Processo
ApReeNec - APELAÇÃO / REEXAME NECESSÁRIO / MS
5004407-85.2018.4.03.9999
Relator(a)
Desembargador Federal MARISA FERREIRA DOS SANTOS
Órgão Julgador
9ª Turma
Data do Julgamento
26/02/2020
Data da Publicação/Fonte
Intimação via sistema DATA: 28/02/2020
Ementa
E M E N T A
PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR IDADE RURAL. RESTABELECIMENTODO
BENEFÍCIO. DECADÊNCIA. INOCORRÊNCIA. INCIDÊNCIA DO § 4º DO ART. 1.013 DO CPC.
COMPROVADA A ATIVIDADE RURAL QUANDO DO IMPLEMENTO DO REQUISITO IDADE.
- Oprazo decadencial, conforme determinado na Lei nº 9.528/97, ou seja, "a contar do dia
primeiro do mês seguinte ao do recebimento da primeira prestação ou, quando for o caso, do dia
em que tomar conhecimento da decisão indeferitória definitiva no âmbito administrativo", não
pode ser aplicado aos benefícios concedidos anteriormente à sua edição, face ao princípio de
irretroatividade da lei, contudo, deve ser aplicado a partir da MP nº 1.523-9, publicada em
27.06.1997, com vigência a partir de 28.06.1997, pelo que revejo posicionamento anteriormente
adotado.
- No caso dos autos,os documentos que instruíram a ação indicam que embora a cessação do
benefício tenha ocorrido em abril de 2013, os procedimentos administrativos de apuração das
possíveis irregularidades tiveram início em 02.05.2013, não tendo transcorrido, portanto, o prazo
decadencial.
- Requisitos para concessão da aposentadoria por idade de trabalhador rural nos arts. 142 e 143
da Lei 8213/1991, e, quando segurado especial em regime de economia familiar, nos arts. 39, I, e
142 da mesma lei. Carência nos termos do art. 142.
- Concessão do benefício a partir de 01/01/2011 com base no art. 48 e parágrafos da Lei
8.213/91, com as modificações introduzidas pela Lei 11.718/2008.
Jurisprudência/TRF3 - Acórdãos
- Completada a idade para a aposentadoria por idade rural após 31.12.2010, devem ser
preenchidos os requisitos previstos no art. 48, §§ 1º e 2º, da Lei n. 8.213/91, com a redação que
lhe foi dada pela Lei n. 11.718/2008.
- O segurado pode ter cumprido o requisito carência, como definida em lei, pelo trabalho rural
durante o tempo exigido pelo art. 142 da Lei 8.213/91, concomitantemente com o requisito idade.
Nesses casos, tem direito adquirido ao benefício, mesmo se o requerimento administrativo for em
muito posterior ao preenchimento dos requisitos. O direito à aposentadoria por idade rural, desde
que cumpridas as condições para sua aquisição, pode ser exercido a qualquer tempo.
- Em outros casos, o segurado só completa a carência (anos de atividade rural) posteriormente ao
requisito idade. Em tal situação, é necessária a comprovação do trabalho rural quando do
adimplemento da idade para a configuração do direito à data do requerimento, adquirido apenas
em decorrência de atividade rural posterior ao cumprimento da idade exigida.
- Para que se caracterize tipicamente como rural, com direito à aposentadoria com idade
reduzida, o trabalhador deve, então, comprovar que exerceu atividade rural pelo menos por um
período que, mesmo que descontínuo, some o total correspondente à carência exigida.
- O reconhecimento de trabalho rural exercido na qualidade de diarista ou em regime de
economia familiar depende da apresentação de início de prova material contemporânea aos fatos,
conforme previsto no art. 55, § 3º, da Lei 8.213/91, corroborado por posicionamento
jurisprudencial consolidado na Súmula 149 do STJ, a ser corroborada por prova testemunhal.
- Conjugando o início de prova material com a prova testemunhal, conclui-se que o autor
comprovou os requisitos necessários previstos na legislação previdenciária para o
restabelecimento da aposentadoria por idade pretendida, cessada em abril de 2013.
- Apelo parcialmente provido.
Acórdao
APELAÇÃO / REEXAME NECESSÁRIO (1728) Nº5004407-85.2018.4.03.9999
RELATOR:Gab. 30 - DES. FED. MARISA SANTOS
INTERESSADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL
PROCURADOR: PROCURADORIA-REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO
INTERESSADO: TEONILIO GOMES MOREIRA
Advogados do(a) INTERESSADO: VANIA DA SILVA VIEIRA - SP283836-S, FRANCISCO
CARLOS LOPES DE OLIVEIRA - MS3293-A
OUTROS PARTICIPANTES:
APELAÇÃO / REEXAME NECESSÁRIO (1728) Nº5004407-85.2018.4.03.9999
RELATOR:Gab. 30 - DES. FED. MARISA SANTOS
INTERESSADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL
PROCURADOR: PROCURADORIA-REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO
INTERESSADO: TEONILIO GOMES MOREIRA
Advogados do(a) INTERESSADO: VANIA DA SILVA VIEIRA - SP283836-S, FRANCISCO
CARLOS LOPES DE OLIVEIRA - MS3293-A
OUTROS PARTICIPANTES:
R E L A T Ó R I O
A Desembargadora Federal MARISA SANTOS (Relatora): Ação ajuizada contra o Instituto
Nacional do Seguro Social - INSS, para o restabelecimento de aposentadoria por idade a
trabalhador rural.
Concedidos os benefícios da justiça gratuita.
O juiz de primeiro grau julgou procedente o pedido de restabelecimento da aposentadoria por
idade rural, cessada em 31.05.2016, sob o fundamento de que ocorrera a decadência do direito à
revisão administrativa do benefício. Fixou os critérios de incidência da correção monetária e dos
juros de mora, bem como arbitrou os honorários advocatícios.
Apela o INSS sustentando a ausência da decadência do direito à revisão da benesse. Prossegue,
alegando a falta dos requisitos necessários ao restabelecimento do benefício, bem como o direito
à restituição dos valores indevidamente recebidos.
Com contrarrazões, subiram os autos.
É o relatório.
APELAÇÃO / REEXAME NECESSÁRIO (1728) Nº5004407-85.2018.4.03.9999
RELATOR:Gab. 30 - DES. FED. MARISA SANTOS
INTERESSADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL
PROCURADOR: PROCURADORIA-REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO
INTERESSADO: TEONILIO GOMES MOREIRA
Advogados do(a) INTERESSADO: VANIA DA SILVA VIEIRA - SP283836-S, FRANCISCO
CARLOS LOPES DE OLIVEIRA - MS3293-A
OUTROS PARTICIPANTES:
V O T O
A Desembargadora Federal MARISA SANTOS (Relatora): Considerando que o valor da
condenação ou proveito econômico não ultrapassa 1.000 (mil) salários mínimos na data da
sentença, conforme art. 496, § 3º, I, do CPC/2015, não é caso de remessa oficial.
No mérito, anoto que o autor ajuizou ação objetivando o restabelecimento do benefício de
aposentadoria por idade rural, que fora cessado em 31.05.2016.
O Juízo de 1º grau reconheceu a decadência do direito do INSS de rever os atos de concessão
da aposentadoria por idade rural.
Registre-se, por oportuno, que até a edição da MP 1.523-9, em 27.06.1997, posteriormente
convertida na Lei nº 9.528/97, inexistia o prazo decadencial.
A Lei nº 9.528, de 10.12.1997, alterou o artigo 103 da Lei nº 8.213/91, que passou a conter a
seguinte redação:
É de dez anos o prazo de decadência de todo e qualquer direito ou ação do segurado ou
beneficiário para a revisão do ato de concessão de benefício, a contar do dia primeiro do mês
seguinte ao do recebimento da primeira prestação ou, quando for o caso, do dia em que tomar
conhecimento da decisão indeferitória definitiva no âmbito administrativo.
Parágrafo único. Prescreve em cinco anos, a contar da data em que deveriam ter sido pagas,
toda e qualquer ação para haver prestações vencidas ou quaisquer restituições ou diferenças
devidas pela Previdência Social, salvo o direito dos menores, incapazes e ausentes, na forma do
Código Civil.
Referido prazo foi reduzido para cinco anos, por força da MP nº 1663-15/98, convertida na Lei nº
9.711/98.
Posteriormente, foi editada a MP nº 138/03, com vigência a partir de 20.11.2003, convertida na
Lei nº 10.839/04, que deu nova redação ao citado artigo 103 e elevou o prazo decadencial,
novamente, para dez anos.
Observo, de início, que havia adotado o entendimento corrente na doutrina e na jurisprudência
segundo o qual o instituto da decadência era inaplicável aos benefícios concedidos até a edição
da MP nº 1.523-9/97, que foi convertida na Lei nº 9.528/97.
Contudo, a 1ª Turma do STJ, em voto de relatoria do Min. Teori Albino Zavascki, ao julgar o
RESP 1.303.988/PE, firmou o entendimento que o prazo decadencial determinado na Lei nº
9.528/97, aplica-se aos benefícios concedidos anteriormente a sua edição, ressalvando apenas
que o termo inicial de sua aplicação é a data em que entrou em vigor o referido diploma legal
(28/06/1997):
PREVIDÊNCIA SOCIAL. REVISÃO DO ATO DE CONCESSÃO DE BENEFÍCIO
PREVIDENCIÁRIO. DECADÊNCIA. PRAZO. ART. 103 DA LEI 8.213/91. BENEFÍCIOS
ANTERIORES. DIREITO INTERTEMPORAL.
1. Até o advento da MP 1.523-9/1997 (convertida na Lei 9.528/97), não havia previsão normativa
de prazo de decadência do direito ou da ação de revisão do ato concessivo de benefício
previdenciário. Todavia, com a nova redação, dada pela referida Medida Provisória, ao art. 103 da
Lei nº 8.213/91 (Lei de Benefícios da Previdência Social), ficou estabelecido que "É de dez anos o
prazo de decadência de todo e qualquer direito ou ação do segurado ou beneficiário para a
revisão do ato de concessão de benefício, a contar do dia primeiro do mês seguinte ao do
recebimento da primeira prestação ou, quando for o caso, do dia em que tomar conhecimento da
decisão indeferitória definitiva no âmbito administrativo".
2. Essa disposição normativa não pode ter eficácia retroativa para incidir sobre o tempo
transcorrido antes de sua vigência. Assim, relativamente aos benefícios anteriormente
concedidos, o termo inicial do prazo de decadência do direito ou da ação visando à sua revisão
tem como termo inicial a data em que entrou em vigor a norma fixando o referido prazo decenal
(28/06/1997). Precedentes da Corte Especial em situação análoga (v.g.: MS 9.112/DF Min. Eliana
Calmon, DJ 14/11/2005; MS 9.115, Min. César Rocha (DJ de 07/08/06, MS 11123, Min. Gilson
Dipp, DJ de 05/02/07, MS 9092, Min. Paulo Gallotti, DJ de 06/09/06, MS (AgRg) 9034, Min. Félix
Ficher, DL 28/08/06).
3. Recurso especial provido.
Portanto, o prazo decadencial, conforme determinado na Lei nº 9.528/97, ou seja, "a contar do dia
primeiro do mês seguinte ao do recebimento da primeira prestação ou, quando for o caso, do dia
em que tomar conhecimento da decisão indeferitória definitiva no âmbito administrativo", não
pode ser aplicado aos benefícios concedidos anteriormente à sua edição, face ao princípio de
irretroatividade da lei, contudo, deve ser aplicado a partir da MP nº 1.523-9, publicada em
27.06.1997, com vigência a partir de 28.06.1997, pelo que revejo posicionamento anteriormente
adotado.
In casu, os documentos que instruíram a ação indicam que embora a cessação do benefício
tenha ocorrido em abril de 2013, os procedimentos administrativos de apuração das possíveis
irregularidades tiveram início em 02.05.2013 (vide id 3574336, p. 50/51), não tendo transcorrido,
portanto, o prazo decadencial.
Desse modo, considerando a reforma da sentença que reconheceu a decadência, passo ao
exame do mérito, nos termos do permissivo no art. 1.013, § 4º, do novo CPC.
Os requisitos para concessão da aposentadoria por idade de trabalhador rural estão fixados nos
arts. 142 e 143 da Lei 8213/1991, e, quando segurado especial em regime de economia familiar,
nos arts. 39, I, e 142 da mesma lei.
A carência estatuída no art. 25, II, não tem aplicação integral imediata, devendo ser escalonada e
progressiva, na forma estabelecida no art. 142, levando-se em conta o ano em que o segurado
implementou as condições necessárias à obtenção do benefício. Trata-se de regra de transição
destinada àqueles que já estavam no sistema antes da modificação legislativa.
Embora o art. 2º da Lei 11.718/2008 tenha estabelecido que "para o trabalhador rural empregado,
o prazo previsto no art. 143 da Lei nº 8.213, de 24 de julho de 1991, fica prorrogado até o dia 31
de dezembro de 2010", mesmo a partir de 01.01.2011 é possível a concessão do benefício,
contudo, com base em fundamento legal diverso.
A aposentadoria por idade continua sendo devida aos rurícolas, não mais nos termos do art. 143
do PBPS, mas, sim, com fulcro no art. 48 e parágrafos da Lei 8.213/91, com as modificações
introduzidas pela Lei 11.718/2008:
Art. 48. A aposentadoria por idade será devida ao segurado que, cumprida a carência exigida
nesta Lei, completar 65 (sessenta e cinco) anos de idade, se homem, e 60 (sessenta), se mulher.
(Redação dada pela Lei nº 9.032, de 1995).
§ 1º Os limites fixados no caput são reduzidos para sessenta e cinqüenta e cinco anos no caso de
trabalhadores rurais, respectivamente homens e mulheres, referidos na alínea a do inciso I, na
alínea g do inciso V e nos incisos VI e VII do art. 11. (Redação dada pela Lei nº 9.876, de 1999).
§ 2º Para os efeitos do disposto no § 1º deste artigo, o trabalhador rural deve comprovar o efetivo
exercício de atividade rural, ainda que de forma descontínua, no período imediatamente anterior
ao requerimento do benefício, por tempo igual ao número de meses de contribuição
correspondente à carência do benefício pretendido, computado o período a que se referem os
incisos III a VIII do § 9º do art. 11 desta Lei. (Redação dada pela Lei nº 11.718, de 2008).
§ 3º Os trabalhadores rurais de que trata o § 1º deste artigo que não atendam ao disposto no § 2º
deste artigo, mas que satisfaçam essa condição, se forem considerados períodos de contribuição
sob outras categorias do segurado, farão jus ao benefício ao completarem 65 (sessenta e cinco)
anos de idade, se homem, e 60 (sessenta) anos, se mulher. (Incluído pela Lei nº 11.718, de
2008).
§ 4o Para efeito do § 3º deste artigo, o cálculo da renda mensal do benefício será apurado de
acordo com o disposto no inciso II do caput do art. 29 desta Lei, considerando-se como salário-
de-contribuição mensal do período como segurado especial o limite mínimo de salário-de-
contribuição da Previdência Social. (Incluído pela Lei nº 11.718, de 2008).
Nos casos em que o(a) autor(a) completa a idade para a aposentadoria por idade rural após
31.12.2010, já não se submete às regras de transição dos arts. 142 e 143, e deve preencher os
requisitos previstos no art. 48, §§ 1º e 2º, da Lei n. 8.213/91, com a redação que lhe foi dada pela
Lei n. 11.718/2008): 60 (sessenta) anos de idade, se homem, 55 (cinquenta e cinco) anos de
idade, se mulher, tempo de efetiva atividade rural, ainda que de forma descontínua, no período
correspondente à carência exigida para o benefício, isto é, 180 (cento e oitenta) meses, e
imediatamente anterior ao requerimento.
A interpretação sistemática da legislação previdenciária permite concluir que a exigência de
comprovação do exercício da atividade no período imediatamente anterior ao do requerimento do
benefício só tem sentido quando ainda não completado o tempo necessário para a concessão, na
forma prevista no art. 142 da Lei 8.213/91. Se a parte deixou as lides rurais após trabalhar pelo
período exigido no art. 143, não tem sentido negar-lhe o benefício. Aplicando o princípio da
uniformidade e equivalência dos benefícios e serviços para populações urbanas e rurais, descrito
no art. 194, II, da Constituição Federal, é de se entender que, à semelhança dos urbanos, a
posterior perda da condição de segurado não obsta à concessão do benefício quando já cumprida
a carência.
Comprovado o exercício da atividade rural, não há que se falar em perda da qualidade de
segurado, uma vez o trabalhador rural deve apenas comprovar os requisitos idade e tempo de
atividade.
O conceito de carência, para o diarista e para o segurado especial, tem sentido peculiar, que se
satisfaz com o exercício da atividade, dispensando o pagamento das contribuições
previdenciárias.
Nesse sentido, a jurisprudência do STJ:
PROCESSUAL CIVIL. PREVIDENCIÁRIO, RECURSO ESPECIAL. DISSÍDIO PRETORIANO
NÃO DEMONSTRADO. NÃO CONHECIMENTO. INCIDÊNCIA DO ÓBICE DA SÚMULA 284/STF.
RURÍCOLA. APOSENTADORIA. VALOR MÍNIMO. CARÊNCIA. INEXIGIBILIDADE.
...
2. Até 1995, quando do advento da Lei nº 9.032, além do fator idade (60 anos para os homens e
55 anos para as mulheres) a fruição do benefício da aposentadoria de valor mínimo pelo rurícola
condiciona-se apenas ao trabalho rural por um tempo de cinco anos, ainda que em forma
descontínua, não se reclamando período de carência de 180 (cento e oitenta) contribuições
mensais (Lei nº 8.213/91 - arts. 26, III, 39, I, 48, § 1º e 143, II, redação anterior à alteração
introduzida pela Lei nº 9.063, de 14 de junho de 1995).
3. In casu, há início razoável de prova material a comprovar a condição de rurícola do
beneficiário.
4. Recurso especial conhecido em parte (letra "a"), e, nesta extensão, provido.
(RESP 189521 - Proc. 199800707751/SP - Rel. Fernando Gonçalves - DJ 24/05/1999).
O art. 106 da Lei 8.213/1991 enumera os documentos aptos à comprovação da atividade, rol que
não é taxativo, admitindo-se outras provas, na forma do entendimento jurisprudencial dominante.
Documentos expedidos por órgãos públicos, nos quais consta a qualificação do autor como
lavrador, podem ser utilizados como início de prova material, como exige o art. 55, § 3º, da Lei
8213/91, para comprovar a sua condição de rurícola, se confirmada por prova testemunhal.
Entendo que a perda da condição de segurado que não impede a concessão do benefício àquele
que cumpriu a carência também se aplica aos trabalhadores rurais.
Entretanto, essa norma, como todas as demais, não comporta leitura e interpretação isoladas.
Deve ser analisada dentro do sistema que a alberga e, no caso, com vistas à proteção
previdenciária dada aos trabalhadores rurais.
Daí que cabe investigar o real significado da exigência contida no art. 143 da Lei 8.213/91, o quê
realmente deve ser exigido do trabalhador rural para que tenha direito à sua aposentadoria por
idade. Deve estar trabalhando no dia imediatamente anterior ao requerimento? Um ano antes?
Dois anos antes? Qual o período de interrupção do trabalho rural que pode ser considerado
imediatamente anterior ao requerimento do benefício?
Penso que a resposta está no próprio art. 143, cuja infeliz redação, ensejadora de tantas
discussões, tem em vista a proteção do trabalhador rural.
No regime anterior à Constituição de 1.988, os trabalhadores rurais estavam expressamente
excluídos do Regime Geral de Previdência Social, e tinham algum amparo apenas dentro dos
limites do Prorural.
A Constituição de 1988 estabelece que, para fins de seguridade social, trabalhadores urbanos e
rurais devem ter tratamento uniforme e equivalente, o que impõe que os trabalhadores rurais
tenham a mesma proteção previdenciária dada aos urbanos.
O novo Regime Geral de Previdência Social, conforme previsto na Constituição, foi implementado
com as Leis 8.212 e 8.213/91.
Instituído o novo RGPS, era necessário dar proteção àqueles trabalhadores rurais que, antes da
nova legislação, estavam expressamente excluídos da cobertura previdenciária, e essa proteção
veio, justamente, na forma prevista no art. 143 da Lei 8.213/91: aposentadoria por idade, desde
que comprovado o efetivo exercício da atividade rural pelo período correspondente à carência
prevista no art. 143, e no período imediatamente anterior ao requerimento do benefício.
A "mens legis" foi, sem dúvida, proteger aquele trabalhador rural que antes do novo regime
previdenciário não tivera proteção previdenciária, ou seja, que fizera das lides rurais o seu meio
de vida. É verdade que a lei tolera que a atividade rural tenha sido exercida de forma
descontínua. Entretanto, não admite que tenha aquele trabalhador perdido a sua natureza
rurícola.
A lei implicitamente reconhece que o trabalhador rural nem sempre consegue emprego, em
especial em época de entressafras, o que o obriga a aceitar trabalho de natureza urbana. Não é
raro encontrar trabalhadores rurais que, por não encontrarem trabalho no campo, acabam por
trabalhar como pedreiros, ou jardineiros, atividades tipicamente urbanas.
Para que se caracterize tipicamente como rural, com direito à aposentadoria com idade reduzida,
o trabalhador deve, então, comprovar que exerceu atividade rural pelo menos por um período
que, mesmo que descontínuo, some o total correspondente à carência exigida.
A análise só pode ser feita no caso concreto. É a história laboral do interessado que pode levar à
conclusão de que permaneceu, ou não, essencialmente, trabalhador rural.
Se das provas surgir a comprovação de que o trabalho rural não foi determinante para a
sobrevivência do interessado, não se tratará de trabalhador rural com direito à proteção
previdenciária prevista no art. 143 da Lei 8.213/91.
O STJ decidiu, reiteradamente, em sede de recurso repetitivo:
PROCESSUAL CIVIL E PREVIDENCIÁRIO. RECURSO ESPECIAL REPRESENTATIVO DA
CONTROVÉRSIA. APOSENTADORIA POR IDADE RURAL. COMPROVAÇÃO DA ATIVIDADE
RURAL NO PERÍODO IMEDIATAMENTE ANTERIOR AO REQUERIMENTO. REGRA DE
TRANSIÇÃO PREVISTA NO ARTIGO 143 DA LEI 8.213/1991. REQUISITOS QUE DEVEM SER
PREENCHIDOS DE FORMA CONCOMITANTE. RECURSO ESPECIAL PROVIDO.
1. Tese delimitada em sede de representativo da controvérsia, sob a exegese do artigo 55, § 3º
combinado com o artigo 143 da Lei 8.213/1991, no sentido de que o segurado especial tem que
estar laborando no campo, quando completar a idade mínima para se aposentar por idade rural,
momento em que poderá requerer seu benefício. Se, ao alcançar a faixa etária exigida no artigo
48, § 1º, da Lei 8.213/1991, o segurado especial deixar de exercer atividade rural, sem ter
atendido a regra transitória da carência, não fará jus à aposentadoria por idade rural pelo
descumprimento de um dos dois únicos critérios legalmente previstos para a aquisição do direito.
Ressalvada a hipótese do direito adquirido em que o segurado especial preencheu ambos os
requisitos de forma concomitante, mas não requereu o benefício.
2. Recurso especial do INSS conhecido e provido, invertendo-se o ônus da sucumbência.
Observância do art. 543-C do Código de Processo Civil.
(REsp 1.354.908/SP, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, DJe 10/2/2016).
O reconhecimento de trabalho rural exercido na qualidade de diarista ou em regime de economia
familiar depende da apresentação de início de prova material contemporânea aos fatos, conforme
previsto no art. 55, § 3º, da Lei 8.213/91, corroborado por posicionamento jurisprudencial
consolidado na Súmula 149 do STJ.
A prova material apresentada deve guardar a necessária correlação lógica e pertinente com a
prova oral, devendo considerar, ainda, as situações peculiares do rurícola diarista, que não possui
similaridade com a do rurícola em regime de economia familiar, pois o primeiro trabalha de forma
avulsa, com vínculo não empregatício com o tomador do serviço, e mediante remuneração, e o
segundo trabalha por conta própria, em regra, com a cooperação de familiares, sem qualquer
vínculo de dependência financeira com terceiros, visando a subsistência ou o rendimento
decorrente da venda da produção.
Evidente, portanto, que a prova material de cada modalidade de trabalho rural possui
características próprias, principalmente quanto ao alcance e à possibilidade de seu
aproveitamento por outrem.
O trabalho rural em regime de economia familiar permite o aproveitamento do início de prova
material em reciprocidade entre os membros da entidade familiar, sendo permitida a comunicação
da qualificação profissional de um membro para outro, como ocorre entre os cônjuges, entre pais
e filhos, e em outras hipóteses nas quais presente o parentesco.
No reconhecimento do trabalho rural do diarista não se permite, em regra, o aproveitamento da
prova material, que não em nome próprio, em razão do caráter solitário e avulso do trabalho
desempenhado.
Assim, o diarista só poderá aproveitar o início de prova material produzida em nome de outrem,
mesmo que de algum familiar, se devidamente amparado pelas demais provas dos autos.
Ocorre que, se de um lado a jurisprudência alarga o conceito de início de prova material, por
outro lado, o início de prova material, por si só, não serve para comprovar o trabalho rural, sendo
indispensável a existência de prova testemunhal convincente.
Nesse sentido:
(...)
2. "A comprovação do tempo de serviço para os efeitos desta Lei, inclusive mediante justificação
administrativa ou judicial, conforme o disposto no art. 108, só produzirá efeito quando baseada
em início de prova material, não sendo admitida prova exclusivamente testemunhal, salvo na
ocorrência de motivo de força maior ou caso fortuito, conforme disposto no Regulamento." (artigo
55, parágrafo 3º, da Lei 8.213/91).
3. O início de prova material, de acordo com a interpretação sistemática da lei, é aquele feito
mediante documentos que comprovem o exercício da atividade nos períodos a serem contados,
devendo ser contemporâneos dos fatos a comprovar, indicando, ainda, o período e a função
exercida pelo trabalhador.
4. A jurisprudência desta Corte é firme no sentido de que para fins de concessão do benefício de
aposentadoria por idade, o início de prova material deverá ser corroborado por idônea e robusta
prova testemunhal.
5. Em havendo o acórdão recorrido afirmado que, a par de não bastante à demonstração do
tempo de serviço a prova documental, a testemunhal era insuficiente à comprovação da atividade
rural desempenhada pelo segurado, a preservação da improcedência do pedido de aposentadoria
por idade é medida que se impõe.
6. Ademais, a 3ª Seção desta Corte tem firme entendimento no sentido de que a simples
declaração prestada em favor do segurado, sem guardar contemporaneidade com o fato
declarado, carece da condição de prova material, exteriorizando, apenas, simples testemunho
escrito que, legalmente, não se mostra apto a comprovar a atividade laborativa para fins
previdenciários (EREsp 205.885/SP, Relator Ministro Vicente Leal, in DJ 30/10/2000).
7. Recurso não conhecido.
(STJ, Rel. Min. Hamilton Carvalhido, REsp 434015/CE, DJ 17.03.2003).
Em recurso repetitivo (Resp 1352791-SP, Rel. Min. Arnaldo Esteves Lima, julgamento em
27/11/2013), o STJ firmou posicionamento de que os períodos em que o rurícola trabalhou com
registro em CTPS na atividade rural devem ser computados para efeito de carência, mesmo em
outras modalidades de aposentadoria. Isto porque o responsável pelo recolhimento para o
Funrural era o empregador, não o empregado.
No mesmo sentido, a Turma Nacional de Uniformização dos Juizados Especiais Federais, em 19
de agosto de 2015, firmou a tese de que o INSS deve computar, para efeito de carência, o
período trabalhado como empregado rural, registrado por empresas agroindustriais ou
comerciais, em aposentadoria por tempo de serviço rural (Processo nº 0516170-
28.2009.4.05.8300).
Com relação ao reconhecimento do trabalho rural, já decidi em outras ocasiões que o ano do
documento mais remoto, onde conste a qualificação de lavrador, era o termo inicial dessa
atividade, ainda que a prova testemunhal se reportasse a período anterior. Contudo, com o
julgamento do REsp n. 1.348.633/SP, representativo de controvérsia, de relatoria do Ministro
Arnaldo Esteves Lima, a jurisprudência do STJ admitiu o reconhecimento de tempo de serviço
rural em período anterior ao documento mais antigo, desde que corroborado por convincente
prova testemunhal.
Ao caso dos autos.
O autor completou 60 anos em 27.02.2000. Fará jus à restituição se comprovar sua condição de
rurícola pelo período de 114 meses.
Para comprovar a condição de rurícola, o autor apresentou os seguintes documentos: (a) CTPS
própria, indicando vínculo rural no período de 01.03.2004 a 30.11.2005; (b) certidão de
casamento, em que qualificado como lavrador – data da celebração rasurada; (c) declaração,
lavrada por Mara Rossi de Almeida Furquim, informando que o autor trabalhou em sua
propriedade rural no período de 02.1979 a 04.1992; e (d) escritura pública de imóvel rural.
Consulta ao CNIS do autor corrobora a informação relativa ao item “a”.
Por outro lado, a declaração indicada no item “c” não serve como início de prova material por
equivaler à mera prova testemunhal.
Não obstante, há outros documentos aptos a serem utilizados como início de prova material do
labor rurícola.
De seu turno, a jurisprudência se consolidou no sentido de que "para a concessão de
aposentadoria rural por idade, não se exige que o início de prova material corresponda a todo o
período equivalente à carência do benefício" (Súmula nº 14 TNU) e ainda que o rol de
documentos previsto no art. 106, parágrafo único, da Lei nº 8.213/91 é meramente
exemplificativo.
Quanto à contemporaneidade dos documentos, a prova material indiciária precisa ter sido
formada em qualquer instante do período de atividade rural que se pretende comprovar. Dentro
do intervalo que se pretende comprovar, o documento pode ter sido formado no início, no meio ou
no fim do período. A prova material pode ser contemporânea ao início do período de carência e
ter sua eficácia probatória estendida prospectivamente (para o futuro) se conjugada com prova
testemunhal complementar convincente e harmônica. Igualmente, pode ser contemporânea ao
final do período de carência e ter sua eficácia estendida retroativamente (para o passado) se
conjugada com prova testemunhal complementar convincente e harmônica. A jurisprudência da
TNU está pacificada no sentido de admitir a eficácia retrospectiva e prospectiva dos documentos
indiciários do exercício de atividade rural.
Comprovado o início de prova material do exercício da atividade rurícola.
Na audiência, realizada em 12.06.2017, em que o autor também foi ouvido, as testemunhas Maria
Rosana de Almeida Martins Franco e João de Sousa Neto foram coesas em afirmar que o
requerente sempre esteve envolvido nas lides campesinas, trabalhandoem várias propriedades
rurais da região, em período superior à carência exigida para a obtenção do benefício pleiteado.
Acrescentaram que o postulante nunca exerceu trabalhos urbanos e, até a data da audiência,
continuava desempenhando o mesmo labor rurícola.
Desse modo, conjugando o início de prova material com a prova testemunhal, conclui-se que o
autor comprovou os requisitos necessários previstos na legislação previdenciária para o
restabelecimento da aposentadoria por idade pretendida, cessada em abril de 2013 (id 3574336,
p. 52).
NÃO CONHEÇO DA REMESSA OFICIAL, DOU PARCIAL PROVIMENTO à apelação do INSS
para afastar a decadência e, com fundamento no § 4º, do artigo 1.013 do CPC, mantenho o
restabelecimento do benefício de aposentadoria por idade rural, cessado em abril de 2013.
É como voto.
E M E N T A
PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR IDADE RURAL. RESTABELECIMENTODO
BENEFÍCIO. DECADÊNCIA. INOCORRÊNCIA. INCIDÊNCIA DO § 4º DO ART. 1.013 DO CPC.
COMPROVADA A ATIVIDADE RURAL QUANDO DO IMPLEMENTO DO REQUISITO IDADE.
- Oprazo decadencial, conforme determinado na Lei nº 9.528/97, ou seja, "a contar do dia
primeiro do mês seguinte ao do recebimento da primeira prestação ou, quando for o caso, do dia
em que tomar conhecimento da decisão indeferitória definitiva no âmbito administrativo", não
pode ser aplicado aos benefícios concedidos anteriormente à sua edição, face ao princípio de
irretroatividade da lei, contudo, deve ser aplicado a partir da MP nº 1.523-9, publicada em
27.06.1997, com vigência a partir de 28.06.1997, pelo que revejo posicionamento anteriormente
adotado.
- No caso dos autos,os documentos que instruíram a ação indicam que embora a cessação do
benefício tenha ocorrido em abril de 2013, os procedimentos administrativos de apuração das
possíveis irregularidades tiveram início em 02.05.2013, não tendo transcorrido, portanto, o prazo
decadencial.
- Requisitos para concessão da aposentadoria por idade de trabalhador rural nos arts. 142 e 143
da Lei 8213/1991, e, quando segurado especial em regime de economia familiar, nos arts. 39, I, e
142 da mesma lei. Carência nos termos do art. 142.
- Concessão do benefício a partir de 01/01/2011 com base no art. 48 e parágrafos da Lei
8.213/91, com as modificações introduzidas pela Lei 11.718/2008.
- Completada a idade para a aposentadoria por idade rural após 31.12.2010, devem ser
preenchidos os requisitos previstos no art. 48, §§ 1º e 2º, da Lei n. 8.213/91, com a redação que
lhe foi dada pela Lei n. 11.718/2008.
- O segurado pode ter cumprido o requisito carência, como definida em lei, pelo trabalho rural
durante o tempo exigido pelo art. 142 da Lei 8.213/91, concomitantemente com o requisito idade.
Nesses casos, tem direito adquirido ao benefício, mesmo se o requerimento administrativo for em
muito posterior ao preenchimento dos requisitos. O direito à aposentadoria por idade rural, desde
que cumpridas as condições para sua aquisição, pode ser exercido a qualquer tempo.
- Em outros casos, o segurado só completa a carência (anos de atividade rural) posteriormente ao
requisito idade. Em tal situação, é necessária a comprovação do trabalho rural quando do
adimplemento da idade para a configuração do direito à data do requerimento, adquirido apenas
em decorrência de atividade rural posterior ao cumprimento da idade exigida.
- Para que se caracterize tipicamente como rural, com direito à aposentadoria com idade
reduzida, o trabalhador deve, então, comprovar que exerceu atividade rural pelo menos por um
período que, mesmo que descontínuo, some o total correspondente à carência exigida.
- O reconhecimento de trabalho rural exercido na qualidade de diarista ou em regime de
economia familiar depende da apresentação de início de prova material contemporânea aos fatos,
conforme previsto no art. 55, § 3º, da Lei 8.213/91, corroborado por posicionamento
jurisprudencial consolidado na Súmula 149 do STJ, a ser corroborada por prova testemunhal.
- Conjugando o início de prova material com a prova testemunhal, conclui-se que o autor
comprovou os requisitos necessários previstos na legislação previdenciária para o
restabelecimento da aposentadoria por idade pretendida, cessada em abril de 2013.
- Apelo parcialmente provido.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Nona Turma, por
unanimidade, decidiu não conhecer da remessa oficial e dar parcial provimento à apelação do
INSS, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Resumo Estruturado
VIDE EMENTA
