Processo
ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL / SP
5615394-97.2019.4.03.9999
Relator(a)
Desembargador Federal JOAO BATISTA GONCALVES
Órgão Julgador
9ª Turma
Data do Julgamento
03/09/2020
Data da Publicação/Fonte
e - DJF3 Judicial 1 DATA: 08/09/2020
Ementa
E M E N T A
PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR IDADE RURAL. DOCUMENTOS EM NOME DO
CÔNJUGE. EXERCÍCIO DE ATIVIDADE URBANA. APELAÇÃO DO INSS PROVIDA.
APELAÇÃO DA PARTE AUTORA PREJUDICADA.
- Requisito etário adimplido.
- Ausente início eficaz de prova material.
- Não comprovada a carência exigida.
- A declaração firmada pelo empregador não ostenta idoneidade probatória do trabalho rural pela
autora no período indicado, pois se erige em mera manifestação, colhida sem o crivo do
contraditório.
-A CTPS do cônjuge da autora registra atividade de natureza urbana (vigia), em indústria
metalúrgica, durante significativo lapso temporal (26/10/ 2000 a 02/02/ 2006), dentro do período
de carência.
- O fato de um dos membros do grupo familiar exercer trabalho incompatível com o labor rurícola,
como o de natureza urbana, não descaracteriza, por si só, a atividade agrícola dos demais
componentes, caso haja prova em nome próprio, devendo, ainda, ser averiguada a
dispensabilidade do trabalho rural para a subsistência do grupo familiar.Ocorre que, na hipótese
vertente, não há prova material em nome próprio da autora.
- O exercício de atividade de natureza urbana pelo seu cônjuge descaracteriza a qualidade de
segurada especial da autora.
Jurisprudência/TRF3 - Acórdãos
A parte autora deverá arcar com honorários advocatícios fixados em 10% do valor atualizado da
causa, observado o disposto no art. 98, § 3º, do Código de Processo Civil atual, que manteve a
sistemática da Lei n. 1.060/50, por ser beneficiária da justiça gratuita.
- Apelação do INSS provida.
-Apelação da parte autora prejudicada.
Acórdao
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº5615394-97.2019.4.03.9999
RELATOR:Gab. 30 - DES. FED. BATISTA GONÇALVES
APELANTE: MARIA ANTONIA CAPELLARI, INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL -
INSS
Advogado do(a) APELANTE: GEORGE STRAUS BATISTA DE SENNA - SP280552-N
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS, MARIA ANTONIA
CAPELLARI
Advogado do(a) APELADO: GEORGE STRAUS BATISTA DE SENNA - SP280552-N
OUTROS PARTICIPANTES:
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº5615394-97.2019.4.03.9999
RELATOR:Gab. 30 - DES. FED. BATISTA GONÇALVES
APELANTE: MARIA ANTONIA CAPELLARI, INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL -
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CAPELLARI
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OUTROS PARTICIPANTES:
R E L A T Ó R I O
Cuida-se de apelações autárquica e autoral, tiradas de sentença, não submetida à remessa
oficial, que, em autos de concessão de aposentadoria por idade rural, julgou procedente o pedido
e condenou o réu ao pagamento das prestações vencidas, a partir do ajuizamento da ação,
discriminados os consectários. Condenou em despesas processuais. Arbitrou-se verba honorária
à ordem de um mil reais. Antecipados os efeitos da tutela.
O INSS pugna pela reforma da decisão combatida, ao argumento de ausência de início de prova
material da atividade rurícola exercida no período de carência. Aduz a existência de vínculo
urbano exercido pelo cônjuge a obstar a concessão da benesse.
A autora pede a fixação do termo inicial de concessão do benefício e a modificação dos critérios
de arbitramento da verba honorária.
Ofertadas contrarrazões pela autarquia e decorrido “in albis” o prazo para a autora, subiram os
autos a este Tribunal.
É o relatório.
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº5615394-97.2019.4.03.9999
RELATOR:Gab. 30 - DES. FED. BATISTA GONÇALVES
APELANTE: MARIA ANTONIA CAPELLARI, INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL -
INSS
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APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS, MARIA ANTONIA
CAPELLARI
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OUTROS PARTICIPANTES:
V O T O
Inicialmente, afigura-se correta a não submissão da r. sentença à remessa oficial.
De fato, o art. 496, § 3º, inciso I, do novo Código de Processo Civil, que entrou em vigor em 18 de
março de 2016, dispõe que não está sujeita ao reexame necessário a sentença em ações
movidas contra a União Federal e respectivas autarquias e fundações e cujo direito controvertido
não exceda mil salários mínimos.
No caso dos autos, considero as datas do termo inicial do benefício e da prolação da sentença,
em 20 de junho de 2018. Atenho-me ao teto para o salário-de-benefício como parâmetro de
determinação do valor da benesse Verifico que a hipótese em exame não excede os mil salários
mínimos.
Não sendo, pois, o caso de conhecer da remessa oficial, passo à análise do recurso interposto,
uma vez cumpridos os requisitos de admissibilidade previstos no diploma processual.
A aposentadoria por idade de rurícola exige idade mínima de 60 anos (homem) e 55 anos
(mulher), bem assim comprovação do exercício de atividade rural, ainda que de forma
descontínua, no período imediatamente anterior ao requerimento do benefício, em número de
meses idêntico à carência da benesse, conforme tabela progressiva, de cunho transitório, inserta
no art. 142 da Lei nº 8.213/91, a ser manejada conforme o ano de implementação do requisito
etário, ficando afastada a obrigatoriedade de contribuições. Findo o período de vigência da norma
de transição, imperioso aplicar-se a regra permanente estampada no art. 48 e parágrafos do
mesmo diploma, na dicção da Lei nº 11.718/2008, fincada, nesse particular, a exigência de
demonstração do exercício de labor rural por 180 meses (carência da aposentadoria por idade).
Muito se debateu a respeito da comprovação da atividade rural para efeito de concessão do
aludido benefício e, atualmente, reconhece-se na jurisprudência elenco de posicionamentos
assentados sobre o assunto, a nortear apreciação das espécies e a valoração dos respectivos
conjuntos probatórios. Dentre esses entendimentos, podem-se destacar os seguintes:
(i) é suficiente à demonstração do labor rural início de prova material (v.g., documentos expedidos
por órgãos públicos que contemplem a qualificação rurícola da parte autora, não sendo taxativo o
rol de documentos previsto no art. 106 da Lei nº 8.213/91), corroborado por prova testemunhal
coesa e harmônica, sendo inservível a tal finalidade prova exclusivamente testemunhal (Súmula
STJ 149), inclusive para os chamados "boias-frias" (REsp nº 1.321.493/PR, apreciado na
sistemática do art. 543-C do CPC);
(ii) são extensíveis à mulher, a partir da celebração do matrimônio ou do limiar da união estável,
os documentos em que os cônjuges, ou conviventes, aparecem qualificados como lavradores
(v.g., STJ, AGARESP 201402280175, Relatora Min. Assusete Magalhães, Segunda Turma, DJE
11/12/2014);
(iii) não se enquadra como princípio documental certidão recente da Justiça Eleitoral, preenchida
de acordo com informações fornecidas pelo próprio postulante do jubilamento, assemelhando-se,
portanto, à singela declaração unilateral de atividade profissional (e.g., TRF3, AC
00160584920114039999, Relator Juiz Convocado Valdeci dos Santos, Décima Turma, e-DJF3
01/07/2015; AC 00025385620104039999, AC 1482334, Relatora Desembargadora Federal Tania
Marangoni, Oitava Turma, e-DJF3 16/04/2015);
(iv) o afastamento do ofício rural, após o preenchimento de todos os requisitos exigidos à
aposentadoria, não interfere em sua concessão, sendo, contudo, inaplicável aos rurícolas o
estatuído no art. 3º, da Lei nº 10.666/2003 (STJ, PET nº 7.476/PR, 3ª Seção, Rel. Min. Napoleão
Nunes Maia Filho, j. 13/12/2010, Rel. p/ acórdão Min. Jorge Mussi; AgRg no REsp nº 1.253.184,
5ª Turma, Rel. Min. Jorge Mussi, j. 06/09/2011; AgRg no REsp nº 1.242.720, 6ª Turma, Rel. Min.
Sebastião Reis Junior, j. 02/02/2012; REsp nº 1.304.136, 2ª Turma, Rel. Min. Herman Benjamim,
j. 21/02/2013, DJe 07/03/2013), sob pena, inclusive, de se atribuir aos trabalhadores rurais regime
híbrido em que se mesclariam as vantagens típicas dos campesinos e outras inerentes
exclusivamente aos obreiros urbanos;
(v) possível o reconhecimento de tempo de serviço rural antecedente ou ulterior ao princípio de
prova documental apresentado, desde que ratificado por testemunhos idôneos (STJ, REsp nº
1.348.633/SP, Relator Min. Arnaldo Esteves Lima, Primeira Seção, j. 28/08/2013, DJE
05/12/2014).
A despeito de toda evolução exegética a respeito da matéria, certo é que alguns pontos
permaneceram polêmicos por anos e apenas recentemente experimentaram pacificação. Talvez o
maior deles diga respeito, justamente, à necessidade de demonstração da labuta rural no período
imediatamente anterior ao requerimento da benesse.
Respeitáveis posições recusavam uma resposta apriorística do que viesse a se entender pela
expressão período imediatamente anterior, sob o argumento de que a solução da controvérsia
passa por acurado estudo de cada caso concreto, com destaque à cronologia laboral da parte
autora, a fim de definir se verdadeiramente se está diante de pessoa que dedicou sua vida
profissional às lides rurais.
Sem embargo, o dissenso acabou desfechado pelo c. STJ em sede de recurso representativo de
controvérsia, in verbis:
"PROCESSUAL CIVIL E PREVIDENCIÁRIO. RECURSO ESPECIAL REPRESENTATIVO DA
CONTROVÉRSIA. APOSENTADORIA POR IDADE RURAL. COMPROVAÇÃO DA ATIVIDADE
RURAL NO PERÍODO IMEDIATAMENTE ANTERIOR AO REQUERIMENTO. REGRA DE
TRANSIÇÃO PREVISTA NO art. 143 DA LEI 8.213/1991. REQUISITOS QUE DEVEM SER
PREENCHIDOS DE FORMA CONCOMITANTE. RECURSO ESPECIAL PROVIDO. 1. Tese
delimitada em sede de representativo da controvérsia, sob a exegese do art. 55, § 3º combinado
com o art. 143 da Lei 8.213/1991, no sentido de que o segurado especial tem que estar laborando
no campo, quando completar a idade mínima para se aposentar por idade rural, momento em que
poderá requerer seu benefício. Se, ao alcançar a faixa etária exigida no art. 48, § 1º, da Lei
8.213/1991, o segurado especial deixar de exercer atividade rural, sem ter atendido a regra
transitória da carência, não fará jus à aposentadoria por idade rural pelo descumprimento de um
dos dois únicos critérios legalmente previstos para a aquisição do direito. Ressalvada a hipótese
do direito adquirido em que o segurado especial preencheu ambos os requisitos de forma
concomitante, mas não requereu o benefício. 2. Recurso especial do INSS conhecido e provido,
invertendo-se o ônus da sucumbência. Observância do art. 543-C do Código de Processo Civil."
(RESP 201202472193, RESP - RECURSO ESPECIAL - 1354908, Relator MAURO CAMPBELL
MARQUES, PRIMEIRA SEÇÃO, DJE 10/02/2016)
No mesmo sentido:
"PROCESSUAL CIVIL E PREVIDENCIÁRIO. AGRAVO REGIMENTAL. APOSENTADORIA POR
IDADE RURAL. CARÊNCIA. LABOR RURAL NO PERÍODO IMEDIATAMENTE ANTERIOR AO
REQUERIMENTO DO BENEFÍCIO. REQUISITO. SÚMULA 83/STJ. 1. A jurisprudência do STJ se
firmou no sentido de que é necessária a prova do labor rural no período imediatamente anterior
ao requerimento do benefício de aposentadoria por idade, conforme arts. 39, I, e 143 da Lei
8.213/1991. Nesse sentido: AgRg no REsp 1.342.355/SP, Rel. Ministro Sérgio Kukina, Primeira
Turma, DJe 26.8.2013; AgRg no AREsp 334.161/PR, Rel. Ministra Eliana Calmon, Segunda
Turma, DJe 6.9.2013. (...)" (AGARESP 201401789810, Relator Min. HERMAN BENJAMIN, STJ,
SEGUNDA TURMA, DJE 28/11/2014)
"AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO DE INSTRUMENTO. PREVIDENCIÁRIO. INÍCIO DE
PROVA MATERIAL CORROBORADO POR PROVA TESTEMUNHAL. EXISTÊNCIA.
COMPROVADO EFETIVO DESEMPENHO DE ATIVIDADE RURAL NO PERÍODO
IMEDIATAMENTE ANTERIOR AO AJUIZAMENTO DA AÇÃO. CONCESSÃO DO BENEFÍCIO,
NOS TERMOS DO ART. 143 DA LEI Nº 8.213/91. PRECEDENTES. AGRAVO REGIMENTAL
IMPROVIDO. 1. O trabalhador rural pode requerer aposentadoria por idade, no valor de 1 (um)
salário mínimo, durante o prazo de 15 (quinze) anos contados da promulgação da Lei Federal nº
8.213/91. Para tanto, deverá comprovar o exercício da atividade rural, ainda que de forma
descontínua, no período imediatamente anterior ao mês em que cumprir o requisito idade, em
número de meses idêntico à carência exigida para a concessão do benefício. (...) 3. Agravo
regimental improvido." (AGA 200501236124, Relatora Min. MARIA THEREZA DE ASSIS
MOURA, STJ, SEXTA TURMA, DJE 19/10/2009)
"PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR IDADE. TRABALHADORA RURAL. INÍCIO DE
PROVA MATERIAL CORROBORADO POR ROBUSTA PROVA TESTEMUNHAL. 1.O
entendimento jurisprudencial do STJ é no sentido de que a atividade urbana exercida no período
imediatamente anterior ao requerimento do benefício ou ao implemento do requisito etário impede
a concessão da aposentadoria por idade rural, conforme arts. 142 e 143 da Lei 8.213/1991. (...)
Agravo regimental improvido." (AGARESP 201301680980, Relator HUMBERTO MARTINS, STJ,
SEGUNDA TURMA, DJE 26/08/2013)
"PROCESSO CIVIL. PREVIDENCIÁRIO. APELAÇÃO. APOSENTADORIA POR IDADE.
ATIVIDADE RURAL NO PERÍODO IMEDIATAMENTE ANTERIOR AO REQUISITO ETÁRIO NÃO
CUMPRIDO. POSSIBILIDADE DE AVERBAÇÃO DOS INTERSTICÍOS COMPROVADOS NOS
AUTOS, A PARTIR DOS 12 ANOS. CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA DE 1967. MULTA DIÁRIA.
PREJUDICADA. DEVOLUÇÃO DE VALORES. DESNECESSIDADE. (...) III - A autora deixou o
labor rural no máximo ano de 1992, visto que a partir daí passou a trabalhar como costureira, um
dos requisitos externados no art. 143 da Lei nº 8.213/91 não foi cumprido, qual seja, o labor rural
até a data do implemento do quesito etário. Sendo assim, não faz jus à concessão do benefício
de aposentadoria rural por idade, não obstante tenha direito à averbação do período de atividade
rural devidamente comprovado nos autos. (...)" (AC 00098544720154039999, Relator
DESEMBARGADOR FEDERAL SERGIO NASCIMENTO, TRF3, DÉCIMA TURMA, e-DJF3
Judicial 1 09/12/2015)
Da análise dos entendimentos jurisprudenciais coletados, penso que a concessão da
aposentadoria por idade de trabalhador rural há de se atrelar à comprovação do desempenho de
labor rural quando da propositura da ação, da formulação do requerimento administrativo ou, ao
menos, por ocasião do atingimento do requisito etário, como, de resto, textualmente deliberado
por esta E. Corte em paradigma da Terceira Seção:
"EMBARGOS INFRINGENTES. PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR IDADE DE
RURÍCOLA. INEXISTÊNCIA DE COMPROVAÇÃO DA ATIVIDADE RURAL NO PERÍODO
IMEDIATAMENTE ANTERIOR AO CUMPRIMENTO DO REQUISITO ETÁRIO OU
REQUERIMENTO DO BENEFÍCIO. - Atividade rural, mesmo que descontínua, não comprovada
no período imediatamente anterior ao implemento da idade ou requerimento do benefício, enseja
a negação da aposentadoria de rurícola vindicada. - Inaplicabilidade à hipótese do art. 3º, §1º, da
Lei 10.666/03, segundo a jurisprudência recente do Superior Tribunal de Justiça (...) -
Permanecem arraigadas as exigências do art. 143 da Lei 8.213/91 à concessão de aposentadoria
por idade a trabalhador rural, na medida em que os benefícios de valor mínimo pagos aos
rurícolas em geral possuem disciplina própria, em que a carência independe de contribuições
mensais, daí que obrigatória, mesmo de forma descontínua, a prova do efetivo exercício da
atividade no campo. - Embora comportando temperamentos, via de regra, o abandono do posto
de lavrador anteriormente ao implemento do requisito etário ou formulação do requerimento
administrativo ou judicial, mormente quando contemporâneo ao emprego em atividade urbana do
cônjuge que empresta à esposa requerente a qualidade de segurado, acaba inviabilizando por
completo o deferimento da benesse postulada".(EI 00139351020134039999, Relatora
DESEMBARGADORA FEDERAL THEREZINHA CAZERTA, TRF3, TERCEIRA SEÇÃO, e-DJF3
Judicial 1 10/06/2015)
Postas as balizas, passa-se ao exame do caso dos autos.
De pronto, verifica-se o cumprimento pela autora do requisito etário em 01 de março de 2008,
incumbindo-lhe, pois, demonstrar atividade campestre, como rurícola, por 162 meses. Formulou
seu requerimento administrativo em 12/02/2016.
A título de início de prova material, a autora apresentou declaração de ex-empregador, firmada
em 2016, apontando o exercício de atividades rurícolas, no período de 1981 a 1985.
Foram colacionados, ademais, documentos em nome do cônjuge da autora, em que se acha
qualificado como lavrador, a saber, título de eleitor, emitido em 1971; certificado de reservista,
expedido em 1972; certidão de casamento, celebrado em 1973; e registros em CTPS, em
períodos intermitentes de outubro de 1971 a fevereiro de 2015.
A parte autora complementou o início de prova material com declarações escolares, indicado que
seus filhos residiram no Sítio Cachoeirinha, no interregno de 1982 a 1994.
Cumpre consignar que a declaração firmada pelo empregador não ostenta idoneidade probatória
do trabalho rural pela autora no período indicado, pois se erige em mera manifestação, colhida
sem o crivo do contraditório.
Nessa esteira os seguintes julgados desta Corte:
"(...) Meras declarações não podem ser consideradas como início razoável de prova material,
equivalendo, em vez disso, a simples depoimentos unilaterais reduzidos a termo e não
submetidos, o que é pior, ao crivo do contraditório. Estão, portanto, em patamar inferior, no meu
entender, à prova testemunhal colhida em juízo, por não garantir a bilateralidade de audiência.
(...) Apelação e remessa oficial providas para reformar a sentença e julgar improcedente o pedido.
Recurso adesivo prejudicado." (Oitava Turma - APELREEX - APELAÇÃO/REEXAME
NECESSÁRIO - 2005456 / SP, Rel. Des. Fed. Terezinha Cazerta, v.u., e-DJF 3 Judicial 1:
18/02/2015).
"(...) 3 - As declarações unilaterais juntadas não têm o condão de corroborar o início da prova
documental produzida pela autora, porquanto não submetidas ao crivo do contraditório, não
permitindo, assim, o enquadramento como segurada rural. Não têm força probante do trabalho, já
que substancialmente não se diferem de depoimentos, com a agravante de serem pouco
esclarecedoras e de idêntico teor - a indicar que certamente foram redigidas por terceiro para
simples assinatura -, aplicando-se a regra do parágrafo único do art. 408 do CPC em vigor (art.
368, parágrafo único do antigo), segundo a qual o documento particular não prova o fato
declarado senão somente a própria declaração, cabendo à parte interessada o ônus de provar
esse fato. 4 - Imprescindível a oitiva da prova testemunhal para o fim de corroborar o início da
prova documental juntada aos autos, devendo o feito retornar ao Juízo de origem para regular
prosseguimento mediante produção de prova oral. 5 - Sentença anulada. Prejudicada análise do
mérito da apelação." (Sétima Turma - AC - APELAÇÃOCÍVEL - 2092091/SP, Rel. Juiz
Convocado Claudio Santos, v.u., e-DFJ3 Judicial 1: 21/10/2016).
Verifica-se, ademais, que a CTPS do cônjuge da autora registra atividade de natureza urbana
(vigia), em indústria metalúrgica, durante significativo lapso temporal (26/10/ 2000 a 02/02/ 2006),
dentro do período de carência.
Não se descura do entendimento firmado pela Primeira Seção do C. Superior Tribunal de Justiça,
no julgamento do Recurso Especial Repetitivo n.º 1.304.479/SP, processado sob o rito do art.
543-C do CPC/1973, no sentido de que o fato de um dos membros do grupo familiar exercer
trabalho incompatível com o labor rurícola, como o de natureza urbana, não descaracteriza, por si
só, a atividade agrícola dos demais componentes, caso haja prova em nome próprio, devendo,
ainda, ser averiguada a dispensabilidade do trabalho rural para a subsistência do grupo familiar.
Ocorre que, na hipótese vertente, não há prova material em nome próprio da autora.
Destarte, o exercício de atividade de natureza urbana pelo seu cônjuge descaracteriza sua
qualidade de segurada especial, como indicado no sobredito paradigma do C. Superior Tribunal
de Justiça, exarado em repercussão geral.
Nesse sentido já decidiu a Nona Turma desta C. Corte:
"PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR IDADE RURAL. BENEFÍCIO NÃO
CONTRIBUTIVO. ARTIGO 143 DA LEI 8.213/91. NORMA TRANSITÓRIA. INÍCIO DE PROVA
MATERIAL. PROVA TESTEMUNHAL. OUTRA FONTE DE RENDA. ARTIGO 39, I, DA LEI
8.213/91 DESCARACTERIZAÇÃO DO REGIME DE ECONOMIA FAMILIAR. PRINCÍPIO DA
UNIFORMIDADE. REQUISITOS NÃO PREENCHIDOS. APELAÇÃO PROVIDA. - A
aposentadoria por idade, rural e urbana, é garantida pela Constituição Federal em seu artigo 201,
§7º, inciso II, para os segurados do regime geral de previdência social (RGPS), nos termos da lei
e desde que obedecidas as seguintes condições: "II - sessenta e cinco anos de idade, se homem,
e sessenta anos de idade, se mulher, reduzido em cinco anos o limite para os trabalhadores
rurais de ambos os sexos e para os que exerçam suas atividades em regime de economia
familiar, nestes incluídos o produtor rural, o garimpeiro e o pescador artesanal;" - A questão
relativa à comprovação de atividade rural se encontra pacificada no Superior Tribunal de Justiça,
que exige início de prova material e afasta por completo a prova exclusivamente testemunhal
(Súmula 149 do STJ). - De acordo com o que restou definido quando do julgamento do REsp.
1.321.493/PR, realizado segundo a sistemática de recurso representativo da controvérsia (CPC,
art. 543-C), aplica-se a súmula acima aos trabalhadores rurais denominados "boias-frias", sendo
imprescindível a apresentação de início de prova material, corroborada com provas testemunhal,
para comprovação de tempo de serviço. - Ressalta-se que o início de prova material, exigido pelo
§ 3º do artigo 55 da Lei 8.213/91, não significa que o segurado deverá demonstrar mês a mês,
ano a ano, por meio de documentos, o exercício de atividade na condição de rurícola, pois isto
importaria em se exigir que todo o período de trabalho fosse comprovado documentalmente,
sendo de nenhuma utilidade a prova testemunhal para demonstração do labor rural. - Admite-se,
contudo, a extensão da qualificação de lavrador de um cônjuge ao outro e, ainda, que os
documentos não se refiram precisamente ao período a ser comprovado. Nesse sentido, o REsp n.
501.281, 5ª Turma, j. em 28/10/2003, v.u., DJ de 24/11/2003, p. 354, Rel. Ministra Laurita Vaz. -
No mais, segundo o RESP 1.354.908, realizado segundo a sistemática de recurso representativo
da controvérsia (CPC, art. 543-C), necessária a comprovação do tempo de atividade rural no
período imediatamente anterior à aquisição da idade. - Em relação às contribuições
previdenciárias, é assente o entendimento de serem desnecessárias, sendo suficiente a
comprovação do efetivo exercício de atividade no meio rural (STJ, REsp 207.425, 5ª Turma, j. em
21/9/1999, v.u., DJ de 25/10/1999, p. 123, Rel. Ministro Jorge Scartezzini; e STJ, RESP n.
502.817, 5ª Turma, j. em 14/10/2003, v.u., DJ de 17/11/2003, p. 361, Rel. Ministra Laurita Vaz). -
Noutro passo, com relação ao art. 143 da Lei 8.213/91, a regra transitória assegurou aos rurícolas
o direito de requerer aposentadoria por idade, no valor de um salário mínimo, durante 15 (quinze)
anos, contados da vigência da referida Lei. Assim, o prazo de 15 (quinze) anos do artigo 143 da
Lei 8.213/91 expiraria em 25/07/2006. - Entretanto, em relação ao trabalhador rural enquadrado
como segurado empregado ou como segurado contribuinte individual, que presta serviços de
natureza rural, em caráter eventual, a uma ou mais empresas, sem relação de emprego, o aludido
prazo foi prorrogado por mais 02 (dois) anos, estendendo-se até 25/07/2008, em face do disposto
na MP 312/06, convertida na Lei 11.368/06. - Posteriormente, a Medida Provisória nº 410/07,
convertida na Lei 11.718/08, estabeleceu nova prorrogação para o prazo previsto no artigo 143 da
Lei 8.213/91, nos seguintes termos: "Art. 2º Para o trabalhador rural empregado, o prazo previsto
no art. 143 da Lei nº 8.213, de 24 de julho de 1991, fica prorrogado até o dia 31 de dezembro de
2010. Parágrafo único. Aplica-se o disposto no caput deste artigo ao trabalhador rural enquadrado
na categoria de segurado contribuinte individual que presta serviços de natureza rural, em caráter
eventual, a 1 (uma) ou mais empresas, sem relação de emprego. Art. 3º Na concessão de
aposentadoria por idade do empregado rural , em valor equivalente ao salário mínimo, serão
contados para efeito de carência: I - até 31 de dezembro de 2010, a atividade comprovada na
forma do art. 143 da Lei no 8.213, de 24 de julho de 1991; II - de janeiro de 2011 a dezembro de
2015, cada mês comprovado de emprego, multiplicado por 3 (três), limitado a 12 (doze) meses,
dentro do respectivo ano civil; e III - de janeiro de 2016 a dezembro de 2020, cada mês
comprovado de emprego, multiplicado por 2 (dois), limitado a 12 (doze) meses dentro do
respectivo ano civil. Parágrafo único. Aplica-se o disposto no caput deste artigo e respectivo
inciso I ao trabalhador rural enquadrado na categoria de segurado contribuinte individual que
comprovar a prestação de serviço de natureza rural, em caráter eventual, a 1 (uma) ou mais
empresas, sem relação de emprego." - Observe-se que, nos termos do artigo 2º da Lei nº
11.718/08, o prazo estabelecido no referido artigo 143 da LBPS passou a vigorar até 31/12/2010.
Bizarramente, com flagrante antinomia com o artigo 2º, o artigo 3º da Lei nº 11.718/08 acaba por
indiretamente estender o prazo até 31/12/2020, além de criar tempo de serviço ficto. - Abstração
feita da hipotética ofensa à Constituição Federal, por falta de relevância e urgência da medida
provisória, e por possível ofensa ao princípio hospedado no artigo 194, § único, II, do Texto
Magno, o fato é que a Lei nº 11.718/08 não contemplou o trabalhador rural que se enquadra na
categoria de segurado especial. - No caso do segurado especial, definido no artigo 11, inciso VII,
da Lei 8.213/91, remanesce o disposto no artigo 39 desta última lei. Diferentemente dos demais
trabalhadores rurais, trata-se de segurado que mantém vínculo com a previdência social mediante
contribuição descontada em percentual incidente sobre a receita oriunda da venda de seus
produtos, na forma do artigo 25, caput e incisos, da Lei nº 8.212/91. Vale dizer: após 25/07/2006,
a pretensão do segurado especial ao recebimento de aposentadoria por idade deverá ser
analisada conforme o disposto no artigo 39, inciso I, da Lei 8.213/91. - Ademais, não obstante o
"pseudo-exaurimento" da regra transitória insculpida no artigo 143 da Lei n. 8.213/91, para os
empregados rurais e contribuintes individuais eventuais, fato é que a regra permanente do artigo
48 dessa norma continua a exigir, para concessão de aposentadoria por idade a rurícolas, a
comprovação do efetivo exercício de "atividade rural, ainda que de forma descontínua, no período
imediatamente anterior ao requerimento do benefício, por tempo igual ao número de meses de
contribuição correspondente à carência do benefício pretendido", consoante § 1º e § 2º do
referido dispositivo. - No caso em discussão, o requisito etário restou preenchido em 18/10/2000.
- Quanto ao requisito do início de prova material, constam dos autos documentos referentes à
propriedade rural, em nome do marido da autora, indicando exercício de atividades rurais, além
de certidões de casamento, de nascimento do filho. - A prova testemunhal, formada por dois
depoimentos vagos e não circunstanciados, é precária e não serve para a comprovação de vários
anos de atividade rural. - Ora, o marido da autora, pelo menos desde 1975, foi trabalhador
urbano, na condição de condutor de veículos, e percebe aposentadoria na qualidade de
comerciário, com DIB em 30/4/2008 (CNIS). - Nos termos do artigo 11, § 9º, da Lei nº 8.213/91,
com a redação da Lei nº 11.718/2008, não é segurado especial o membro de grupo familiar que
possuir outra fonte de rendimento. No caso, o grupo familiar possui outra fonte de rendimento há
décadas, consistindo inicialmente no trabalho do marido como urbano, posteriormente na
aposentadoria do mesmo. - Num regime de previdência social em que os urbanos e rurais
possuem regime único desde 1991 (artigo 194, § único, da Constituição da República, que
conforma o princípio da uniformidade e equivalência dos benefícios e serviços às populações
urbanas e rurais), não é razoável que se conceda benefícios não contributivos para quem possui
plena capacidade econômica de contribuição. - Não preenchimento dos requisitos exigidos à
concessão do benefício pretendido. - Invertida a sucumbência, condeno a parte autora a pagar
custas processuais e honorários de advogado, arbitrados em 12% (doze por cento) sobre o valor
atualizado da causa, já majorados em razão da fase recursal, conforme critérios do artigo 85, §§
1º, 2º, 3º, I, e 4º, III, do Novo CPC. - Apelação provida." (Destaquei.)
(AC 00403858220164039999, JUIZ CONVOCADO RODRIGO ZACHARIAS, TRF3 - NONA
TURMA, e-DJF3 Judicial 1 DATA:27/03/2017 ..FONTE_REPUBLICACAO:.)
Destarte, não merece guarida o pleito de concessão do benefício de aposentadoria por idade
rural.
Ante o exposto, dou provimento à apelação do INSS, para julgar improcedente o pedido, nos
termos da fundamentação, restando prejudicada a apelação da parte autora.
Condeno a parte autora em honorários advocatícios fixados em 10% do valor atualizado da
causa, observado o disposto no art. 98, § 3º, do Código de Processo Civil atual, que manteve a
sistemática da Lei n. 1.060/50, por ser beneficiária da justiça gratuita.
Comunique-se à autarquia para, independentemente do trânsito em julgado, cancelar o benefício
implantado.
É o voto.
E M E N T A
PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR IDADE RURAL. DOCUMENTOS EM NOME DO
CÔNJUGE. EXERCÍCIO DE ATIVIDADE URBANA. APELAÇÃO DO INSS PROVIDA.
APELAÇÃO DA PARTE AUTORA PREJUDICADA.
- Requisito etário adimplido.
- Ausente início eficaz de prova material.
- Não comprovada a carência exigida.
- A declaração firmada pelo empregador não ostenta idoneidade probatória do trabalho rural pela
autora no período indicado, pois se erige em mera manifestação, colhida sem o crivo do
contraditório.
-A CTPS do cônjuge da autora registra atividade de natureza urbana (vigia), em indústria
metalúrgica, durante significativo lapso temporal (26/10/ 2000 a 02/02/ 2006), dentro do período
de carência.
- O fato de um dos membros do grupo familiar exercer trabalho incompatível com o labor rurícola,
como o de natureza urbana, não descaracteriza, por si só, a atividade agrícola dos demais
componentes, caso haja prova em nome próprio, devendo, ainda, ser averiguada a
dispensabilidade do trabalho rural para a subsistência do grupo familiar.Ocorre que, na hipótese
vertente, não há prova material em nome próprio da autora.
- O exercício de atividade de natureza urbana pelo seu cônjuge descaracteriza a qualidade de
segurada especial da autora.
A parte autora deverá arcar com honorários advocatícios fixados em 10% do valor atualizado da
causa, observado o disposto no art. 98, § 3º, do Código de Processo Civil atual, que manteve a
sistemática da Lei n. 1.060/50, por ser beneficiária da justiça gratuita.
- Apelação do INSS provida.
-Apelação da parte autora prejudicada.
ACÓRDÃOVistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Nona Turma,
por unanimidade, decidiu dar provimento à apelação do INSS, prejudicada a apelação da parte
autora, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Resumo Estruturado
VIDE EMENTA
