como lavradores;
- Certidão de nascimento de filha do autor, lavrada em 12.08.2002, constando como profissão dos
pais a de lavradores;
- Notas fiscais de produtor em nome do autor, emitidas em 05.03.1999, 26.06.00, 19.03.01,
13.05.02, 12.12.04, 07.06.05, 07.06.08; 05.11.10 e 26.06.12.
- Notas fiscais comprovando a comercialização de produtos agrícolas pelo autor, emitidas em
27.06.00, 16.04.01, 21.05.03, 22.12.04; 07.06.05, 07.06.08, 08.12.09; 27.02.10, 31.03.11,
26.06.12, 12.11.13; 06.11.14 e 20.06.15.
- Módulos Integrados do Contribuinte, indicando o autor e cônjuge como produtores rurais, datado
de 30.01.2006;
- Extrato CNIS Cidadão informando que o autor possui vínculo na condição de segurado especial
de 31.12.2007 a 08.11.2015;
- Entrevista rural prestada pelo autor no INSS, em 06.11.2015;
- Escrituras de venda e compra, lavradas em 03.01.1990 e 05.05.1993, comprovando a aquisição
de parte de imóvel rural pelo autor, também nela estando o autor qualificado como lavrador;
- Contrato de arrendamento rural no qual o autor figura como arrendatário de imóvel rural
denominado Fazenda Paraíso, com área de 12 alqueires, firmado em 13.03.2001;
- Declarações de área cultivada, firmada pela Coordenadoria de Fiscalização da Agricultura,
relativas às safras 1999/2000, 2000/2001, 2007/2007, 2008/2008, 2007/2008, todas apontando o
autor como produtor rural;
- Declaração anual do produtor rural, em nome do autor, referente aos anos-base 2007 e 2014;
- Cartão de produtor rural do autor, emitido em 13.12.1998;
A jurisprudência consolidou-se no sentido de que "para a concessão de aposentadoria rural por
idade, não se exige que o início de prova material corresponda a todo o período equivalente à
carência do benefício" (Súmula nº 14 TNU) e ainda que o rol de documentos previsto no art. 106,
parágrafo único, da Lei nº 8.213/91 é meramente exemplificativo.
Quanto à contemporaneidade dos documentos, a prova material indiciária precisa ter sido
formada em qualquer instante do período de atividade rural que se pretende comprovar. Dentro
do intervalo que se pretende comprovar, o documento pode ter sido formado no início, no meio ou
no fim do período. A prova material pode ser contemporânea ao início do período de carência e
ter sua eficácia probatória estendida prospectivamente (para o futuro) se conjugada com prova
testemunhal complementar convincente e harmônica. Igualmente, pode ser contemporânea ao
final do período de carência e ter sua eficácia estendida retroativamente (para o passado) se
conjugada com prova testemunhal complementar convincente e harmônica. A jurisprudência da
TNU está pacificada no sentido de admitir a eficácia retrospectiva e prospectiva dos documentos
indiciários do exercício de atividade rural.
A consulta ao sistema CNIS/Dataprev (doc. Num. 1302772, pág. 113) indica um período de
atividade de segurado especial a partir de 31.12.2007 e, conforme pesquisa efetuada por esta
relatora, não aponta vínculos de emprego em nome da esposa do autor.
Acresça-se que o volume de mercadorias comercializadas não se mostra incompatível com o
regime de economia familiar, diante do permissivo legal constante no § 7º, art. 11, da Lei
8.213/91.
As testemunhas ouvidas em juízo afirmam que conhecem o autor há vinte anos e que ele trabalha
com a esposa em propriedade rural da família.
Portanto, a prova testemunhal confirmou o trabalho do autor na atividade rural, inclusive quando
completou 60 anos de idade (11.10.2015), nos termos do REsp 1.354.908/SP.
Desse modo, restaram comprovados os requisitos necessários previstos na legislação
previdenciária para obtenção da aposentadoria por idade rural.
A correção monetária será aplicada em conformidade com a Lei n. 6.899/81 e legislação
superveniente, de acordo com o Manual de Orientação de Procedimentos para os Cálculos da
Justiça Federal, observados os termos do julgamento final proferido na Repercussão Geral no RE
870.947, em 20/09/2017.
Tratando-se de sentença ilíquida, o percentual da verba honorária será fixado somente na
liquidação do julgado, na forma do disposto no art. 85, § 4º, II, e § 11, e no art. 86, ambos do
CPC/2015, e incidirá sobre as parcelas vencidas até a data da sentença (Súmula 111 do STJ).
Isenta a Autarquia Previdenciária do pagamento de custas processuais, nos termos do art. 4º, I,
da Lei Federal 9.289/96 e do art. 6º da Lei 11.608/03, do Estado de São Paulo, e das Leis
1.135/91 e 1.936/98, com a redação dada pelos arts. 1º e 2º da Lei nº 2.185/00, todas do Estado
do Mato Grosso do Sul. Tal isenção não abrange as despesas processuais que houver efetuado,
bem como aquelas devidas a título de reembolso à parte contrária, por força da sucumbência.
O fato de estar o autor aguardando a prestação jurisdicional desde dezembro de 2015, bem como
o fundado receio de dano irreparável, tendo em vista a necessidade financeira para a
manutenção de sua subsistência, em face do caráter alimentar do benefício, constituem,
respectivamente, o relevante fundamento e justificado receio de ineficácia do provimento final,
aos quais se alia o manifesto intuito protelatório do réu, que se utiliza de todos os meios
processuais para retardar o cumprimento das decisões judiciais, configurando as condições para
a concessão liminar da tutela.
Resta prejudicado o pedido de efeito suspensivo formulado pelo INSS diante da presente
decisão.
NÃO CONHEÇO de parte da apelação do INSS e, na parte conhecida, DOU PARCIAL
PROVIMENTO para fixar as custas e os honorários advocatícios nos termos da fundamentação,
mantendo a antecipação da tutela.
É como voto.
E M E N T A
PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR IDADE RURAL. CONCESSÃO DO BENEFÍCIO.
CARÊNCIA CUMPRIDA. COMPROVADA A ATIVIDADE RURAL QUANDO DO IMPLEMENTO
DO REQUISITO IDADE. CORREÇÃO MONETÁRIA E JUROS DE MORA. HONORÁRIOS
ADVOCATÍCIOS. CUSTAS.
- Requisitos para concessão da aposentadoria por idade de trabalhador rural nos arts. 142 e 143
da Lei 8213/1991, e, quando segurado especial em regime de economia familiar, nos arts. 39, I, e
142 da mesma lei. Carência nos termos do art. 142.
- Concessão do benefício a partir de 01/01/2011 com base no art. 48 e parágrafos da Lei
8.213/91, com as modificações introduzidas pela Lei 11.718/2008.
- Completada a idade para a aposentadoria por idade rural após 31.12.2010, devem ser
preenchidos os requisitos previstos no art. 48, §§ 1º e 2º, da Lei n. 8.213/91, com a redação que
lhe foi dada pela Lei n. 11.718/2008.
- O segurado pode ter implementado o requisito carência, como definida em lei, pelo trabalho
rural durante o tempo exigido pelo art. 142 da Lei 8.213/91, concomitantemente com o requisito
idade. Nesses casos, tem direito adquirido ao benefício, mesmo se o requerimento administrativo
for em muito posterior ao implemento dos requisitos. O direito à aposentadoria por idade rural,
desde que implementadas as condições para sua aquisição, pode ser exercido a qualquer tempo.
- Em outros casos, o segurado só completa a carência (anos de atividade rural) posteriormente ao
requisito idade. Em tal situação, é necessária a comprovação do trabalho rural quando do
implemento da idade para a configuração do direito à data do requerimento, adquirido apenas em
decorrência de atividade rural posterior ao cumprimento da idade exigida.
- Para que se caracterize tipicamente como rural, com direito à aposentadoria com idade
reduzida, o trabalhador deve, então, comprovar que exerceu atividade rural pelo menos por um
período que, mesmo que descontínuo, some o total correspondente à carência exigida.
- O reconhecimento de trabalho rural exercido na qualidade de diarista ou em regime de
economia familiar depende da apresentação de início de prova material contemporânea aos fatos,
conforme previsto no art. 55, § 3º, da Lei 8.213/91, corroborado por posicionamento
jurisprudencial consolidado na Súmula 149 do STJ, a ser corroborada por prova testemunhal.
- Comprovação por início de prova material e prova testemunhal da condição de rurícola quando
do implemento do requisito idade, nos termos do REsp 1.354.908/SP. Mantida aconcessão do
benefício.
- Correção monetária que será aplicada em conformidade com a Lei n. 6.899/81 e legislação
superveniente, de acordo com o Manual de Orientação de Procedimentos para os Cálculos da
Justiça Federal, observados os termos do julgamento final proferido na Repercussão Geral no RE
870.947, em 20/09/2017.
- O percentual da verba honorária será fixado somente na liquidação do julgado, na forma do
disposto no art. 85, § 4º, II, e § 11, e no art. 86, ambos do CPC/2015, e incidirá sobre as parcelas
vencidas até a data da sentença (Súmula 111 do STJ).
- Isenta a Autarquia Previdenciária do pagamento de custas processuais, nos termos do art. 4º, I,
da Lei Federal 9.289/96 e do art. 6º da Lei 11.608/03, do Estado de São Paulo, e das Leis
1.135/91 e 1.936/98, com a redação dada pelos arts. 1º e 2º da Lei nº 2.185/00, todas do Estado
do Mato Grosso do Sul, não abrangendo as despesas processuais que houver efetuado, bem
como aquelas devidas a título de reembolso à parte contrária, por força da sucumbência.
- Apelação não conhecida de parte e, na parte conhecida, parcialmente provida. ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, A Nona Turma, por
unanimidade, decidiu não conhecer de parte da apelação do INSS e, na parte conhecida, dar-lhe
parcial provimento, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente
julgado.
Resumo Estruturado
VIDE EMENTA
