Processo
ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL / SP
0000757-94.2014.4.03.6139
Relator(a)
Desembargador Federal JOAO BATISTA GONCALVES
Órgão Julgador
9ª Turma
Data do Julgamento
28/09/2020
Data da Publicação/Fonte
e - DJF3 Judicial 1 DATA: 06/10/2020
Ementa
E M E N T A
PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR IDADE RURAL. CONCESSÃO DO BENEFÍCIO.
REGIME DE ECONOMIA FAMILIAR NÃO COMPROVADO.APELAÇÃO DO INSS PROVIDA.
- Requisito etário adimplido.
- Embora os depoimentos testemunhais convirjam para o exercício de atividades rurícolas, o
conjunto probatório demonstra que a propriedade rural tocada pela autora e marido é destinada a
fins comerciais, não se amoldando à situação prevista no artigo 11, § 1º, da LBPS.
-As notas fiscais de produtor rural, em nome do cônjuge da autora, relativas à venda de aves para
abate, indicam que as atividades não são exercidas na forma de agricultura de subsistência,
indispensável à sobrevivência, sustento próprio e ao desenvolvimento socioeconômico do núcleo
familiar, mas, sim, de forma lucrativa e organizada como verdadeiro empreendimento rural, em
sistema de integração com grande frigorífico. As notas fiscais emitidas no período de 2004 a
2012, denotam grande quantidade de aves comercializadas na propriedade da autora.
-A atividade da parte autora identifica-se com o produtor rural-contribuinte individual, afastando do
disposto no art. 12, VII, da Lei n. 8.212/1991, e enquadrando-se na prevista no art. 12, V, "a", da
mesma lei.
- Não se aplicam as regras do art. 39 da Lei n. 8.213/1991, porque não comprovado o trabalho
exclusivamente rural, em regime de economia familiar.
- Apelação do INSS provida.
Jurisprudência/TRF3 - Acórdãos
Acórdao
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº0000757-94.2014.4.03.6139
RELATOR:Gab. 30 - DES. FED. BATISTA GONÇALVES
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: ROSA MARIA DE ALMEIDA BARROS
Advogado do(a) APELADO: JORGE MARCELO FOGACA DOS SANTOS - SP153493-N
OUTROS PARTICIPANTES:
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº0000757-94.2014.4.03.6139
RELATOR:Gab. 30 - DES. FED. BATISTA GONÇALVES
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: ROSA MARIA DE ALMEIDA BARROS
Advogado do(a) APELADO: JORGE MARCELO FOGACA DOS SANTOS - SP153493-N
OUTROS PARTICIPANTES:
R E L A T Ó R I O
Cuida-se de apelação autárquica, tirada de sentença, não submetida à remessa oficial, que, em
autos de concessão de aposentadoria por idade rural, julgou procedente o pedido e condenou o
réu ao pagamento das prestações vencidas, a partir do requerimento administrativo,
discriminados os consectários. Arbitrou-se verba honorária à ordem de 10% sobre o valor da
condenação.
O INSS pugna pela reforma da decisão combatida, ao argumento de ausência de início de prova
material da atividade rurícola exercida no período de carência. Aduz a existência de vínculos
urbanos a obstar a concessão da benesse. Busca a fixação do termo inicial de concessão do
benefício na data da citação. Sustenta a aplicabilidade da Lei n. 11.960/2009 quanto à correção
monetária. Prequestiona a matéria para fins recursais.
Ofertadas contrarrazões, subiram os autos a este Tribunal.
É o relatório.
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº0000757-94.2014.4.03.6139
RELATOR:Gab. 30 - DES. FED. BATISTA GONÇALVES
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: ROSA MARIA DE ALMEIDA BARROS
Advogado do(a) APELADO: JORGE MARCELO FOGACA DOS SANTOS - SP153493-N
OUTROS PARTICIPANTES:
V O T O
Inicialmente, afigura-se correta a não submissão da r. sentença à remessa oficial.
De fato, o art. 496, § 3º, inciso I, do novo Código de Processo Civil, que entrou em vigor em 18 de
março de 2016, dispõe que não está sujeita ao reexame necessário a sentença em ações
movidas contra a União Federal e respectivas autarquias e fundações e cujo direito controvertido
não exceda mil salários mínimos.
No caso dos autos, considero as datas do termo inicial do benefício e da prolação da sentença,
em 03 de agosto de 2018. Atenho-me ao teto para o salário-de-benefício como parâmetro de
determinação do valor da benesse Verifico que a hipótese em exame não excede os mil salários
mínimos.
Não sendo, pois, o caso de conhecer da remessa oficial, passo à análise do recurso interposto,
uma vez cumpridos os requisitos de admissibilidade previstos no diploma processual.
A aposentadoria por idade de rurícola exige idade mínima de 60 anos-homem e 55 anos-mulher,
bem assim comprovação do exercício de atividade rural, ainda que de forma descontínua, no
período imediatamente anterior ao requerimento do benefício, em número de meses idêntico à
carência da benesse, conforme tabela progressiva, de cunho transitório, inserta no art. 142 da Lei
nº 8.213/91, a ser manejada conforme o ano de implementação do requisito etário, ficando
afastada a obrigatoriedade de contribuições. Findo o período de vigência da norma de transição,
imperioso aplicar-se a regra permanente estampada no art. 48 e parágrafos do mesmo diploma,
na dicção da Lei nº 11.718/2008, fincada, nesse particular, a exigência de demonstração do
exercício de labor rural por 180 meses-carência da aposentadoria por idade.
Muito se debateu a respeito da comprovação da atividade rural para efeito de concessão do
aludido benefício e, atualmente, reconhece-se na jurisprudência elenco de posicionamentos
assentados sobre o assunto, a nortear apreciação das espécies e a valoração dos respectivos
conjuntos probatórios. Dentre esses entendimentos, podem-se destacar os seguintes:
(i) é suficiente à demonstração do labor rural início de prova material, v.g., documentos expedidos
por órgãos públicos que contemplem a qualificação rurícola da parte autora, não sendo taxativo o
rol de documentos previsto no art. 106 da Lei nº 8.213/91, corroborado por prova testemunhal
coesa e harmônica, sendo inservível a tal finalidade prova exclusivamente testemunhal, Súmula
STJ 149, inclusive para os chamados "boias-frias", vide REsp nº 1.321.493/PR, apreciado na
sistemática do art. 543-C do CPC
(ii) são extensíveis à mulher, a partir da celebração do matrimônio ou do limiar da união estável,
os documentos em que os cônjuges, ou conviventes, aparecem qualificados como lavradores,
v.g., STJ, AGARESP 201402280175, Relatora Min. Assusete Magalhães, Segunda Turma, DJE
11/12/2014;
(iii) não se enquadra como princípio documental certidão recente da Justiça Eleitoral, preenchida
de acordo com informações fornecidas pelo próprio postulante do jubilamento, assemelhando-se,
portanto, à singela declaração unilateral de atividade profissional, e.g., TRF3, AC
00160584920114039999, Relator Juiz Convocado Valdeci dos Santos, Décima Turma, e-DJF3
01/07/2015; AC 00025385620104039999, AC 1482334, Relatora Desembargadora Federal Tania
Marangoni, Oitava Turma, e-DJF3 16/04/2015;
(iv) o afastamento do ofício rural, após o preenchimento de todos os requisitos exigidos à
aposentadoria, não interfere em sua concessão, sendo, contudo, inaplicável aos rurícolas o
estatuído no art. 3º, da Lei nº 10.666/2003, vide STJ, PET nº 7.476/PR, 3ª Seção, Rel. Min.
Napoleão Nunes Maia Filho, j. 13/12/2010, Rel. p/ acórdão Min. Jorge Mussi; AgRg no REsp nº
1.253.184, 5ª Turma, Rel. Min. Jorge Mussi, j. 06/09/2011; AgRg no REsp nº 1.242.720, 6ª
Turma, Rel. Min. Sebastião Reis Junior, j. 02/02/2012; REsp nº 1.304.136, 2ª Turma, Rel. Min.
Herman Benjamim, j. 21/02/2013, DJe 07/03/2013, sob pena, inclusive, de se atribuir aos
trabalhadores rurais regime híbrido em que se mesclariam as vantagens típicas dos campesinos
e outras inerentes exclusivamente aos obreiros urbanos;
(v) possível o reconhecimento de tempo de serviço rural antecedente ou ulterior ao princípio de
prova documental apresentado, desde que ratificado por testemunhos idôneos, vide STJ, REsp nº
1.348.633/SP, Relator Min. Arnaldo Esteves Lima, Primeira Seção, j. 28/08/2013, DJE
05/12/2014.
A despeito de toda evolução exegética a respeito da matéria, certo é que alguns pontos
permaneceram polêmicos por anos e apenas recentemente experimentaram pacificação. Talvez o
maior deles diga respeito, justamente, à necessidade de demonstração da labuta rural no período
imediatamente anterior ao requerimento da benesse.
Respeitáveis posições recusavam uma resposta apriorística do que viesse a se entender pela
expressão período imediatamente anterior, sob o argumento de que a solução da controvérsia
passa por acurado estudo de cada caso concreto, com destaque à cronologia laboral da parte
autora, a fim de definir se verdadeiramente se está diante de pessoa que dedicou sua vida
profissional às lides rurais.
Sem embargo, o dissenso acabou desfechado pelo c. STJ em sede de recurso representativo de
controvérsia, in verbis:
"PROCESSUAL CIVIL E PREVIDENCIÁRIO. RECURSO ESPECIAL REPRESENTATIVO DA
CONTROVÉRSIA. APOSENTADORIA POR IDADE RURAL. COMPROVAÇÃO DA ATIVIDADE
RURAL NO PERÍODO IMEDIATAMENTE ANTERIOR AO REQUERIMENTO. REGRA DE
TRANSIÇÃO PREVISTA NO art. 143 DA LEI 8.213/1991. REQUISITOS QUE DEVEM SER
PREENCHIDOS DE FORMA CONCOMITANTE. RECURSO ESPECIAL PROVIDO. 1. Tese
delimitada em sede de representativo da controvérsia, sob a exegese do art. 55, § 3º combinado
com o art. 143 da Lei 8.213/1991, no sentido de que o segurado especial tem que estar laborando
no campo, quando completar a idade mínima para se aposentar por idade rural, momento em que
poderá requerer seu benefício. Se, ao alcançar a faixa etária exigida no art. 48, § 1º, da Lei
8.213/1991, o segurado especial deixar de exercer atividade rural, sem ter atendido a regra
transitória da carência, não fará jus à aposentadoria por idade rural pelo descumprimento de um
dos dois únicos critérios legalmente previstos para a aquisição do direito. Ressalvada a hipótese
do direito adquirido em que o segurado especial preencheu ambos os requisitos de forma
concomitante, mas não requereu o benefício. 2. Recurso especial do INSS conhecido e provido,
invertendo-se o ônus da sucumbência. Observância do art. 543-C do Código de Processo Civil."
Vide RESP 201202472193, RESP - RECURSO ESPECIAL - 1354908, Relator MAURO
CAMPBELL MARQUES, PRIMEIRA SEÇÃO, DJE 10/02/2016.
No mesmo sentido:
"PROCESSUAL CIVIL E PREVIDENCIÁRIO. AGRAVO REGIMENTAL. APOSENTADORIA POR
IDADE RURAL. CARÊNCIA. LABOR RURAL NO PERÍODO IMEDIATAMENTE ANTERIOR AO
REQUERIMENTO DO BENEFÍCIO. REQUISITO. SÚMULA 83/STJ. 1. A jurisprudência do STJ se
firmou no sentido de que é necessária a prova do labor rural no período imediatamente anterior
ao requerimento do benefício de aposentadoria por idade, conforme arts. 39, I, e 143 da Lei
8.213/1991. Nesse sentido: AgRg no REsp 1.342.355/SP, Rel. Ministro Sérgio Kukina, Primeira
Turma, DJe 26.8.2013; AgRg no AREsp 334.161/PR, Rel. Ministra Eliana Calmon, Segunda
Turma, DJe 6.9.2013. (...) Vide 201401789810, Relator Min. HERMAN BENJAMIN, STJ,
SEGUNDA TURMA, DJE 28/11/2014.
AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO DE INSTRUMENTO. PREVIDENCIÁRIO. INÍCIO DE
PROVA MATERIAL CORROBORADO POR PROVA TESTEMUNHAL. EXISTÊNCIA.
COMPROVADO EFETIVO DESEMPENHO DE ATIVIDADE RURAL NO PERÍODO
IMEDIATAMENTE ANTERIOR AO AJUIZAMENTO DA AÇÃO. CONCESSÃO DO BENEFÍCIO,
NOS TERMOS DO ART. 143 DA LEI Nº 8.213/91. PRECEDENTES. AGRAVO REGIMENTAL
IMPROVIDO. 1. O trabalhador rural pode requerer aposentadoria por idade, no valor de 1 (um)
salário mínimo, durante o prazo de 15 (quinze) anos contados da promulgação da Lei Federal nº
8.213/91. Para tanto, deverá comprovar o exercício da atividade rural, ainda que de forma
descontínua, no período imediatamente anterior ao mês em que cumprir o requisito idade, em
número de meses idêntico à carência exigida para a concessão do benefício. (...) 3. Agravo
regimental improvido." Vide AGA 200501236124, Relatora Min. MARIA THEREZA DE ASSIS
MOURA, STJ, SEXTA TURMA, DJE 19/10/2009.
"PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR IDADE. TRABALHADORA RURAL. INÍCIO DE
PROVA MATERIAL CORROBORADO POR ROBUSTA PROVA TESTEMUNHAL. 1.O
entendimento jurisprudencial do STJ é no sentido de que a atividade urbana exercida no período
imediatamente anterior ao requerimento do benefício ou ao implemento do requisito etário impede
a concessão da aposentadoria por idade rural, conforme arts. 142 e 143 da Lei 8.213/1991. (...)
Agravo regimental improvido." Vide AGARESP 201301680980, Relator HUMBERTO MARTINS,
STJ, SEGUNDA TURMA, DJE 26/08/2013.
"PROCESSO CIVIL. PREVIDENCIÁRIO. APELAÇÃO. APOSENTADORIA POR IDADE.
ATIVIDADE RURAL NO PERÍODO IMEDIATAMENTE ANTERIOR AO REQUISITO ETÁRIO NÃO
CUMPRIDO. POSSIBILIDADE DE AVERBAÇÃO DOS INTERSTICÍOS COMPROVADOS NOS
AUTOS, A PARTIR DOS 12 ANOS. CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA DE 1967. MULTA DIÁRIA.
PREJUDICADA. DEVOLUÇÃO DE VALORES. DESNECESSIDADE. (...) III - A autora deixou o
labor rural no máximo ano de 1992, visto que a partir daí passou a trabalhar como costureira, um
dos requisitos externados no art. 143 da Lei nº 8.213/91 não foi cumprido, qual seja, o labor rural
até a data do implemento do quesito etário. Sendo assim, não faz jus à concessão do benefício
de aposentadoria rural por idade, não obstante tenha direito à averbação do período de atividade
rural devidamente comprovado nos autos. (...)" Vide AC 00098544720154039999, Relator
DESEMBARGADOR FEDERAL SERGIO NASCIMENTO, TRF3, DÉCIMA TURMA, e-DJF3
Judicial 1 09/12/2015.
Da análise dos entendimentos jurisprudenciais coletados, penso que a concessão da
aposentadoria por idade de trabalhador rural há de se atrelar à comprovação do desempenho de
labor rural quando da propositura da ação, da formulação do requerimento administrativo ou, ao
menos, por ocasião do atingimento do requisito etário, como, de resto, textualmente deliberado
por esta E. Corte em paradigma da Terceira Seção:
"EMBARGOS INFRINGENTES. PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR IDADE DE
RURÍCOLA. INEXISTÊNCIA DE COMPROVAÇÃO DA ATIVIDADE RURAL NO PERÍODO
IMEDIATAMENTE ANTERIOR AO CUMPRIMENTO DO REQUISITO ETÁRIO OU
REQUERIMENTO DO BENEFÍCIO. - Atividade rural, mesmo que descontínua, não comprovada
no período imediatamente anterior ao implemento da idade ou requerimento do benefício, enseja
a negação da aposentadoria de rurícola vindicada. - Inaplicabilidade à hipótese do art. 3º, §1º, da
Lei 10.666/03, segundo a jurisprudência recente do Superior Tribunal de Justiça (...) -
Permanecem arraigadas as exigências do art. 143 da Lei 8.213/91 à concessão de aposentadoria
por idade a trabalhador rural, na medida em que os benefícios de valor mínimo pagos aos
rurícolas em geral possuem disciplina própria, em que a carência independe de contribuições
mensais, daí que obrigatória, mesmo de forma descontínua, a prova do efetivo exercício da
atividade no campo. - Embora comportando temperamentos, via de regra, o abandono do posto
de lavrador anteriormente ao implemento do requisito etário ou formulação do requerimento
administrativo ou judicial, mormente quando contemporâneo ao emprego em atividade urbana do
cônjuge que empresta à esposa requerente a qualidade de segurado, acaba inviabilizando por
completo o deferimento da benesse postulada". Vide EI 00139351020134039999, Relatora
DESEMBARGADORA FEDERAL THEREZINHA CAZERTA, TRF3, TERCEIRA SEÇÃO, e-DJF3
Judicial 1 10/06/2015.
Postas as balizas, passa-se ao exame do caso dos autos.
De pronto, verifica-se o cumprimento pela parte autora do requisito etário em 26 de abril de 2012,
incumbindo-lhe, pois, demonstrar atividade campestre por 180 meses.
A título de início de prova material, foram colacionados documentos em nome do cônjuge da
autora, a saber, certidão de casamento, celebrado em 1976; em que figura como operador de
máquinas e a autora como prendas domésticas; certidão de óbito, ocorrido em 2013, indicando o
endereço Sítio Santo Antonio, fotografias, sem especificação de data; notas fiscais de produtor
rural, emitidas no interregno de 2004 a 2012. A autora percebe pensão por morte rural, desde
22/06/2013.
A autora apresentou certidão de propriedade de imóvel rural, em nome de seu genitor, expedida
em 1961.
Foram colhidos depoimentos testemunhais, cujas transcrições seguem:
A testemunha Eduardo Stapf afirmou: "Que conhece a autora desde 1989, quando a passou a ser
seu vizinho. Que por ser vizinho de sítio, conhece a família da autora. Afirmou que autora era
casada e teve três filhos. Que o marido da autora faleceu há 3 anos aproximadamente. Que os
filhos moraram no sítio mas agora casaram e foram embora. Que desde 1989 conhece a autora e
sua família eles sempre trabalharam com algumas vaquinhas de leite, e posteriormente com
algumas estufas agrícolas, e depois também iniciaram a atividade de avicultura de corte. Que as
estufas da autora eram de pepino, tomate e pimentão, basicamente, sendo tomate italiano e
tomate caqui, e pimentão amarelo e vermelho. O depoente trabalha também com estufas. Que a
autora tinha 4 estufas perto da casa. Que na a avicultura a autora trabalha em sistema integração
com a empresa que antigamente era a Céu Azul, hoje JBS, fornecendo os pintinhos e a ração,
enquanto a família trabalha com a engorda. Que a autora trabalhou direto com estufas e engorda
de frangos, mas antes era com gado de leite, plantando feijão e outras coisas básicas, que era o
que todo mundo tinha. Que a produção de tomate, pimentão e pepino é vendida para o Ceasa e
eventualmente para algum comprador da região. Que a família não tinha funcionários, e que os
filhos, enquanto não casados, também sempre ajudavam. Que a família tinha um trator pequeno
e implementos normais. Que o marido chamava-se Paulo Roberto. Que depois que ele faleceu
ela continuou trabalhando. Não sabe dizer se a autora passou a receber pensão. Que o tamanho
da propriedade da autora gira em torno de 8 ou 10 alqueires. Que a propriedade é do pai da
autora, que mora em Capão Bonito, que a arrenda para eles. Que durante todo este tempo a
autora e sua família sempre estiveram naquela propriedade".
Elisabeth Felipe de Almeida Braz:"Que conhece a autora há uns 16 anos, pois mora no sítio
vizinho ao dela. Que quando conheceu a autora era casada com o Paulo. Que conhece os filhos
da autora. Que eles se chamam Fernanda, Ana Paula e outro que conhece por Tó. Que a autora
e a família sempre trabalharam na propriedade. Que a propriedade é pequena, com menos de 10
alqueires. Que a propriedade está localizada no Bairro Santa Terezinha. Que a autora e a família
são plasticultores, plantando pimentão e tomate em estufas. Que a depoente já foi desta área,
mas agora mexe com granja. Que a autora também tem granja. Que não sabe dizer a qualidade
do tomate e do pimentão que a autora planta. Que a produção da autora é vendida pro Ceasa e
para compradores locais. Que não sabe dizer o tamanho do barracão da autora. Que as firmas
fornecem os frango, as famílias cuidam e depois a firma leva embora. A empresa é Céu Azul, de
Itapetininga e Sorocaba. Que é um abatedouro. Que autora sempre vendeu para a Céu Azul. Não
sabe dizer a quantidade de frangos abatidos por mês. Que a autora é viúva há uns 3 anos. Que
depois que o marido morreu a autora continuou trabalhando. Que a autora não tinha funcionários,
pois trabalhava com a família. Que nesses 16 anos a autora sempre trabalhou nesta atividade e
ainda continua trabalhando. Que a autora nunca parou de trabalhar. Que a autora nunca
trabalhou na cidade, só no sítio. Que o sítio é arrendado do pai dela, chamado Tonico, que mora
em Capão Bonito. Que acompanhava a autora trabalhando na época de colheita . Que a autora
sempre teve boa produção. Que o plantio de tomate se dá no ano todo pois é em estufa. Que os
frangos também são criados "direto", "sai um e vem outro". Que o trabalho na plasticultura
demanda muito tempo, o dia todo. Que via a autora colhendo e embalando nas caixas para
vender. Que este trabalho era feito pela família".
Embora os depoimentos testemunhais convirjam para o exercício de atividades rurícolas, o
conjunto probatório demonstra que a propriedade rural tocada pela autora e marido é destinada a
fins comerciais, não se amoldando à situação prevista no artigo 11, § 1º, da LBPS.
Na espécie, as notas fiscais de produtor rural, em nome do cônjuge da autora, relativas à venda
de aves para abate, indicam que as atividades não são exercidas na forma de agricultura de
subsistência, indispensável à sobrevivência, sustento próprio e ao desenvolvimento
socioeconômico do núcleo familiar, mas, sim, de forma lucrativa e organizada como verdadeiro
empreendimento rural, em sistema de integração com grande frigorífico.
As notas fiscais emitidas no período de 2004 a 2012, denotam grande quantidade de aves
comercializadas na propriedade da autora.
Nesse sentido, há julgado desta Nona Turma que diz, in verbis:
(...) Não se está a dizer que o pequeno produtor rural, qualificado como segurado especial, não
possa comercializar, inclusive de forma lucrativa, o excedente da produção agropecuária ou
extrativista realizada para subsistência do grupo, em regime de economia familiar. O que se
pretende diferenciar é o segurado especial daquele produtor rural cuja produção, agropecuária ou
extrativista, é organizada e voltada quase que exclusivamente ao comércio e/ou indústria,
desvinculando-se daquele regime direcionado à sobrevivência do grupo familiar.(...) AC nº
5004725-97.2020.4.03.9999, Rel. Desembargadora Federal Daldice Santana, julgado em
22/07/2020.
A atividade da parte autora identifica-se com o produtor rural-contribuinte individual, afastando do
disposto no art. 12, VII, da Lei n. 8.212/1991, e enquadrando-se na prevista no art. 12, V, "a", da
mesma lei.
Consequentemente, não se aplicam as regras do art. 39 da Lei n. 8.213/1991, porque não
comprovado o trabalho exclusivamente rural, em regime de economia familiar.
Assim, indevida a concessão do benefício não contributivo pleiteado.
Quanto ao prequestionamento suscitado, assinalo não haver qualquer infringência à legislação
federal ou a dispositivos constitucionais.
Ante o exposto, dou provimento à apelação do INSS, nos termos da fundamentação.
Condeno a parte autora em honorários advocatícios fixados em 10% do valor atualizado da
causa, observado o disposto no art. 98, § 3º, do Código de Processo Civil atual, que manteve a
sistemática da Lei n. 1.060/50, por ser beneficiária da justiça gratuita.
É como voto.
E M E N T A
PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR IDADE RURAL. CONCESSÃO DO BENEFÍCIO.
REGIME DE ECONOMIA FAMILIAR NÃO COMPROVADO.APELAÇÃO DO INSS PROVIDA.
- Requisito etário adimplido.
- Embora os depoimentos testemunhais convirjam para o exercício de atividades rurícolas, o
conjunto probatório demonstra que a propriedade rural tocada pela autora e marido é destinada a
fins comerciais, não se amoldando à situação prevista no artigo 11, § 1º, da LBPS.
-As notas fiscais de produtor rural, em nome do cônjuge da autora, relativas à venda de aves para
abate, indicam que as atividades não são exercidas na forma de agricultura de subsistência,
indispensável à sobrevivência, sustento próprio e ao desenvolvimento socioeconômico do núcleo
familiar, mas, sim, de forma lucrativa e organizada como verdadeiro empreendimento rural, em
sistema de integração com grande frigorífico. As notas fiscais emitidas no período de 2004 a
2012, denotam grande quantidade de aves comercializadas na propriedade da autora.
-A atividade da parte autora identifica-se com o produtor rural-contribuinte individual, afastando do
disposto no art. 12, VII, da Lei n. 8.212/1991, e enquadrando-se na prevista no art. 12, V, "a", da
mesma lei.
- Não se aplicam as regras do art. 39 da Lei n. 8.213/1991, porque não comprovado o trabalho
exclusivamente rural, em regime de economia familiar.
- Apelação do INSS provida.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Nona Turma, por
unanimidade, decidiu dar provimento à apelação do INSS, nos termos do relatório e voto que
ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Resumo Estruturado
VIDE EMENTA
