
| D.E. Publicado em 06/12/2018 |
EMENTA
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Nona Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, extinguir o processo sem resolução do mérito, julgando prejudicada a apelação, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Desembargadora Federal
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APELAÇÃO CÍVEL Nº 0037821-04.2014.4.03.9999/SP
RELATÓRIO
Ação ajuizada contra o Instituto Nacional do Seguro Social - INSS, para a concessão de aposentadoria por idade a trabalhador rural.
Concedidos os benefícios da justiça gratuita.
O juiz de primeiro grau julgou improcedente o pedido, condenando a parte autora ao pagamento das custas processuais e honorários advocatícios fixados em R$ 300,00 (trezentos reais), observados os termos do art. 12 da Lei 1.060/50.
A parte autora apelou, seguindo-se, em 18.12.2014, a prolação de decisão monocrática proferida pela Juíza Federal Convocada Vanessa Mello, acolhendo a preliminar de cerceamento de defesa para anular a sentença e determinar o retorno dos autos à Vara de origem para a produção da prova oral.
Na origem, foi designada audiência de instrução e julgamento para 01.02.2016, não tendo comparecido a autora e nem as testemunhas, ao que o advogado requereu prazo para justificar a ausência e a redesignação da audiência (fl. 57).
Em despacho proferido aos 03.02.2016, o magistrado "a quo" determinou que a parte autora justificasse sua ausência e das testemunhas na citada audiência, comprovando documentalmente o motivo justo (fl. 58).
O patrono da autora peticionou, aduzindo que "não compareceu a audiência designada, por motivo alheio a sua vontade" pois "é pessoa humilde que reside distante do local da audiência", ainda requerendo agendamento de nova data para audiência.
Seguiu-se a prolação de sentença julgando improcedente o pedido de concessão e condenando a parte autora ao pagamento das custas processuais e honorários advocatícios fixados em R$ 300,00 (trezentos reais), observados os termos do artigo 12 da Lei 1.060/50.
Apela a autora, preliminarmente, requerendo a anulação da sentença e devolução do feito à origem com a designação de audiência de instrução e julgamento e, no mérito, alegando estarem preenchidos os requisitos à concessão do benefício pretendido.
Sem contrarrazões, subiram os autos.
É o relatório.
VOTO
A autora completou 55 anos em 06.09.1986, portanto, em data anterior à vigência da Lei 8.213/91, época em que os benefícios previdenciários dos rurícolas eram regulados pela Lei Complementar nº 11/71.
Referida lei estabelecia como condição, além da idade mínima de 65 anos, a situação de chefe ou arrimo de família (LC 11/71, art. 4º, parágrafo único) e a carência era a expressa no artigo 5º da Lei Complementar nº 16/73, nos seguintes termos:
Com o advento da nova Ordem Constitucional, a idade mínima para os trabalhadores rurais passou a ser de 55 anos para a mulher e 60 anos para o homem, nos termos do art. 202, I, atual art. 201, § 7º, II, com as alterações introduzidas pela EC 20/98. Também o dispositivo legal que estabelecia como condição a situação de chefe ou arrimo de família (LC 11/71, art. 4º, parágrafo único) não encontrou amparo constitucional.
Com esses fundamentos, a jurisprudência inclinou-se no sentido de reconhecer o direito à aposentadoria por idade aos rurícolas que completassem 55 anos, se mulher, ou 60 anos, se homem, afastando o requisito de chefe ou arrimo de família, desde que comprovassem atividade pelo período de três anos, conforme dispunha o art. 5º da Lei Complementar nº 16/1973.
Tal entendimento, entretanto, não mais pode ser adotado em razão da decisão proferida pelo Plenário do Supremo Tribunal Federal nos Embargos de Divergência em Recurso Extraordinário n. 175.520-2/Rio Grande do Sul, Relator Ministro Moreira Alves, conforme Ementa publicada no DJ de 06.02.98:
Do voto do Ministro Relator, reportando-se a voto anteriormente proferido no Mandado de Injunção n° 183/RS, extrai-se o seguinte trecho:
Prossegue o Relator:
De todo o exposto se vê que os trabalhadores rurais só tiveram direito à aposentadoria por idade aos 55 anos - se mulheres, e aos 60 anos - se homens, a partir da vigência da Lei 8.213/91.
Antes da vigência da Lei 8.213/91, portanto, o trabalhador rural, homem ou mulher, só tinha direito à aposentadoria por idade quando completasse 65 anos e desde que comprovasse o exercício da atividade pelo menos nos três últimos anos anteriores à data do pedido do benefício, bem como sua condição de chefe ou arrimo de família, na forma do disposto no art. 4º da Lei Complementar 11/71 e art. 5º da Lei Complementar 16/73.
Nos termos do parágrafo único do referido art. 4º, a concessão do benefício a um dos componentes da unidade família, que era chefe ou arrimo de família, era impeditivo da concessão do mesmo benefício a outro membro da unidade familiar.
No caso presente, a autora completou 65 anos em 06.09.1996, após a vigência da Lei 8.213/91. Tem direito à aposentadoria por idade de acordo com as novas regras constitucionais - 60 anos de idade, se homem, e 55 anos, se mulher, a partir da vigência da referida lei porque, nessa data, já implementara esse requisito.
Entretanto, com a vigência da Lei 8.213/91, os requisitos para a concessão da aposentadoria por idade ao trabalhador rural não incluem a condição de chefe ou arrimo de família.
Então, em tese, a partir da vigência da Lei 8.213/91, a autora tem direito ao benefício, desde que comprove 60 meses de efetiva atividade rural.
Os requisitos para concessão da aposentadoria por idade de trabalhador rural estão fixados nos arts. 142 e 143 da Lei 8213/1991, e, quando segurado especial em regime de economia familiar, nos arts. 39, I, e 142 da mesma lei.
Embora o art. 2º da Lei 11.718/2008 tenha estabelecido que "para o trabalhador rural empregado, o prazo previsto no art. 143 da Lei nº 8.213, de 24 de julho de 1991, fica prorrogado até o dia 31 de dezembro de 2010", mesmo a partir de 01.01.2011 é possível a concessão do benefício, contudo, com base em fundamento legal diverso.
A aposentadoria por idade continua sendo devida aos rurícolas, não mais nos termos do art. 143 do PBPS, mas, sim, com fulcro no art. 48 e parágrafos da Lei 8.213/91, com as modificações introduzidas pela Lei 11.718/2008:
Nos casos em que o(a) autor(a) completa a idade para a aposentadoria por idade rural após 31.12.2010, já não se submete às regras de transição dos arts. 142 e 143, e deve preencher os requisitos previstos no art. 48, §§ 1º e 2º, da Lei 8.213/91, com a redação que lhe foi dada pela Lei 11.718/08: 60 (sessenta) anos de idade, se homem, 55 (cinquenta e cinco) anos de idade, se mulher, tempo de efetiva atividade rural, ainda que de forma descontínua, no período correspondente à carência exigida para o benefício, isto é, 180 (cento e oitenta) meses, e imediatamente anterior ao requerimento.
A inicial sustentou que a autora era trabalhadora rural, tendo exercido sua atividade como boia-fria/diarista.
A interpretação sistemática da legislação previdenciária permite concluir que a exigência de comprovação do exercício da atividade no período imediatamente anterior ao do requerimento do benefício só tem sentido quando ainda não completado o tempo necessário para a concessão, na forma prevista no art. 142 da Lei 8.213/91. Se a parte deixou as lides rurais após trabalhar pelo período exigido no art. 143, não tem sentido negar-lhe o benefício. Aplicando o princípio da uniformidade e equivalência dos benefícios e serviços para populações urbanas e rurais, descrito no art. 194, II, da Constituição Federal, é de se entender que, à semelhança dos urbanos, a posterior perda da condição de segurado não obsta à concessão do benefício quando já cumprida a carência.
Comprovado o exercício da atividade rural, não há que se falar em perda da qualidade de segurado, uma vez o trabalhador rural deve apenas comprovar os requisitos idade e tempo de atividade.
O conceito de carência, para o diarista e para o segurado especial, tem sentido peculiar, que se satisfaz com o exercício da atividade, dispensando o pagamento das contribuições previdenciárias.
Nesse sentido, a jurisprudência do STJ:
O art. 106 da Lei 8.213/1991 enumera os documentos aptos à comprovação da atividade, rol que não é taxativo, admitindo-se outras provas, na forma do entendimento jurisprudencial dominante.
Entendo que a perda da condição de segurado que não impede a concessão do benefício àquele que cumpriu a carência também se aplica aos trabalhadores rurais.
Entretanto, essa norma, como todas as demais, não comporta leitura e interpretação isoladas. Deve ser analisada dentro do sistema que a alberga e, no caso, com vistas à proteção previdenciária dada aos trabalhadores rurais.
Daí que cabe investigar o real significado da exigência contida no art. 143 da Lei 8.213/91, o quê realmente deve ser exigido do trabalhador rural para que tenha direito à sua aposentadoria por idade. Deve estar trabalhando no dia imediatamente anterior ao requerimento? Um ano antes? Dois anos antes? Qual o período de interrupção do trabalho rural que pode ser considerado imediatamente anterior ao requerimento do benefício?
Penso que a resposta está no próprio art. 143, cuja infeliz redação, ensejadora de tantas discussões, tem em vista a proteção do trabalhador rural.
No regime anterior à Constituição de 1.988, os trabalhadores rurais estavam expressamente excluídos do Regime Geral de Previdência Social, e tinham algum amparo apenas dentro dos limites do Prorural.
A Constituição de 1988 estabelece que, para fins de seguridade social, trabalhadores urbanos e rurais devem ter tratamento uniforme e equivalente, o que impõe que os trabalhadores rurais tenham a mesma proteção previdenciária dada aos urbanos.
O novo Regime Geral de Previdência Social, conforme previsto na Constituição, foi implementado com as Leis 8.212 e 8.213/91.
Instituído o novo RGPS, era necessário dar proteção àqueles trabalhadores rurais que, antes da nova legislação, estavam expressamente excluídos da cobertura previdenciária, e essa proteção veio, justamente, na forma prevista no art. 143 da Lei 8.213/91: aposentadoria por idade, desde que comprovado o efetivo exercício da atividade rural pelo período correspondente à carência prevista no art. 143, e no período imediatamente anterior ao requerimento do benefício.
Referida proteção constitucional também alberga aqueles que, embora tenham completado o requisito idade na vigência da LC 111/71, permanecerem trabalhando no campo, até o advento da Lei 8.213/91.
A "mens legis" foi, sem dúvida, proteger aquele trabalhador rural que antes do novo regime previdenciário não tivera proteção previdenciária, ou seja, que fizera das lides rurais o seu meio de vida. É verdade que a lei tolera que a atividade rural tenha sido exercida de forma descontínua. Entretanto, não admite que tenha aquele trabalhador perdido a sua natureza rurícola.
A análise só pode ser feita no caso concreto. É a história laboral do interessado que pode levar à conclusão de que permaneceu, ou não, essencialmente, trabalhador rural.
Se das provas surgir a comprovação de que o trabalho rural não foi determinante para a sobrevivência do interessado, não se tratará de trabalhador rural com direito à proteção previdenciária prevista no art. 143 da Lei 8.213/91.
O STJ decidiu, reiteradamente, em sede de recurso repetitivo:
O reconhecimento de trabalho rural exercido na qualidade de diarista ou em regime de economia familiar depende da apresentação de início de prova material contemporânea aos fatos, conforme previsto no art. 55, § 3º, da Lei 8.213/91, corroborado por posicionamento jurisprudencial consolidado na Súmula 149 do STJ.
A prova material apresentada deve guardar a necessária correlação lógica e pertinente com a prova oral, devendo considerar, ainda, as situações peculiares do rurícola diarista, que não possui similaridade com a do rurícola em regime de economia familiar, pois o primeiro trabalha de forma avulsa, com vínculo não empregatício com o tomador do serviço, e mediante remuneração, e o segundo trabalha por conta própria, em regra, com a cooperação de familiares, sem qualquer vínculo de dependência financeira com terceiros, visando a subsistência ou o rendimento decorrente da venda da produção.
Evidente, portanto, que a prova material de cada modalidade de trabalho rural possui características próprias, principalmente quanto ao alcance e à possibilidade de seu aproveitamento por outrem.
O trabalho rural em regime de economia familiar permite o aproveitamento do início de prova material em reciprocidade entre os membros da entidade familiar, sendo permitida a comunicação da qualificação profissional de um membro para outro, como ocorre entre os cônjuges, entre pais e filhos, e em outras hipóteses nas quais presente o parentesco.
No reconhecimento do trabalho rural do diarista não se permite, em regra, o aproveitamento da prova material, que não em nome próprio, em razão do caráter solitário e avulso do trabalho desempenhado.
Assim, o diarista só poderá aproveitar o início de prova material produzida em nome de outrem, mesmo que de algum familiar, se devidamente amparado pelas demais provas dos autos.
Ocorre que, se de um lado a jurisprudência alarga o conceito de início de prova material, por outro lado, o início de prova material, por si só, não serve para comprovar o trabalho rural, sendo indispensável a existência de prova testemunhal convincente.
Nesse sentido:
Em recurso repetitivo (Resp 1352791-SP, Rel. Min. Arnaldo Esteves Lima, julgamento em 27/11/2013), o STJ firmou posicionamento de que os períodos em que o rurícola trabalhou com registro em CTPS na atividade rural devem ser computados para efeito de carência, para efeitos de outra modalidade de aposentadoria. Isto porque o responsável pelo recolhimento para o Funrural era o empregador, não o empregado.
A Turma Nacional de Uniformização dos Juizados Especiais Federais, em 19 de agosto de 2015, firmou a tese de que o INSS deve computar, para efeito de carência, o período trabalhado como empregado rural, registrado por empresas agroindustriais ou comerciais, no caso da aposentadoria por tempo de serviço rural (Processo nº 0516170-28.2009.4.05.8300).
Com relação ao reconhecimento do trabalho rural, já decidi em outras ocasiões que o ano do documento mais remoto, onde conste a qualificação de lavrador, era o termo inicial dessa atividade, ainda que a prova testemunhal se reportasse a período anterior. Contudo, com o julgamento do REsp n. 1.348.633/SP, representativo de controvérsia, de relatoria do Ministro Arnaldo Esteves Lima, a jurisprudência do STJ admitiu o reconhecimento de tempo de serviço rural em período anterior ao documento mais antigo, desde que corroborado por convincente prova testemunhal.
Para comprovar sua condição de rurícola, a autora juntou aos autos a cópia da certidão de casamento, celebrado em 04.12.1951, demonstrando que o marido dela está qualificado como lavrador e certidão de óbito, ocorrido em 11.05.1999, indicando que estava aposentado.
Documentos expedidos por órgãos públicos, nos quais consta a qualificação do cônjuge como lavrador, podem ser utilizados como início de prova material, como exige a Lei 8.213/91 (artigo 55, § 3º), para comprovar a sua condição de rurícola, se confirmada por prova testemunhal.
A consulta ao sistema CNIS/Dataprev indica que a autora recebe o benefício de pensão por morte, instituída pelo marido, na condição de comerciário, desde 11.05.1999.
A prova testemunhal não foi colhida, inviabilizando-se a comprovação da condição de rurícola da autora pelo período de carência legalmente exigido.
O STJ decidiu, em recurso representativo de controvérsia, que a ausência de início de prova material considerado válido para a concessão do benefício tem como consequência (arts. 485, IV, e 320, do CPC/2015 e 267 do CPC/1973) a extinção do processo sem resolução do mérito (REsp 1.352.721/SP).
Honorários advocatícios fixados em 10% do valor da causa, com observância da concessão da gratuidade da justiça.
EXTINGO o processo sem resolução do mérito (art. 267 do CPC/1973 e 485, IV, e 320, do CPC/2015). Prejudicada a apelação.
É como voto.
MARISA SANTOS
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