Processo
RecInoCiv - RECURSO INOMINADO CÍVEL / SP
0000258-18.2020.4.03.6328
Relator(a)
Juiz Federal FERNANDA SOUZA HUTZLER
Órgão Julgador
14ª Turma Recursal da Seção Judiciária de São Paulo
Data do Julgamento
08/08/2022
Data da Publicação/Fonte
DJEN DATA: 16/08/2022
Ementa
E M E N T A
PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR IDADE RURAL. CONCESSÃO. INÍCIO DE PROVA
MATERIAL NO PERÍODO IMEDIATAMENTE ANTERIOR AO REQUERIMENTO
ADMINISTRATIVO OU AO IMPLEMENTO DA IDADE. CONJUNTO PROBATÓRIO INDICA
NOTAS FISCAIS COM VALORES ELEVADOS. AFASTAR A SITUAÇÃO DE SEGURADO
ESPECIAL. CARACTERIZADA A SITUAÇÃO DE PRODUTOR RURAL CONTRIBUINTE
INDIVIDUAL.
1. Trata-se de recursos inominados interpostos pela parte autora, em face da sentença que julgou
improcedente o pedido de concessão de aposentadoria por idade rural.
2. Comprovação de que exerceu o labor rural em Assentamento Rural desde 1999 até os dias
atuais. No entanto, a comercialização de venda de leite e de gado no ano calendário de 2019 é
superior a cento e vinte mil reais, o que afasta a qualidade de segurado especial, nos termos da
LC 155/2016 (que alterou LC 123/06) e qualifica o autor como produtor rural contribuinte
individual que exige o recolhimento de contribuições previdenciárias.
3. Recurso da parte autora que se nega provimento
Acórdao
PODER JUDICIÁRIOTurmas Recursais dos Juizados Especiais Federais Seção Judiciária de
São Paulo
Jurisprudência/TRF3 - Acórdãos
14ª Turma Recursal da Seção Judiciária de São Paulo
RECURSO INOMINADO CÍVEL (460) Nº0000258-18.2020.4.03.6328
RELATOR:40º Juiz Federal da 14ª TR SP
RECORRENTE: MAURO RODRIGUES DE JESUS
Advogado do(a) RECORRENTE: TAMIRES MARINHEIRO SILVA - SP357476-N
RECORRIDO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
PROCURADOR: PROCURADORIA-REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO
OUTROS PARTICIPANTES:
PODER JUDICIÁRIOJUIZADO ESPECIAL FEDERAL DA 3ª REGIÃOTURMAS RECURSAIS
DOS JUIZADOS ESPECIAIS FEDERAIS DE SÃO PAULO
RECURSO INOMINADO CÍVEL (460) Nº0000258-18.2020.4.03.6328
RELATOR:40º Juiz Federal da 14ª TR SP
RECORRENTE: MAURO RODRIGUES DE JESUS
Advogado do(a) RECORRENTE: TAMIRES MARINHEIRO SILVA - SP357476-N
RECORRIDO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
PROCURADOR: PROCURADORIA-REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO
OUTROS PARTICIPANTES:
R E L A T Ó R I O
Trata-se de recurso inominado interposto em face da sentença que julgou IMPROCEDENTE o
pedido para conceder aposentadoria por idade rural.
Nas razões recursais, a parte autora aponta que o ponto controvertido nestes autos consiste no
reconhecimento do exercício de atividade rural pelo autor, como segurado especial, após a
cessação do benefício por incapacidade em 09/2018 até a DER (09/10/2019), de modo a validar
como carência o período em que recebeu o benefício de aposentadoria por invalidez, de
27/04/2006 a 25/09/2018.
Narra que para comprovar o exercício de atividade rural durante referido período, o autor trouxe
aos autos caderneta de campo e certidão de residência e atividade rural emitidas pelo ITESP,
bem como notas fiscais de comercialização de bovinos e leite.
Sustenta que as notas fiscais demonstram que a grande maioria das vendas realizadas são
com valores baixos, evidenciando pequena produção, em quantidades inexpressivas, não
sendo habitual a celebração de negócios em valores altos. O valor expressivo de uma ou outra
nota, não pode ser isoladamente considerado para o fim de descaracterizar a atividade como
pequeno produtor em regime de economia familiar.
Assinala que que o autor tem como principal atividade a produção de leite, sendo que a
comercialização de bovinos não ocorre de modo habitual e nem com intuído de lucro, mas tão
somente de reposição do rebanho leiteiro. E ainda que a dimensão do lote de terras explorado
pelo autor sequer atinge 1 módulo fiscal, estando dentro do limite legal previsto na Lei 8.213/91
(04 módulos fiscais).
Sem contrarrazões.
É o relatório.
PODER JUDICIÁRIOJUIZADO ESPECIAL FEDERAL DA 3ª REGIÃOTURMAS RECURSAIS
DOS JUIZADOS ESPECIAIS FEDERAIS DE SÃO PAULO
RECURSO INOMINADO CÍVEL (460) Nº0000258-18.2020.4.03.6328
RELATOR:40º Juiz Federal da 14ª TR SP
RECORRENTE: MAURO RODRIGUES DE JESUS
Advogado do(a) RECORRENTE: TAMIRES MARINHEIRO SILVA - SP357476-N
RECORRIDO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
PROCURADOR: PROCURADORIA-REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO
V O T O
Da Aposentadoria por Idade Rural Pura (art. 48, § 1º e § 2º, Lei 8.213/91):
A Lei n. 8.213/1991, ao regulamentar o disposto no art. 202, I, da Constituição Federal,
assegurou ao trabalhador rural o direito à aposentadoria, quando atingida a idade de 60 anos,
se homem, e 55 anos, se mulher (art. 48, § 1º, Lei 8.213/91). Vejamos:
Art. 48. A aposentadoria por idade será devida ao segurado que, cumprida a carência exigida
nesta Lei, completar 65 (sessenta e cinco) anos de idade, se homem, e 60 (sessenta), se
mulher. (Redação dada pela Lei nº 9.032, de 1995)
§ 1º Os limites fixados no caput são reduzidos para sessenta e cinqüenta e cinco anos no caso
de trabalhadores rurais, respectivamente homens e mulheres, referidos na alínea a do inciso I,
na alínea g do inciso V e nos incisos VI e VII do art. 11. (Redação Dada pela Lei nº 9.876, de
26.11.99)
§ 2º Para os efeitos do disposto no § 1º deste artigo, o trabalhador rural deve comprovar o
efetivo exercício de atividade rural, ainda que de forma descontínua, no período imediatamente
anterior ao requerimento do benefício, por tempo igual ao número de meses de contribuição
correspondente à carência do benefício pretendido, computado o período a que se referem os
incisos III a VIII do § 9º do art. 11 desta Lei. (Redação dada pela Lei nº 11,718, de 2008)
Assim, cumpre esclarecer que os requisitos para a concessão da aposentadoria por idade ao
trabalhador rural são: a) ser empregado rural, contribuinte individual rural, trabalhador avulso
rural ou segurado especial (produtor/parceiro/meeiro/arrendatário rural, pescador artesanal ou
cônjuge/companheiro ou filho maior de 16 anos do segurado especial); b) ter a idade mínima de
60 anos homem e 55 anos mulher, conforme estabelecida em lei; c) comprovar atividade rural,
ainda que descontínua, no período imediatamente anterior ao requerimento (arts. 143 e 39, I, da
Lei 8.213/91), por tempo igual ao número de meses de contribuição correspondente à carência
do benefício.
Os rurícolas em atividade por ocasião da Lei de Benefícios, em 24 de julho de 1991, foram
dispensados do recolhimento das contribuições relativas ao exercício do trabalho no campo,
substituindo a carência pela comprovação do efetivo desempenho do labor agrícola (arts. 26, I e
39, I da Lei 8.213/91).
No entanto, a Lei expressamente trouxe o requisito da imediatidade ("período imediatamente
anterior"), pelo que não se pode aproveitar período rural antigo, fora desse intervalo
“imediatamente anterior ao requerimento” equivalente à carência.
Assim, se ao alcançar a faixa etária exigida no art. 48, § 1º, da Lei 8.213/91, o segurado deixar
de exercer atividade como rurícola sem ter atendido a regra de carência, não fará jus à
aposentação rural pelo descumprimento de um dos dois únicos critérios legalmente previstos
para a aquisição do direito.
Caso os trabalhadores rurais não atendam à carência na forma especificada pelo art. 143, mas
satisfaçam essa condição mediante o cômputo de períodos de contribuição em outras
categorias, farão jus ao benefício ao completarem 65 anos de idade, se homem, e 60 anos, se
mulher, conforme preceitua o § 3º do art. 48 da Lei de Benefícios, incluído pela Lei nº 11.718,
de 2008.
Não se mostra possível conjugar de modo favorável ao trabalhador rural a norma do art. 3º, §
1º, da Lei n. 10.666/2003, que permitiu a dissociação da comprovação dos requisitos para os
benefícios que especificou: aposentadoria por tempo de contribuição, especial e por idade
urbana, os quais pressupõem contribuição.
Com efeito, após intenso debate jurisprudencial, STJ e TNU fecharam posicionamento de que a
Lei 10.666/03, não é aplicável ao trabalhador rural, que tem os recolhimentos mensais atinentes
à carência substituídos pela comprovação do efetivo trabalho rural.
O entendimento está cristalizado na Súmula 54 da TNU, a qual dispõe: “Para a concessão de
aposentadoria por idade de trabalhador rural, o tempo de exercício de atividade equivalente à
carência deve ser aferido no período imediatamente anterior ao requerimento administrativo ou
à data do implemento da idade mínima”.
O Superior Tribunal de Justiça também é dotado de igual entendimento, firmado em sede de
Recurso Repetitivo, no RESP 1354908/SP, Tema 642, o qual dispõe: “O segurado especial tem
que estar laborando no campo, quando completar a idade mínima para se aposentar por idade
rural, momento em que poderá requerer seu benefício. Ressalvada a hipótese do direito
adquirido, em que o segurado especial, embora não tenha requerido sua aposentadoria por
idade rural, preenchera de forma concomitante, no passado, ambos os requisitos carência e
idade.”
Convém destacar que o termo “imediatamente anterior” pretende beneficiar àqueles que
estejam trabalhando em atividade rural quando preencherem o requisito etário. Com
fundamento no artigo 15, da Lei nº 8.213/91, entendo que o parâmetro para caracterizar o termo
“imediatamente” consiste em aplicar o período máximo de manutenção da qualidade de
segurado em 36 meses. Assim, deve ser observado o lapso temporal de 36 meses entre a
cessação da atividade rural e o pedido administrativo (DER) ou o preenchimento do requisito
etário.
Ressalte-se, porém, que consoante os termos da Súmula 54 da TNU supratranscrita, deve ser
levada em consideração tanto a data do pedido administrativo como a época em que a parte
completou a idade necessária para aposentadoria (direito adquirido).
Por fim, deve ficar claro que no caso do trabalhador rural que possui também tempo de
atividade urbana, caso exista o desejo de ser beneficiado pela redução etária (60 para homem e
55 anos para mulher), o período valorado para a carência abrangerá somente o tempo de
atividade rural. E, caso queira computar a atividade rural e a atividade urbana,não será aplicado
o redutor de 05 anos na idade, passando-se para a disciplina do art. 48, § 3º, da Lei 8.213/91 (
aposentadoria por idade híbrida).
Por fim, no que se refere a implantação do benefício de aposentadoria por idade rural pura, na
forma do art. 48, § 1º e 2º, da Lei 8.213/91, há que se esclarecer que a renda mensal inicial
(RMI) do benefício ficará limitada ao valor de 01 (um) salário mínimo, nos termos do disposto no
art. 39, I, c/c art. 143 da Lei 8.2213/91.
Da produção de provas do período rural:
No que se refere à produção de provas no caso presente, o sistema previdenciário, a fim de
resguardar o equilíbrio atuarial e financeiro, exige em qualquer comprovação de tempo de
serviço início de prova material contemporânea dos fatos, não admitida prova exclusivamente
testemunhal. É o que explicita o artigo 55, §3º, da Lei 8213/91 (com redação dada pela Lei
13.846 de 2019).
No caso da comprovação de tempo rural não é diferente, como esclarece a Súmula 149 do STJ:
“A prova exclusivamente testemunhal não basta à comprovação de atividade rurícola, para
efeito de obtenção de benefício previdenciário”.
Quanto ao que se deve entender por início razoável de prova material, a jurisprudência tem
fornecido os parâmetros para tal avaliação. Tem-se entendido que qualquer documento idôneo,
que evidencie a condição de trabalhador rural, atende a tal requisito. Neste sentido, Súmula nº
06 da TNU: “A certidão de casamento ou outro documento idôneo que evidencie a condição de
trabalhador rural do cônjuge constitui início razoável de prova material da atividade rurícola.”
Do mesmo modo, os documentos em nome do pai ou de familiar próximo, pode ser utilizado
como documento idôneo para evidenciar a condição de trabalhadora rural da filha, até a data do
seu casamento ou até a data em que a filha deixou a propriedade rural em que vivia com sua
família.
Outrossim, nos termos da Súmula nº 34 também da TNU, a prova material para comprovação
do tempo de labor rural deve ser contemporânea à época dos fatos a provar.
Por outro lado, não se confunde início de prova material com suficiência de prova material,
razão pela qual não se exige que o início de prova material corresponda a todo o período
probante (Súmula nº 14 da TNU). Logo, não é necessário que exista um documento para cada
ano do interregno que se pretende provar.
Contudo, entendo que para o reconhecimento do exercício de atividade rural, ainda que não se
exija documento para cada ano trabalhado ou correspondente a todo período probante, é
indispensável haver alguma prova material contemporânea que comprove sua ocorrência não
apenas em um dos anos do período pleiteado, mas ao menos em períodos intercalados,
fazendo denotar o exercício da atividade no lapso pretendido.
De todo modo, o STJ na Súmula 577, passou a admitir que: “É possível reconhecer o tempo de
serviço rural anterior ao documento mais antigo apresentado, desde que amparado em
convincente prova testemunhal colhida sob o contraditório”.
O serviço rural prestado pelo menor de 12 a 14 anos, até o advento da Lei nº 8.213/91, pode
ser reconhecido, para fins previdenciários, nos termos da Súmula nº 5 da TNU.
Ressalte-se, por fim, que declarações de ex empregadores ou de terceiros acerca da atividade
rural não passam de provas orais reduzidas a termo, pelo que não servem como prova material
para o início de comprovação do tempo rural.
Os documentos imobiliários referentes à propriedade rural, por si só, não são suficientes para
possibilitar o reconhecimento de tempo de serviço rural. O simples fato de a parte ou seus
familiares serem proprietários de imóvel rural não significa que tenha havido, efetivamente,
labor na lavoura.
A declaração de Sindicato dos Trabalhadores Rurais tem valor probante relativo, caso não
tenha sido homologada pelo INSS (Lei 8.213/1991, art. 106, inc. III). Também não servem como
indício material as declarações firmadas por testemunhas.
E ainda, é importante estar atento à Súmula 46 da TNU prevê que: “O exercício de atividade
urbana intercalada não impede a concessão de benefício previdenciário de trabalhador rural,
condição que deve ser analisada no caso concreto”.
Na mesma linha, a Súmula 41 da TNU prevê que: “A atividade urbana de membro da família
não descaracteriza o regime de economia familiar, desde que a renda advinda da agricultura
seja indispensável ao sustento do lar”.
A título exemplificativo, o artigo 106 da Lei nº 8213/91 traz um rol de documentos que podem
servir como início razoável de prova material.
Enfim, do exposto se conclui que, em regra, os documentos utilizados como início razoável de
prova material contemporânea são os documentos públicos nos quais o autor tenha sido
qualificado como lavrador, tais como certificado de reservista, título de eleitor, certidão de
casamento, certidão de nascimento de filhos, certidão de óbito. Documentos particulares
também são admitidos, desde que datados e idôneos, tais como notas fiscais de produção,
notas fiscais de entrada, contratos de parceria agrícola, dentre outros, que estejam diretamente
relacionados com o trabalho na lavoura. Em ambos os casos a prova deverá ser
contemporânea, ou seja, produzida no mesmo período ao labor a que se pretende reconhecer.
Feitas essas considerações, passo à análise do mérito.
Do Caso Concreto:
Observo que a parte autora, nascida em 02/09/1959, contava, quando do requerimento
administrativo (DER – 09/10/2019), com mais de 60 anos, idade suficiente à concessão do
benefício de aposentadoria por idade rural (artigo 48, caput e §1º, da Lei 8.213/91).
Ressalto que a parte autora completou a idade mínima para a aposentadoria por idade rural, ou
seja, 60 anos, em 02/09/1959, de modo que a carência mínima é de 180 meses (15 anos) na
data da DER ou do implemento da idade, na forma do artigo 142 da Lei 8.213/91, devendo,
pois, comprovar o exercício da atividade rural no período de 2004 a 2019.
Para comprovar o labor rural no período de 2004 a 2019, a parte autora apresentou, na inicial e
no processo administrativo, os seguintes documentos: 1) Certidão de Residência de Atividade
Rural fornecida pela Fundação ITESP, informando que o autor reside e exerce atividade rural
no Assentamento Santa Apolônia, lote 79, Mirante de Paranapanema-SP, no período de
27/07/1999 a 25/09/2019 (data da expedição da certidão); 2) Inúmeras Notas Fiscais de
Produtor Rural com venda de leite e de bezerros, referentes aos anos de 2002 a 2019; 3) CTPS
do autor com vínculos de emprego rural entre os anos de 1981 e 1995; 4) CNIS do autor
comprovando o recebimento do benefício de aposentadoria por invalidez no período de
27/04/2006 a 25/03/2020.
As testemunhas ouvidas no Juízo Deprecado, informaram que o autor reside e trabalha em lote
de assentamento há mais de 20 anos, exercendo labor até o presente momento, carpindo e
tirando leite. A testemunha José Alves declarou que o autor, por um tempo, esteve afastado do
trabalho rural em virtude de acidente, recebendo benefício por incapacidade do INSS no
período.
No caso concreto, a prova documental é farta e robusta no sentido de que a parte autora, de
fato, exerceu atividade rural no período de 1999 aos dias atuais, em Assentamento Rural,
sendo certo que o período em que esteve em gozo de benefício por incapacidade foi intercalado
por períodos de labor rural visto que o autora nunca saiu do Assentamento Rural, no qual reside
e trabalha,o que foi corroborado pela sólida prova oral.
A questão controvertida aqui consiste, na verdade, em saber se a parte autora se enquadra na
categoria de segurado especial/microempreendedor rural (que exerce a atividade rural em
regime de economia familiar e com comercialização de pequena monta- sem contribuição) OU
de produtor rural contribuinte individual (que não é dispensado pela lei de pagar contribuição
previdenciária).
O segurado especial se qualifica como aquele trabalhador rural que, individualmente ou em
regime de economia familiar, explora área rural de até 4 módulos fiscais, sem a utilização de
empregados permanentes, e que a atividade rural seja indispensável à própria subsistência e
ao desenvolvimento socioeconômico do núcleo familiar.
Por sua vez, o art. 18-A, § 1º da Lei 123/2006, com redação dada pela LC 155/2016 criou a
figura do Microempreendedor Individual-MEI Rural. Trata-se de empreendedor que exerça as
atividades de industrialização, comercialização e prestação de serviços no âmbito rural, que
tenha auferido receita bruta, no ano-calendário anterior, até R$ 81.000,00, que seja optante
pelo Simples Nacional, e que, não perderá sua condição de segurado especial.
Assim, se a lei faz referência ao Microempreendedor Individual Rural como aquele que aufere
receita bruta, no ano calendário anterior, de até R$ 81.000,00 (e mantém a qualidade de
segurado especial), por seu turno, quem aufere receita bruta superior a R$ 81.000,00 no ano
calendário anterior, é considerado Contribuinte Individual Rural, afastando a sua qualidade de
segurado especial.
Analisando as notas fiscais de produtor rural anexadas aos autos, referente ao ano calendário
de 2019, a despeito de comprovar que o autor reside e trabalha em Assentamento Rural, restou
demonstrado que a sua receita bruta com a venda de leite e de gado foi superior a R$
81.000,00 no referido ano calendário.
Somando-se as notas fiscais de produtor rural no ano calendário de 2019 juntadas aos autos,
quais sejam: de R$ 36.000,00, R$ 39.000,00, R$ 6.900,00, R$ 32.200,00, R$ 2.920,00 e R$
4.500,00, totaliza o montante de R$ 121.520,00, superior ao limite de R$ 81.000,00 previsto na
lei acima citada.
O STJ em decisões sobre a manutenção ou não da qualidade de segurado especial, entendeu
que “a existência de maquinários pesados, bem como o valor expressivo da produção pode
descaracterizar o exercício da atividade rural em regime de economia familiar”. Nesse sentido,
foi o julgamento do AgInt no AREesp 1.067.648/PR (Rel. Ministro Francisco Falcão, Segunda
Turma, DJe 26/03/2018).
Como já dito, àqueles empreendedores rurais que comercializam valores superiores ao limite do
enquadramento como Microempreendedor Individual-MEI Rural, tem descaracterizada a
situação de segurado especial e passa a se enquadrar na figura do produtor rural contribuinte
individual.
Assim, o legislador não contemplou propositalmente o produtor rural do rol dos beneficiários da
Aposentadoria por Idade Rural – sem contribuição (prevista no art. 48, § 1º e 2º, da Lei
8.213/91), pois ainda que seja um produtor rural (que não se enquadra como
microempreendedor rural), não pode ser classificado como “pessoa hipossuficiente do campo”,
com produção rudimentar para subsistência familiar.
Não é razoável exigir de toda a sociedade (artigo 195, caput, da Constituição Federal) que
contribua para a previdência social, deixando de fora desse esforço os produtores rurais de
médio porte que exercem atividade empresarial.
Até mesmo porque, se os Produtores Rurais, como no caso dos autos, tiveram a iniciativa de se
cadastrarem como contribuintes perante a Secretaria da Fazenda do Estado, criarem um CNPJ
próprio e emitirem Notas Fiscais para comercialização da sua produção, porque não lhe seja
exigido que se cadastrem também perante a Previdência Social e contribuam para o sistema
previdenciário, como contribuintes individuais, cumprindo o princípio da solidariedade social?
Por tal razão, o legislador entendeu que a aposentadoria por idade rural aqui discutida, é
voltada somente aos hipossuficientes do campo (segurados especiais, boias frias, pescadores)
que nunca contribuíram para a Previdência Social, e que sempre viveram no campo à margem
da sociedade. Tal benefício se equipara muito mais a um benefício assistencial (como o LOAS)
que propriamente a um benefício previdenciário. Portanto, se trata de um benefício excepcional,
voltado a população carente do campo, o que não é o caso presente.
A toda evidência, a parte autora, muito embora resida e trabalhe em Assentamento Rural, não
se enquadra como segurado especial, de modo que não se amolda à situação exigida pelo
artigo 11, § 1º, da LBPS.
Nesse contexto, a parte autora, por não se enquadrar no art. 48, § 1º, da Lei 8.213/91, não
fazendo jus, pois, ao benefício de aposentadoria por idade rural nele previsto, uma vez que não
se encontrando dispensada dos recolhimentos previdenciários para se aposentar por idade, vez
que se enquadra como produtor rural – contribuinte individual.
Diante do exposto, nego provimento ao recurso da parte autora.
Condeno o(a) Recorrente vencido(a) ao pagamento de honorários advocatícios, os quais fixo
em 10% (dez por cento) sobre o valor da condenação (não havendo condenação, do valor da
causa), nos termos do art. 55, caput, da Lei 9.099/95 c/c art. 85, § 3º, do CPC – Lei nº
13.105/15. Na hipótese de a parte autora ser beneficiária de assistência judiciária gratuita e
recorrente vencida, o pagamento dos valores mencionados ficará suspenso nos termos do § 3º
do art. 98, do CPC – Lei nº 13.105/15.
É o voto.
E M E N T A
PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR IDADE RURAL. CONCESSÃO. INÍCIO DE
PROVA MATERIAL NO PERÍODO IMEDIATAMENTE ANTERIOR AO REQUERIMENTO
ADMINISTRATIVO OU AO IMPLEMENTO DA IDADE. CONJUNTO PROBATÓRIO INDICA
NOTAS FISCAIS COM VALORES ELEVADOS. AFASTAR A SITUAÇÃO DE SEGURADO
ESPECIAL. CARACTERIZADA A SITUAÇÃO DE PRODUTOR RURAL CONTRIBUINTE
INDIVIDUAL.
1. Trata-se de recursos inominados interpostos pela parte autora, em face da sentença que
julgou improcedente o pedido de concessão de aposentadoria por idade rural.
2. Comprovação de que exerceu o labor rural em Assentamento Rural desde 1999 até os dias
atuais. No entanto, a comercialização de venda de leite e de gado no ano calendário de 2019 é
superior a cento e vinte mil reais, o que afasta a qualidade de segurado especial, nos termos da
LC 155/2016 (que alterou LC 123/06) e qualifica o autor como produtor rural contribuinte
individual que exige o recolhimento de contribuições previdenciárias.
3. Recurso da parte autora que se nega provimento ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Décima Quarta Turma
Recursal do Juizado Especial Federal da Terceira Região -- Seção Judiciária de São Paulo --
decidiu, por maioria, dar provimento ao recurso da parte autora, nos termos do relatório e voto
que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Resumo Estruturado
VIDE EMENTA