
8ª Turma
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5068146-56.2023.4.03.9999
RELATOR: Gab. 50 - DES. FED. SILVIA ROCHA
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: AIRTON BARBOSA DE LIMA
Advogado do(a) APELADO: PEDRO DEMARQUE FILHO - SP282215-A
OUTROS PARTICIPANTES:
8ª Turma
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5068146-56.2023.4.03.9999
RELATOR: Gab. 50 - DES. FED. SILVIA ROCHA
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: AIRTON BARBOSA DE LIMA
Advogado do(a) APELADO: PEDRO DEMARQUE FILHO - SP282215-A
OUTROS PARTICIPANTES:
R E L A T Ó R I O
A Exma. Desembargadora Federal SILVIA ROCHA (Relatora):
Trata-se de ação previdenciária proposta por AIRTON BARBOSA DE LIMA em face do INSS, cujo pedido consiste na condenação da autarquia previdenciária a conceder o benefício de aposentadoria por idade rural, desde a data do requerimento administrativo (09/05/2018) – ID 277177895.
A r. sentença julgou o pedido procedente e condenou o INSS a converter a aposentadoria por idade urbana NB 199.387.623-2 (DIB em 25/05/21) em aposentadoria por idade rural desde a data do requerimento administrativo (23/01/2018), com juros e correção monetária, descontada a quantia recebida pelo autor a título de aposentadoria por idade urbana. Condenou a autarquia ao pagamento de honorários advocatícios fixados em 10% do valor da condenação, abrangidas para este fim as prestações vencidas até a data da sentença, conforme Súmula nº 111 do STJ (ID 277177941).
Inconformado, o INSS interpôs recurso de apelação pugnando pela reforma da r. sentença para julgar improcedente o pedido da parte autora. Alega, em síntese, ausência de comprovação de atividade rural no período imediatamente anterior ao requerimento administrativo. Sustenta a impossibilidade de reconhecimento do tratorista/caseiro/capataz como trabalhador rural (ID 277177945).
Com contrarrazões (ID 277177950). Subiram os autos a este E. Tribunal.
É o relatório.
8ª Turma
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5068146-56.2023.4.03.9999
RELATOR: Gab. 50 - DES. FED. SILVIA ROCHA
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: AIRTON BARBOSA DE LIMA
Advogado do(a) APELADO: PEDRO DEMARQUE FILHO - SP282215-A
OUTROS PARTICIPANTES:
V O T O
A Exma. Desembargadora Federal SILVIA ROCHA (Relatora):
Tempestivo o recurso e preenchidos os demais requisitos de admissibilidade, passo ao exame da matéria devolvida a esta Corte, sem prejuízos das matérias que eu deva, de ofício, conhecer para preservar a ordem pública e o Erário.
O art. 201, §7º, inciso II, da CF, anuncia que é assegurada aposentadoria no regime geral de previdência social, nos termos da lei, para os trabalhadores rurais e para os que exerçam suas atividades em regime de economia familiar, nestes incluídos o produtor rural, o garimpeiro e o pescador artesanal, aos 60 (sessenta) anos de idade, se homem, e aos 55 (cinquenta e cinco) anos de idade, se mulher.
Os requisitos para a aposentadoria por idade rural, para os filiados ao RGPS à época da edição da Lei nº 8.213/91, estão dispostos nos §§ 1º e 2º do art. 48 e no art. 39, inciso I, ambos dispostos na Lei de Benefícios, que exigem: idade mínima de 60 anos para o homem e 55 anos para a mulher (art. 48, § 1º ); e o efetivo exercício de atividade rural, ainda que de forma descontínua, no período imediatamente anterior ao requerimento do benefício, por tempo igual ao número de meses de contribuição correspondente à carência do benefício pretendido, independente do recolhimento de contribuições.
Para o segurado que implementar o requisito etário cumulado com o tempo de serviço necessário após o ano de 2011, conforme artigos 25, inciso II, 142 e 143 da Lei nº 8.213/91, o tempo de serviço rural exigido será de 180 meses.
Implementados os requisitos legais, o benefício de aposentadoria por idade rural será devido a partir da data do requerimento administrativo (DER) ou, na ausência deste, e desde que caracterizado o interesse processual para a propositura da ação judicial, da data do respectivo ajuizamento (STF, RE 631.240, Rel. Ministro Luís Roberto Barroso, julgado em 03/09/2014).
Importante ressaltar que a EC 103/2019 não alterou as regras para a concessão da aposentadoria por idade rural.
Contudo, o cálculo do benefício deverá ser efetuado na forma do art. 26 da EC 103/2019, ou, no caso de ser computado unicamente tempo de serviço rural em regime de economia familiar, deverá prevalecer o disposto no art. 39, inciso I, da Lei nº 8.213/91 (RMI de um salário mínimo).
Em suma, os requisitos necessários para a concessão de aposentadoria por idade rural são: a) idade mínima de 60 anos, para homens e de 55 anos para mulheres; b) efetivo exercício de atividade rural, ainda que de forma descontínua, no período imediatamente anterior à DER, por tempo igual ao número de meses de contribuição correspondente à carência do benefício pretendido, independente do recolhimento de contribuições; c) cumprimento da carência necessária.
Quanto à carência exigida para a concessão do benefício há uma regra de distinção temporal. Para os segurados que cumpriram os requisitos necessários antes de 2011, aplica-se o prazo de carência previsto no art. 142, da Lei nº 8.213/91. Por outro lado, se o implemento ocorreu após 2011, a carência exigida será de 180 contribuições.
Outrossim, cabe pontuar que as categorias de segurados abrangidas por tais regras são: empregado rural; trabalhador eventual (boia-fria); segurado especial; e contribuinte individual rural ou garimpeiro, em regime de economia familiar.
Quanto à demonstração da atividade rural, de acordo com o art. 55, §3º, da Lei nº 8.213/91, a comprovação do tempo de atividade rural para fins previdenciários exige, pelo menos, um início de prova material (documental), complementado por prova testemunhal idônea (Recurso Especial Repetitivo nº 1.133.863/RN, Rel. Des. Convocado Celso Limongi, 3ª Seção, julgado em 13/12/2010, DJe 15/04/2011).
O art. 106 da Lei nº 8.213/1991 traz uma relação de documentos, cujo rol é meramente exemplificativo, sendo admitidos como início de prova material quaisquer documentos que indiquem, de forma direta ou indireta, o exercício da atividade rural, inclusive em nome de outros membros do grupo familiar (STJ, AgRg no AREsp 31.676/CE, Quinta Turma, Rel.Ministro Gilson Dipp, julgado em 28/08/2012).
Na análise dos documentos é imprescindível que se considere as particularidades do meio rural, bem como a dificuldade do segurado, que não raras vezes é pessoa humilde de pouca instrução, em obter documentos que comprovem o tempo de labor rural controvertido.
Ainda, quanto à necessidade de início de prova material, importante mencionar a Súmula 149, do STJ que dispõe: A prova exclusivamente testemunhal não basta à comprovação da atividade rurícola, para efeito da obtenção de benefício previdenciário.
Além do verbete sumular transcrito, devem ser observados os precedentes vinculantes do STJ, consoante as seguintes teses firmadas:
Tema 532: O trabalho urbano de um dos membros do grupo familiar não descaracteriza, por si só, os demais integrantes como segurados especiais, devendo ser averiguada a dispensabilidade do trabalho rural para a subsistência do grupo familiar, incumbência esta das instâncias ordinárias (Súmula 7/STJ).
Tema 554: Aplica-se a Súmula 149/STJ ('A prova exclusivamente testemunhal não basta à comprovação da atividade rurícola, para efeitos da obtenção de benefício previdenciário') aos trabalhadores rurais denominados 'boias-frias', sendo imprescindível a apresentação de início de prova material. Por outro lado, considerando a inerente dificuldade probatória da condição de trabalhador campesino, a apresentação de prova material somente sobre parte do lapso temporal pretendido não implica violação da Súmula 149/STJ, cuja aplicação é mitigada se a reduzida prova material for complementada por idônea e robusta prova testemunhal.
Tema 629: A ausência de conteúdo probatório eficaz a instruir a inicial, conforme determina o art. 283 do CPC, implica a carência de pressuposto de constituição e desenvolvimento válido do processo, impondo sua extinção sem o julgamento do mérito (art. 267, IV do CPC) e a consequente possibilidade de o autor intentar novamente a ação (art. 268 do CPC), caso reúna os elementos necessários à tal iniciativa.
Postos os parâmetros de valoração da prova, passa-se ao exame da situação concreta exposta na lide.
No caso dos autos, o autor, nascido em 25/05/1956, comprovou o cumprimento do requisito etário no ano de 2016.
Para comprovar o alegado exercício de atividade rural, de modo a preencher a carência exigida de 180 meses, o autor juntou aos autos as cópias dos seguintes documentos:
1) CTPS com vínculos empregatícios em diversos cargos como trabalhador rural, trabalhador braçal, tratorista agrícola, entre outros (ID 277177902);
2) PPP’s como trabalhador braçal e tratorista agrícola na empresa “Usina Moema Açúcar e Álcool LTDA” relativos a diferentes períodos (ID 277177903);
3) Inscrição no “Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Paulo Faria”, datada de 03/12/1979 (ID 277177910 – pág. 46);
4) Recibos de pagamentos de contribuição ao “Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Paulo Faria” nos anos de 1979 e 1980 (ID 277177910 – pág. 46).
Em depoimento pessoal, o autor informou ter exercido atividade campesina desde os 07 anos de idade, com sua família, em diferentes propriedades rurais localizadas no Município de Paulo de Faria. Relatou que plantavam arroz e milho, explicando que os fazendeiros cediam um pedaço de terra e cobravam uma porcentagem da produção. Afirmou que apenas aos 20 ou 22 anos de idade se mudou para a cidade, contudo continuou trabalhando na roça como diarista rural em diversos locais, como na Fazenda Barra e na Fazenda Figueira. Citou outras atividades rurais que exerceu durante sua vida laboral, como colheita de laranjas, além de ter trabalhado na “Usina Moema” por aproximadamente 30 anos, exercendo a função de tratorista por cerca de um ano. Assegurou que nunca trabalhou na cidade (ID 277177952).
Por sua vez, a testemunha Jezus Augusto de Oliveira informou que conhece o autor há mais de trinta anos e que o mesmo sempre trabalhou em atividades rurais, como corte de cana e diarista rural. Declarou que o autor trabalhou na usina aproximadamente vinte e cinco anos, local em que exercia atividades relacionados com o corte de cana. Alega nunca ter visto o autor exercendo atividade urbana (ID 277177952).
A testemunha José Antônio Ribeiro Santana declarou conhecer o autor há vinte anos e afirmou que ele trabalhava no setor agrícola cortando cana para a usina. Explicou que sabia disso porque era motorista e levava a equipe para o trabalho no campo. Afirmou que o autor permaneceu na usina por vários anos, trabalhando no corte de cana e como motorista de caminhão. Descreveu que o autor sempre trabalhou no campo e que nunca o viu desempenhando qualquer atividade em ambiente urbano (ID 277177952).
No caso concreto, o autor apresentou provas documentais e testemunhais suficientes para fundamentar o reconhecimento de sua atividade rural. Os registros na CTPS (ID 277177902) comprovam o exercício de atividade rural em diferentes períodos a partir de 10/07/1984. Da mesma forma, os PPPs elaborados por seus empregadores também atestam o trabalho rural (ID 277177903).
Ademais, a prova testemunhal produzida em juízo foi uníssona e consistente quanto ao exercício das atividades rurais desempenhadas pelo autor, corroborando assim as alegações expostas na peça inaugural, bem como a prova material apresentada.
Quanto ao reconhecimento da atividade de tratorista como rural, é certo que em diversas oportunidades anteriores, esta 8.ª Turma defendia posicionamento no sentido de que a profissão de tratorista é equiparada, por analogia, à categoria profissional dos motoristas, inclusive pelo próprio INSS, garantindo-se ao segurado, assim, o reconhecimento da natureza especial dessa função - portanto, essencialmente urbana.
Inobstante referida posição ainda ser adotada, fato é que o entendimento em epígrafe parece não ser mais o prevalecente.
Nesse sentido, confira-se excerto da decisão recentemente colhida no C. STJ, no Recurso Especial nº 1.683.890 - SP (2017/0158120-6):
“Cinge-se a controvérsia em decidir-se se a prova material colacionada nos autos, e expressamente consignada no acórdão recorrido, pode ser admitida como início de prova material.
No caso, o Tribunal de origem entendeu que, à despeito da certidão de casamento do recorrente, não é possível reconhecer o tempo de serviço rural pleiteado nos autos, haja vista constarem de sua CTPS vínculos empregatícios como tratorista, sob o argumento de que referida atividade possui natureza urbana por se equiparar à função de motorista.
Nesse sentido, adotaram-se as seguintes razões de decidir:
In casu, não obstante na cópia da certidão de casamento do autor, celebrado no ano de 1975, constar a sua profissão de lavrador (fls. 9), a sua CTPS revela a existência de vínculos empregatícios como "tratorista" (fls. 10/14).
Cumpre ressaltar que o exercício de atividade como tratorista não pode ser considerado como início de prova material da atividade de lavrador, tendo em vista que a referida profissão equipara-se à atividade urbana de motorista.
(...)
Entretanto, tenho que a hipótese reclama solução diversa, como sustentado pelo segurado.
No caso dos autos, como já indicado, o autor juntou cópia da certidão de casamento, na qual é qualificado como "lavrador", e da CTPS, na qual constam vínculos como tratorista em estabelecimentos do ramo da agricultura. Os referidos documentos são considerados por esta Corte Superior como válidos para fins de início de prova do labor campesino exigido pelo artigo 55, § 3º, da Lei n. 8.213/1991.
Nesse sentido:
PROCESSUAL CIVIL. OFENSA AO ART. 535 DO CPC NÃO CONFIGURADA. PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA RURAL. INÍCIO DE PROVA MATERIAL. CERTIDÃO DE CASAMENTO E NASCIMENTO.
1. A solução integral da controvérsia, com fundamento suficiente, não caracteriza ofensa ao art. 535 do CPC.
2. A jurisprudência do STJ admite como início de prova material, certidões de casamento e nascimento dos filhos, desde que o exercício da atividade rural seja corroborada por idônea e robusta prova testemunhal.
3. Recurso Especial não provido.
(REsp 1611758/PR, Rel. Min. Herman Benjamin, Segunda Turma, DJe 6/10/2016) PREVIDENCIÁRIO. AGRAVO REGIMENTAL. RURAL. INÍCIO DE PROVA MATERIAL.
VALIDADE DOS DOCUMENTOS DE REGISTROS CIVIS. COMPLEMENTAÇÃO COM ROBUSTA PROVA TESTEMUNHAL. EFICÁCIA PROBATÓRIA QUE ALCANÇA OS PERÍODOS ANTERIOR E POSTERIOR À DATA DO DOCUMENTO. PEDIDO DE SUSPENSÃO DO FEITO. REPETITIVO COM TESE DIVERSA.
1. O labor campesino, para fins de percepção de aposentadoria rural por idade, deve ser demonstrado por início de prova material e ampliado por prova testemunhal, ainda que de maneira descontínua, no período imediatamente anterior ao requerimento, pelo número de meses idêntico à carência.
2. São aceitos, como início de prova material, documentos de registros civis que apontem o efetivo exercício de labor no meio rural, tais como certidões de casamento, de nascimento de filhos e de óbito, desde complementada com robusta e idônea prova testemunhal.
3. No julgamento do Resp 1.348.633/SP, da relatoria do Ministro Arnaldo Esteves Lima, submetido ao rito do art. 543-C do CPC, esta Corte, examinando a matéria concernente à possibilidade de reconhecimento do período de trabalho rural anterior ao documento mais antigo apresentado, consolidou o entendimento de que a prova material juntada aos autos possui eficácia probatória tanto para o período anterior quanto para o posterior à data do documento, desde que corroborado por robusta prova testemunhal.
4. São distintas as questões discutidas no recurso representativo da controvérsia apontado pelo INSS (REsp 1.354.980/SP) e no presente feito. Neste recurso discute-se a necessidade de o início de prova material ser contemporâneo ao período imediatamente anterior ao requerimento administrativo para fins de concessão de aposentadoria a trabalhador rural. Já no recurso especial apontado pelo INSS a questão decidida não se refere especificamente à contemporaneidade dos documentos apresentados.
5. Agravo regimental a que se nega provimento.
(AgRg no AREsp 329.682/PR, Rel. Min. Sérgio Kukina, Primeira Turma, DJe 29/10/2015) PREVIDENCIÁRIO - EMBARGOS DECLARATÓRIOS - ARTS. 535 II DO CPC - OBSCURIDADE INEXISTENTE - TRABALHADOR RURAL - PROVA DOCUMENTAL - CERTIDÃO DE CASAMENTO - ANOTAÇÕES NA CTPS - CARÊNCIA - INEXIGIBILIDADE - CONCESSÃO DO BENEFÍCIO.
- A norma processual é clara ao fixar as hipóteses, na via dos Embargos Declaratórios, de mudança do teor do julgado prolatado, tais como, omissão, contradição ou obscuridade. Não é o caso dos autos, porquanto o mesmo não incorreu em nenhuma das hipóteses. No caso em exame, não se vislumbra qualquer indício da omissão apontada que venha a justificar o caráter infringente do julgado.
- No que se refere á comprovação da atividade rurícola do autor, além dos depoimentos testemunhais, a Certidão de Casamento, acostada à fls.08 dos autos, que declara sua profissão de tratorista e as anotações em sua CTPS comprovam seu trabalho em empresas agropecuárias no cargo de tratorista e serviços gerais da fazenda, o que constitui um início razoável de prova material para comprovação do exercício da atividade laborativa rural.
- Quanto à falta de preenchimento do requisito do período de carência, não representa óbice para a concessão do benefício de aposentadoria por idade, pois o art. 143, da Lei 8.213/91, dispensa, expressamente, essa exigência, em se tratando de trabalhador rural.
- Precedentes desta Corte - Recurso conhecido, porém, desprovido.
(REsp 591.370/MG, Rel. Min. Jorge Scartezzini, Quinta Turma, DJ 02/08/2004).”
Por sua vez, nesta 8.ª Turma colhem-se diversos julgados em idêntico sentido, ou seja, de que "o tratorista agrícola, o operador de máquina é essencialmente de natureza rural, pois lida com a terra, o plantio, a colheita e o trator há de ser considerado em sua natureza instrumento de trabalho de qualidade rural, diverso do motorista, que labora no transporte em função tipicamente urbana.” (ex vi ApCiv n.º 5002258-82.2019.4.03.9999 – Relatora: Desembargadora Federal DIVA MALERBI– Publicado em 29.10.2019).
Na mesma linha: ApCiv n.º 0003132-07.2014.4.03.6127 – Relator: Desembargador Federal DAVID DANTAS – Publicado em 23.1.2018; ApCiv n.º 0011088-59.2018.4.03.9999 – Relatora: Desembargadora Federal TANIA MARANGONI – Publicado em 25.6.018; ApCiv n.º 0020361-62.2018.4.03.9999 – Relator: Desembargador Federal LUIZ STEFANINI – Publicado em 8.11.2018 e ApCiv n.º 6071143-34.2019.4.03.9999 – Relator: Desembargador Federal NEWTON DE LUCCA - Publicado em 10.6.2020.
Em relação à comprovação de atividade rural em período imediatamente anterior ao requerimento administrativo, constata-se pelas informações constantes no CNIS que na data do requerimento o autor matinha vínculo empregatício com “Moema Bioenergia S.A.” (ID 277177907 – pág. 7).
Diante de todo o exposto, nego provimento ao apelo do INSS, mantendo a r. sentença nos seus exatos fundamentos. Corrijo, de ofício, erro material referente à DER da aposentadoria por idade rural, sendo a data correta 09/05/2018, conforme cópia do processo administrativo juntado sob ID 277177908, sendo esta, portanto, a DIB do benefício.
Honorários advocatícios a cargo do INSS, fixados nos termos do artigo 85, §§ 3º e 4º, II, do Código de Processo Civil, e da Súmula 111 do STJ, com majoração de 2%, em razão da sucumbência recursal, a teor do § 11 do art. 85.
É o voto.
DECLARAÇÃO DE VOTO
A Desembargadora Federal THEREZINHA CAZERTA. Com a licença da Excelentíssima Senhora Relatora, divirjo no tocante à natureza do labor nas funções “motorista – bombeiro” e “motorista II – bombeiro”.
Trata-se de ação previdenciária proposta por AIRTON BARBOSA DE LIMA em face do INSS, cujo pedido consiste na condenação da autarquia previdenciária a conceder o benefício de aposentadoria por idade rural, desde a data do requerimento administrativo (09/05/2018) – ID 277177895.
A sentença julgou o pedido procedente e condenou o INSS a converter a aposentadoria por idade urbana NB 199.387.623-2 (DIB em 25/05/21) em aposentadoria por idade rural desde a data do requerimento administrativo (23/01/2018), com juros e correção monetária, descontada a quantia recebida pelo autor a título de aposentadoria por idade urbana.
Nos termos do voto da Excelentíssima Senhora Relatora, negando provimento ao recurso do INSS, constou o seguinte, no que releva à presente análise:
No caso dos autos, o autor, nascido em 25/05/1956, comprovou o cumprimento do requisito etário no ano de 2016.
Para comprovar o alegado exercício de atividade rural, de modo a preencher a carência exigida de 180 meses, o autor juntou aos autos as cópias dos seguintes documentos:
1) CTPS com vínculos empregatícios em diversos cargos como trabalhador rural, trabalhador braçal, tratorista agrícola, entre outros (ID 277177902);
2) PPP’s como trabalhador braçal e tratorista agrícola na empresa “Usina Moema Açúcar e Álcool LTDA” relativos a diferentes períodos (ID 277177903);
3) Inscrição no “Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Paulo Faria”, datada de 03/12/1979 (ID 277177910 – pág. 46);
4) Recibos de pagamentos de contribuição ao “Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Paulo Faria” nos anos de 1979 e 1980 (ID 277177910 – pág. 46).
Em depoimento pessoal, o autor informou ter exercido atividade campesina desde os 07 anos de idade, com sua família, em diferentes propriedades rurais localizadas no Município de Paulo de Faria. Relatou que plantavam arroz e milho, explicando que os fazendeiros cediam um pedaço de terra e cobravam uma porcentagem da produção. Afirmou que apenas aos 20 ou 22 anos de idade se mudou para a cidade, contudo continuou trabalhando na roça como diarista rural em diversos locais, como na Fazenda Barra e na Fazenda Figueira. Citou outras atividades rurais que exerceu durante sua vida laboral, como colheita de laranjas, além de ter trabalhado na “Usina Moema” por aproximadamente 30 anos, exercendo a função de tratorista por cerca de um ano. Assegurou que nunca trabalhou na cidade (ID 277177952).
Por sua vez, a testemunha Jezus Augusto de Oliveira informou que conhece o autor há mais de trinta anos e que o mesmo sempre trabalhou em atividades rurais, como corte de cana e diarista rural. Declarou que o autor trabalhou na usina aproximadamente vinte e cinco anos, local em que exercia atividades relacionados com o corte de cana. Alega nunca ter visto o autor exercendo atividade urbana (ID 277177952).
A testemunha José Antônio Ribeiro Santana declarou conhecer o autor há vinte anos e afirmou que ele trabalhava no setor agrícola cortando cana para a usina. Explicou que sabia disso porque era motorista e levava a equipe para o trabalho no campo. Afirmou que o autor permaneceu na usina por vários anos, trabalhando no corte de cana e como motorista de caminhão. Descreveu que o autor sempre trabalhou no campo e que nunca o viu desempenhando qualquer atividade em ambiente urbano (ID 277177952).
No caso concreto, o autor apresentou provas documentais e testemunhais suficientes para fundamentar o reconhecimento de sua atividade rural. Os registros na CTPS (ID 277177902) comprovam o exercício de atividade rural em diferentes períodos a partir de 10/07/1984. Da mesma forma, os PPPs elaborados por seus empregadores também atestam o trabalho rural (ID 277177903).
Ademais, a prova testemunhal produzida em juízo foi uníssona e consistente quanto ao exercício das atividades rurais desempenhadas pelo autor, corroborando assim as alegações expostas na peça inaugural, bem como a prova material apresentada.
Quanto ao reconhecimento da atividade de tratorista como rural, é certo que em diversas oportunidades anteriores, esta 8.ª Turma defendia posicionamento no sentido de que a profissão de tratorista é equiparada, por analogia, à categoria profissional dos motoristas, inclusive pelo próprio INSS, garantindo-se ao segurado, assim, o reconhecimento da natureza especial dessa função - portanto, essencialmente urbana.
Inobstante referida posição ainda ser adotada, fato é que o entendimento em epígrafe parece não ser mais o prevalecente.
(...)
Por sua vez, nesta 8.ª Turma colhem-se diversos julgados em idêntico sentido, ou seja, de que "o tratorista agrícola, o operador de máquina é essencialmente de natureza rural, pois lida com a terra, o plantio, a colheita e o trator há de ser considerado em sua natureza instrumento de trabalho de qualidade rural, diverso do motorista, que labora no transporte em função tipicamente urbana.” (ex vi ApCiv n.º 5002258-82.2019.4.03.9999 – Relatora: Desembargadora Federal DIVA MALERBI– Publicado em 29.10.2019).
Na mesma linha: ApCiv n.º 0003132-07.2014.4.03.6127 – Relator: Desembargador Federal DAVID DANTAS – Publicado em 23.1.2018; ApCiv n.º 0011088-59.2018.4.03.9999 – Relatora: Desembargadora Federal TANIA MARANGONI – Publicado em 25.6.018; ApCiv n.º 0020361-62.2018.4.03.9999 – Relator: Desembargador Federal LUIZ STEFANINI – Publicado em 8.11.2018 e ApCiv n.º 6071143-34.2019.4.03.9999 – Relator: Desembargador Federal NEWTON DE LUCCA - Publicado em 10.6.2020.
Em relação à comprovação de atividade rural em período imediatamente anterior ao requerimento administrativo, constata-se pelas informações constantes no CNIS que na data do requerimento o autor matinha vínculo empregatício com “Moema Bioenergia S.A.” (ID 277177907 – pág. 7).
Diante de todo o exposto, nego provimento ao apelo do INSS, mantendo a r. sentença nos seus exatos fundamentos. Corrijo, de ofício, erro material referente à DER da aposentadoria por idade rural, sendo a data correta 09/05/2018, conforme cópia do processo administrativo juntado sob ID 277177908, sendo esta, portanto, a DIB do benefício.
Ocorre que, da análise da CTPS (ID 277177895 – pág. 13), constata-se que o autor, apesar de, em seu último vínculo laboral formal, iniciado em 08/02/2005, ter sido contratado como tratorista, o PPP (Id. 277177903) deixa claro que o demandante, aos 01/09/2005, passou a atuar como motorista de caminhão bombeiro, atividade essa que não se confunde com o trabalho meramente campesino, sendo de natureza urbana, exercido até o dia 14/09/2021, consoante se depreende do CNIS (ID 277177907).
Conclui-se que o autor, efetivamente, era trabalhador rural, mas posteriormente passou a exercer função de “motorista – bombeiro” em 01/09/2005 e “motorista II – bombeiro” em 01/07/2007, tendo por atividades, idênticas em ambos os períodos, conduzir “veículo de médio porte (caminhão bombeiro), transportando água para frentes de queima de cana-de-açúcar e posicionando-se conforme orientação do superior para atuar na prevenção a incêndios”.
Como se vê, trata-se de atividade análoga à de bombeiro civil, tipicamente urbana, apesar de ser realizada no âmbito rural (PPP de Id. 277177903).
Nesse sentido, precedentes desta Corte:
PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR IDADE RURAL. REQUISITOS NÃO PREENCHIDOS. EXERCÍCIO DE ATIVIDADE URBANA.
- O direito à aposentadoria por idade rural é devido aos 60 (sessenta) anos, se homem, e aos 55 (cinquenta e cinco) anos, se mulher, conforme o artigo 201, § 7º, II, da CR, e, ainda, o artigo 11, incisos I, letra “a”; V, letra “g”; VI e VIII, c/c o artigo 48, §1º, todos da Lei n. 8.213, de 24/07/1991.
- O labor campesino, ainda que descontínuo, deve ser demonstrado pelo tempo correspondente à carência do benefício, atualmente 180 (cento e oitenta) meses, observados os artigos 142 e 143 da LBPS.
- A comprovação da atividade rural deve ser realizada mediante início de prova material corroborada por prova testemunhal, conforme o § 3º do artigo 55 da Lei n. 8.213, de 24/07/1991.
- No caso vertente, verifica-se que o último registro em CTPS refere-se ao período de 02/09/2011 e sem data de saída, como auxiliar caminhão pipa, atividade de natureza urbana, cujo exercício excede o período de 120 (cento e vinte) dias, configurando hipótese que descaracteriza a condição de segurado especial, conforme o § 9º do artigo 11 da Lei n. 8.213, de 24/07/1991.
- O exercício de atividade urbana pela parte autora descaracteriza a sua condição de segurada especial, de modo que a requerente não pode se beneficiar da redução do requisito etário, para fins de obtenção da aposentadoria por idade rural.
- Não preenchidos os requisitos legais, a parte autora não faz jus ao benefício de aposentadoria
- Apelação do INSS provida.
(AC n.º 5004411-49.2023.4.03.9999, Rel. Des. Fed. Leila Paiva, 10.ª Turma, j. 11/10/2023)
PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR IDADE RURAL. REQUISITOS PARA A CONCESSÃO DA APOSENTADORIA POR IDADE RURAL NÃO PREENCHIDOS. ATIVIDADE URBANA NO PERÍODO IMEDIATAMENTE ANTERIOR AO REQUERIMENTO DO BENEFÍCIO. PROCESSO EXTINTO SEM RESOLUÇÃO MÉRITO. APELAÇÃO DA PARTE AUTORA PREJUDICADA.
1. A aposentadoria por idade de rurícola reclama idade mínima de 60 anos, se homem, e 55 anos, se mulher (§ 1º do art. 48 da Lei nº 8.213/91), além da demonstração do exercício de atividade rural, bem como o cumprimento da carência mínima exigida no art. 142 da referida lei. De acordo com a jurisprudência, é suficiente a tal demonstração o início de prova material corroborado por prova testemunhal.
2. A parte autora alega seu trabalho rural sempre nas lides campesinas e para comprovar o alegado trabalho rural, acostou aos autos cópias de suas carteiras de trabalho, constando diversos contratos de trabalho, desde o ano de 1982 até os dias atuais, sendo que o trabalho desempenhado pelo autor se deu inicialmente como trabalhador rural em serviços gerais, de 1991 até 2002 passou a exercer atividade de tratorista e motorista e a partir do ano de 2003 até os dias atuais sempre como motorista de caminhão.
3. Consigno que as testemunhas alegaram o labor rural do autor no período imediatamente anterior ao requerimento administrativo e no período de carência como trabalhador de caminhão pipa, em usinas de cana de açúcar, como prevenção ao fogo espalhado pela queimada da cana. Que o trabalho se dava no meio rural. No entanto, verifico que, ainda que o labor rural tenha se dado no meio rural a função era a de motorista de caminhão, assemelhada ao trabalhador urbano e não rural.
4. Assim, ainda que o autor tenha demonstrado seu trabalho em período suficiente para a carência necessária à concessão da aposentadoria nos termos do art. 48 da lei de benefícios, não restou demonstrado que referida atividade seja rurícola e, portanto, não faz jus ao reconhecimento da aposentadoria por idade rural na forma do 1º do art. 48 da Lei nº 8.213/91 e sim na forma do parágrafo 3º do mesmo dispositivo legal, cuja idade passa a ser de 65 anos para homens e 60 anos para mulheres.
5. Cumpre salientar que parte da jurisprudência entendo que o tratorista, embora execute suas tarefas no campo, não é considerado, no âmbito de direito previdenciário e, inclusive, de direito trabalhista, trabalhador eminentemente rural, de que trata a Lei Complementar nº 111, de 25 de maio de 1971, estando sujeito, portanto, ao regime previdenciário urbano, sendo esta equiparada, por analogia, à categoria profissional dos motoristas, de natureza urbana e, ainda que se admitisse o desenvolvimento da função de tratorista, no presente caso, como atividade rural, vez que verificado seu desempenho no setor agrícola, não é possível tal admissão ao trabalho de motorista.
6. Nesse sentido, o enquadramento do trabalhador de agroindústria como rural ou urbano deve levar em consideração as atividades por ele desempenhadas e a natureza da função de motorista, mesmo quando exercida em estabelecimento agrícola, em nada se assemelha ao exercício de labor rural, para os fins aqui pretendidos, tendo sido majoritariamente reconhecida a atividade de motorista de caminhão como atividade urbana, não havendo que falar em labor rural ao trabalhador motorista de caminhão.
7. Dessa forma, tendo o autor exercido pelo período de carência e imediatamente anterior ao implemento etário atividade urbana, não faz jus ao reconhecimento da aposentadoria por idade rural na forma do § 1º do art. 48 da Lei nº 8.213/91, conforme requerido na inicial, devendo ser mantida a sentença que julgou improcedente o pedido.
8. Contudo, de acordo com o atual entendimento adotado pelo STJ: "A ausência de conteúdo probatório eficaz a instruir a inicial, conforme determina o art. 283 do CPC, implica a carência de pressuposto de constituição e desenvolvimento válido do processo, impondo a sua extinção sem o julgamento do mérito (art. 267, IV do CPC) e a consequente possibilidade da autora intentar novamente a ação (art. 268 do CPC), caso reúna os elementos necessários à tal iniciativa." (REsp 1352721/SP).
9. Impõe-se, por isso, face à ausência de prova constitutiva do direito previdenciário da parte autora, a extinção do processo sem julgamento do mérito.
10. Sucumbente, condeno a parte autora ao pagamento de custas e despesas processuais, bem como em honorários advocatícios, fixados no valor de R$ 1000,00 (mil reais), cuja exigibilidade observará o disposto no artigo 12 da Lei nº 1.060/1950 (artigo 98, § 3º, do Código de Processo Civil/2015), por ser beneficiária da justiça gratuita.
11. Processo extinto sem julgamento do mérito.
12. Apelação da parte autora prejudicada.
(TRF 3ª Região, 7ª Turma, ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL - 5794297-57.2019.4.03.9999, Rel. Desembargador Federal TORU YAMAMOTO, julgado em 01/04/2020, Intimação via sistema DATA: 03/04/2020)
Ainda, precedente do TRT18, em função idêntica à do presente feito, tendo por objeto a questão da função efetivamente exercida pelo trabalhador, mesmo que sob o viés do Direito do Trabalho, esclarece o seguinte acerca do tema (ROT-0010692-28.2021.5.18.0121, Rel. Des. Rosa Nair da Silva Nogueira Reis, j. 24/06/2022):
No caso, a defesa informou que o reclamante foi admitido em 03/08/2018 para trabalhar na função de "Motorista de caminhão pipa". Posteriormente, em 01/08/2019, foi promovido a "Motorista SR", função na qual permanece até o presente momento, tendo em vista que seu contrato de trabalho continua ativo.
O suporte normativo para o pleito obreiro é a Lei 11.901/2009 que disciplina a atividade de bombeiro civil - arts. 2º e 4º - nos seguintes termos:
Art. 2º Considera-se Bombeiro Civil aquele que, habilitado nos termos desta Lei, exerça, em caráter habitual, função remunerada e exclusiva de prevenção e combate a incêndio, como empregado contratado diretamente por empresas privadas ou públicas, sociedades de economia mista, ou empresas especializadas em prestação de serviços de prevenção e combate a incêndio.
§ 1º. (VETADO)
§ 2º. No atendimento a sinistros em que atuem, em conjunto, os Bombeiros Civis e o Corpo de Bombeiros Militar, a coordenação e a direção das ações caberão, com exclusividade e em qualquer hipótese, à corporação militar.
Art. 3º. (VETADO)
Art. 4º As funções de Bombeiro Civil são assim classificadas:
I - Bombeiro Civil, nível básico, combatente direto ou não do fogo;
II - Bombeiro Civil Líder, o formado como técnico em prevenção e combate a incêndio, em nível de ensino médio, comandante de guarnição em seu horário de trabalho;
III - Bombeiro Civil Mestre, o formado em engenharia com especialização em prevenção e combate a incêndio, responsável pelo Departamento de Prevenção e Combate a Incêndio.
A par do reiterado debate sobre a qualificação técnica, devo destacar que não há mencionada obrigatoriedade para o exercício da profissão, pois, o art. 3º da referida lei, que previa qualificação diferenciada para tal mister, foi objeto de veto presidencial, não integrando aquele diploma legal.
Assim, os requisitos previstos para a configuração do exercício da função de bombeiro civil são: onerosidade, habitualidade e a realização exclusiva de prevenção e combate a incêndio.
Ocorre que o art. 4º da Lei 11.901/2009 divide as funções de bombeiro civil em três classes, estabelecendo as atividades de cada uma delas e os critérios para sua ocupação, quais sejam:
"I - Bombeiro Civil, nível básico, combatente direto ou não do fogo;
II - Bombeiro Civil Líder, o formado como técnico em prevenção e combate a incêndio, em nível de ensino médio, comandante de guarnição em seu horário de trabalho;
III - Bombeiro Civil Mestre, o formado em engenharia com especialização em prevenção e combate a incêndio, responsável pelo Departamento de Prevenção e Combate a Incêndio." (destaquei)
Desse modo, a própria lei dispensa qualificação especial para o bombeiro civil nível básico (art. 4º).
Ademais, o requisito da exclusividade contido no art. 2º da Lei nº 11.901/2009 alcança atividades de combate e prevenção de incêndios. A referida lei, em seu art. 4º, I, não exige para caracterização de bombeiro civil o contato direto com incêndio.
Assentada a premissa normativa, passo à aferição casuística e o conteúdo probatório existente nos autos.
Na defesa, a ré confirmou que o reclamante efetivamente exercia a função de motorista de caminhão pipa, sem, contudo, atuar especificamente no combate a incêndio.
A prova emprestada encartada aos autos demonstra que na rotina laboral dos motoristas de caminhão pipa, estes atuam, de forma habitual, na prevenção e no combate a focos de incêndio.
Conforme asseverou o i. Magistrado a quo:
O enquadramento na função equivalente a bombeiro ocorrerá ainda que o trabalhador seja designado para executar tarefas secundárias em parte da jornada, como molhar estradas, pois o que interessa é que permanece à disposição da empresa, pronto para atuar naquela atividade principal (prevenção e combate a fogo), sempre que necessário.
Restou comprovado que o Autor exerceu a função de motorista de caminhão pipa ao longo de todo o período postulado (07.08.2018 a 31.03.2019), conforme contratos de trabalho (ID 3fa4112), ficha de fls. 199, cartões de ponto e holerites.
Portanto, no exercício da função de MOTORISTA DE CAMINHÃO PIPA, razoável concluir que o Reclamante visualizava, acompanhava e, se necessário, executava diretamente a atividade de combate a fogo, expondo-se de forma habitual a situações de risco, pelo que faz jus ao adicional de periculosidade previsto no artigo 6°, III da referida lei. Tal adicional, inclusive, foi pago pela Reclamada.
As disposições da NBR-ABNT n. 14.608/2000 não alteram a conclusão acima. Ainda que o motorista não atuasse todos os dias diretamente no combate a incêndios, ele estava inserido na respectiva área de risco já que, havendo ocorrência, o caminhão tinha que chegar bem próximo do ponto de fogo para que o canhão de água alcançasse o seu objetivo.
Insta consignar que, ao revés do alegado pela ré, as condições de qualificação, aplicação e atividades do bombeiro profissional civil previstas da NBR 14608, não são de observância obrigatória para fins de enquadramento naquela categoria profissional, porquanto referida norma técnica não se sobrepõe ao disposto na Lei 11.901/2009.
Diante do contexto fático probatório, concluo que o autor exercia a função de bombeiro civil, classificado nos termos do art. 4º, I, da Lei 11.901/2009, de 07/08/2018 a 31/03/2019.
Dessa maneira, o requisito da imediatidade na lide rural, portanto, está afastado, sendo indevida a conversão pretendida, motivo pelo qual de rigor a reforma da sentença, para que seja julgado improcedente o pedido para conversão para aposentadoria por idade rural, uma vez que desconfigurado o trabalho campesino no momento imediatamente ao implemento do requisito etário/requerimento administrativo.
Condeno a parte autora ao pagamento de honorários advocatícios, arbitrados em 10% (dez por cento) sobre o valor atualizado da causa, na forma do artigo 85, §§ 2º e 3º do CPC, suspensa, porém, a exigibilidade de tal verba, na forma do artigo 98, § 3º, do CPC, por tratar-se de beneficiária da justiça gratuita.
Ante o exposto, com a vênia da Excelentíssima Senhora Relatora, divirjo para dar provimento ao recurso do INSS e julgar improcedente o pedido inicial.
É o voto.
THEREZINHA CAZERTA
Desembargadora Federal
E M E N T A
PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR IDADE RURAL. TRATORISTA. TRABALHADOR RURAL. APELAÇÃO NÃO PROVIDA.
1. É certo que em diversas oportunidades anteriores, esta Oitava Turma defendia posicionamento no sentido de que a profissão de tratorista é equiparada, por analogia, à categoria profissional dos motoristas, inclusive pelo próprio INSS, garantindo-se ao segurado, assim, o reconhecimento da natureza especial dessa função - portanto, essencialmente urbana.
2. Contudo, o entendimento em epígrafe parece não ser mais o prevalecente, conforme decisão recentemente colhida no C. STJ, no Recurso Especial nº 1.683.890 - SP (2017/0158120-6).
3. No mesmo sentido é o entendimento da Oitava Turma: "o tratorista agrícola, o operador de máquina é essencialmente de natureza rural, pois lida com a terra, o plantio, a colheita e o trator há de ser considerado em sua natureza instrumento de trabalho de qualidade rural, diverso do motorista, que labora no transporte em função tipicamente urbana.” (ex vi ApCiv n.º 5002258-82.2019.4.03.9999 – Relatora: Desembargadora Federal DIVA MALERBI– Publicado em 29.10.2019).
4. Reconhecido o exercício das atividades rurais desempenhadas pelo autor, cumulado com o preenchimento dos demais requisitos legais, a manutenção da r. sentença é medida de rigor.
5. Apelo do INSS não provido.