
9ª Turma
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5000848-75.2023.4.03.6142
RELATOR: Gab. 31 - DES. FED. DALDICE SANTANA
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: ODAIR APARECIDO PEREIRA
Advogado do(a) APELADO: CARINA TEIXEIRA DE PAULA - SP318250-N
OUTROS PARTICIPANTES:
9ª Turma
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5000848-75.2023.4.03.6142
RELATOR: Gab. 31 - DES. FED. DALDICE SANTANA
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: ODAIR APARECIDO PEREIRA
Advogado do(a) APELADO: CARINA TEIXEIRA DE PAULA - SP318250-N
R E L A T Ó R I O
Trata-se de apelação interposta em face de sentença que julgou procedente pedido do autor para: (i) averbar e computar para fins de tempo de serviço e carência as anotações existentes em Carteira de Trabalho e Previdência Social (CTPS) de 1º/11/1976 a 5/7/1981, de 10/7/1981 a 1º/10/1981 e de 6/1/1985 a 13/10/1997; (ii) admitir a natureza rural dos vínculos empregatícios compreendidos entre 1º/1/1984 e 31/12/1984, de 22/5/2006 a 10/9/2008, de 1º/8/2009 a 1º/8/2011, de 25/4/2012 a 5/1/2013, de 1º/9/2016 a 3/8/2018, de 7/8/2018 a 30/11/2018 e de 1º/12/2018 a 31/8/2020; (iii) conceder o benefício de aposentadoria programada por idade, desde o requerimento administrativo, com acréscimo dos consectários legais.
Sem custas e honorários advocatícios.
Houve dispensa do reexame necessário.
Inconformado, o Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) alega o não preenchimento dos requisitos necessários para a concessão do benefício previdenciário e, ao final, prequestiona a matéria para fins recursais.
Com contrarrazões, os autos subiram a esta Corte.
É o relatório.
9ª Turma
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5000848-75.2023.4.03.6142
RELATOR: Gab. 31 - DES. FED. DALDICE SANTANA
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: ODAIR APARECIDO PEREIRA
Advogado do(a) APELADO: CARINA TEIXEIRA DE PAULA - SP318250-N
V O T O
O recurso preenche os pressupostos de admissibilidade e merece ser conhecido.
Discute-se o preenchimento dos requisitos para a concessão de aposentadoria por idade ao rurícola, consoante o disposto na Lei n. 8.213/1991.
A Emenda Constitucional n. 103/2019 manteve a concessão da aposentadoria por idade ao trabalhador rural, segurado especial, aos 60 (sessenta) anos de idade, se homem, e 55 (cinquenta e cinco) anos de idade, se mulher, consoante redação dada ao inciso II do § 7º do artigo 201 da Constituição Federal.
A comprovação de atividade rural, para o segurado especial e para os demais trabalhadores rurais, inclusive os denominados “boias-frias”, deve ser feita por meio de início de prova material, a qual possui eficácia probatória tanto para o período anterior quanto para o posterior à sua data de referência, desde que corroborado por robusta prova testemunhal (Súmula n. 149 do Superior Tribunal de Justiça – STJ e Recursos Especiais Repetitivos n. 1.348.633 e 1.321.493).
No mais, segundo o entendimento firmado no REsp n. 1.354.908, pela sistemática de recurso representativo da controvérsia (Código de Processo Civil/1973, art. 543-C), faz-se necessária a comprovação do tempo de atividade rural no período imediatamente anterior ao requerimento ou à aquisição da idade:
"PROCESSUAL CIVIL E PREVIDENCIÁRIO. RECURSO ESPECIAL REPRESENTATIVO DA CONTROVÉRSIA. APOSENTADORIA POR IDADE RURAL. COMPROVAÇÃO DA ATIVIDADE RURAL NO PERÍODO IMEDIATAMENTE ANTERIOR AO REQUERIMENTO. REGRA DE TRANSIÇÃO PREVISTA NO ARTIGO 143 DA LEI 8.213/1991. REQUISITOS QUE DEVEM SER PREENCHIDOS DE FORMA CONCOMITANTE. RECURSO ESPECIAL PROVIDO. 1. Tese delimitada em sede de representativo da controvérsia, sob a exegese do artigo 55, § 3º combinado com o artigo 143 da Lei 8.213/1991, no sentido de que o segurado especial tem que estar laborando no campo, quando completar a idade mínima para se aposentar por idade rural, momento em que poderá requerer seu benefício. Se, ao alcançar a faixa etária exigida no artigo 48, § 1º, da Lei 8.213/1991, o segurado especial deixar de exercer atividade rural, sem ter atendido a regra transitória da carência, não fará jus à aposentadoria por idade rural pelo descumprimento de um dos dois únicos critérios legalmente previstos para a aquisição do direito. Ressalvada a hipótese do direito adquirido em que o segurado especial preencheu ambos os requisitos de forma concomitante, mas não requereu o benefício. 2. Recurso especial do INSS conhecido e provido, invertendo-se o ônus da sucumbência. Observância do art. 543-C do Código de Processo Civil.” (RECURSO ESPECIAL Nº 1.354.908 - SP (2012/0247219-3), RELATOR: MINISTRO MAURO CAMPBELL MARQUES, DJ 9/9/2015)
Em relação às contribuições previdenciárias, é assente o entendimento de serem elas desnecessárias, bastando a comprovação do efetivo exercício de atividade no meio rural (STJ, REsp 207.425, 5ª Turma, j. em 21/9/1999, v.u., DJ de 25/10/1999, p. 123, Rel. Ministro Jorge Scartezzini; STJ, RESP n. 502.817, 5ª Turma, j. em 14/10/2003, v.u., DJ de 17/11/2003, p. 361, Rel. Ministra Laurita Vaz).
No caso em discussão, o requisito etário restou preenchido em 13/4/2022, quando o autor completou 60 (sessenta) anos de idade.
O autor alega ter trabalhado nas lides rurais por vários anos, com registros em Carteira de Trabalho e Previdência Social (CTPS), cumprindo, assim, a carência exigida na Lei n. 8.213/1991.
Administrativamente, foram computados apenas 160 (cento e sessenta) meses de contribuição, motivando o indeferimento do pedido de aposentadoria por idade.
A autarquia não computou para efeito de carência os períodos rurais laborados de 1º/11/1976 a 5/7/1981, de 10/7/1981 a 1º/10/1981 e de 6/1/1985 a 13/10/1997 (tratorista).
Equivocada a decisão administrativa do INSS.
Desde a edição da Lei n. 4.214/1963, as contribuições previdenciárias, no caso de empregado rural, ganharam caráter impositivo e não facultativo, constituindo obrigação do empregador, o que foi mantido na sistemática da Lei Complementar n. 11/1971, que criou o Fundo de Assistência do Trabalhador Rural – FUNRURAL (artigo 15, II, c/c os artigos 2º e 3º do Decreto-lei n. 1.146/1970).
Desde então, as contribuições previdenciárias do empregado rural ganharam caráter impositivo, constituindo obrigação do empregador, nos termos do artigo 79, I, desse diploma legal, de modo que possibilitasse o seu cômputo para todos os efeitos, inclusive para carência.
Nesse sentido é a tese jurídica firmada pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ) no julgamento do Tema Repetitivo n. 644:
"(...)
2. Mostra-se incontroverso nos autos que o autor foi contratado por empregador rural, com registro em carteira profissional desde 1958, razão pela qual não há como responsabilizá-lo pela comprovação do recolhimento das contribuições.
3. Não ofende o § 2º do art. 55 da Lei 8.213/91 o reconhecimento do tempo de serviço exercido por trabalhador rural registrado em carteira profissional para efeito de carência, tendo em vista que o empregador rural, juntamente com as demais fontes previstas na legislação de regência, eram os responsáveis pelo custeio do fundo de assistência e previdência rural (FUNRURAL).
4. Recurso especial improvido. Acórdão sujeito ao regime do art. 543-C do CPC e Resolução STJ nº 8/2008." (REsp n. 1.352.791/SP, relator Ministro Arnaldo Esteves Lima, Primeira Seção, julgado em 27/11/2013, DJe de 5/12/2013)
Ademais, antes da Constituição Federal de 1988 as previdências rural e urbana eram diversas, mas foram unificadas desde então (artigo 194, parágrafo único, II, do Texto Magno). Também a Lei n. 8.213/1991 uniformizou o tratamento entre os urbanos e rurais. Se até mesmo o trabalho rural exercido sem registro em CPTS pode gerar benefício aos rurícolas (artigo 143 da Lei n. 8.213/1991), o que exerce o labor pastoral com o devido registro não pode ser prejudicado.
Sobre as informações constantes na CTPS, gozam elas de presunção de veracidade juris tantum e, nessa esteira, as regulares anotações nela contidas prevalecem até prova em contrário, nos termos do Enunciado n. 12 do Tribunal Superior do Trabalho (TST).
Vale dizer: embora não constem no Cadastro Nacional de Informações Sociais (CNIS) as contribuições referentes a alguns vínculos em CTPS, tal omissão não pode ser imputada à parte autora, pois sua remuneração sempre tem o desconto das contribuições, segundo legislação trabalhista e previdenciária, atual e pretérita.
À míngua de indicação de irregularidade, mostra-se possível o reconhecimento dos períodos discutidos, já que devidamente anotados em CTPS.
Caberia ao INSS comprovar possível irregularidade das anotações na CTPS da parte autora, ônus do qual não de desincumbiu nestes autos, notadamente porque elas obedeceram à ordem cronológica e não apresentam indícios de adulteração.
No caso, não há dúvidas de que o autor deve ser enquadrado como rurícola, não tendo relevância o fato de alguns de seus vínculos empregatícios terem sido exercidos na função de tratorista ou administrador de fazendas.
Não somente os trabalhadores que habitualmente se ocupam com o arado da terra são considerados empregados rurais. Também o são aqueles que exercem atividades que, embora não sejam específicas da lavoura, convergem diretamente para a produção agrária, como ocorre com os que nas fazendas trabalharam como tratoristas, os quais exercem suas funções inteiramente vinculadas à agricultura.
No mesmo sentido estão as atividades da parte autora como administrador de fazenda, entre 1º/9/2016 e 3/8/2018, em estabelecimento rural, de acordo com o registro na CTPS, enquadrando-se, portanto, como empregado rural, a teor do artigo 11, I, alínea "a", da Lei n. 8.213/1991, pois exercia funções de capatazia, fato que não exclui o possível cultivo da terra.
Consoante entendimento do STJ no REsp n. 1.148.040 (Ministro SEBASTIÃO REIS JÚNIOR, 11/3/2013), a mera anotação na CTPS do cargo exercido não pode prevalecer quando a prova dos autos indica a atividade da parte autora na lida campestre.
Assim, é irretocável a sentença quando admite a natureza rural dos vínculos empregatícios de 22/5/2006 a 10/9/2008, de 1º/8/2009 a 1º/8/2011, de 1º/8/2009 a 1º/8/2011, de 1º/9/2016 a 3/8/2018, de 7/8/2018 a 30/11/2018 e de 1º/12/2018 a 31/8/2020.
O trabalho como caseiro de 1º/1/1984 e 31/12/1984 é extemporâneo ao período relevante do feito, razão pela qual deve ser desconsiderado. E o vínculo empregatício de 25/4/2012 a 5/1/2013, como motorista, em empresa de cultura de cana de açúcar, por sua vez, não obstante integre o período relevante do feito, está entremeado por períodos de atividade rural, consubstanciando situação excepcional que não afasta, por si mesma, a qualidade de trabalhador rural da parte autora.
É relevante salientar o fato de que de o apelado ter completado 60 anos de idade em 13/4/2022, pois o último vínculo antes disso foi justamente como empregado rural (trabalhador agropecuário) na Fazenda São Francisco do Lontra.
Em consequência, no caso, os períodos em que houve contribuições mensais na forma necessária para a caracterização da carência são suficientes para completar o período exigido no artigo 25, II, da Lei n. 8.213/1991.
Com relação ao prequestionamento suscitado, assinalo não ter havido contrariedade alguma à legislação federal ou a dispostos constitucionais.
Diante do exposto, nego provimento à apelação.
É o voto.
E M E N T A
PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR IDADE RURAL. TRABALHADOR RURAL. CTPS. VÍNCULOS EMPREGATÍCIOS RURAIS. CARÊNCIA CUMPRIDA. BENEFÍCIO DEVIDO.
- À concessão de aposentadoria por idade ao rurícola, exige-se: a comprovação da idade mínima e o desenvolvimento de atividade rural no período imediatamente anterior ao requerimento (REsp Repetitivo n. 1.354.908).
- Os contratos de trabalho rural devidamente anotados em CTPS, mesmo relativos a períodos anteriores ao advento da Lei n. 8.213/1991, devem ser considerados para todos os efeitos, inclusive para carência. Tema Repetitivo 644 do STJ.
- Cumprida a idade mínima e a carência exigida, é devida a aposentadoria por idade.
- Apelação desprovida.
ACÓRDÃO
DESEMBARGADORA FEDERAL
