
| D.E. Publicado em 27/09/2018 |
EMENTA
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Nona Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, rejeitar a preliminar e, no mérito dar provimento à apelação, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Desembargadora Federal
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APELAÇÃO CÍVEL Nº 0001862-23.2014.4.03.6005/MS
RELATÓRIO
Cuida-se de apelação autárquica tirada de sentença, não submetida à remessa oficial, que, em autos de concessão de aposentadoria por idade de trabalhadora rural, julgou procedente o pedido e condenou o réu no pagamento do benefício, desde o requerimento administrativo (14/08/2014 - fl. 19), discriminados os consectários, arbitrada verba honorária à ordem de 10% sobre as parcelas vencidas até a data da prolação da sentença, antecipada a tutela jurídica provisória (fls.42/49).
Pleiteia, preambularmente, de suspensão dos efeitos da tutela. Alega, em preliminar, nulidade da sentença por ausência de fundamentação. No mérito, pugna pela reforma da decisão combatida, ao argumento de ausência de início de prova material da atividade rurícola. Subsidiariamente, requer a redução da verba honorária e a modificação do termo inicial de concessão do benefício para a data da audiência ou da citação válida. Alterca critérios de aplicação dos juros de mora e da correção monetária, vindicando a isenção de custas processuais. Prequestiona a matéria para fins recursais (fls. 59/69).
Ofertadas contrarrazões (fls. 73/78), subiram os autos a este Tribunal.
Em síntese, o relatório.
VOTO
Inicialmente, afigura-se correta a não submissão da r. sentença à remessa oficial.
De fato, o artigo 475, § 2º, do CPC/1973, com redação dada pelo art. 1º da Lei nº 10.352/2001, que entrou em vigor em 27 de março de 2002, dispõe que não está sujeita ao reexame necessário a sentença em ações cujo direito controvertido não exceda a 60 (sessenta) salários mínimos.
Nesse sentido, segue o entendimento do e. Superior Tribunal de Justiça:
No caso dos autos, considerando as datas do termo inicial do benefício (requerimento administrativo em 04/08/2014, fl.19), do início de seu pagamento por força de tutela antecipada concedida na sentença (02/06/2015, fls. 42/49), bem como o valor da benesse, de um salário mínimo, verifico que a hipótese em exame não excede os 60 salários mínimos.
Não sendo, pois, o caso de submeter o decisum de primeiro grau à remessa oficial, passo à análise do recurso autárquico em seus exatos limites.
Inicialmente, não há que se cogitar de eventual inobservância ao disposto no artigo 458 do CPC/73. Isso porque a fundamentação sucinta, que enfrenta a questão trazida à apreciação em toda sua completude, não se confunde com ausência de motivação, não acarretando a nulidade da decisão.
Esclareço, neste tocante, que, mormente sob a égide do CPC/1973, "o órgão judicial, para expressar a sua convicção, não precisa aduzir comentários sobre todos os argumentos levantados pelas partes. Sua fundamentação pode ser sucinta, pronunciando-se acerca do motivo que, por si só, achou suficiente para a composição do litígio" (in "Código de Processo Civil e legislação processual em vigor", Theotonio Negrão e José Roberto Ferreira Gouvêa, 35.ª edição, ed. Saraiva, nota 2ª ao artigo 535).
Além disso, a sentença discorreu sobre o pedido deduzido na inicial, os requisitos necessários à outorga da benesse almejada, bem como analisou o conjuntos probatório carreado aos autos, com base no qual o magistrado sentenciante formulou seu convencimento.
Afastada a preliminar suscitada no apelo, adentro ao mérito recursal.
A aposentadoria por idade de rurícola exige idade mínima de 60 anos (homem) e 55 anos (mulher), bem assim comprovação do exercício de atividade rural, ainda que de forma descontínua, no período imediatamente anterior ao requerimento do benefício, em número de meses idêntico à carência da benesse, conforme tabela progressiva, de cunho transitório, inserta no art. 142 da Lei nº 8.213/91, a ser manejada conforme o ano de implementação do requisito etário, ficando afastada a obrigatoriedade de contribuições. Findo o período de vigência da norma de transição, imperioso aplicar-se a regra permanente estampada no art. 48 e parágrafos do mesmo diploma, na dicção da Lei nº 11.718/2008, fincada, nesse particular, a exigência de demonstração do exercício de labor rural por 180 meses (carência da aposentadoria por idade).
Muito se debateu a respeito da comprovação da atividade rural para efeito de concessão do aludido benefício e, atualmente, reconhece-se na jurisprudência elenco de posicionamentos assentados sobre o assunto, a nortear apreciação das espécies e a valoração dos respectivos conjuntos probatórios. Dentre esses entendimentos, podem-se destacar os seguintes:
(i) é suficiente à demonstração do labor rural início de prova material (v.g., documentos expedidos por órgãos públicos que contemplem a qualificação rurícola da parte autora, não sendo taxativo o rol de documentos previsto no art. 106 da Lei nº 8.213/91), corroborado por prova testemunhal coesa e harmônica, sendo inservível a tal finalidade prova exclusivamente testemunhal (Súmula STJ 149), inclusive para os chamados "boias-frias" (REsp nº 1.321.493/PR, apreciado na sistemática do art. 543-C do CPC);
(ii) são extensíveis à mulher, a partir da celebração do matrimônio ou do limiar da união estável, os documentos em que os cônjuges, ou conviventes, aparecem qualificados como lavradores (v.g., STJ, AGARESP 201402280175, Relatora Min. Assusete Magalhães, Segunda Turma, DJE 11/12/2014);
(iii) não se enquadra como princípio documental certidão recente da Justiça Eleitoral, preenchida de acordo com informações fornecidas pelo próprio postulante do jubilamento, assemelhando-se, portanto, à singela declaração unilateral de atividade profissional (e.g., TRF3, AC 00160584920114039999, Relator Juiz Convocado Valdeci dos Santos, Décima Turma, e-DJF3 01/07/2015; AC 00025385620104039999, AC 1482334, Relatora Desembargadora Federal Tania Marangoni, Oitava Turma, e-DJF3 16/04/2015);
(iv) o afastamento do ofício rural, após o preenchimento de todos os requisitos exigidos à aposentadoria, não interfere em sua concessão, sendo, contudo, inaplicável aos rurícolas o estatuído no art. 3º, da Lei nº 10.666/2003 (STJ, PET nº 7.476/PR, 3ª Seção, Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, j. 13/12/2010, Rel. p/ acórdão Min. Jorge Mussi; AgRg no REsp nº 1.253.184, 5ª Turma, Rel. Min. Jorge Mussi, j. 06/09/2011; AgRg no REsp nº 1.242.720, 6ª Turma, Rel. Min. Sebastião Reis Junior, j. 02/02/2012; REsp nº 1.304.136, 2ª Turma, Rel. Min. Herman Benjamim, j. 21/02/2013, DJe 07/03/2013), sob pena, inclusive, de se atribuir aos trabalhadores rurais regime híbrido em que se mesclariam as vantagens típicas dos campesinos e outras inerentes exclusivamente aos obreiros urbanos;
(v) possível o reconhecimento de tempo de serviço rural antecedente ou ulterior ao princípio de prova documental apresentado, desde que ratificado por testemunhos idôneos (STJ, REsp nº 1.348.633/SP, Relator Min. Arnaldo Esteves Lima, Primeira Seção, j. 28/08/2013, DJE 05/12/2014).
A despeito de toda evolução exegética a respeito da matéria, certo é que alguns pontos permaneceram polêmicos por anos e apenas recentemente experimentaram pacificação. Talvez o maior deles diga respeito, justamente, à necessidade de demonstração da labuta rural no período imediatamente anterior ao requerimento da benesse.
Respeitáveis posições recusavam uma resposta apriorística do que viesse a se entender pela expressão período imediatamente anterior, sob o argumento de que a solução da controvérsia passa por acurado estudo de cada caso concreto, com destaque à cronologia laboral da parte autora, a fim de definir se verdadeiramente se está diante de pessoa que dedicou sua vida profissional às lides rurais.
Sem embargo, o dissenso acabou desfechado pelo c. STJ em sede de recurso representativo de controvérsia, in verbis:
No mesmo sentido: AGARESP 201401789810, Relator Min. HERMAN BENJAMIN, STJ, SEGUNDA TURMA, DJE 28/11/2014; AGA 200501236124, Relatora Min. MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, STJ, SEXTA TURMA, DJE 19/10/2009; AGARESP 201301680980, Relator HUMBERTO MARTINS, STJ, SEGUNDA TURMA, DJE 26/08/2013; AC 00098544720154039999, Relator DESEMBARGADOR FEDERAL SERGIO NASCIMENTO, TRF3, DÉCIMA TURMA, e-DJF3 Judicial 1 09/12/2015.
Da análise dos entendimentos jurisprudenciais coletados, penso que a concessão da aposentadoria por idade de trabalhador rural há de se atrelar à comprovação do desempenho de labor rural quando da propositura da ação, da formulação do requerimento administrativo ou, ao menos, por ocasião do atingimento do requisito etário, como, de resto, textualmente deliberado por esta E. Corte em paradigma da Terceira Seção: EI 00139351020134039999, Relatora DESEMBARGADORA FEDERAL THEREZINHA CAZERTA, e-DJF3 Judicial 1 10/06/2015.
Outra temática remanesce polêmica à atualidade, mormente na seara desta egrégia Corte, e diz com a necessidade de contemporaneidade do início de prova material amealhado a, quando menos, uma fração do período exigido pela lei para a outorga do benefício.
Muito embora reconheça postura algo hesitante deste Tribunal - que, muita vez, vem relativizando o atendimento dessa exigência, principalmente naquelas espécies em que o histórico laborativo rural da parte impressiona, permitindo divisar que na maior parte de sua jornada trabalhista a parte dedicou-se veramente aos ofícios campestres - tenho por certo que o egrégio STJ vem consagrando a imprescindibilidade de concomitância temporal - ainda que ínfima - entre a data do documento indiciário do afazer rurícola e o interstício de atividade rural necessário à concessão da benesse.
Seguem arestos nesse diapasão: STJ, AR 3994 / SP, Relator Ministro REYNALDO SOARES DA FONSECA, TERCEIRA SEÇÃO, j. 23/09/2015, DJe 01/10/2015; STJ, AgRg no AREsp 436471 / PR, AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL 2013/0384226-1, Relator Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, j. 25/03/2014, DJe 15/04/2014; TRF3, APELREEX 00232553620034039999, Relator DESEMBARGADORA FEDERAL MARISA SANTOS, NONA TURMA, e-DJF3 10/07/2015.
Esposando o mesmo raciocínio, a Súmula 34 da TNU, verbis:
A propósito, tenho que a condicionante resulta, de certo modo, enaltecida em recurso repetitivo emanado do c. STJ. Vale constatar, num primeiro lanço, o seguinte aresto, exarado sob o rito do art. 543-C do CPC/1973:
Da leitura da ementa retrotranscrita, ressai cristalino ser dispensável que o princípio de prova documental diga respeito a todo o período a comprovar-se: admite-se que aluda, apenas, à parcela deste. Equivale, pois, a afirmar-se que o princípio deve reportar-se ao menos a um quinhão do intervalo laborativo a ser comprovado. E, em ação de aposentadoria por idade rural, o que deve ser demonstrado é justamente o lapso dito de carência, vale dizer, a labuta campesina no período imediatamente anterior à vindicação do benefício, pois, sem isso, não há benesse a deferir-se.
Destarte, à luz dos julgados do c. STJ e da linha exegética acima, inclino-me pela simultaneidade, ainda quando diminuta, entre os documentos ofertados e o interregno laboral necessário à outorga do beneplácito.
De se acentuar, a esta parte, que doutrina e jurisprudência tradicionalmente caminhavam no sentido de que a inexistência de início de prova material, em feitos tendentes à outorga de aposentadoria por idade de trabalhador rural, conduzia, inexoravelmente, à improcedência da postulação deduzida.
Todavia, não se pode olvidar do advento de precedente oriundo do colendo Superior Tribunal de Justiça, tirado na sistemática dos recursos representativos de controvérsia, precisamente o REsp nº 1.352.721/SP, no âmbito do qual se deliberou que a falta de eficaz princípio de prova material do labor campesino traduz-se em ausência de pressuposto de constituição e desenvolvimento válido do processo, abrindo ensejo à extinção do processo sem resolução de mérito, verbis:
Muito embora ciente do posicionamento desta Turma Julgadora, do qual comungo, a caracterizar a improcedência do pedido em casos tais, reputo curial revisitar tal exegese, pela força incontrastável do leading case retrotranscrito, inclusive em homenagem à celeridade procedimental, tendo em conta a possibilidade de devolução de feitos pela egrégia Vice-Presidência para eventual exercício de juízo de retratação. Adite-se que a egrégia Terceira Seção desta Corte, incumbida do apaziguamento de posicionamentos jurisprudenciais na seara previdenciária, vem adotando o entendimento da Corte Superior, como dá conta o seguinte precedente:
Postas as balizas, passa-se ao exame do caso dos autos.
De pronto, verifica-se o cumprimento pela autora do requisito etário em 19/01/2013 (fl. 09), incumbindo-lhe, pois, demonstrar atividade campestre, como rurícola, por 180 meses.
A título de início de prova material, foram colacionados, dentre outros, os seguintes documentos:
- Certidão emitida pelo Ministério do Desenvolvimento Agrário, em 02/07/2014, informando o assentamento da autora, em regime de economia familiar, no Projeto PA Itamarati II CUT, localizado no município de Ponta Porã, desde 21/07/2005 (fl.12);
- Notas Fiscais de Produtor Rural, emitidas em nome da autora, relativas ao período de 2010 a 2014 (fls. 14/18).
Resulta evidenciada a presença, in casu, de princípios de prova documental do labor rural, contemporâneos ao lapso reclamado ao deferimento da benesse (01/1998 a 01/2013).
Nesse ponto, cabe observar que, os recolhimentos constantes do CNIS, vertidos pela demandante, na qualidade empregado doméstico, no período de 01/11/1999 a 30/06/2001, por si sós, não constituem empecilho ao deferimento do benefício almejado, uma vez que o tempo de trabalho rural a ser demonstrado pode ser descontínuo.
Avançando na análise do recurso, impende aquilatar a prova oral produzida.
Em audiência realizada aos 27/05/2015, a autora prestou depoimento pessoal, informando que, desde 2005 trabalha no assentamento Itamarati II, onde tem propriedade e reside com um filho, planta milho, feijão, rama de mandioca, batata e abóbora. Antes de ser assentada, permaneceu acampada por 2 anos na Pedreira, por volta de 2001 e, em 2003 ficou no acampamento Antônio João. Além disso, nas épocas de colheita trabalhou na Fazenda da Embrapa, catando lagartas, arrancando feijão e catando algodão, entre 2001 e 2003. De 1999 a 2001 executou trabalho urbano.
A testemunha Francisco Roque dos Santos relatou que está acampado desde 2007, no assentamento Itamarati, quando a autora já era assentada, sendo vizinhos de lotes. A autora trabalha no meio rural, sem auxílio de empregados. Não sabe se a autora trabalhou na cidade.
José Inácio Filho informou atualmente mora no assentamento Itamarati. Que conheceu a autora em 2001, no acampamento onde ela trabalhava como boia-fria. Esclareceu que às vezes, a Embrapa arrumava trabalho para eles catarem lagartas e arrancar mato. Atualmente a autora trabalha na propriedade dela, onde planta milho e feijão, sem ajuda de empregados.
Por fim, Roberto Ito Ota revelou que conhece a autora desde 1973/1975, pois moravam em sítios próximos. Depois perderam contato, que foi retomado há cerca de três anos, por volta de 2012. Atualmente a autora trabalha na propriedade rural dela, onde planta mandioca, cria gado e porcos, sem ajuda de empregados.
Como se vê, em seu depoimento a autora relata o exercício de atividade rurícola somente a partir de 2001, enquanto a testemunha Roberto, embora a conheça desde a década de 1970, não relatou qualquer atividade campestre por ela desempenhada antes de 2012.
Assim, não restou demonstrado o exercício de atividade rural da autora pelo interregno necessário à outorga da benesse vindicada.
Ante o exposto, DOU PROVIMENTO À APELAÇÃO DO INSS, PARA JULGAR IMPROCEDENTE O PEDIDO.
Condeno a parte autora em honorários advocatícios fixados em 10% do valor atualizado da causa, observado o disposto no artigo 98, § 3º, do NCPC, que manteve a sistemática da Lei n. 1060/50, por ser beneficiária da justiça gratuita.
Oficie-se à autarquia para, independentemente do trânsito em julgado, cancelar o benefício implantado.
ANA PEZARINI
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| Data e Hora: | 14/09/2018 13:26:22 |
