D.E. Publicado em 04/09/2018 |
EMENTA
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Sétima Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, rejeitar a preliminar e dar parcial provimento à apelação do INSS, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Desembargador Federal
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APELAÇÃO CÍVEL Nº 0001394-66.2018.4.03.9999/SP
RELATÓRIO
Trata-se de apelação interposta pelo INSS contra a r. sentença de primeiro grau que julgou procedente o pedido inicial para condenar o INSS a conceder à parte autora o benefício de aposentadoria por idade, a partir da data do requerimento na via administrativa (31/05/2016 - fls. 09/10), no valor de 01 (um) salário mínimo mensal, inclusive abono natalino, observando que devem ser interrompidos quaisquer benefícios eventualmente já pagos e inacumuláveis, e respeitada a prescrição quinquenal. Destacou que as parcelas atrasadas serão adimplidas de uma só vez, corrigidas monetariamente a partir do momento em que se tornaram devidas, acrescidas de juros moratórios, julgando resolvido o processo, com fulcro no art. 487, inc. I, do Código de Processo Civil. Consignou que a correção monetária das parcelas vencidas se dará nos termos da legislação previdenciária, bem como da Resolução nº 134/2010 do Conselho da Justiça Federal, que aprovou o Manual de Orientação de Procedimentos para os cálculos da Justiça Federal, com as alterações promovidas pela Resolução nº 267/13, observando a decisão do STF que efetuou a modulação de efeitos das ADI's 4.357 e 4.425 e que os juros de mora são devidos a partir da citação, nos termos do artigo 240 do Código de Processo Civil e incide a taxa de 1% (um por cento) ao mês (art. 406 do Código Civil), até 30/06/2009. A partir desta data, os juros serão calculados nos termos do art. 1º-F, da Lei nº 9.494/97, com a redação dada pela Lei nº 11.960/2009. Condenou o INSS nas despesas processuais, não abrangidas pela isenção de que goza, bem como em honorários advocatícios, estimados estes em dez por cento sobre o valor da condenação, até a data da r. sentença, afastada a incidência nas vincendas, em razão do disposto na Súmula 111 do Egrégio Superior Tribunal de Justiça. Por fim, determinou ao INSS a implantação do benefício, em sede de antecipação de tutela.
Dispensado o reexame necessário.
Requer o apelante, preliminarmente, a suspensão da tutela concedida, considerando a grave lesão e irreversibilidade do provimento. No mérito, em suas razões recursais, sustenta o não preenchimento dos requisitos exigidos para a concessão do benefício pleiteado, requerendo a imediata cassação do benefício.
Apresentadas as contrarrazões, subiram os autos a esta E. Corte.
É o sucinto relatório.
VOTO
Em sede preliminar, não entendo que a imediata execução da sentença ora recorrida resulte, necessariamente, em lesão grave ou de difícil reparação à Previdência Social, uma vez que se deve observar que, no presente caso, colidem o bem jurídico vida e o bem jurídico pecuniário, daí porque aquele primeiro é que deve predominar, mesmo porque, embora, talvez, não seja, realmente, possível a restituição dos valores pagos a título de tutela antecipada, se não confirmada a r. sentença em grau recursal, ainda será factível a revogação do benefício concedido, impedindo, destarte, a manutenção da produção de seus efeitos.
Além disso, ao menos em sede de cognição primária, verifico não ter sido apresentada pela parte apelante qualquer fundamentação relevante que ensejasse a atribuição de efeito suspensivo à apelação, nos termos do artigo 1012, § 4º, do Código de Processo Civil, motivo pelo qual deve ser o seu pedido indeferido, rejeitando a preliminar arguida.
Passo, agora, à análise do mérito recursal.
A aposentadoria por idade de rurícola reclama idade mínima de 60 anos, se homem, e 55 anos, se mulher (§ 1º do art. 48 da Lei nº 8.213/91), além da demonstração do exercício de atividade rural, bem como o cumprimento da carência mínima exigida no art. 142 da referida lei.
De acordo com a jurisprudência, é suficiente a tal demonstração o início de prova material corroborado por prova testemunhal. Ademais, para a concessão de benefícios rurais, houve um abrandamento no rigorismo da lei quanto à comprovação da condição de rurícola dos trabalhadores do campo, permitindo-se a extensão dessa qualidade do marido à esposa, ou até mesmo dos pais aos filhos, ou seja, são extensíveis os documentos em que os genitores, os cônjuges, ou conviventes, aparecem qualificados como lavradores, ainda que o desempenho da atividade campesina não tenha se dado sob o regime de economia familiar.
Cumpre ressaltar que, em face do caráter protetivo social de que se reveste a Previdência Social, não se pode exigir dos trabalhadores campesinos o recolhimento de contribuições previdenciárias, quando é de notório conhecimento a informalidade em que suas atividades são desenvolvidas, cumprindo aqui dizer que, sob tal informalidade, verifica-se a existência de uma subordinação, haja vista que a contratação acontece diretamente pelo produtor rural ou pelos chamados "gatos". Semelhante exigência equivaleria a retirar dessa classe de trabalhadores qualquer possibilidade de auferir o benefício conferido, em razão de sua atividade.
O art. 143 da Lei n.º 8.213/1991, com a redação dada pela Lei n.º 9.063, de 28.04.1995, dispõe que: "O trabalhador rural ora enquadrado como segurado obrigatório no Regime Geral de Previdência Social, na forma da alínea "a" do inciso I, ou do inciso IV ou VII do art. 11 desta Lei, pode requerer aposentadoria por idade, no valor de um salário mínimo, durante 15 (quinze) anos, contados a partir da data de vigência desta Lei, desde que comprove o exercício de atividade rural, ainda que descontínua, no período imediatamente anterior ao requerimento do benefício, em número de meses idêntico à carência do referido benefício".
Quanto a se provar o efetivo exercício de atividade rural, o Superior Tribunal de Justiça considera prescindível a abrangência de todo o período de carência previsto no art. 142 da Lei de Benefícios pela prova material, desde que a prova testemunhal demonstre sua solidez, permitindo sua vinculação ao tempo de carência. Tal solução, conhecida como "pro misero", se dá em virtude da precariedade dos registros de vínculos trabalhistas nas áreas rurais, prática ainda comum em tempos recentes e bastante disseminada em outras épocas.
Saliento, ainda, que, segundo o recente entendimento adotado pelo STJ no julgamento do REsp 1354908, em sede de recurso repetitivo, o segurado especial deve estar trabalhando no campo no momento em que completar a idade mínima para a obtenção da aposentadoria rural por idade, a fim de atender ao segundo requisito exigido pela Lei de Benefícios: "período imediatamente anterior ao requerimento do benefício", ressalvada a hipótese de direito adquirido, na qual o segurado especial, embora não tenha ainda requerido sua aposentadoria por idade rural, já tenha preenchido concomitantemente, no passado, ambos os requisitos - carência e idade.
No caso dos autos, a parte autora, nascida em 1961, comprovou o cumprimento do requisito etário no ano de 2016. Assim, considerando que o implemento do requisito em questão se deu quando já havia encerrado a prorrogação prevista no art. 143, da Lei de Benefícios, é necessário, após 31/12/2010, a comprovação do recolhimento de contribuições para os empregados rurais, trabalhadores avulsos e diaristas e o cumprimento da carência de 180 meses, a teor do que dispõe o art. 25, inciso II, da Lei nº 8.213/91, existindo a necessidade de comprovação de recolhimentos de contribuições previdenciárias a fim de ser concedido o benefício.
No entanto, observo que, caso o labor campesino tenha se dado em regime de economia familiar, cuja atividade não foi contemplada pela alteração da lei acima referida, o trabalho rural poderá ser reconhecido sem a observação da alteração legal constante da Lei de Benefícios. Essa é a hipótese trazida pela exordial.
Cumpre salientar, por derradeiro, que o referido regime pressupõe a exploração de atividade primária pelo indivíduo, como principal forma de sustento, acompanhado ou não pelo grupo familiar, mas sem o auxílio de empregados (art. 11, VII, "a" e § 1º, da Lei 8.213/91). Assim, nos termos do art. 11, VII, da Lei 8.213/91, consideram-se segurados especiais, em regime de economia familiar, os produtores, parceiros, meeiros, arrendatários rurais, pescadores artesanais e assemelhados, que exerçam atividades individualmente ou com auxílio eventual de terceiros, bem como seus respectivos cônjuges ou companheiros e filhos, ou a eles equiparados, desde que trabalhem, comprovadamente, com o grupo familiar respectivo, residindo na área rural ou em imóvel próximo ao local onde a atividade rural é exercida e com participação significativa nas atividades rurais do grupo familiar.
Pois bem. No presente caso, a autora afirma na exordial que, desde 2003, em regime de comodato, como agricultora familiar; antes, porém, disse ter trabalhado para terceiros, como boia-fria.
A fim de comprovar o exercício de atividade rural, a autora apresentou Declaração de Exercício de Atividade Rural, firmada pelo representante do Sindicato dos trabalhadores da Agricultura Familiar de Guapiara e Ribeira Preto, não homologada, no qual atesta sua atividade campesina a partir de 12/11/2003. Apresentou, ainda, dois contratos de comodato e certidões imobiliárias, a fim de tentar comprovar sua atividade rural como arrendatária, em trabalho exercido em regime de economia familiar, cujo contrato mais antigo é datado de 12/11/2003 (fls. 24). Traz, ainda, certidão de seu casamento, ocorrido aos 05/05/1979, onde seu esposo fora qualificado como "lavrador" (fls. 35). Outros documentos mais recentes, como ITR e Carteira do Sindicato Rural foram acostados aos autos, a fim de comprovar o trabalho rurícola, mas são todos datados a partir de 2011.
Feitas tais considerações, observo inicialmente que, salvo engano, o suposto arrendador (João Silvestre da Cruz) possui nítido grau de parentesco com o genitor da parte autora (Germino Silvestre da Cruz), situação essa não esclarecida nos autos. Aliás, sequer ventilada. Verifico, ainda, que mesmo que a Declaração do Sindicato não homologada não sirva como início de prova material, tal documento, em conjunto com o primeiro contrato de comodato, trazem informações relevantes para o deslinde da controvérsia: o suposto trabalho campesino da parte autora foi iniciado, em ambos os documentos, apenas em 11/2003. Não antes disso. O que pressupõe que, por ocasião do requerimento administrativo, efetuado aos 31/05/2016, a carência mínima necessária estaria ausente, pois não completados 15 anos de atividade.
Ademais, quanto à prova testemunhal, pacificado no C. Superior Tribunal de Justiça o entendimento de que apenas esta não basta, isoladamente, para a comprovação da atividade rural, requerendo a existência de início razoável de prova material, conforme entendimento cristalizado na Súmula 149, que assim dispõe: "A prova exclusivamente testemunhal não basta à comprovação da atividade rurícola, para efeito da obtenção do benefício previdenciário". A única testemunha ouvida, apesar de afirmar a atividade campesina da autora há mais de vinte anos, somente atestou sua realização na propriedade do suposto comodato (iniciado em 11/2003), e nunca como boia-fria, como alegado na peça inaugural.
Dessa forma, ausente a carência mínima necessária, a reforma da r. sentença é medida que se impõe.
Por outro lado, convém salientar que, segundo o recente entendimento adotado pelo STJ, no julgamento do REsp 1352721/SP: "A ausência de conteúdo probatório eficaz a instruir a inicial, conforme determina o art. 283 do CPC, implica a carência de pressuposto de constituição e desenvolvimento válido do processo, impondo a sua extinção sem o julgamento do mérito (art. 267, IV do CPC) e a consequente possibilidade de o autor intentar novamente a ação (art. 268 do CPC), caso reúna os elementos necessários à tal iniciativa."
Impõe-se, por isso, face à ausência de prova constitutiva do direito previdenciário da parte autora, a extinção do processo sem julgamento do mérito.
Condeno a parte autora ao pagamento de honorários fixados em R$ 1.000,00 (mil reais), cuja exigibilidade observará o disposto no artigo 12 da Lei nº 1.060/1950 (artigo 98, § 3º, do Código de Processo Civil/2015), por ser beneficiária da justiça gratuita.
Por fim, revogo a antecipação dos efeitos da tutela anteriormente concedida e, tendo em vista o quanto decidido pelo C. STJ, por ocasião do julgamento do REsp 1.401.560/MT, processado segundo o rito do artigo 543-C do CPC de 1973, determino a devolução dos valores recebidos pela parte autora por força de tutela antecipada.
Por esses fundamentos, rejeito a preliminar e, no mérito, dou parcial provimento à apelação do INSS para extinguir o processo sem resolução do mérito, com fundamento no art. 485, IV, do novo Código de Processo Civil.
Expeça-se ofício ao INSS, com os documentos necessários para as providências cabíveis, independentemente do trânsito em julgado.
É o voto.
TORU YAMAMOTO
Desembargador Federal
Documento eletrônico assinado digitalmente conforme MP nº 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que instituiu a Infra-estrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil, por: | |
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Data e Hora: | 27/08/2018 18:29:40 |