Processo
ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL / SP
5927230-91.2019.4.03.9999
Relator(a)
Desembargador Federal NELSON DE FREITAS PORFIRIO JUNIOR
Órgão Julgador
10ª Turma
Data do Julgamento
15/04/2020
Data da Publicação/Fonte
e - DJF3 Judicial 1 DATA: 23/04/2020
Ementa
E M E N T A
PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR IDADE RURAL. ART. 48, §1º, DA LEI 8.213/91.
ATIVIDADE RURAL COMPROVADA. INÍCIO DE PROVA MATERIAL CORROBORADA POR
PROVA TESTEMUNHAL. AUXÍLIO-DOENÇA ENTRE PERÍODOS CONTRIBUTIVOS.
REQUISITOS PREENCHIDOS. LITIGÂNCIA DE MÁ-FÉ NÃO CARACTERIZADA. BENEFÍCIO
DEVIDO.
1. O benefício da aposentadoria por idade é concedido, desde que demonstrado o cumprimento
da carência, ao segurado trabalhador rural que tenha 60 anos de idade, se homem, ou 55 anos
se mulher (§ 1º, artigo 48 da Lei nº 8.213/91).
2. Comprovada a atividade rural e a carência exigidas através de início de prova material
corroborada pela testemunhal, e preenchida a idade necessária à concessão do benefício, faz jus
a parte autora ao recebimento da aposentadoria por idade.
3. O fato do autor não ter formulado especificamente pedido na exordial requerendo o cômputo,
para efeito de carência, dos períodos em gozo de auxílio-doença não afasta a possibilidade de
seu conhecimento pelo magistrado, sobretudo por se tratar de informação à qual a autarquia
previdenciária tem pleno acesso, restando presumida sua análise quando do indeferimento do
requerimento administrativo trazido aos autos como objeto da controvérsia.
4. Não se vislumbra má-fé do embargante a justificar a aplicação de multa, pois a má-fé,
diferentemente da boa-fé, não pode ser presumida e, no caso dos autos, a parte apenas utilizou-
se dos meios processuais previstos em lei para defender os direitos que alega possuir, o que por
si só, não caracteriza, as hipóteses de litigância de má-fé, previstas na lei processual.
Jurisprudência/TRF3 - Acórdãos
5. Os intervalos de tempo em que o segurado gozou de auxílio-doença, desde que estejam entre
períodos contributivos, devem ser considerados para efeito de carência.
6. Apelação do INSS desprovida. Fixados, de ofício, os consectários legais.
Acórdao
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº5927230-91.2019.4.03.9999
RELATOR:Gab. 37 - DES. FED. NELSON PORFIRIO
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: LUIZ ANTONIO SAVEGNAGO
Advogado do(a) APELADO: DEMETRIO FELIPE FONTANA - SP300268-N
OUTROS PARTICIPANTES:
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº5927230-91.2019.4.03.9999
RELATOR:Gab. 37 - DES. FED. NELSON PORFIRIO
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: LUIZ ANTONIO SAVEGNAGO
Advogado do(a) APELADO: DEMETRIO FELIPE FONTANA - SP300268-N
OUTROS PARTICIPANTES:
R E L A T Ó R I O
O Exmo. Desembargador Federal Nelson Porfirio (Relator): Trata-se de ação previdenciária
proposta por LUIZ ANTÔNIO SAVEGNAGO em face do INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO
SOCIAL - INSS, objetivando a concessão do benefício de aposentadoria por idade rural.
O INSS apresentou contestação.
Foram colhidas as declarações das testemunhas do requerente.
O pedido foi julgado procedente, concedendo-se a tutela provisória.
O INSS interpôs apelação sustentando, em síntese, a nulidade absoluta do feito em virtude de
mudança do pedido e da causa de pedir depois da contestação, sem o seu consentimento,
requerendo, ao fim, a improcedência do pedido, a devolução dos valores pagos a título de tutela
provisória e a condenação da parte autora ao pagamento de multa por litigância de má-fé.
Subsidiariamente, requer a reforma da r. sentença no tocante à fixação dos consectários legais.
Com contrarrazões, subiram os autos a esta Corte.
É o relatório.
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº5927230-91.2019.4.03.9999
RELATOR:Gab. 37 - DES. FED. NELSON PORFIRIO
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: LUIZ ANTONIO SAVEGNAGO
Advogado do(a) APELADO: DEMETRIO FELIPE FONTANA - SP300268-N
OUTROS PARTICIPANTES:
V O T O
O Exmo. Desembargador Federal Nelson Porfirio (Relator): O benefício da aposentadoria por
idade é concedido, desde que demonstrado o cumprimento da carência, ao segurado trabalhador
rural que tenha 60 anos de idade, se homem, ou 55 anos se mulher (§ 1º, artigo 48 da Lei nº
8.213/91).
Outrossim, o artigo 143 da Lei n.º 8.213/1991, com redação determinada pela Lei n.º 9.063, de
28.04.1995, dispõe que:
"O trabalhador rural ora enquadrado como segurado obrigatório no Regime Geral de Previdência
Social, na forma da alínea "a" do inciso I, ou do inciso IV ou VII do art. 11 desta Lei, pode
requerer aposentadoria por idade, no valor de um salário mínimo, durante 15 (quinze) anos,
contados a partir da data de vigência desta Lei, desde que comprove o exercício de atividade
rural, ainda que descontínua, no período imediatamente anterior ao requerimento do benefício,
em número de meses idêntico à carência do referido benefício".
Por sua vez, de acordo com o estabelecido no art. 3º da Lei 11.718/08, a partir de 01.01.2011 há
necessidade de recolhimento das contribuições previdenciárias, uma vez que o período de 15
anos a que se refere o artigo 143 da Lei nº 8.213/91 exauriu-se em 31.12.2010, conforme
disposto no artigo 2º da Lei nº 11.718/08, que assim dispõe:
"Art. 2º. Para o trabalhador rural empregado, o prazo previsto no art. 143 da Lei nº 8.213, de 24
de julho de 1991, fica prorrogado até o dia 31 de dezembro de 2010."
No entanto, dada a função social protetiva que permeia a Previdência Social, extraída dos arts.
1º, 3º, 194 e 201, da Constituição da República, constata-se inadmissível a exigência do
pagamento de tais contribuições pelo trabalhador rural, sobretudo pela informalidade das
atividades desenvolvidas nesta seara, impondo destacar que a relação de labor rural exprime
inegável relação de subordinação, pois as contratações ocorrem diretamente pelo produtor ou
pelos denominados "gatos".
Repise-se, aliás, que o dever de recolhimento das contribuições previdenciárias constitui ônus do
empregador, o qual não pode ser transmitido ao segurado, que restaria prejudicado por
negligente conduta a este não imputável (Nesse sentido: STJ - 5ª Turma, REsp 566405, Rel. Min.
Laurita Vaz, DJ 15/12/2003; TRF - 3ª Região, 2ª Turma, AC 2000.03.99.006110-1, Rel. Des. Fed.
Sylvia Steiner, j. 15/05/2001, RTRF-3ª Região 48/234).
Por outro lado, o colendo Superior Tribunal de Justiça já decidiu que a "necessidade de
recolhimento de contribuições previdenciárias só é evidenciada para os casos em que se pleiteia
o benefício aposentadoria por tempo de contribuição, tendo em vista que em caso de
aposentadoria por idade rural, aplica-se o disposto no art. 39, I, da Lei 8.213/1991. Vale dizer,
basta a comprovação do efetivo exercício da atividade rural, individualmente ou em regime de
economia familiar, ainda que de forma descontínua, em período anterior ao requerimento do
benefício, por período igual ao número de meses de carência do benefício." (AgRg no REsp
1.537.424/SC, Rel. Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, SEGUNDA TURMA, julgado em
25/08/2015, DJe 03/09/2015).
Assim, comprovado o exercício de atividade rural pelo prazo determinado na Lei n.º 8.213/1991,
bem como o implemento da idade estipulada, as situações fáticas que levam à aquisição de
direito a benefícios previdenciários, mesmo que constituídas anteriormente à sua vigência,
subordinam-se aos seus efeitos jurídicos.
Cumpre ressaltar que os arts. 2º e 3º da Lei nº 11.718/08 não estabeleceram a fixação de prazo
decadencial à aposentadoria por idade rural perquirida pelos que implementaram a idade após
31.12.2010, mas apenas traçaram novo regramento para comprovação de atividade rural (Nesse
sentido: TRF - 10ª Turma, AC 1639403, Rel. Des. Fed. Baptista Pereira, e-DJF3 Judicial 1:
13.10.2011).
Nos casos em que a parte autora completa o requisito etário após 31.12.2010, já não se submete
às regras de transição dos arts. 142 e 143, devendo preencher os requisitos previstos no art. 48,
§§ 1º e 2º, da Lei n. 8.213/91 (com a redação que lhe foi dada pela Lei n. 11.718/2008): 60
(sessenta) anos de idade, se homem, 55 (cinquenta e cinco) anos de idade, se mulher, tempo de
efetiva atividade rural, ainda que de forma descontínua, no período correspondente à carência
exigida para o benefício, isto é, 180 (cento e oitenta) meses.
No que tange ao imediatismo do trabalho rural ao requerimento do benefício de que trata a lei,
ficou assentado em recente decisão proferida em sede de Recurso Especial Representativo de
Controvérsia que o trabalhador rural tem que estar exercendo o labor campestre ao completar a
idade mínima exigida na lei, momento em que poderá requerer seu benefício. Confira-se:
"PROCESSUAL CIVIL E PREVIDENCIÁRIO. RECURSO ESPECIAL REPRESENTATIVO DA
CONTROVÉRSIA. APOSENTADORIA POR IDADE RURAL. COMPROVAÇÃO DA ATIVIDADE
RURAL NO PERÍODO IMEDIATAMENTE ANTERIOR AO REQUERIMENTO. REGRA DE
TRANSIÇÃO PREVISTA NO ARTIGO 143 DA LEI 8.213/1991. REQUISITOS QUE DEVEM SER
PREENCHIDOS DE FORMA CONCOMITANTE. RECURSO ESPECIAL PROVIDO.
1. Tese delimitada em sede de representativo da controvérsia, sob a exegese do artigo 55, § 3º
combinado com o artigo 143 da Lei 8.213/1991, no sentido de que o segurado especial tem que
estar laborando no campo, quando completar a idade mínima para se aposentar por idade rural,
momento em que poderá requerer seu benefício. Se, ao alcançar a faixa etária exigida no artigo
48, §1º, da Lei 8.213/1991, o segurado especial deixar de exercer atividade rural, sem ter
atendido a regra transitória da carência, não fará jus à aposentadoria por idade rural pelo
descumprimento de um dos dois únicos critérios legalmente previstos para a aquisição do direito.
Ressalvada a hipótese do direito adquirido em que o segurado especial preencheu ambos os
requisitos de forma concomitante, mas não requereu o benefício.
2. Recurso especial do INSS conhecido e provido, invertendo-se o ônus da sucumbência.
Observância do art. 543-C do Código de Processo Civil." (STJ - 1ª Seção, REsp 1.354908/SP,
Rel. Min. MAURO CAMPBELL MARQUES, j.em 09/09/2015, DJe 10/02/2016).
Com efeito, o tempo de serviço do trabalhador rural exercido antes da data de início de vigência
da Lei n. 8.213/1991, é de ser computado e averbado, independentemente do recolhimento das
contribuições correspondentes.
Assim, a comprovação do tempo de serviço, mesmo que anterior à perda da qualidade de
segurado, nos termos do artigo 55, § 3º, da aludida norma legal, produz efeito quando baseada
em início de prova material, não sendo admitida, porém, a prova exclusivamente testemunhal,
salvo na ocorrência de motivo de força maior ou caso fortuito.
É certo que a jurisprudência do E. Superior Tribunal de Justiça firmou-se no sentido de que é
insuficiente apenas a produção de prova testemunhal para a comprovação de atividade rural, nos
termos da Súmula 149: (...) A prova exclusivamente testemunhal não basta à comprovação da
atividade rurícola, para efeito de obtenção de benefício previdenciário (...). Nesse sentido:
"PREVIDENCIÁRIO. RECURSO ESPECIAL. APOSENTADORIA POR IDADE. RURÍCOLA.
CERTIDÃO DE CASAMENTO. MARIDO LAVRADOR. INÍCIO RAZOÁVEL DE PROVA
MATERIAL.
1. A comprovação da atividade laborativa do rurícola deve-se dar com o início de prova material,
ainda que constituído por dados do registro civil, como certidão de casamento onde consta à
profissão de lavrador atribuída ao marido da Autora. Precedentes da Terceira Seção do STJ.
2. Recurso especial conhecido em parte e provido (...). (REsp 707.846/CE, Rel. Min. LAURITA
VAZ, Quinta Turma, DJ de14/3/2005).
Importante anotar, contudo, que não se exige que a prova material se estenda por todo o período
de carência, mas é imprescindível que a prova testemunhal amplie a eficácia probatória dos
documentos, como se verifica nos autos. No mesmo sentido:
"AÇÃO RESCISÓRIA. PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR IDADE. RURAL.
COMPROVAÇÃO DA ATIVIDADE AGRÍCOLA NO PERÍODO DE CARÊNCIA. INÍCIO DE PROVA
MATERIAL AMPLIADO POR PROVA TESTEMUNHAL. PEDIDO PROCEDENTE.
1. É firme a orientação jurisprudencial desta Corte no sentido de que, para concessão de
aposentadoria por idade rural, não se exige que a prova material do labor agrícola se refira a todo
o período de carência, desde que haja prova testemunhal apta a ampliar a eficácia probatória dos
documentos, como na hipótese em exame.
2. Pedido julgado procedente para, cassando o julgado rescindendo, dar provimento ao recurso
especial para restabelecer a sentença (...).” (AR 4.094/SP, Rel. Ministra MARIA THEREZA DE
ASSIS MOURA, TERCEIRA SEÇÃO, julgado em 26/09/2012, DJe 08/10/2012).
A matéria, a propósito, foi objeto de Recurso Especial Representativo de Controvérsia:
"PREVIDENCIÁRIO. RECURSO ESPECIAL REPRESENTATIVO DA CONTROVÉRSIA.
APOSENTADORIA POR TEMPO DE SERVIÇO. ART. 55, § 3º, DA LEI 8.213/91. TEMPO DE
SERVIÇO RURAL. RECONHECIMENTO A PARTIR DO DOCUMENTO MAIS ANTIGO.
DESNECESSIDADE. INÍCIO DE PROVA MATERIAL CONJUGADO COM PROVA
TESTEMUNHAL. PERÍODO DE ATIVIDADE RURAL COINCIDENTE COM INÍCIO DE
ATIVIDADE URBANA REGISTRADA EM CTPS. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO.
1. A controvérsia cinge-se em saber sobre a possibilidade, ou não, de reconhecimento do período
de trabalho rural anterior ao documento mais antigo juntado como início de prova material.
2. De acordo com o art. 400 do Código de Processo Civil "a prova testemunhal é sempre
admissível, não dispondo a lei de modo diverso". Por sua vez, a Lei de Benefícios, ao disciplinar a
aposentadoria por tempo de serviço, expressamente estabelece no § 3º do art. 55 que a
comprovação do tempo de serviço só produzirá efeito quando baseada em início de prova
material, "não sendo admitida prova exclusivamente testemunhal, salvo na ocorrência de motivo
de força maior ou caso fortuito, conforme disposto no Regulamento" (Súmula 149/STJ).
3. No âmbito desta Corte, é pacífico o entendimento de ser possível o reconhecimento do tempo
de serviço mediante apresentação de um início de prova material, desde que corroborado por
testemunhos idôneos. Precedentes.
4. A Lei de Benefícios, ao exigir um "início de prova material", teve por pressuposto assegurar o
direito à contagem do tempo de atividade exercida por trabalhador rural em período anterior ao
advento da Lei 8.213/91 levando em conta as dificuldades deste, notadamente hipossuficiente.
5. Ainda que inexista prova documental do período antecedente ao casamento do segurado,
ocorrido em 1974, os testemunhos colhidos em juízo, conforme reconhecido pelas instâncias
ordinárias, corroboraram a alegação da inicial e confirmaram o trabalho do autor desde 1967.
6. No caso concreto, mostra-se necessário decotar, dos períodos reconhecidos na sentença,
alguns poucos meses em função de os autos evidenciarem os registros de contratos de trabalho
urbano em datas que coincidem com o termo final dos interregnos de labor como rurícola, não
impedindo, contudo, o reconhecimento do direito à aposentadoria por tempo de serviço,
mormente por estar incontroversa a circunstância de que o autor cumpriu a carência devida no
exercício de atividade urbana, conforme exige o inc. II do art. 25 da Lei 8.213/91.
7. Os juros de mora devem incidir em 1% ao mês, a partir da citação válida, nos termos da
Súmula n. 204/STJ, por se tratar de matéria previdenciária. E, a partir do advento da Lei
11.960/09, no percentual estabelecido para caderneta de poupança. Acórdão sujeito ao regime do
art. 543-C do Código de Processo Civil." (STJ - 1ª Seção, REsp 1.348.622/SP, Rel. Min.
ARNALDO ESTEVES LIMA, j. 23/08/2013).
No caso vertente, a parte autora anexou aos autos razoável início de prova material,
consubstanciado nos seguintes documentos: i) certidão de casamento, em que o autor é
qualificado como lavrador (1998); ii) escritura pública de compra e venda de imóvel rural, em que
o autor, qualificado como lavrador, figura como comprador (2002); iii) certidão de nascimento do
filho, em que o autor é qualificado como lavrador (2003); iv) notas fiscais de produtor (2003/2017).
Anote-se, de início, que as alegações do INSS a respeito da nulidade do feito não merecem
prosperar, senão vejamos.
A Autarquia Previdenciária, ao conceder um benefício previdenciário exerce atividade vinculada,
incumbindo-lhe apurar, dentre as espécies a que faz jus o segurado, qual delas se lhe revela mais
vantajosa na data do requerimento administrativo, de modo a proporcionar-lhe a maior proteção
social, conforme expressa previsão no Enunciado 5 da Junta de Recursos da Previdência Social
(Resolução nº 02 do Conselho de Recursos da Previdência Social-CRPS, publicada no Diário
Oficial da União de 7 de abril de 2006):
"Enunciado nº 5: Referência: Art. 1º do Decreto nº 611/92 (Vide art. 1º do Decreto nº 3.048/99).
Remissão: Prejulgado nº1: A Previdência Social deve conceder o melhor benefício a que o
segurado fizer jus, cabendo ao servidor orientá-lo nesse sentido."
Disso se infere que, ao receber pedido administrativo visando à concessão de aposentadoria por
idade, ao argumento do segurado de que houve o preenchimento da carência exigida, o INSS
deve apurar a documentação carreada e as próprias anotações constantes do CNIS a fim de
concluir a respeito da procedência ou improcedência do pedido.
Vê-se, portanto, que o fato do autor não ter formulado especificamente pedido na exordial
requerendo o cômputo, para efeito de carência, dos períodos em gozo de auxílio-doença não
afasta a possibilidade de seu conhecimento pelo magistrado, sobretudo por se tratar de
informação à qual a autarquia previdenciária tem pleno acesso, restando presumida sua análise
quando do indeferimento do requerimento administrativo trazido aos autos como objeto da
controvérsia.
Nessa mesma toada, portanto, não assiste razão à autarquia previdenciária quanto ao pedido de
condenação da parte autora ao pagamento de multa por litigância de má-fé, uma vez que não
vislumbro a aplicação de quaisquer das hipóteses descritas no art. 80 do CPC. Ademais, partilho
do entendimento de que a litigância de má-fé apenas se verifica em casos nos quais ocorre o
dano à parte contrária e configuração de conduta dolosa, o que entendo não ter havido no
processo ora analisado. Deve-se destacar que a situação dos autos não trouxe qualquer
vantagem à parte autora nem causou prejuízo à parte contrária ou ao processo, não havendo que
se falar em litigância de má-fé.
Pois bem. De acordo com decisões reiteradas desta 10ª Turma, o intervalo de tempo em que o
requerente gozou de auxílio-doença, quando compreendido entre períodos contributivos ou de
efetivo labor - como no caso vertente -, deve ser reconhecido para efeito de carência. Nessa
direção: STJ - AgRg no REsp: 1271928 RS 2011/0191760-1, Relator: Ministro Rogerio Schietti
Cruz, Data de Julgamento: 16/10/2014, T6 - Sexta Turma, Data de Publicação: DJe 03/11/2014.
Observo que tal entendimento foi sedimentado pelo Supremo Tribunal Federal, no RE 583835,
com repercussão geral reconhecida, no sentido de que o art. 29, §5º, da Lei nº 8.213/91, constitui
uma exceção à vedação da contagem de tempo ficto de contribuição, e que somente é aplicável
nos casos em que os benefícios por incapacidade são entremeados por períodos contributivos, a
saber:
"CONSTITUCIONAL. PREVIDENCIÁRIO. REGIME GERAL DA PREVIDÊNCIA SOCIAL.
CARÁTER CONTRIBUTIVO. APOSENTADORIA POR INVALIDEZ. AUXÍLIO-DOENÇA.
COMPETÊNCIA REGULAMENTAR. LIMITES.
1. O caráter contributivo do regime geral da previdência social (caput do art. 201 da CF) a
princípio impede a contagem de tempo ficto de contribuição.
2. O § 5º do art. 29 da Lei nº 8.213/1991 (Lei de Benefícios da Previdência Social - LBPS) é
exceção razoável à regra proibitiva de tempo de contribuição ficto com apoio no inciso II do art. 55
da mesma Lei. E é aplicável somente às situações em que a aposentadoria por invalidez seja
precedida do recebimento de auxílio-doença durante período de afastamento intercalado com
atividade laborativa, em que há recolhimento da contribuição previdenciária. Entendimento, esse,
que não foi modificado pela Lei nº 9.876/99.
3. O § 7º do art. 36 do Decreto nº 3.048/1999 não ultrapassou os limites da competência
regulamentar porque apenas explicitou a adequada interpretação do inciso II e do § 5º do art. 29
em combinação com o inciso II do art. 55 e com os arts. 44 e 61, todos da Lei nº 8.213/1991.
4. A extensão de efeitos financeiros de lei nova a benefício previdenciário anterior à respectiva
vigência ofende tanto o inciso XXXVI do art. 5º quanto o § 5º do art. 195 da Constituição Federal.
Precedentes: REs 416.827 e 415.454, ambos da relatoria do Ministro Gilmar Mendes.
5. Recurso extraordinário com repercussão geral a que se dá provimento". (STF,
REPERCUSSÃO GERAL - MÉRITO, RELATOR MIN. AYRES BRITTO DJe-032 DIVULG
13.02.2012 PUBLIC 14-02-2012).
A prova testemunhal produzida em Juízo, nesse sentido, corroborou o alegado na exordial, não
remanescendo quaisquer dúvidas quanto ao exercício, pela parte autora, de atividade rural nos
períodos pleiteados, sendo possível inferir que o referido labor se deu antes e após os períodos
em gozo de benefício por incapacidade, compreendidos nos anos de 2004 e 2006/2017,
autorizando seu cômputo para efeito de carência.
Saliente-se, ademais, que o próprio INSS reconheceu a qualidade de segurado especial do autor
desde 31.12.2007, não havendo qualquer indicador de pendência a respeito deste vínculo.
Insta realçar, por fim, que eventuais contribuições previdenciárias vertidas pela parte autora não
descaracterizam sua condição de trabalhadora rural, consoante vaticina o art. 25, § 1º, da Lei nº
8.212/91, que permitiu ao segurado especial se inscrever, facultativamente, como contribuinte
individual.
Neste contexto, havendo prova plena ou início razoável de prova material corroborada por prova
testemunhal, impõe-se reconhecer que a parte autora comprovou o exercício de atividade rural
por período superior ao legalmente exigido, no período imediatamente anterior ao cumprimento
do requisito etário.
Assim sendo, tendo a parte autora completado 60 anos de idade em 18.06.2017, bem como
cumprido tempo de atividade rural superior ao legalmente exigido, consoante o art. 48, §§ 1º e 2º,
da Lei n. 8.213/91, é de se conceder a aposentadoria rural por idade.
O benefício é devido a partir da data do requerimento administrativo (D.E.R. 05.01.2018).
Observo que a correção monetária deverá incidir sobre as prestações em atraso desde as
respectivas competências e os juros de mora desde a citação, observada eventual prescrição
quinquenal, nos termos do Manual de Orientação de Procedimentos para os Cálculos na Justiça
Federal, aprovado pela Resolução nº 267/2013, do Conselho da Justiça Federal (ou aquele que
estiver em vigor na fase de liquidação de sentença). Os juros de mora deverão incidir até a data
da expedição do PRECATÓRIO/RPV, conforme entendimento consolidado pela colenda 3ª Seção
desta Corte. Após a expedição, deverá ser observada a Súmula Vinculante 17.
Com relação aos honorários advocatícios, tratando-se de sentença ilíquida, o percentual da verba
honorária deverá ser fixado somente na liquidação do julgado, na forma do disposto no art. 85, §
3º, § 4º, II, e § 11, e no art. 86, todos do CPC, e incidirá sobre as parcelas vencidas até a data da
decisão que reconheceu o direito ao benefício (Súmula 111 do STJ).
Embora o INSS seja isento do pagamento de custas processuais, deverá reembolsar as
despesas judiciais feitas pela parte vencedora e que estejam devidamente comprovadas nos
autos (Lei nº 9.289/96, artigo 4º, inciso I e parágrafo único).
Caso a parte autora esteja recebendo benefício previdenciário concedido administrativamente,
deverá optar, à época da liquidação de sentença, pelo benefício judicial ou administrativo que
entenda ser mais vantajoso.
Ante o exposto, nego provimento à apelação do INSS, fixando, de ofício, os consectários legais,
tudo na forma acima explicitada.
É como voto.
E M E N T A
PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR IDADE RURAL. ART. 48, §1º, DA LEI 8.213/91.
ATIVIDADE RURAL COMPROVADA. INÍCIO DE PROVA MATERIAL CORROBORADA POR
PROVA TESTEMUNHAL. AUXÍLIO-DOENÇA ENTRE PERÍODOS CONTRIBUTIVOS.
REQUISITOS PREENCHIDOS. LITIGÂNCIA DE MÁ-FÉ NÃO CARACTERIZADA. BENEFÍCIO
DEVIDO.
1. O benefício da aposentadoria por idade é concedido, desde que demonstrado o cumprimento
da carência, ao segurado trabalhador rural que tenha 60 anos de idade, se homem, ou 55 anos
se mulher (§ 1º, artigo 48 da Lei nº 8.213/91).
2. Comprovada a atividade rural e a carência exigidas através de início de prova material
corroborada pela testemunhal, e preenchida a idade necessária à concessão do benefício, faz jus
a parte autora ao recebimento da aposentadoria por idade.
3. O fato do autor não ter formulado especificamente pedido na exordial requerendo o cômputo,
para efeito de carência, dos períodos em gozo de auxílio-doença não afasta a possibilidade de
seu conhecimento pelo magistrado, sobretudo por se tratar de informação à qual a autarquia
previdenciária tem pleno acesso, restando presumida sua análise quando do indeferimento do
requerimento administrativo trazido aos autos como objeto da controvérsia.
4. Não se vislumbra má-fé do embargante a justificar a aplicação de multa, pois a má-fé,
diferentemente da boa-fé, não pode ser presumida e, no caso dos autos, a parte apenas utilizou-
se dos meios processuais previstos em lei para defender os direitos que alega possuir, o que por
si só, não caracteriza, as hipóteses de litigância de má-fé, previstas na lei processual.
5. Os intervalos de tempo em que o segurado gozou de auxílio-doença, desde que estejam entre
períodos contributivos, devem ser considerados para efeito de carência.
6. Apelação do INSS desprovida. Fixados, de ofício, os consectários legais. ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Decima Turma, por
unanimidade, decidiu negar provimento a apelacao do INSS, fixando, de oficio, os consectarios
legais, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Resumo Estruturado
VIDE EMENTA
