Processo
ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL / SP
5822651-92.2019.4.03.9999
Relator(a)
Desembargador Federal TORU YAMAMOTO
Órgão Julgador
7ª Turma
Data do Julgamento
01/04/2020
Data da Publicação/Fonte
Intimação via sistema DATA: 03/04/2020
Ementa
E M E N T A
PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR IDADE RURAL. REQUISITOS NÃO
PREENCHIDOS. CONJUNTO PROBATÓRIO INSUFICIENTE. EXTINÇÃO SEM RESOLUÇÃO
DE MÉRITO. RESP REPETITIVO 1352721/SP. ÔNUS DA SUCUMBÊNCIA MANTIDO.
APELAÇÃO DA PARTE AUTORA PREJUDICADA.
1. A aposentadoria por idade de rurícola reclama idade mínima de 60 anos, se homem, e 55
anos, se mulher (§ 1º do art. 48 da Lei nº 8.213/91), além da demonstração do exercício de
atividade rural, bem como o cumprimento da carência mínima exigida no art. 142 da referida lei.
De acordo com a jurisprudência, é suficiente a tal demonstração o início de prova material
corroborado por prova testemunhal.
2. Permite-se a extensão dessa qualidade do marido à esposa, ou até mesmo dos pais aos filhos,
ou seja, são extensíveis os documentos em que os genitores, os cônjuges, ou conviventes,
aparecem qualificados como lavradores, ainda que o desempenho da atividade campesina não
tenha se dado sob o regime de economia familiar.
3. Em face do caráter protetivo social de que se reveste a Previdência Social, não se pode exigir
dos trabalhadores campesinos o recolhimento de contribuições previdenciárias, quando é de
notório conhecimento a informalidade em que suas atividades são desenvolvidas, cumprindo aqui
dizer que, sob tal informalidade, verifica-se a existência de uma subordinação, haja vista que a
contratação acontece diretamente pelo produtor rural ou pelos chamados "gatos". Semelhante
exigência equivaleria a retirar dessa classe de trabalhadores qualquer possibilidade de auferir o
Jurisprudência/TRF3 - Acórdãos
benefício conferido, em razão de sua atividade.
4. O Superior Tribunal de Justiça considera prescindível a abrangência de todo o período de
carência previsto no art. 142 da Lei de Benefícios pela prova material, desde que a prova
testemunhal demonstre sua solidez, permitindo sua vinculação ao tempo de carência. Tal
solução, conhecida como "pro misero", se dá em virtude da precariedade dos registros de
vínculos trabalhistas nas áreas rurais, prática ainda comum em tempos recentes e bastante
disseminada em outras épocas.
5. Segundo o recente entendimento adotado pelo STJ no julgamento do REsp 1354908, em sede
de recurso repetitivo, o segurado especial deve estar trabalhando no campo no momento em que
completar a idade mínima para a obtenção da aposentadoria rural por idade, a fim de atender ao
segundo requisito exigido pela Lei de Benefícios: "período imediatamente anterior ao
requerimento do benefício", ressalvada a hipótese de direito adquirido, na qual o segurado
especial, embora não tenha ainda requerido sua aposentadoria por idade rural, já tenha
preenchido concomitantemente, no passado, ambos os requisitos - carência e idade.
6. Considerando o observado nos autos, entendo que não restou comprovado o exercício de
atividade campesina da autora pelo período de carência, em regime de economia familiar e, em
especial, no momento imediatamente anterior ao implemento do requisito etário. A simples
propriedade de parcela de um imóvel rural não indica que ela, efetivamente, exerça a atividade
campesina naquele local até os dias atuais, ainda mais considerando que é incontroverso que ela
não já reside lá há muito tempo. Não há, ainda, qualquer razão para a autora não se qualificar em
documentos, inclusive recentes, como trabalhadora rural, tal como a Certidão Imobiliária onde
recebeu a doação de parte do sítio, se fosse assim a realidade dos fatos. Aliás, na escritura
lavrada em 2005, além dela não ter se classificado dessa forma, seu esposo, que já não mais
trabalha em razão de problemas de saúde, qualificou-se como “comerciante”. A situação
mencionada no tocante aos negócios de seu cunhado também não restou esclarecida, até
porque, de fato, verificou-se que o casal residiu um tempo no MS e não foi explicado que tipo de
negócio o esposo da autora teve quando recolheu contribuições previdenciárias como
empresário/empregador.
7. Assim, considerando que o conjunto probatório foi insuficiente à comprovação pleiteada, seria
o caso de se manter a improcedência da ação, não tendo a parte autora se desincumbido do
ônus probatório que lhe cabia, ex vi do art. 373, I, do CPC/2015.
8. Entretanto, o entendimento consolidado pelo C. STJ, em julgado proferido sob a sistemática de
recursos repetitivos, conforme art. 543-C, do CPC/1973 é no sentido de que a ausência de
conteúdo probatório eficaz a instruir a inicial, implica a carência de pressuposto de constituição e
desenvolvimento válido do processo, impondo a sua extinção sem o julgamento do mérito,
propiciando ao autor intentar novamente a ação, caso reúna os elementos necessários.
9. Processo extinto de ofício. Apelação da parte autora prejudicada.
Acórdao
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº5822651-92.2019.4.03.9999
RELATOR:Gab. 23 - DES. FED. TORU YAMAMOTO
APELANTE: MARIA APARECIDA MOREIRA MODESTO
Advogados do(a) APELANTE: LEANDRO GOMES DE MELO - SP263937-N, GERONIMO
RODRIGUES DOS SANTOS - SP409103-N
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
OUTROS PARTICIPANTES:
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº5822651-92.2019.4.03.9999
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OUTROS PARTICIPANTES:
R E L A T Ó R I O
O Exmo. Desembargador Federal Toru Yamamoto (Relator):
Trata-se de apelação interposta pela parte autora contra a r. sentença de primeiro grau que julgou
improcedente o pedido inaugural, colocando fim à fase de conhecimento, com resolução de
mérito, nos termos do art. 487, inc. I, do Código de Processo Civil. Condenou a parte autora ao
pagamento integral das custas e despesas processuais, bem como em honorários advocatícios,
estes fixados em 10% do valor atualizado da causa, com fulcro no artigo 85, §2º, do Código de
Processo Civil. Salientou, no entanto, que a exigibilidade de tais verbas de sucumbência deverá
observar o art. 98, §3º, do Código de Processo Civil, em razão da concessão da gratuidade de
justiça à parte autora.
Em suas razões recursais e em apertada síntese, sustenta a parte autora que possui direito à
benesse vindicada, motivando as razões de sua insurgência. Requer, assim, a concessão da
aposentadoria por idade rural pleiteada.
Apresentadas as contrarrazões, subiram os autos a esta E. Corte.
É o sucinto relatório.
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº5822651-92.2019.4.03.9999
RELATOR:Gab. 23 - DES. FED. TORU YAMAMOTO
APELANTE: MARIA APARECIDA MOREIRA MODESTO
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OUTROS PARTICIPANTES:
V O T O
O Exmo. Desembargador Federal Toru Yamamoto (Relator):
Verifico, em juízo de admissibilidade, que o recurso ora analisado se mostra regular, motivado
(artigo 1.010 CPC) e com partes legítimas, preenchendo os requisitos de adequação (art. 1009
CPC) e tempestividade (art. 1.003 CPC). Assim, presente o interesse recursal e inexistindo fato
impeditivo ou extintivo, recebo-o e passo a apreciá-lo nos termos do artigo 1.011 do Código de
Processo Civil.
A aposentadoria por idade de rurícola reclama idade mínima de 60 anos, se homem, e 55 anos,
se mulher (§ 1º do art. 48 da Lei nº 8.213/91), além da demonstração do exercício de atividade
rural, bem como o cumprimento da carência mínima exigida no art. 142 da referida lei.
De acordo com a jurisprudência, é suficiente a tal demonstração o início de prova material
corroborado por prova testemunhal. Ademais, para a concessão de benefícios rurais, houve um
abrandamento no rigorismo da lei quanto à comprovação da condição de rurícola dos
trabalhadores do campo, permitindo-se a extensão dessa qualidade do marido à esposa, ou até
mesmo dos pais aos filhos, ou seja, são extensíveis os documentos em que os genitores, os
cônjuges, ou conviventes, aparecem qualificados como lavradores, ainda que o desempenho da
atividade campesina não tenha se dado sob o regime de economia familiar.
Cumpre ressaltar que, em face do caráter protetivo social de que se reveste a Previdência Social,
não se pode exigir dos trabalhadores campesinos o recolhimento de contribuições
previdenciárias, quando é de notório conhecimento a informalidade em que suas atividades são
desenvolvidas, cumprindo aqui dizer que, sob tal informalidade, verifica-se a existência de uma
subordinação, haja vista que a contratação acontece diretamente pelo produtor rural ou pelos
chamados "gatos". Semelhante exigência equivaleria a retirar dessa classe de trabalhadores
qualquer possibilidade de auferir o benefício conferido, em razão de sua atividade.
O art. 143 da Lei n.º 8.213/1991, com a redação dada pela Lei n.º 9.063, de 28.04.1995, dispõe
que: "O trabalhador rural ora enquadrado como segurado obrigatório no Regime Geral de
Previdência Social, na forma da alínea "a" do inciso I, ou do inciso IV ou VII do art. 11 desta Lei,
pode requerer aposentadoria por idade, no valor de um salário mínimo, durante 15 (quinze) anos,
contados a partir da data de vigência desta Lei, desde que comprove o exercício de atividade
rural, ainda que descontínua, no período imediatamente anterior ao requerimento do benefício,
em número de meses idêntico à carência do referido benefício".
Quanto a se provar o efetivo exercício de atividade rural, o Superior Tribunal de Justiça considera
prescindível a abrangência de todo o período de carência previsto no art. 142 da Lei de
Benefícios pela prova material, desde que a prova testemunhal demonstre sua solidez, permitindo
sua vinculação ao tempo de carência. Tal solução, conhecida como "pro misero", se dá em
virtude da precariedade dos registros de vínculos trabalhistas nas áreas rurais, prática ainda
comum em tempos recentes e bastante disseminada em outras épocas.
Saliento, ainda, que, segundo o recente entendimento adotado pelo STJ no julgamento do REsp
1354908, em sede de recurso repetitivo, o segurado especial deve estar trabalhando no campo
no momento em que completar a idade mínima para a obtenção da aposentadoria rural por idade,
a fim de atender ao segundo requisito exigido pela Lei de Benefícios: "período imediatamente
anterior ao requerimento do benefício", ressalvada a hipótese de direito adquirido, na qual o
segurado especial, embora não tenha ainda requerido sua aposentadoria por idade rural, já tenha
preenchido concomitantemente, no passado, ambos os requisitos - carência e idade.
No caso dos autos, a parte autora, nascida em 08/08/1962, comprovou o cumprimento do
requisito etário no ano de 2017. Assim, considerando que o implemento do requisito em questão
se deu quando já havia encerrado a prorrogação prevista no art. 143, da Lei de Benefícios, é
necessário, após 31/12/2010, a comprovação do recolhimento de contribuições para os
empregados rurais, trabalhadores avulsos e diaristas e o cumprimento da carência de 180 meses,
a teor do que dispõe o art. 25, inciso II, da Lei nº 8.213/91, existindo a necessidade de
comprovação de recolhimentos de contribuições previdenciárias a fim de ser concedido o
benefício.
Assim, considerando que o implemento desse requisito se deu quando já havia encerrada a
prorrogação prevista no art. 143 da Lei de Benefícios, é necessária, após 31/12/2010, a
comprovação do recolhimento de contribuições para os empregados rurais, trabalhadores avulsos
e diaristas, além da comprovação do cumprimento da carência de 180 meses, a teor do que
dispõe o art. 25, inciso II, da Lei nº 8.213/91, com vistas à concessão do benefício.
Antes de analisar os requisitos relativos à qualidade de segurado e ao cumprimento da carência,
cumpre salientar que o esgotamento do prazo acima referido não constitui óbice à percepção de
benefícios previdenciários no valor de um salário mínimo, nos termos do disposto no art. 39, I, da
Lei nº 8.213/91.
No entanto, o exercício de atividades rurais relativo ao período encerrado em 31/12/2010 há de
ser comprovado de igual modo, ou seja, bastando a apresentação de início de prova material
corroborada por testemunhos. E, quanto ao período posterior, iniciado em 01/01/2011 até
31/12/2015, o labor rural deve ser comprovado por prova material, não bastando o início de
prova, correspondendo cada mês comprovado a três meses de carência, limitados a 12 meses
dentro do ano civil. E a partir de 01/01/2016 até 31/12/2020, o labor rural deve ser comprovado da
forma anteriormente consignada, correspondendo cada mês comprovado, agora, a dois meses de
carência, limitados a 12 meses dentro do ano civil, conforme as regras introduzidas pela Lei
11.718/08, em seu art. 2º, parágrafo único e art. 3º, incisos I, II e III.
Em suma, considera-se que a simples limitação temporal das regras prescritas pelo art. 143 da
Lei de Benefícios, por si só, não obsta a comprovação do exercício de atividades rurais nem a
percepção do benefício, desde que comprovados os recolhimentos obrigatórios, que passaram a
ser exigidos após o advento das novas regras introduzidas pela Lei nº 11.718/08.
No presente caso, a parte autora afirma na exordial que, in litteris:
“(...)
RESUMO FÁTICO
A Autora é trabalhadora rural e, sempre exerceu atividade campesina, tudo conforme se vê da
CTPS (documento 3) da autora.
Na verdade, desde os 10 anos de idade, a autora labora na área rural, porém na maioria das
vezes sem anotação em sua CTPS, prática muito comum.
A requerente é nascida em 08/08/1962 (documentos pessoais), atualmente com 56 anos de
idade, e, logo após preencher os requisitos para a concessão da aposentadoria por idade,
requereu a concessão do benefício previdenciário de n. 179.438.165-9 (documento 2), junto à
Autarquia ré.
Para fazer prova do período laborado na área rural, além da sua CTPS (documento 3), a autora
juntou cópias da CTPS do esposo (documento 4), o qual sempre atuou na seara rural, porém na
maioria das vezes sem anotação na CTPS.
A autora ingressou com pedido administrativo junto ao INSS (documento 2), mas não logrou êxito,
seu pedido foi indeferido por considerar o INSS que não houve comprovação do tempo de
carência.
Inconformada com a decisão da autarquia ré, vem a autora, perante este Emérito Julgador,
requerer a concessão de seu benefício de aposentadoria por idade rural.
É, em apertada síntese, a resenha fática necessária.
DAS PROVAS
Quando do requerimento administrativo a requerente já havia completado a idade exigida para a
concessão do benefício, tendo apresentado cópia da sua CTPS (documento 3), comprovando
atividade rural nos anos de 2000, 2003, 2004, 2005, 2006, 2007, 2008, 2009, 2010, 2016, 2017 e
2018.
Juntou também cópia da CTPS (documento 4) do esposo, comprovando que o mesmo exerceu
atividade rural nos anos de 1990, 1996, 1998, 2000, 2003, 2004 e 2005.
A autora que desde os 10 anos de idade viveu no campo, residindo em diversas fazendas da
região, infelizmente não se recorda dos períodos em que residiu em cada uma delas, se
recordando apenas o nome de algumas delas, mas sem saber precisar as datas, isso devido ao
decurso do tempo.
Apesar de a Certidão de Casamento (documento 5), ser datada de 29/11/2008, a requerida, muito
antes, já convivia maritalmente com o senhor José Adriano Modesto, isso desde o ano de 1996,
ou seja, três anos antes de terem o primeiro filho, Ronaldo Adriano Modesto, nascido aos dias
13/04/1999, tudo conforme se vê da Certidão de Nascimento (documento 6).
Apesar de constar da Certidão de Casamento (documento 5) que a requerente era do lar, de fato,
tal qualificação foi lançada equivocadamente, na medida em que consta da CTPS (documento 3)
da autora, que esta se encontrava em plena atividade rural nos anos de 2007, 2008 e 2009.
Consta da respectiva certidão como o esposo da requerente sendo aposentado, sendo que na
verdade não o é, o mesmo recebe benefício assistência de amparo ao idoso (documento 7).
Como faz prova a Certidão de Nascimento do filho (documento 6), a requerente desde o ano de
1999, já se qualificava como lavradora.
Pois bem.
O quesito idade está demonstrado nos autos por meio dos documentos pessoais da parte autora.
Quando ao período de atividade rural, a requerente faz prova por meio de sua CTPS (documento
3), bem como por meio da CTPS do esposo (documento 4), da Certidão de Casamento
(documento 5), em que consta o esposo da requerente como lavrador, e da Certidão de
Nascimento do filho Ronaldo (documento 6), onde consta que desde o ano de 1999 a requerente
já desenvolvia atividade rural.
(...)”
Quanto à prova testemunhal, pacificado no C. Superior Tribunal de Justiça o entendimento de que
apenas esta não basta para a comprovação da atividade rural, requerendo a existência de início
razoável de prova material, conforme entendimento cristalizado na Súmula 149, que assim
dispõe: "A prova exclusivamente testemunhal não basta à comprovação da atividade rurícola,
para efeito da obtenção do benefício previdenciário".
A r. sentença, por sua vez, analisou assim o conjunto probatório, incluindo a prova oral produzida:
“(...)
Na espécie, os documentos pessoais da parte autora comprovam atendimento ao requisito etário
(fls. 11/12). Contudo, não estão comprovados de maneira segura os indícios de atividade rurícola
por parte da autora, ônus que lhe competia, nos termos do art. 373, inc. I, do Código de Processo
Civil. Com efeito, em sua certidão de casamento constou a informação de que ela era “do lar”,
não havendo provas robustas em sentido contrário em relação à época do matrimônio. Muito
embora sua CTPS traga anotação de diversos vínculos de trabalho na condição de rurícola (fls.
63/74), forçoso reconhecer que tais vínculos são bastante esparsos e se referem apenas a
poucos meses (dos anos de 2000, 2003, 2004 a 2010 e 2016 a 2018), inexistindo documentos
seguros de que a autora trabalhou por todo o ano nesses períodos e, especialmente, qual foi sua
atividade entre os anos de 2011 e 2015, os quais não possuem qualquer documento juntado aos
autos. Por seu turno, os documentos de fls. 75/81 referem-se unicamente a seu marido que teria
parado de trabalhar em 2005 - e, tratando-se apenas de CTPS, não são suficientes para
comprovar o trabalho rurícola da própria autora. Além disso, não houve juntada de outros
documentos comuns para demonstração da qualidade alegada, a exemplo de cadastro perante o
INCRA, bloco de notas de trabalhador rural ou declaração dos respectivos sindicatos, como
elencados no art. 106 da Lei nº 8.213/91. Nesse contexto, certo que faltam elementos para
demonstrar que o trabalho rural era mesmo o meio de vida da requerente por todo o tempo
alegado na inicial, ainda que de maneira indiciária, não havendo transmissão automática dessa
qualidade oriunda do marido da autora. Ad argumentandum tantum, anoto que os próprios
depoimentos colhidos em audiência não são suficientes para atestar cabalmente as alegações da
parte autora. Ouvida em depoimento pessoal, Maria Aparecida declarou que não sabe quantos
anos tem de idade. Afirmou que começou a trabalhar aos dez anos. Relatou que há cerca de
quinze anos contados desta data, estava morando com seu pai na fazenda Santo Antônio,
próxima à Garça. Declarou que não estava casada à época. Disse que trabalhava na colheita de
café com seu genitor. Relatou que o sítio era do sr. João Cirilo. Afirmou que o café fica vermelho
claro quando está pronto para ser colhido. Relatou que não se lembra quando, mas se mudou
com sua família para outro sítio do mesmo proprietário, onde continuou trabalhando na colheita
de café. Declarou que não havia registro em CTPS à época. Em seguida, após aparentar cerca
confusão, afirmou que não se lembra onde estava cerca de quinze anos atrás. Relatou, contudo,
que, nesta época, já estava casada. Declarou que, à época, foi com seu marido para um sítio
próximo a Ocauçu, mas não se lembra o nome. Declarou que ficou por mais de três anos nesse
local. Afirmou que também trabalhava na colheita de café. Relatou que, depois desse período, foi
para a fazenda São Vicente, pertencente à família Ferreira. Lá, continuou trabalhando na colheita
de café, sem registro em sua carteira. Disse que ficou no local por mais três anos e só trabalhava
nos locais mencionados. Relatou que, depois, mudou-se para um sítio próximo ao cemitério de
Gália, mas não conhece o dono. Declarou que passou a trabalhar na horta, também sem registro
em CTPS. Disse que ficou por quatro anos no local, também trabalhando com exclusividade, sem
registro. Relatou que, depois disso, mudou-se para a cidade e começou a trabalhar na fazenda
dos “Bonini”. A testemunha Juraci Fidencio declarou que conhece a autora há cerca de quinze ou
vinte anos. Relatou que a conheceu trabalhando na fazenda do sr. Helio Crudi, chamada “São
Pedro”, que fica em Lucianópolis. Afirmou que havia registro em CTPS para todos os
funcionários. Afirmou que, depois disso, trabalharam juntos nas Fazendas Bonini, São Vicente e
Eldorado, esta em Fernão. Disse que a autora colhia café e também labutou na colheita de
batata. Afirmou que não sabe se a autora já trabalhou na cidade. Relatou que nunca viu a autora
sem trabalhar. Indagado, respondeu que o sr. Luiz Conde trabalhava como empreiteiro e
transportava pessoas para as fazendas. Relatou que ele levava pessoas para as Fazendas “do
japonês”, “Orlandinho” e outras da região. Declarou que a autora também era transportada por
esse empreiteiro. Relatou que também transportou pessoas para as fazendas mencionadas,
incluindo a autora. Por seu turno, Eduardo Rosa dos Santos conhece a autora há cerca de quinze
anos. Relatou que conheceu ela trabalhando. Disse que a conheceu na lavoura de café, na
fazenda “São José”, em Garça, mas não se lembra quem era o proprietário. Relatou que havia
registro em CTPS. Afirmou que trabalharam apenas pelo período da safra, de quatro a cinco
meses. Relatou que, depois disso, tornou-se empreiteiro e passou a transportar a autora para
fazendas da região, o que ocorre há cerca de sete anos. Declarou que não sabe se a autora ficou
sem trabalhar e não sabe se ela trabalhou na cidade. Relatou que a autora trabalha apenas na
época de safra, geralmente, com registro em CTPS. Declarou que a última em que a autora
trabalhou foi a Fazenda Santa Lúcia, há cerca de quinze dias. Indagado, respondeu que também
é comum que algumas pessoas façam “bicos” informais nas fazendas. Confirmou que a autora
está trabalhando atualmente na colheita de laranja e que a fazenda se localiza em Fernão. Elisa
Regina Alexandre afirmou que conhece a autora há cerca de dez anos. Afirmou que conheceu a
autora em Fernão, na rua. Relatou que, à época, trabalhava na fazenda “Água da Peroba”, em
Fernão. Disse que a requerente trabalhava com o sr. Luis Padeiro, mas não se lembra em que
fazenda, pois aquele era empreiteiro. Declarou que, em 2014, a autora foi trabalhar na fazenda
acima mencionada na colheita de laranja. Relatou que ela trabalhou apenas na safra, sendo que
na fazenda há registro no mês de junho. Afirmou que, depois disso, a autora foi trabalhar fazendo
“bicos” em outros locais da região de Fernão. Relatou que a autora trabalhou novamente no local
em 2015, com registro. Afirmou que a autora continua indo trabalhar nessa fazenda quando há
colheita. Não se lembra outras fazendas em que a requerente trabalhou. Indagada, confirmou que
conheceu a autora em 2010. Relatou que ela, depoente, mora em Fernão há quatorze anos.
Afirmou que, de vista, conhece a autora há mais tempo. Sabe que a autora mora em Fernão há
mais de vinte anos. Disse que a autora sempre trabalhou na roça e não trabalhou em atividades
urbanas. Declarou que o empreiteiro responsável por levar pessoas para trabalhar, incluindo a
autora, era conhecido como “Luis padeiro”. Afirmou que é comum registrarem uma pessoa
apenas no início da safra, sendo que aqueles que chegam depois ficam sem registro, o que
também ocorreu com a autora. Como se vê, as testemunhas ouvidas em audiência prestaram
relatos bastante dissonantes, sobretudo quando comparados aos termos do depoimento especial
da requerente. Enquanto esta relatou poucos vínculos e a permanência em algumas fazendas por
alguns anos, sempre trabalhando com exclusividade - o que também contraria os dados de sua
própria CTPS as testemunhas não confirmaram tais informações e não deram detalhes
harmônicos e coerentes quanto ao trabalho desenvolvido pela autora. Chama a atenção,
inclusive, que as testemunhas relatam que a autora trabalhou em locais em que era comum o
registro em sua CTPS, muito embora tais vínculos não tenham se confirmado nos documentos de
fls. 63/74, o que também enfraquece bastante a tese autoral. Aliás, as testemunhas também não
puderam dar maiores detalhes sobre todo o período laboral da autora que seria necessário para a
obtenção do benefício buscado. Nesse contexto, o conjunto probatório não permite concluir que a
autora trabalhou como rurícola pelo prazo de carência necessário, havendo diversas lacunas não
esclarecidas, de modo que a improcedência se impõe.
(...)”
Pois bem.
Considerando o observado nos autos, entendo, tal como a r. sentença, que não restou
cabalmente comprovado o exercício de atividade campesina da autora pelo período de carência.
Não há nenhum registro laboral dela entre 2011/2015 e também não foram vertidos os
recolhimentos devidos. A documentação colacionada aos autos aponta, apenas, o exercício de
trabalho esporádico e eventual da autora em lides campesinas. Seu falecido esposo estava sem
exercer atividade campesina desde 2005 e, a partir de 2015, começou a perceber o benefício de
amparo social ao idoso, e não aposentadoria por idade rural. A prova oral, por sua vez, trouxe
diversas discrepâncias e não foi capaz de corroborar satisfatoriamente com as alegações trazidas
na exordial. Nada indica que ela tenha trabalhado em atividades rurais desde os 10 anos de
idade, pois não há qualquer documento a indicar nesse sentido. Importante verificar, ainda, que
apesar de o falecido esposo da autora ter mais um filho mais novo (Ronaldo), não foi colacionada
aos autos a certidão de nascimento dele, a fim de que fosse possível verificar como os genitores
se declararam profissionalmente naquele documento.
Assim, considerando que o conjunto probatório foi insuficiente à comprovação pleiteada, seria o
caso de se manter a improcedência da ação, não tendo a parte autora se desincumbido do ônus
probatório que lhe cabia, ex vi do art. 373, I, do CPC/2015.
Entretanto, o entendimento consolidado pelo C. STJ, em julgado proferido sob a sistemática de
recursos repetitivos, conforme art. 543-C, do CPC/1973 é no sentido de que a ausência de
conteúdo probatório eficaz a instruir a inicial, implica a carência de pressuposto de constituição e
desenvolvimento válido do processo, impondo a sua extinção sem o julgamento do mérito,
propiciando ao autor intentar novamente a ação, caso reúna os elementos necessários.
Por oportuno, transcrevo:
"DIREITO PREVIDENCIÁRIO. RECURSO ESPECIAL REPRESENTATIVO DA
CONTROVÉRSIA. ART. 543-C DO CPC. RESOLUÇÃO No. 8/STJ. APOSENTADORIA POR
IDADE RURAL. AUSÊNCIA DE PROVA MATERIAL APTA A COMPROVAR O EXERCÍCIO DA
ATIVIDADE RURAL. CARÊNCIA DE PRESSUPOSTO DE CONSTITUIÇÃO E
DESENVOLVIMENTO VÁLIDO DO PROCESSO. EXTINÇÃO DO FEITO SEM JULGAMENTO
DO MÉRITO, DE MODO QUE A AÇÃO PODE SER REPROPOSTA, DISPONDO A PARTE DOS
ELEMENTOS NECESSÁRIOS PARA COMPROVAR O SEU DIREITO. RECURSO ESPECIAL
DO INSS DESPROVIDO.
1. Tradicionalmente, o Direito Previdenciário se vale da processualística civil para regular os seus
procedimentos, entretanto, não se deve perder de vista as peculiaridades das demandas
previdenciárias, que justificam a flexibilização da rígida metodologia civilista, levando-se em conta
os cânones constitucionais atinentes à Seguridade Social, que tem como base o contexto social
adverso em que se inserem os que buscam judicialmente os benefícios previdenciários.
2. As normas previdenciárias devem ser interpretadas de modo a favorecer os valores morais da
Constituição Federal/1988, que prima pela proteção do Trabalhador Segurado da Previdência
Social, motivo pelo qual os pleitos previdenciários devem ser julgados no sentido de amparar a
parte hipossuficiente e que, por esse motivo, possui proteção legal que lhe garante a flexibilização
dos rígidos institutos processuais. Assim, deve-se procurar encontrar na hermenêutica
previdenciária a solução que mais se aproxime do caráter social da Carta Magna, a fim de que as
normas processuais não venham a obstar a concretude do direito fundamental à prestação
previdenciária a que faz jus o segurado.
3. Assim como ocorre no Direito Sancionador, em que se afastam as regras da processualística
civil em razão do especial garantismo conferido por suas normas ao indivíduo, deve-se dar
prioridade ao princípio da busca da verdade real, diante do interesse social que envolve essas
demandas.
4. A concessão de benefício devido ao trabalhador rural configura direito subjetivo individual
garantido constitucionalmente, tendo a CF/88 dado primazia à função social do RGPS ao erigir
como direito fundamental de segunda geração o acesso à Previdência do Regime Geral; sendo
certo que o trabalhador rural, durante o período de transição, encontra-se constitucionalmente
dispensado do recolhimento das contribuições, visando à universalidade da cobertura
previdenciária e a inclusão de contingentes desassistidos por meio de distribuição de renda pela
via da assistência social.
5. A ausência de conteúdo probatório eficaz a instruir a inicial, conforme determina o art. 283 do
CPC, implica a carência de pressuposto de constituição e desenvolvimento válido do processo,
impondo a sua extinção sem o julgamento do mérito (art. 267, IV do CPC) e a consequente
possibilidade de o autor intentar novamente a ação (art. 268 do CPC), caso reúna os elementos
necessários à tal iniciativa.
6. Recurso Especial do INSS desprovido". (REsp 1352721/SP, Rel. Ministro NAPOLEÃO NUNES
MAIA FILHO, CORTE ESPECIAL, julgado em 16/12/2015, DJe 28/04/2016).
Mantenho, por fim, a condenação da parte autora no pagamento das verbas sucumbenciais,
observados os benefícios da assistência judiciária gratuita (arts. 11, §2º, e 12, ambos da Lei
1.060/50, reproduzidos pelo §3º do art. 98 do CPC), já que deu causa à extinção do processo
sem resolução do mérito.
Ante o exposto, DE OFÍCIO, extingo o processo, sem resolução do mérito, com fulcro no art. 485,
IV do CPC/2015, julgando prejudicado o apelo da parte autora, nos termos deste arrazoado.
É o voto.
E M E N T A
PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR IDADE RURAL. REQUISITOS NÃO
PREENCHIDOS. CONJUNTO PROBATÓRIO INSUFICIENTE. EXTINÇÃO SEM RESOLUÇÃO
DE MÉRITO. RESP REPETITIVO 1352721/SP. ÔNUS DA SUCUMBÊNCIA MANTIDO.
APELAÇÃO DA PARTE AUTORA PREJUDICADA.
1. A aposentadoria por idade de rurícola reclama idade mínima de 60 anos, se homem, e 55
anos, se mulher (§ 1º do art. 48 da Lei nº 8.213/91), além da demonstração do exercício de
atividade rural, bem como o cumprimento da carência mínima exigida no art. 142 da referida lei.
De acordo com a jurisprudência, é suficiente a tal demonstração o início de prova material
corroborado por prova testemunhal.
2. Permite-se a extensão dessa qualidade do marido à esposa, ou até mesmo dos pais aos filhos,
ou seja, são extensíveis os documentos em que os genitores, os cônjuges, ou conviventes,
aparecem qualificados como lavradores, ainda que o desempenho da atividade campesina não
tenha se dado sob o regime de economia familiar.
3. Em face do caráter protetivo social de que se reveste a Previdência Social, não se pode exigir
dos trabalhadores campesinos o recolhimento de contribuições previdenciárias, quando é de
notório conhecimento a informalidade em que suas atividades são desenvolvidas, cumprindo aqui
dizer que, sob tal informalidade, verifica-se a existência de uma subordinação, haja vista que a
contratação acontece diretamente pelo produtor rural ou pelos chamados "gatos". Semelhante
exigência equivaleria a retirar dessa classe de trabalhadores qualquer possibilidade de auferir o
benefício conferido, em razão de sua atividade.
4. O Superior Tribunal de Justiça considera prescindível a abrangência de todo o período de
carência previsto no art. 142 da Lei de Benefícios pela prova material, desde que a prova
testemunhal demonstre sua solidez, permitindo sua vinculação ao tempo de carência. Tal
solução, conhecida como "pro misero", se dá em virtude da precariedade dos registros de
vínculos trabalhistas nas áreas rurais, prática ainda comum em tempos recentes e bastante
disseminada em outras épocas.
5. Segundo o recente entendimento adotado pelo STJ no julgamento do REsp 1354908, em sede
de recurso repetitivo, o segurado especial deve estar trabalhando no campo no momento em que
completar a idade mínima para a obtenção da aposentadoria rural por idade, a fim de atender ao
segundo requisito exigido pela Lei de Benefícios: "período imediatamente anterior ao
requerimento do benefício", ressalvada a hipótese de direito adquirido, na qual o segurado
especial, embora não tenha ainda requerido sua aposentadoria por idade rural, já tenha
preenchido concomitantemente, no passado, ambos os requisitos - carência e idade.
6. Considerando o observado nos autos, entendo que não restou comprovado o exercício de
atividade campesina da autora pelo período de carência, em regime de economia familiar e, em
especial, no momento imediatamente anterior ao implemento do requisito etário. A simples
propriedade de parcela de um imóvel rural não indica que ela, efetivamente, exerça a atividade
campesina naquele local até os dias atuais, ainda mais considerando que é incontroverso que ela
não já reside lá há muito tempo. Não há, ainda, qualquer razão para a autora não se qualificar em
documentos, inclusive recentes, como trabalhadora rural, tal como a Certidão Imobiliária onde
recebeu a doação de parte do sítio, se fosse assim a realidade dos fatos. Aliás, na escritura
lavrada em 2005, além dela não ter se classificado dessa forma, seu esposo, que já não mais
trabalha em razão de problemas de saúde, qualificou-se como “comerciante”. A situação
mencionada no tocante aos negócios de seu cunhado também não restou esclarecida, até
porque, de fato, verificou-se que o casal residiu um tempo no MS e não foi explicado que tipo de
negócio o esposo da autora teve quando recolheu contribuições previdenciárias como
empresário/empregador.
7. Assim, considerando que o conjunto probatório foi insuficiente à comprovação pleiteada, seria
o caso de se manter a improcedência da ação, não tendo a parte autora se desincumbido do
ônus probatório que lhe cabia, ex vi do art. 373, I, do CPC/2015.
8. Entretanto, o entendimento consolidado pelo C. STJ, em julgado proferido sob a sistemática de
recursos repetitivos, conforme art. 543-C, do CPC/1973 é no sentido de que a ausência de
conteúdo probatório eficaz a instruir a inicial, implica a carência de pressuposto de constituição e
desenvolvimento válido do processo, impondo a sua extinção sem o julgamento do mérito,
propiciando ao autor intentar novamente a ação, caso reúna os elementos necessários.
9. Processo extinto de ofício. Apelação da parte autora prejudicada.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Sétima Turma, por
unanimidade, decidiu, DE OFÍCIO, extinguir o processo, sem resolução do mérito, com fulcro no
artigo 485, IV do CPC/2015, julgando prejudicado o apelo da parte autora, nos termos do relatório
e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Resumo Estruturado
VIDE EMENTA
