Processo
Ap - APELAÇÃO CÍVEL - 2312814 / SP
0021827-91.2018.4.03.9999
Relator(a) para Acórdão
DESEMBARGADORA FEDERAL MARISA SANTOS
Relator(a)
JUIZ CONVOCADO RODRIGO ZACHARIAS
Órgão Julgador
NONA TURMA
Data do Julgamento
27/03/2019
Data da Publicação/Fonte
e-DJF3 Judicial 1 DATA:09/05/2019
Ementa
PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR IDADE RURAL. INÍCIO DE PROVA MATERIAL
EM NOME DO MARIDO EMPREGADO RURAL CORROBORADO POR PROVA
TESTEMUNHAL. COMPROVAÇÃO DO TRABALHO RURAL PELO PERÍODO EXIGIDO NA
LEGISLAÇÃO. REQUISITOS PREENCHIDOS. CONCESSÃO DO BENEFÍCIO MANTIDA.
APELAÇÃO CONHECIDA EM PARTE.
- Requisitos para concessão da aposentadoria por idade de trabalhador rural nos arts. 142 e
143 da Lei 8213/1991, e, quando segurado especial em regime de economia familiar, nos arts.
39, I, e 142 da mesma lei. Carência nos termos do art. 142.
- Concessão do benefício a partir de 01/01/2011 com base no art. 48 e parágrafos da Lei
8.213/91, com as modificações introduzidas pela Lei 11.718/2008.
- Completada a idade para a aposentadoria por idade rural após 31.12.2010, devem ser
preenchidos os requisitos previstos no art. 48, §§ 1º e 2º, da Lei n. 8.213/91, com a redação que
lhe foi dada pela Lei n. 11.718/2008.
- Comprovado o exercício da atividade rural, não há que se falar em perda da qualidade de
segurado, uma vez o trabalhador rural deve apenas comprovar os requisitos idade e tempo de
atividade.
Jurisprudência/TRF3 - Acórdãos
- O conceito de carência, para o diarista e para o segurado especial, tem sentido peculiar, que
se satisfaz com o exercício da atividade, dispensando o pagamento das contribuições
previdenciárias.
- O art. 106 da Lei 8.213/1991 enumera os documentos aptos à comprovação da atividade, rol
que não é taxativo, admitindo-se outras provas, na forma do entendimento jurisprudencial
dominante.
- Documentos expedidos por órgãos públicos, nos quais consta a qualificação do marido da
autora como lavrador, podem ser utilizados como início de prova material, como exige o art. 55,
§ 3º, da Lei 8213/91, para comprovar a sua condição de rurícola, se confirmada por prova
testemunhal.
- A perda da condição de segurado que não impede a concessão do benefício àquele que
cumpriu a carência também se aplica aos trabalhadores rurais.
- Entretanto, essa norma, como todas as demais, não comporta leitura e interpretação isoladas.
Deve ser analisada dentro do sistema que a alberga e, no caso, com vistas à proteção
previdenciária dada aos trabalhadores rurais.
- Daí que cabe investigar o real significado da exigência contida no art. 143 da Lei 8.213/91, o
quê realmente deve ser exigido do trabalhador rural para que tenha direito à sua aposentadoria
por idade. Deve estar trabalhando no dia imediatamente anterior ao requerimento? Um ano
antes? Dois anos antes? Qual o período de interrupção do trabalho rural que pode ser
considerado imediatamente anterior ao requerimento do benefício?
- A resposta está no próprio art. 143, cuja infeliz redação, ensejadora de tantas discussões, tem
em vista a proteção do trabalhador rural.
- No regime anterior à Constituição de 1.988, os trabalhadores rurais estavam expressamente
excluídos do Regime Geral de Previdência Social, e tinham algum amparo apenas dentro dos
limites do Prorural.
- A Constituição de 1988 estabelece que, para fins de seguridade social, trabalhadores urbanos
e rurais devem ter tratamento uniforme e equivalente, o que impõe que os trabalhadores rurais
tenham a mesma proteção previdenciária dada aos urbanos.
- O novo Regime Geral de Previdência Social, conforme previsto na Constituição, foi
implementado com as Leis 8.212 e 8.213/91.
- Instituído o novo RGPS, era necessário dar proteção àqueles trabalhadores rurais que, antes
da nova legislação, estavam expressamente excluídos da cobertura previdenciária, e essa
proteção veio, justamente, na forma prevista no art. 143 da Lei 8.213/91: aposentadoria por
idade, desde que comprovado o efetivo exercício da atividade rural pelo período
correspondente à carência prevista no art. 143, e no período imediatamente anterior ao
requerimento do benefício.
- A "mens legis" foi, sem dúvida, proteger aquele trabalhador rural que antes do novo regime
previdenciário não tivera proteção previdenciária, ou seja, que fizera das lides rurais o seu meio
de vida. É verdade que a lei tolera que a atividade rural tenha sido exercida de forma
descontínua. Entretanto, não admite que tenha aquele trabalhador perdido a sua natureza
rurícola.
- A análise só pode ser feita no caso concreto. É a história laboral do interessado que pode
levar à conclusão de que permaneceu, ou não, essencialmente, trabalhador rural.
- Se das provas surgir a comprovação de que o trabalho rural não foi determinante para a
sobrevivência do interessado, não se tratará de trabalhador rural com direito à proteção
previdenciária prevista no art. 143 da Lei 8.213/91.
- O reconhecimento de trabalho rural exercido na qualidade de diarista ou em regime de
economia familiar depende da apresentação de início de prova material contemporânea aos
fatos, conforme previsto no art. 55, § 3º, da Lei 8.213/91, corroborado por posicionamento
jurisprudencial consolidado na Súmula 149 do STJ. Admitida somente a
averbação/reconhecimento da atividade campesina após os 12 anos de idade.
- A prova material apresentada deve guardar a necessária correlação lógica e pertinente com a
prova oral, devendo considerar, ainda, as situações peculiares do rurícola diarista, que não
possui similaridade com a do rurícola em regime de economia familiar, pois o primeiro trabalha
de forma avulsa, com vínculo não empregatício com o tomador do serviço, e mediante
remuneração, e o segundo trabalha por conta própria, em regra, com a cooperação de
familiares, sem qualquer vínculo de dependência financeira com terceiros, visando a
subsistência ou o rendimento decorrente da venda da produção.
- Evidente, portanto, que a prova material de cada modalidade de trabalho rural possui
características próprias, principalmente quanto ao alcance e à possibilidade de seu
aproveitamento por outrem.
- O trabalho rural em regime de economia familiar permite o aproveitamento do início de prova
material em reciprocidade entre os membros da entidade familiar, sendo permitida a
comunicação da qualificação profissional de um membro para outro, como ocorre entre os
cônjuges, entre pais e filhos, e em outras hipóteses, nas quais presente o parentesco.
- No reconhecimento do trabalho rural do diarista não se permite, em regra, o aproveitamento
da prova material, que não em nome próprio, em razão do caráter solitário e avulso do trabalho
desempenhado.
- O diarista só poderá aproveitar o início de prova material produzida em nome de outrem,
mesmo que de algum familiar, se devidamente amparado pelas demais provas dos autos.
- Se de um lado a jurisprudência alarga o conceito de início de prova material, por outro lado, o
início de prova material, por si só, não serve para comprovar o trabalho rural, sendo
indispensável a existência de prova testemunhal convincente.
- Em recurso repetitivo (Resp 1352791-SP, Rel. Min. Arnaldo Esteves Lima, julgamento em
27/11/2013), o STJ firmou posicionamento de que os períodos em que o rurícola trabalhou com
registro em CTPS na atividade rural devem ser computados para efeito de carência, para
efeitos de outra modalidade de aposentadoria. Isto porque o responsável pelo recolhimento
para o Funrural era o empregador, não o empregado.
- A Turma Nacional de Uniformização dos Juizados Especiais Federais, em 19 de agosto de
2015, firmou a tese de que o INSS deve computar, para efeito de carência, o período trabalhado
como empregado rural, registrado por empresas agroindustriais ou comerciais, no caso da
aposentadoria por tempo de serviço rural (Processo nº 0516170-28.2009.4.05.8300).
- A jurisprudência consolidou-se no sentido de que "para a concessão de aposentadoria rural
por idade, não se exige que o início de prova material corresponda a todo o período equivalente
à carência do benefício" (Súmula nº 14 TNU) e ainda que o rol de documentos previsto no art.
106, parágrafo único, da Lei nº 8.213/91 é meramente exemplificativo.
- Quanto à contemporaneidade dos documentos, a prova material indiciária precisa ter sido
formada em qualquer instante do período de atividade rural que se pretende comprovar. Dentro
do intervalo que se pretende comprovar, o documento pode ter sido formado no início, no meio
ou no fim do período. A prova material pode ser contemporânea ao início do período de
carência e ter sua eficácia probatória estendida prospectivamente (para o futuro) se conjugada
com prova testemunhal complementar convincente e harmônica. Igualmente, pode ser
contemporânea ao final do período de carência e ter sua eficácia estendida retroativamente
(para o passado) se conjugada com prova testemunhal complementar convincente e harmônica.
A jurisprudência da TNU está pacificada no sentido de admitir a eficácia retrospectiva e
prospectiva dos documentos indiciários do exercício de atividade rural.
- A prova testemunhal confirmou o trabalho rural da autora, inclusive quando completados os 55
anos de idade, nos termos do exigido no REsp 1.354.908/SP.
- Restaram comprovados os requisitos necessários previstos na legislação previdenciária para
obtenção da aposentadoria por idade rural. Mantida a concessão do benefício.
- Correção monetária aplicada em conformidade com a Lei n. 6.899/81 e legislação
superveniente, de acordo com o Manual de Orientação de Procedimentos para os Cálculos da
Justiça Federal, observados os termos do julgamento final proferido na Repercussão Geral no
RE 870.947, em 20/09/2017, ressalvada a possibilidade de, em fase de execução do julgado,
operar-se a modulação de efeitos, por força de decisão a ser proferida pelo STF.
- Apelação do INSS, conhecida em parte, deixando de ser analisado o pedido relativo aos
honorários advocatícios, uma vez que a sentença foi proferida exatamente nos termos do
inconformismo. Na parte conhecida, improvida.
Acórdao
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Nona
Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por maioria, não conhecer de parte da
apelação e, na parte conhecida, negar-lhe provimento, nos termos do voto da Desembargadora
Federal Marisa Santos, que foi acompanhada pelo Desembargador Federal Gilberto Jordan e
pela Juíza Federal Convocada Vanessa Mello (que votou nos termos do art. 942 "caput" e § 1º
do CPC). Vencido o Relator que conhecia da apelação e lhe dava provimento. Julgamento nos
termos do disposto no artigo 942 "caput" e § 1º do CPC. Lavrará acórdão a Desembargadora
Federal Marisa Santos.
Resumo Estruturado
VIDE EMENTA.
