Processo
ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL / SP
5787998-64.2019.4.03.9999
Relator(a)
Desembargador Federal TORU YAMAMOTO
Órgão Julgador
7ª Turma
Data do Julgamento
24/03/2020
Data da Publicação/Fonte
Intimação via sistema DATA: 27/03/2020
Ementa
E M E N T A
PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR IDADE RURAL. REQUISITOS NÃO
PREENCHIDOS. CONJUNTO PROBATÓRIO INSUFICIENTE. EXTINÇÃO SEM RESOLUÇÃO
DE MÉRITO. RESP REPETITIVO 1352721/SP. ÔNUS DA SUCUMBÊNCIA MANTIDO.
APELAÇÃO DA PARTE AUTORA PREJUDICADA.
1. A aposentadoria por idade de rurícola reclama idade mínima de 60 anos, se homem, e 55
anos, se mulher (§ 1º do art. 48 da Lei nº 8.213/91), além da demonstração do exercício de
atividade rural, bem como o cumprimento da carência mínima exigida no art. 142 da referida lei.
De acordo com a jurisprudência, é suficiente a tal demonstração o início de prova material
corroborado por prova testemunhal.
2. Permite-se a extensão dessa qualidade do marido à esposa, ou até mesmo dos pais aos filhos,
ou seja, são extensíveis os documentos em que os genitores, os cônjuges, ou conviventes,
aparecem qualificados como lavradores, ainda que o desempenho da atividade campesina não
tenha se dado sob o regime de economia familiar.
3. Em face do caráter protetivo social de que se reveste a Previdência Social, não se pode exigir
dos trabalhadores campesinos o recolhimento de contribuições previdenciárias, quando é de
notório conhecimento a informalidade em que suas atividades são desenvolvidas, cumprindo aqui
dizer que, sob tal informalidade, verifica-se a existência de uma subordinação, haja vista que a
contratação acontece diretamente pelo produtor rural ou pelos chamados "gatos". Semelhante
exigência equivaleria a retirar dessa classe de trabalhadores qualquer possibilidade de auferir o
Jurisprudência/TRF3 - Acórdãos
benefício conferido, em razão de sua atividade.
4. O Superior Tribunal de Justiça considera prescindível a abrangência de todo o período de
carência previsto no art. 142 da Lei de Benefícios pela prova material, desde que a prova
testemunhal demonstre sua solidez, permitindo sua vinculação ao tempo de carência. Tal
solução, conhecida como "pro misero", se dá em virtude da precariedade dos registros de
vínculos trabalhistas nas áreas rurais, prática ainda comum em tempos recentes e bastante
disseminada em outras épocas.
5. Segundo o recente entendimento adotado pelo STJ no julgamento do REsp 1354908, em sede
de recurso repetitivo, o segurado especial deve estar trabalhando no campo no momento em que
completar a idade mínima para a obtenção da aposentadoria rural por idade, a fim de atender ao
segundo requisito exigido pela Lei de Benefícios: "período imediatamente anterior ao
requerimento do benefício", ressalvada a hipótese de direito adquirido, na qual o segurado
especial, embora não tenha ainda requerido sua aposentadoria por idade rural, já tenha
preenchido concomitantemente, no passado, ambos os requisitos - carência e idade.
6. Analisando o conjunto probatório, entendo, do mesmo modo que a r. sentença, que não restou
comprovado o exercício de atividade campesina da autora pelo período de carência e no
momento imediatamente anterior ao implemento do requisito etário. Conforme observado, a
documentação apresentada é parca e insuficiente para comprovar atividades campesinas até o
implemento do requisito etário ou o requerimento administrativo. Não há qualquer documento
apto a indicar eventual trabalho rural dela, no mínimo, desde 2002. A prova testemunhal, por sua
vez, é frágil e insubsistente, não robustecendo o conjunto probatório em favor do acolhimento do
pleito inaugural. E é fato que, em 2010, quando ingressou judicialmente com pedido de amparo
assistencial ao deficiente, alegou ser portadora de deficiência e não possuir capacidade
laborativa, o que pressupõe que, na ocasião, ela já não mais trabalhava. E também há
inconsistências que não passam despercebidas, pois o documento ID 73320593 aponta seu
endereço no município de Charqueada e o documento ID 73320594 indica que a autora residiria
na zona urbana de São Pedro. E não no Sítio São José, onde ela afirma residir e trabalhar.
7. Assim, considerando que o conjunto probatório foi insuficiente à comprovação pleiteada, seria
o caso de se manter a improcedência da ação, não tendo a parte autora se desincumbido do
ônus probatório que lhe cabia, ex vi do art. 373, I, do CPC/2015.
8. Entretanto, o entendimento consolidado pelo C. STJ, em julgado proferido sob a sistemática de
recursos repetitivos, conforme art. 543-C, do CPC/1973 é no sentido de que a ausência de
conteúdo probatório eficaz a instruir a inicial, implica a carência de pressuposto de constituição e
desenvolvimento válido do processo, impondo a sua extinção sem o julgamento do mérito,
propiciando ao autor intentar novamente a ação, caso reúna os elementos necessários.
9. Processo extinto de ofício. Apelação da parte autora prejudicada.
Acórdao
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº5787998-64.2019.4.03.9999
RELATOR:Gab. 23 - DES. FED. TORU YAMAMOTO
APELANTE: ORLANDA GUILHERME VALERIO
Advogados do(a) APELANTE: MARILIA ZUCCARI BISSACOT COLINO - SP259226-A, LARISSA
BORETTI MORESSI - SP188752-A, GUSTAVO MARTIN TEIXEIRA PINTO - SP206949-N,
CASSIA MARTUCCI MELILLO BERTOZO - SP211735-N
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
OUTROS PARTICIPANTES:
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº5787998-64.2019.4.03.9999
RELATOR:Gab. 23 - DES. FED. TORU YAMAMOTO
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Advogados do(a) APELANTE: MARILIA ZUCCARI BISSACOT COLINO - SP259226-A, LARISSA
BORETTI MORESSI - SP188752-A, GUSTAVO MARTIN TEIXEIRA PINTO - SP206949-N,
CASSIA MARTUCCI MELILLO BERTOZO - SP211735-N
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
OUTROS PARTICIPANTES:
R E L A T Ó R I O
O Exmo. Desembargador Federal Toru Yamamoto (Relator):
Trata-se de apelação interposta pela parte autora contra a r. sentença de primeiro grau que julgou
improcedente o pedido inicial, na forma do art. 487, I, do Código de Processo Civil. Condenou a
parte autora no pagamento das custas, das despesas processuais e dos honorários advocatícios,
estes fixados em dez por cento do valor atualizado da causa, acrescido de juros de mora a contar
do trânsito em julgado, observando, no entanto, a suspensão da exigibilidade pois beneficiária da
justiça gratuita.
Sustenta a apelante, em suas razões recursais e em apertada síntese, o preenchimento dos
requisitos exigidos para a concessão do benefício pleiteado, motivando as razões de sua
insurgência. Requer, nesses termos, a reforma da r. sentença para concessão da benesse
vindicada.
Sem as contrarrazões, subiram os autos a esta E. Corte.
É o sucinto relatório.
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº5787998-64.2019.4.03.9999
RELATOR:Gab. 23 - DES. FED. TORU YAMAMOTO
APELANTE: ORLANDA GUILHERME VALERIO
Advogados do(a) APELANTE: MARILIA ZUCCARI BISSACOT COLINO - SP259226-A, LARISSA
BORETTI MORESSI - SP188752-A, GUSTAVO MARTIN TEIXEIRA PINTO - SP206949-N,
CASSIA MARTUCCI MELILLO BERTOZO - SP211735-N
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
OUTROS PARTICIPANTES:
V O T O
O Exmo. Desembargador Federal Toru Yamamoto (Relator):
Verifico, em juízo de admissibilidade, que o recurso ora analisado mostra-se formalmente regular,
motivado (artigo 1.010 CPC) e com partes legítimas, preenchendo os requisitos de adequação
(art. 1009 CPC) e tempestividade (art. 1.003 CPC). Assim, presente o interesse recursal e
inexistindo fato impeditivo ou extintivo, recebo-o e passo a apreciá-lo nos termos do artigo 1.011
do Código de Processo Civil.
A aposentadoria por idade de rurícola reclama idade mínima de 60 anos, se homem, e 55 anos,
se mulher (§ 1º do art. 48 da Lei nº 8.213/91), além da demonstração do exercício de atividade
rural, bem como o cumprimento da carência mínima exigida no art. 142 da referida lei.
De acordo com a jurisprudência, é suficiente a tal demonstração o início de prova material
corroborado por prova testemunhal. Ademais, para a concessão de benefícios rurais, houve um
abrandamento no rigorismo da lei quanto à comprovação da condição de rurícola dos
trabalhadores do campo, permitindo-se a extensão dessa qualidade do marido à esposa, ou até
mesmo dos pais aos filhos, ou seja, são extensíveis os documentos em que os genitores, os
cônjuges, ou conviventes, aparecem qualificados como lavradores, ainda que o desempenho da
atividade campesina não tenha se dado sob o regime de economia familiar.
Cumpre ressaltar que, em face do caráter protetivo social de que se reveste a Previdência Social,
não se pode exigir dos trabalhadores campesinos o recolhimento de contribuições
previdenciárias, quando é de notório conhecimento a informalidade em que suas atividades são
desenvolvidas, cumprindo aqui dizer que, sob tal informalidade, verifica-se a existência de uma
subordinação, haja vista que a contratação acontece diretamente pelo produtor rural ou pelos
chamados "gatos". Semelhante exigência equivaleria a retirar dessa classe de trabalhadores
qualquer possibilidade de auferir o benefício conferido, em razão de sua atividade.
O art. 143 da Lei n.º 8.213/1991, com a redação dada pela Lei n.º 9.063, de 28.04.1995, dispõe
que: "O trabalhador rural ora enquadrado como segurado obrigatório no Regime Geral de
Previdência Social, na forma da alínea "a" do inciso I, ou do inciso IV ou VII do art. 11 desta Lei,
pode requerer aposentadoria por idade, no valor de um salário mínimo, durante 15 (quinze) anos,
contados a partir da data de vigência desta Lei, desde que comprove o exercício de atividade
rural, ainda que descontínua, no período imediatamente anterior ao requerimento do benefício,
em número de meses idêntico à carência do referido benefício".
Quanto a se provar o efetivo exercício de atividade rural, o Superior Tribunal de Justiça considera
prescindível a abrangência de todo o período de carência previsto no art. 142 da Lei de
Benefícios pela prova material, desde que a prova testemunhal demonstre sua solidez, permitindo
sua vinculação ao tempo de carência. Tal solução, conhecida como "pro misero", se dá em
virtude da precariedade dos registros de vínculos trabalhistas nas áreas rurais, prática ainda
comum em tempos recentes e bastante disseminada em outras épocas.
Saliento, ainda, que, segundo o recente entendimento adotado pelo STJ no julgamento do REsp
1354908, em sede de recurso repetitivo, o segurado especial deve estar trabalhando no campo
no momento em que completar a idade mínima para a obtenção da aposentadoria rural por idade,
a fim de atender ao segundo requisito exigido pela Lei de Benefícios: "período imediatamente
anterior ao requerimento do benefício", ressalvada a hipótese de direito adquirido, na qual o
segurado especial, embora não tenha ainda requerido sua aposentadoria por idade rural, já tenha
preenchido concomitantemente, no passado, ambos os requisitos - carência e idade.
No caso dos autos, a parte autora (que se encontra recebendo Amparo Social ao Idoso desde
12/07/2019), nascida em 1953, comprovou o cumprimento do requisito etário no ano de 2008.
Assim, considerando que o implemento do requisito em questão se deu quando ainda não estava
encerrada a prorrogação prevista no art. 143, da Lei de Benefícios, a comprovação de atividade
campesina se dá por meio de apresentação de início razoável de prova material, corroborada por
prova testemunhal, consistente e idônea.
Na exordial, a autora alega, in litteris:
“(...)
A autora iniciou o labor rural no ano de 1968, aos 15 anos de idade, no cultivo de cana-de-açúcar;
morava em um sítio perto da seção da Usina, e trabalhava na Usina Costa Pinto e na Usina
Modelo, sendo o pagamento por semana e chegava ao local de trabalho com caminhões, por
meio de turmeiros, onde permaneceu até o ano de 1971, quando se casou pela primeira vez.
Após se casar passou a morar no sítio de propriedade do Sr. Godinho e continuou a trabalhar no
cultivo de cana, sendo que trabalhava em diversas propriedades da região, por pouco tempo em
cada propriedade, sendo o pagamento por semana, onde permaneceu até o ano de 1974, quando
seu marido faleceu. Então, após ficar viúva, passou a morar no Sítio Santo Antonio e no ano de
1986 casou-se com o Sr. Walter Geraldo Valerio, e, apesar de o marido ter falecido no ano de
1989, a autora reside no referido Sítio, que é cedido, até os dias atuais e cultiva abóbora,
mandioca e moranga para vender.
Ressalta-se que no ano de 1987 teve seu primeiro contrato de trabalho registrado, seguindo-se
de outro, totalizando 02 meses e 26 dias de tempo de serviço registrado na CTPS e no CNIS. E
considerando o tempo de labor rural sem registro, a autora possui mais de 40 anos de tempo de
serviço, conforme contagens que seguem anexas.
Desta forma, tendo em vista que a autora passou toda sua vida dedicando-se às atividades rurais,
faz jus à concessão do benefício em tela.
(...)”
Como início de prova material de atividade campesina, a parte autora apresentou, apenas, sua
Certidão de Casamento, cujo enlace matrimonial ocorreu aos 25/10/1986, onde seu esposo fora
qualificado como “lavrador” e a autora como “do lar”, residentes na cidade de Charqueada.
Apresentou, ainda, Certidão de Óbito de seu esposo, cujo falecimento ocorreu em 1989, onde ele
também fora qualificado como “lavrador” e seria residente no mesmo endereço. A Autora não
restou qualificada no documento. Apresentou, ainda, sua CTPS, com um vínculo laboral rural de
curtíssima duração: de 09/07/1987 a 07/09/1987, havendo, do CNIS, um outro período de labor
prestado para a empresa CBL Citricula Ltda, também de curtíssima duração, ocorrido entre
23/07/2002 a 19/08/2002, onde não pode se afirmar se a atividade exercida no local seria rural ou
urbana.
Quanto à prova testemunhal, pacificado no C. Superior Tribunal de Justiça o entendimento de que
apenas esta não basta, isoladamente, para a comprovação da atividade rural, requerendo a
existência de início razoável de prova material, conforme entendimento cristalizado na Súmula
149, que assim dispõe: "A prova exclusivamente testemunhal não basta à comprovação da
atividade rurícola, para efeito da obtenção do benefício previdenciário".
Observe-se excerto da r. sentença resumindo a prova oral produzida:
“(...)
Em depoimento pessoal, a autora Orlanda Guilherme Valério disse que trabalha no Sítio São
José há 20 anos e nele planta algumas coisas para sustento próprio [fls. 140/141 - mídia digital].
A testemunha Amelinda de Fátima Gonçalves declarou que conhece a autora há 20 anos dizendo
que ela morou em vários lugares. Contou que quando a conheceu a autora ela trabalhava no
engenho do “Léo”, pois trabalharam juntas. Disse que a autora depois foi trabalhar no
“Cavalinho”, limpando a cocheira, ficando lá por um ano e pouco, mas não soube dizer o que ela
fez depois, afirmando que a autora está atualmente no “Pessotti”, plantando verduras e mandioca
pra vender. No mais, informou que a autora está no “Pessotti” há sete meses [fls. 140/141 - mídia
digital].
A testemunha Libarino Montanari Neto disse conhecer a autora há 15 anos. Declarou que
conhece a autora, pois ela já morava no Sítio São José, aduzindo que ela tinha uma lavoura onde
plantava abóbora, pepino, etc. Contou que hoje a autora também tem uma lavoura [fls. 140/141 -
mídia digital].
(...)”
Pois bem.
Analisando o conjunto probatório, entendo, do mesmo modo que a r. sentença, que não restou
comprovado o exercício de atividade campesina da autora pelo período de carência e no
momento imediatamente anterior ao implemento do requisito etário. Conforme observado, a
documentação apresentada é parca e insuficiente para comprovar atividades campesinas até o
implemento do requisito etário ou o requerimento administrativo. Não há qualquer documento
apto a indicar eventual trabalho rural dela, no mínimo, desde 2002. A prova testemunhal, por sua
vez, é frágil e insubsistente, não robustecendo o conjunto probatório em favor do acolhimento do
pleito inaugural. E é fato que, em 2010, quando ingressou judicialmente com pedido de amparo
assistencial ao deficiente, alegou ser portadora de deficiência e não possuir capacidade
laborativa, o que pressupõe que, na ocasião, ela já não mais trabalhava. E também há
inconsistências que não passam despercebidas, pois o documento ID 73320593 aponta seu
endereço no município de Charqueada e o documento ID 73320594 indica que a autora residiria
na zona urbana de São Pedro. E não no Sítio São José, onde ela afirma residir e trabalhar.
Assim, considerando que o conjunto probatório foi insuficiente à comprovação pleiteada, seria o
caso de se manter a improcedência da ação, não tendo a parte autora se desincumbido do ônus
probatório que lhe cabia, ex vi do art. 373, I, do CPC/2015.
Entretanto, o entendimento consolidado pelo C. STJ, em julgado proferido sob a sistemática de
recursos repetitivos, conforme art. 543-C, do CPC/1973 é no sentido de que a ausência de
conteúdo probatório eficaz a instruir a inicial, implica a carência de pressuposto de constituição e
desenvolvimento válido do processo, impondo a sua extinção sem o julgamento do mérito,
propiciando ao autor intentar novamente a ação, caso reúna os elementos necessários.
Por oportuno, transcrevo:
"DIREITO PREVIDENCIÁRIO. RECURSO ESPECIAL REPRESENTATIVO DA
CONTROVÉRSIA. ART. 543-C DO CPC. RESOLUÇÃO No. 8/STJ. APOSENTADORIA POR
IDADE RURAL. AUSÊNCIA DE PROVA MATERIAL APTA A COMPROVAR O EXERCÍCIO DA
ATIVIDADE RURAL. CARÊNCIA DE PRESSUPOSTO DE CONSTITUIÇÃO E
DESENVOLVIMENTO VÁLIDO DO PROCESSO. EXTINÇÃO DO FEITO SEM JULGAMENTO
DO MÉRITO, DE MODO QUE A AÇÃO PODE SER REPROPOSTA, DISPONDO A PARTE DOS
ELEMENTOS NECESSÁRIOS PARA COMPROVAR O SEU DIREITO. RECURSO ESPECIAL
DO INSS DESPROVIDO.
1. Tradicionalmente, o Direito Previdenciário se vale da processualística civil para regular os seus
procedimentos, entretanto, não se deve perder de vista as peculiaridades das demandas
previdenciárias, que justificam a flexibilização da rígida metodologia civilista, levando-se em conta
os cânones constitucionais atinentes à Seguridade Social, que tem como base o contexto social
adverso em que se inserem os que buscam judicialmente os benefícios previdenciários.
2. As normas previdenciárias devem ser interpretadas de modo a favorecer os valores morais da
Constituição Federal/1988, que prima pela proteção do Trabalhador Segurado da Previdência
Social, motivo pelo qual os pleitos previdenciários devem ser julgados no sentido de amparar a
parte hipossuficiente e que, por esse motivo, possui proteção legal que lhe garante a flexibilização
dos rígidos institutos processuais. Assim, deve-se procurar encontrar na hermenêutica
previdenciária a solução que mais se aproxime do caráter social da Carta Magna, a fim de que as
normas processuais não venham a obstar a concretude do direito fundamental à prestação
previdenciária a que faz jus o segurado.
3. Assim como ocorre no Direito Sancionador, em que se afastam as regras da processualística
civil em razão do especial garantismo conferido por suas normas ao indivíduo, deve-se dar
prioridade ao princípio da busca da verdade real, diante do interesse social que envolve essas
demandas.
4. A concessão de benefício devido ao trabalhador rural configura direito subjetivo individual
garantido constitucionalmente, tendo a CF/88 dado primazia à função social do RGPS ao erigir
como direito fundamental de segunda geração o acesso à Previdência do Regime Geral; sendo
certo que o trabalhador rural, durante o período de transição, encontra-se constitucionalmente
dispensado do recolhimento das contribuições, visando à universalidade da cobertura
previdenciária e a inclusão de contingentes desassistidos por meio de distribuição de renda pela
via da assistência social.
5. A ausência de conteúdo probatório eficaz a instruir a inicial, conforme determina o art. 283 do
CPC, implica a carência de pressuposto de constituição e desenvolvimento válido do processo,
impondo a sua extinção sem o julgamento do mérito (art. 267, IV do CPC) e a consequente
possibilidade de o autor intentar novamente a ação (art. 268 do CPC), caso reúna os elementos
necessários à tal iniciativa.
6. Recurso Especial do INSS desprovido". (REsp 1352721/SP, Rel. Ministro NAPOLEÃO NUNES
MAIA FILHO, CORTE ESPECIAL, julgado em 16/12/2015, DJe 28/04/2016).
Mantenho, por fim, a condenação da parte autora no pagamento das verbas sucumbenciais,
observados os benefícios da assistência judiciária gratuita (arts. 11, §2º, e 12, ambos da Lei
1.060/50, reproduzidos pelo §3º do art. 98 do CPC), já que deu causa à extinção do processo
sem resolução do mérito.
Ante o exposto, DE OFÍCIO, extingo o processo, sem resolução do mérito, com fulcro no art. 485,
IV do CPC/2015, diante da não comprovação do trabalho rural alegado, julgando prejudicado o
apelo da parte autora, nos termos deste arrazoado.
É o voto.
E M E N T A
PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR IDADE RURAL. REQUISITOS NÃO
PREENCHIDOS. CONJUNTO PROBATÓRIO INSUFICIENTE. EXTINÇÃO SEM RESOLUÇÃO
DE MÉRITO. RESP REPETITIVO 1352721/SP. ÔNUS DA SUCUMBÊNCIA MANTIDO.
APELAÇÃO DA PARTE AUTORA PREJUDICADA.
1. A aposentadoria por idade de rurícola reclama idade mínima de 60 anos, se homem, e 55
anos, se mulher (§ 1º do art. 48 da Lei nº 8.213/91), além da demonstração do exercício de
atividade rural, bem como o cumprimento da carência mínima exigida no art. 142 da referida lei.
De acordo com a jurisprudência, é suficiente a tal demonstração o início de prova material
corroborado por prova testemunhal.
2. Permite-se a extensão dessa qualidade do marido à esposa, ou até mesmo dos pais aos filhos,
ou seja, são extensíveis os documentos em que os genitores, os cônjuges, ou conviventes,
aparecem qualificados como lavradores, ainda que o desempenho da atividade campesina não
tenha se dado sob o regime de economia familiar.
3. Em face do caráter protetivo social de que se reveste a Previdência Social, não se pode exigir
dos trabalhadores campesinos o recolhimento de contribuições previdenciárias, quando é de
notório conhecimento a informalidade em que suas atividades são desenvolvidas, cumprindo aqui
dizer que, sob tal informalidade, verifica-se a existência de uma subordinação, haja vista que a
contratação acontece diretamente pelo produtor rural ou pelos chamados "gatos". Semelhante
exigência equivaleria a retirar dessa classe de trabalhadores qualquer possibilidade de auferir o
benefício conferido, em razão de sua atividade.
4. O Superior Tribunal de Justiça considera prescindível a abrangência de todo o período de
carência previsto no art. 142 da Lei de Benefícios pela prova material, desde que a prova
testemunhal demonstre sua solidez, permitindo sua vinculação ao tempo de carência. Tal
solução, conhecida como "pro misero", se dá em virtude da precariedade dos registros de
vínculos trabalhistas nas áreas rurais, prática ainda comum em tempos recentes e bastante
disseminada em outras épocas.
5. Segundo o recente entendimento adotado pelo STJ no julgamento do REsp 1354908, em sede
de recurso repetitivo, o segurado especial deve estar trabalhando no campo no momento em que
completar a idade mínima para a obtenção da aposentadoria rural por idade, a fim de atender ao
segundo requisito exigido pela Lei de Benefícios: "período imediatamente anterior ao
requerimento do benefício", ressalvada a hipótese de direito adquirido, na qual o segurado
especial, embora não tenha ainda requerido sua aposentadoria por idade rural, já tenha
preenchido concomitantemente, no passado, ambos os requisitos - carência e idade.
6. Analisando o conjunto probatório, entendo, do mesmo modo que a r. sentença, que não restou
comprovado o exercício de atividade campesina da autora pelo período de carência e no
momento imediatamente anterior ao implemento do requisito etário. Conforme observado, a
documentação apresentada é parca e insuficiente para comprovar atividades campesinas até o
implemento do requisito etário ou o requerimento administrativo. Não há qualquer documento
apto a indicar eventual trabalho rural dela, no mínimo, desde 2002. A prova testemunhal, por sua
vez, é frágil e insubsistente, não robustecendo o conjunto probatório em favor do acolhimento do
pleito inaugural. E é fato que, em 2010, quando ingressou judicialmente com pedido de amparo
assistencial ao deficiente, alegou ser portadora de deficiência e não possuir capacidade
laborativa, o que pressupõe que, na ocasião, ela já não mais trabalhava. E também há
inconsistências que não passam despercebidas, pois o documento ID 73320593 aponta seu
endereço no município de Charqueada e o documento ID 73320594 indica que a autora residiria
na zona urbana de São Pedro. E não no Sítio São José, onde ela afirma residir e trabalhar.
7. Assim, considerando que o conjunto probatório foi insuficiente à comprovação pleiteada, seria
o caso de se manter a improcedência da ação, não tendo a parte autora se desincumbido do
ônus probatório que lhe cabia, ex vi do art. 373, I, do CPC/2015.
8. Entretanto, o entendimento consolidado pelo C. STJ, em julgado proferido sob a sistemática de
recursos repetitivos, conforme art. 543-C, do CPC/1973 é no sentido de que a ausência de
conteúdo probatório eficaz a instruir a inicial, implica a carência de pressuposto de constituição e
desenvolvimento válido do processo, impondo a sua extinção sem o julgamento do mérito,
propiciando ao autor intentar novamente a ação, caso reúna os elementos necessários.
9. Processo extinto de ofício. Apelação da parte autora prejudicada.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Sétima Turma, por
unanimidade, decidiu, DE OFÍCIO, extinguir o processo, sem resolução do mérito, com fulcro no
artigo 485, IV do CPC/2015, julgando prejudicado o apelo da parte autora, nos termos do relatório
e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Resumo Estruturado
VIDE EMENTA
