
| D.E. Publicado em 30/08/2018 |
EMENTA
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Nona Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, não conhecer de parte da apelação do INSS e, na parte conhecida, dar parcial provimento para fixar a correção monetária nos termos da fundamentação, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Desembargadora Federal
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APELAÇÃO CÍVEL Nº 0028227-58.2017.4.03.9999/SP
RELATÓRIO
A Desembargadora Federal MARISA SANTOS (Relatora):
Ação ajuizada contra o Instituto Nacional do Seguro Social - INSS, para a concessão de aposentadoria por idade a trabalhador rural.
Concedidos os benefícios da assistência judiciária gratuita.
O juiz de primeiro grau julgou procedente o pedido de concessão de aposentadoria por idade rural, desde a data da citação, em 13.10.2014. Correção monetária, juros de mora, desde a citação e honorários advocatícios fixados em 10% das prestações vencidas, nos termos da Súmula 111 do STJ.
Em apelação, o INSS opina preliminarmente pela extinção dos autos sem julgamento do mérito por falta de interesse de agir, tendo em vista a ausência do requerimento na via administrativa e, no mérito, sustenta, em síntese, que a parte autora não preencheu os requisitos necessários para a concessão do benefício pretendido. Caso o entendimento seja outro, requer a fixação da correção monetária e dos juros de mora nos termos da Lei 11.960/2009, também pleiteando a revogação da decisão que antecipou os efeitos da tutela.
Com contrarrazões, subiram os autos.
É o relatório.
VOTO
A Desembargadora Federal MARISA SANTOS (Relatora):
Conheço parcialmente da apelação do INSS, deixando de analisar o pedido relativo aos juros de mora, uma vez que a sentença foi proferida exatamente nos termos do inconformismo e também deixando de analisar o pedido de revogação da decisão que antecipou os efeitos da tutela, haja vista que no caso não houve antecipação da tutela.
Quanto à carência da ação, tendo em vista a falta de prévio requerimento administrativo, o Juízo prolator da sentença conhece muito bem a realidade: tornou-se hábito requerer diretamente ao Poder Judiciário o que deve ser providenciado pela autoridade administrativa, com a justificativa de que administrativamente não há êxito por parte do segurado. As consequências são graves, tanto para a autarquia quanto para o segurado: para a autarquia, porque a lenta tramitação do processo levará ao pagamento de verbas acessórias que, se bem empregadas, poderiam compor o custeio da previdência social; para o segurado, porque a mesma lentidão o fará aguardar por anos a fio o que é de seu direito. Não há quem ganhe com essa lentidão, e, no entanto, esse procedimento se repete, reiteradamente, causando o grande congestionamento do Poder Judiciário.
É bem verdade que, muitas vezes, o INSS sequer recebe os pedidos no protocolo. Mas também é verdade que, muitas vezes, os pedidos são rapidamente analisados e dada resposta ao requerimento do segurado, concedendo ou indeferindo o benefício, com o que a função administrativa foi exercida.
O que ocorre, na prática, é que a falta de ingresso na via administrativa transfere para o Poder Judiciário o exercício de uma função que, na realidade, não lhe é típica, substituindo-se ao Administrador porque, tradicionalmente, o INSS reluta em cumprir sua função constitucional.
O art. 41-A, § 5º, da Lei nº 8.213/91, concede à autoridade administrativa o prazo de 45 dias para efetuar o pagamento da primeira renda mensal do benefício, após a apresentação, pelo segurado, da documentação necessária.
Atento à realidade, quis o legislador pôr fim à conhecida demora na decisão de processos administrativos previdenciários, que causa desamparo a muitos segurados justamente no momento em que a cobertura previdenciária deveria socorrê-los.
A apreciação do requerimento, com a formulação de exigências, concessão ou indeferimento do benefício, assim, deve ocorrer em 45 dias.
A dicção da Súmula 9 desta Corte e da jurisprudência dominante não é a que lhe pretende dar o(a) apelante. Não há necessidade de prévio esgotamento da via administrativa, ou seja, o interessado não precisa esgotar todos os recursos administrativos. Mas não excluem a atividade administrativa.
É hora de mudar esse hábito de transferir para o Poder Judiciário o que é função típica do INSS. Se o requerimento administrativo não for recebido no protocolo, ou não for apreciado no prazo de 45 dias, ou for indeferido, aí sim, surgirá o interesse de agir.
No entanto, não deve ser adotado esse procedimento em processos já em tramitação, em que o réu contesta o mérito do pedido, porque se tornaria inócua toda a espera do segurado, que poderia ter negada a atividade administrativa e a judiciária, bem como porque demonstrada a resistência da autarquia em acolher a pretensão da parte apelante, o que é suficiente para atribuir-lhe interesse processual.
O STF, em repercussão geral, decidiu nesse mesmo sentido:
O STJ também passou a adotar o mesmo entendimento. Nesse sentido o julgamento do REsp 1.369.834/SP, Rel. Min. Benedito Gonçalves, DJe 02.12.2014:
No caso dos autos, o INSS contestou o mérito do pedido, estando configurado o interesse processual.
Passo a apreciar o mérito.
Os requisitos para concessão da aposentadoria por idade de trabalhador rural estão fixados nos arts. 142 e 143 da Lei 8213/1991, e, quando segurado especial em regime de economia familiar, nos arts. 39, I, e 142 da mesma lei.
A carência estatuída no art. 25, II, não tem aplicação integral imediata, devendo ser escalonada e progressiva, na forma estabelecida no art. 142, levando-se em conta o ano em que o segurado implementou as condições necessárias à obtenção do benefício. Trata-se de regra de transição destinada àqueles que já estavam no sistema antes da modificação legislativa.
Embora o art. 2º da Lei 11.718/2008 tenha estabelecido que "para o trabalhador rural empregado, o prazo previsto no art. 143 da Lei nº 8.213, de 24 de julho de 1991, fica prorrogado até o dia 31 de dezembro de 2010", mesmo a partir de 01.01.2011 é possível a concessão do benefício, contudo, com base em fundamento legal diverso.
A aposentadoria por idade continua sendo devida aos rurícolas, não mais nos termos do art. 143 do PBPS, mas, sim, com fulcro no art. 48 e parágrafos da Lei 8.213/91, com as modificações introduzidas pela Lei 11.718/2008:
Nos casos em que o(a) autor(a) completa a idade para a aposentadoria por idade rural após 31.12.2010, já não se submete às regras de transição dos arts. 142 e 143, e deve preencher os requisitos previstos no art. 48, §§ 1º e 2º, da Lei n. 8.213/91, com a redação que lhe foi dada pela Lei n. 11.718/2008): 60 (sessenta) anos de idade, se homem, 55 (cinquenta e cinco) anos de idade, se mulher, tempo de efetiva atividade rural, ainda que de forma descontínua, no período correspondente à carência exigida para o benefício, isto é, 180 (cento e oitenta) meses, e imediatamente anterior ao requerimento.
A inicial sustentou que o autor é trabalhador rural, tendo exercido sua atividade como diarista/bóia-fria.
A interpretação sistemática da legislação previdenciária permite concluir que a exigência de comprovação do exercício da atividade no período imediatamente anterior ao do requerimento do benefício só tem sentido quando ainda não completado o tempo necessário para a concessão, na forma prevista no art. 142 da Lei 8.213/91. Se a parte deixou as lides rurais após trabalhar pelo período exigido no art. 143, não tem sentido negar-lhe o benefício. Aplicando o princípio da uniformidade e equivalência dos benefícios e serviços para populações urbanas e rurais, descrito no art. 194, II, da Constituição Federal, é de se entender que, à semelhança dos urbanos, a posterior perda da condição de segurado não obsta à concessão do benefício quando já cumprida a carência.
Comprovado o exercício da atividade rural, não há que se falar em perda da qualidade de segurado, uma vez o trabalhador rural deve apenas comprovar os requisitos idade e tempo de atividade.
O conceito de carência, para o diarista e para o segurado especial, tem sentido peculiar, que se satisfaz com o exercício da atividade, dispensando o pagamento das contribuições previdenciárias.
Nesse sentido, a jurisprudência do STJ:
O autor completou 60 anos em 02.08.2011, portanto, fará jus ao benefício se comprovar sua condição de rurícola pelo período de 180 meses.
O art. 106 da Lei 8.213/1991 enumera os documentos aptos à comprovação da atividade, rol que não é taxativo, admitindo-se outras provas, na forma do entendimento jurisprudencial dominante.
Para comprovar sua condição de rurícola, o autor juntou os documentos de fls. 08/40.
Documentos expedidos por órgãos públicos, nos quais consta a qualificação do autor como lavrador, podem ser utilizados como início de prova material, como exige o art. 55, § 3º, da Lei 8213/91, para comprovar a sua condição de rurícola, se confirmada por prova testemunhal.
Entendo que a perda da condição de segurado que não impede a concessão do benefício àquele que cumpriu a carência também se aplica aos trabalhadores rurais.
Entretanto, essa norma, como todas as demais, não comporta leitura e interpretação isoladas. Deve ser analisada dentro do sistema que a alberga e, no caso, com vistas à proteção previdenciária dada aos trabalhadores rurais.
Daí que cabe investigar o real significado da exigência contida no art. 143 da Lei 8.213/91, o quê realmente deve ser exigido do trabalhador rural para que tenha direito à sua aposentadoria por idade. Deve estar trabalhando no dia imediatamente anterior ao requerimento? Um ano antes? Dois anos antes? Qual o período de interrupção do trabalho rural que pode ser considerado imediatamente anterior ao requerimento do benefício?
Penso que a resposta está no próprio art. 143, cuja infeliz redação, ensejadora de tantas discussões, tem em vista a proteção do trabalhador rural.
No regime anterior à Constituição de 1.988, os trabalhadores rurais estavam expressamente excluídos do Regime Geral de Previdência Social, e tinham algum amparo apenas dentro dos limites do Prorural.
A Constituição de 1988 estabelece que, para fins de seguridade social, trabalhadores urbanos e rurais devem ter tratamento uniforme e equivalente, o que impõe que os trabalhadores rurais tenham a mesma proteção previdenciária dada aos urbanos.
O novo Regime Geral de Previdência Social, conforme previsto na Constituição, foi implementado com as Leis 8.212 e 8.213/91.
Instituído o novo RGPS, era necessário dar proteção àqueles trabalhadores rurais que, antes da nova legislação, estavam expressamente excluídos da cobertura previdenciária, e essa proteção veio, justamente, na forma prevista no art. 143 da Lei 8.213/91: aposentadoria por idade, desde que comprovado o efetivo exercício da atividade rural pelo período correspondente à carência prevista no art. 143, e no período imediatamente anterior ao requerimento do benefício.
A "mens legis" foi, sem dúvida, proteger aquele trabalhador rural que antes do novo regime previdenciário não tivera proteção previdenciária, ou seja, que fizera das lides rurais o seu meio de vida. É verdade que a lei tolera que a atividade rural tenha sido exercida de forma descontínua. Entretanto, não admite que tenha aquele trabalhador perdido a sua natureza rurícola.
A lei implicitamente reconhece que o trabalhador rural nem sempre consegue emprego, em especial em época de entressafras, o que o obriga a aceitar trabalho de natureza urbana. Não é raro encontrar trabalhadores rurais que, por não encontrarem trabalho no campo, acabam por trabalhar como pedreiros, ou jardineiros, atividades tipicamente urbanas.
Para que se caracterize tipicamente como rural, com direito à aposentadoria com idade reduzida, o trabalhador deve, então, comprovar que exerceu atividade rural pelo menos por um período que, mesmo que descontínuo, some o total correspondente à carência exigida.
A análise só pode ser feita no caso concreto. É a história laboral do interessado que pode levar à conclusão de que permaneceu, ou não, essencialmente, trabalhador rural.
Se das provas surgir a comprovação de que o trabalho rural não foi determinante para a sobrevivência do interessado, não se tratará de trabalhador rural com direito à proteção previdenciária prevista no art. 143 da Lei 8.213/91.
O STJ decidiu, reiteradamente, em sede de recurso repetitivo:
O reconhecimento de trabalho rural exercido na qualidade de diarista ou em regime de economia familiar depende da apresentação de início de prova material contemporânea aos fatos, conforme previsto no art. 55, § 3º, da Lei 8.213/91, corroborado por posicionamento jurisprudencial consolidado na Súmula 149 do STJ.
A prova material apresentada deve guardar a necessária correlação lógica e pertinente com a prova oral, devendo considerar, ainda, as situações peculiares do rurícola diarista, que não possui similaridade com a do rurícola em regime de economia familiar, pois o primeiro trabalha de forma avulsa, com vínculo não empregatício com o tomador do serviço, e mediante remuneração, e o segundo trabalha por conta própria, em regra, com a cooperação de familiares, sem qualquer vínculo de dependência financeira com terceiros, visando a subsistência ou o rendimento decorrente da venda da produção.
Evidente, portanto, que a prova material de cada modalidade de trabalho rural possui características próprias, principalmente quanto ao alcance e à possibilidade de seu aproveitamento por outrem.
O trabalho rural em regime de economia familiar permite o aproveitamento do início de prova material em reciprocidade entre os membros da entidade familiar, sendo permitida a comunicação da qualificação profissional de um membro para outro, como ocorre entre os cônjuges, entre pais e filhos, e em outras hipóteses nas quais presente o parentesco.
No reconhecimento do trabalho rural do diarista não se permite, em regra, o aproveitamento da prova material, que não em nome próprio, em razão do caráter solitário e avulso do trabalho desempenhado.
Assim, o diarista só poderá aproveitar o início de prova material produzida em nome de outrem, mesmo que de algum familiar, se devidamente amparado pelas demais provas dos autos.
Ocorre que, se de um lado a jurisprudência alarga o conceito de início de prova material, por outro lado, o início de prova material, por si só, não serve para comprovar o trabalho rural, sendo indispensável a existência de prova testemunhal convincente.
Nesse sentido:
Em recurso repetitivo (Resp 1352791-SP, Rel. Min. Arnaldo Esteves Lima, julgamento em 27/11/2013), o STJ firmou posicionamento de que os períodos em que o rurícola trabalhou com registro em CTPS na atividade rural devem ser computados para efeito de carência, mesmo em outras modalidades de aposentadoria. Isto porque o responsável pelo recolhimento para o Funrural era o empregador, não o empregado.
No mesmo sentido, a Turma Nacional de Uniformização dos Juizados Especiais Federais, em 19 de agosto de 2015, firmou a tese de que o INSS deve computar, para efeito de carência, o período trabalhado como empregado rural, registrado por empresas agroindustriais ou comerciais, em aposentadoria por tempo de serviço rural (Processo nº 0516170-28.2009.4.05.8300).
Ao caso dos autos.
Para comprovar sua condição de rurícola, o autor juntou aos autos os seguintes documentos: cópia da CTPS, apontando vínculos rurais de 21.08.1968 a 30.09.1969, 14.10.1975 a 30.04.1979, 28.07.1980 a 31.03.1981, 24.06.1981 a data não informada, 01.09.1982 a 31.03.1983, 01.08.1983 a 30.02.1985, 17.03.1985 a 19.03.1987, 20.03.1987 a 10.08.1987, 11.08.1987 a 13.10.1987, 01.08.1988 a 18.11.1988, 01.07.1989 a 27.07.1989, 02.10.1989 a 30.10.1989, 26.03.1990 a 10.12.1990, 01.09.1992 a 03.11.1992 e de 24.01.2011 a 07.05.2013.
Os documentos apresentados configuram início de prova material para comprovar o exercício de atividade rural, na forma do art. 55, § 3º, da Lei n. 8.213/1991.
A consulta ao CNIS/Dataprev (doc. anexado) confirma a maioria dos vínculos rurais citados e indica um vínculo urbano de 02.12.2013 a 14.02.2014, insuficiente a descaracterizar a condição de rurícola do autor, ainda informando que ele recebeu auxílio-doença previdenciário de 22.01.2015 a 05.02.2015 e que recebe benefício de amparo social ao idoso, desde 02.08.2016, no valor atual de R$ 954,00 (novecentos e cinquenta e quatro reais).
As testemunhas ouvidas em juízo confirmaram o trabalho do autor na atividade rural, inclusive citando nomes de fazendas.
Desse modo, restaram comprovados os requisitos necessários previstos na legislação previdenciária para obtenção da aposentadoria por idade pretendida.
A correção monetária será aplicada em conformidade com a Lei n. 6.899/81 e legislação superveniente, de acordo com o Manual de Orientação de Procedimentos para os Cálculos da Justiça Federal, observados os termos do julgamento final proferido na Repercussão Geral no RE 870.947, em 20/09/2017.
NÃO CONHEÇO de parte da apelação do INSS e, na parte conhecida, DOU PARCIAL PROVIMENTO para fixar a correção monetária nos termos da fundamentação.
Caso o segurado, nessa condição, tenha recebido ou esteja recebendo benefício inacumulável com o ora concedido, as parcelas recebidas deverão ser compensadas a partir da DIB fixada nestes autos, nos termos do art. 462 do CPC/1973, atual art. 493 do CPC/2015. Deve, ainda, ser observado o direito da parte autora à opção pelo benefício que considerar mais vantajoso, cujo valor será apurado em execução de sentença.
É como voto.
MARISA SANTOS
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