
| D.E. Publicado em 08/02/2017 |
EMENTA
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Oitava Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, dar provimento à apelação autárquica, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Desembargador Federal
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APELAÇÃO CÍVEL Nº 0037359-76.2016.4.03.9999/SP
RELATÓRIO
O EXMO. SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL DAVID DANTAS:
Documentos acostados à exordial (fls. 12-25).
Deferidos à parte autora os benefícios da assistência judiciária gratuita (fl. 27).
Citação, em 04/03/2015 (fl. 29).
Audiência de instrução, na qual foram ouvidas as testemunhas arroladas pela parte autora (fls. 84-89).
A r. sentença, prolatada em 03/02/2016, julgou procedente o pedido. Antecipados os efeitos jurídicos da tutela. Deferida a concessão do benefício sub judice, no valor de um salário-mínimo mensal, desde a data do requerimento administrativo. Os atrasados deverão ser pagos em parcela única, com a incidência de correção monetária e juros de 0,5% ao mês (art. 1º F da lei 9.494/97, com a redação dada pela Lei 11.960/09), respeitado o que ficar decidido pelo Supremo Tribunal Federal, no julgamento das ADI´s nºs 4.357, 4.372 e 4.400 (fls. 91-94).
O INSS, no mérito, pleiteia a reforma total do julgado. Para o caso de manutenção do decisum, requer, quanto à correção monetária e juros de mora incidentes sobre as parcelas pagas com atraso, seja aplicada a Lei 9.494/97, com a redação dada pela Lei 11.960/09. Quanto aos honorários advocatícios, aduz que a referida verba não poderá recair sobre nenhuma prestação vincenda, em atenção ao disposto na Súmula 111 do Egrégio STJ (fls. 101-109).
Com contrarrazões (fls. 116-124), subiram os autos a este Egrégio Tribunal.
É o relatório.
DAVID DANTAS
Desembargador Federal
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APELAÇÃO CÍVEL Nº 0037359-76.2016.4.03.9999/SP
VOTO
O EXMO. SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL DAVID DANTAS:
Busca a parte autora a concessão do benefício previdenciário da aposentadoria por idade a trabalhador rural.
Discute-se, nestes autos, o preenchimento dos requisitos necessários à concessão de aposentadoria por idade ao rurícola, sendo necessária a comprovação da idade mínima e o desenvolvimento de atividade rural pelo período exigido na Lei 8.213/91.
A Lei 8.213/91, em seus artigos 39, inciso I, 48, 142 e 143, estabelece os requisitos necessários para a concessão de aposentadoria por idade a rurícola.
Além do requisito etário, o trabalhador rural deve comprovar o exercício de atividade rural, mesmo que descontínua, em número de meses idêntico à carência do benefício.
O dispositivo legal citado deve ser analisado em consonância com o artigo 142, que assim dispõe:
No mais, segundo o RESP 1.354.908, realizado segundo a sistemática de recurso representativo da controvérsia (CPC, art. 543-C), necessária a comprovação do tempo de atividade rural no período imediatamente anterior à aquisição da idade:
Não se exige do trabalhador rural o cumprimento de carência, como dever de verter contribuição por determinado número de meses, senão a comprovação do exercício laboral durante o período respectivo.
No que se refere à comprovação do labor campesino, algumas considerações se fazem necessárias, uma vez que balizam o entendimento deste Relator no que diz com a valoração das provas comumente apresentadas.
Declarações de Sindicato de Trabalhadores Rurais fazem prova do quanto nelas alegado, desde que devidamente homologadas pelo Ministério Público ou pelo INSS, órgãos competentes para tanto, nos exatos termos do que dispõe o art. 106, III, da Lei 8.213/91, seja em sua redação original, seja com a alteração levada a efeito pela Lei 9.063/95.
Na mesma seara, declarações firmadas por supostos ex-empregadores ou subscritas por testemunhas, noticiando a prestação do trabalho na roça, não se prestam ao reconhecimento então pretendido, tendo em conta que equivalem a meros depoimentos reduzidos a termo, sem o crivo do contraditório, conforme entendimento já pacificado no âmbito desta Corte.
Igualmente não alcançam os fins pretendidos, a apresentação de documentos comprobatórios da posse da terra pelos mesmos ex-empregadores, visto que não trazem elementos indicativos da atividade exercida pela parte requerente.
A mera demonstração, por parte do autor, de propriedade rural, só se constituirá em elemento probatório válido desde que traga a respectiva qualificação como lavrador ou agricultor. No mesmo sentido, a simples filiação a sindicato rural só será considerada mediante a juntada dos respectivos comprovantes de pagamento das mensalidades.
Têm-se, por definição, como início razoável de prova material, documentos que tragam a qualificação da parte autora como lavrador, v.g., assentamentos civis ou documentos expedidos por órgãos públicos. Nesse sentido: STJ, 5ª Turma, REsp nº 346067, Rel. Min. Jorge Scartezzini, v.u., DJ de 15.04.2002, p. 248.
Da mesma forma, a qualificação de um dos cônjuges como lavrador se estende ao outro, a partir da celebração do matrimônio, consoante remansosa jurisprudência já consagrada pelos Tribunais.
Na atividade desempenhada em regime de economia familiar, toda a documentação comprobatória, como talonários fiscais e títulos de propriedade, é expedida, em regra, em nome daquele que faz frente aos negócios do grupo familiar. Ressalte-se, contudo, que nem sempre é possível comprovar o exercício da atividade em regime de economia familiar através de documentos. Muitas vezes o pequeno produtor cultiva apenas o suficiente para o consumo da família e, caso revenda o pouco do excedente, não emite a correspondente nota fiscal, cuja eventual responsabilidade não está sob análise nesta esfera. O homem simples, oriundo do meio rural, comumente efetua a simples troca de parte da sua colheita por outros produtos de sua necessidade que um sitiante vizinho eventualmente tenha colhido ou a entrega como forma de pagamento pela parceria na utilização do espaço de terra cedido para plantar.
De qualquer forma, é entendimento já consagrado pelo C. Superior Tribunal de Justiça (AG nº 463855, Ministro Paulo Gallotti, Sexta Turma, j. 09/09/03) que documentos apresentados em nome dos pais, ou outros membros da família, que os qualifiquem como lavradores, constituem início de prova do trabalho de natureza rurícola dos filhos.
O trabalho urbano de membro da família não descaracteriza, por si só, o exercício de trabalho rural em regime de economia familiar de outro. Para ocorrer essa descaracterização, é necessária a comprovação de que a renda obtida com a atividade urbana é suficiente à subsistência da família.
O art. 106 da Lei 8.213/91 apresenta um rol de documentos que não configura numerus clausus, já que o "sistema processual brasileiro adotou o princípio do livre convencimento motivado" (AC nº 94.03.025723-7/SP, TRF 3ª Região, Rel. Juiz Souza Pires, 2º Turma, DJ 23.11.94, p. 67691), cabendo ao Juízo, portanto, a prerrogativa de decidir sobre a sua validade e a sua aceitação.
No que se refere ao recolhimento das contribuições previdenciárias, destaco que o dever legal de promover seu recolhimento junto ao INSS e descontar da remuneração do empregado a seu serviço compete exclusivamente ao empregador, por ser este o responsável pelo seu repasse aos cofres da Previdência, a quem cabe a sua fiscalização, possuindo, inclusive, ação própria para haver o seu crédito, podendo exigir do devedor o cumprimento da legislação.
No caso da prestação de trabalho em regime de economia familiar, é certo que o segurado é dispensado do período de carência, nos termos do disposto no art. 26, III, da Lei de Benefícios e, na condição de segurado especial, assim enquadrado pelo art. 11, VII, da legislação em comento, caberia o dever de recolher as contribuições tão-somente se houvesse comercializado a produção no exterior, no varejo, isto é, para o consumidor final, a empregador rural pessoa física ou a outro segurado especial (art. 30, X, da Lei de Custeio).
Por fim, outra questão que suscita debates é a referente ao trabalho urbano eventualmente exercido pelo segurado ou por seu cônjuge, cuja qualificação como lavrador lhe é extensiva. Perfilho do entendimento no sentido de que o desempenho de atividade urbana, de per si, não constitui óbice ao reconhecimento do direito aqui pleiteado, desde que o mesmo tenha sido exercido por curtos períodos, especialmente em época de entressafra, quando o humilde campesino se vale de trabalhos esporádicos em busca da sobrevivência.
Da mesma forma, o ingresso no mercado de trabalho urbano não impede a concessão da aposentadoria rural, na hipótese de já restar ultimada, em tempo anterior, a carência exigida legalmente, considerando não só as datas do início de prova mais remoto e da existência do vínculo empregatício fora da área rural, como também que a prova testemunhal, segura e coerente, enseje a formação da convicção deste julgador acerca do trabalho campesino exercido no período.
A parte autora, nascida em 27/04/1959 (fl. 14) completou a idade mínima de 55 (cinquenta e cinco) anos em 27/04/2014, devendo comprovar o exercício de atividade rural por 180 meses (15 anos).
a) certidão de casamento da autora, ocorrido em 09/02/1980, na qual consta a profissão exercida pelo cônjuge varão à época, "lavrador" (fl. 15);
b) título eleitoral, expedido em 19/03/1979, no qual consta que o marido da requerente exercia a profissão de lavrador (fl. 15);
c) certidões de óbito dos sogros da autora, cujos passamentos ocorreram em 05/01/2011 e 20/06/2011 (fls. 17-18);
d) fatura de energia elétrica em nome do sogro da requerente (fl. 19);
e) carteira de trabalho do cônjuge da demandante, com vínculo laboral de natureza rural, iniciado em 01/08/1996, sem data de término (fls. 20-24 v.).
f) ficha-matrícula nº 7.711, do Serviço de Registro de Imóveis da Comarca de Taquarituba, relativa a imóvel rural com área de 53,3590 ha denominado Fazenda Pico, Bairro do Pico, situado no Município de Taquarituba (SP), adquirido, adquirido por força de direitos sucessórios, pela parte autora e cônjuge, em 21/07/2008 (fls. 19-23 v.);
g) ficha-matrícula nº 2.233, do Serviço de Registro de Imóveis da Comarca de Taquarituba, relativa a uma área de terras sem benfeitorias com extensão de 37,21 ha, ou sejam, 15,37 alqueires, localizado na Fazenda Pico ou Cerrado, Bairro do Pico, situado no Município de Taquarituba (SP), adquirido por força de direitos sucessórios, pela parte autora e cônjuge, em 21/07/2008 (fls. 24-25).
No entanto, parte dos documentos acima elencados não se prestam para o fim a que se destinam nestes autos, ou seja, comprovar o exercício de atividade laboral de natureza rural nos períodos informados pela parte autora.
Quanto às fichas-matrículas de imóveis rurais apresentadas (fls. 19-23 v. e fls. 24-25), reitero o entendimento acima explicitado: "A mera demonstração, por parte do autor, de propriedade rural, só se constituirá em elemento probatório válido desde que traga a respectiva qualificação como lavrador ou agricultor.", ou seja, referidos documentos não podem ser considerados como início de prova material da atividade rurícola da parte autora, sob o regime de labor informado na exordial, "regime de economia familiar".
Também não alcança os fins pretendidos a apresentação do título eleitoral do cônjuge da demandante (fl. 15), porquanto o documento retrata fato ocorrido antes do casamento, consoante já pontuado acima: "Da mesma forma, a qualificação de um dos cônjuges como lavrador se estende ao outro, a partir da celebração do matrimônio, consoante remansosa jurisprudência já consagrada pelos Tribunais."
De outro lado, verifica-se em análise das fichas-matrículas supracitadas que o marido da parte autora não é ou foi pequeno produtor rural, porquanto além de trabalhar como empregado, era proprietário (conjuntamente com vários irmãos), concomitantemente, de dois imóveis rurais. Assim, não é crível que somente a autora (e seu cônjuge somente nos finais de semana) laborassem em duas propriedades, que somadas atingem a extensão de aproximadamente 90 hectares, sem o auxílio de empregados, fixos ou eventuais.
Conquanto a demandante trouxesse a lume provas tendentes à obtenção da aposentação pleiteada, ela não se afigura humilde lavradora, mas verdadeira empresária rural que, à vista do pedido formulado na inicial, não preencheu os requisitos necessários à percepção da aposentadoria visada.
Assim sendo, na qualidade de empregadora rural, de comerciante ou ainda, de empresária, a parte autora não pode beneficiar-se do aludido direito.
Nesse sentido:
Cumpre ainda observar que a autora não trouxe aos autos sequer um documento que a qualifique como trabalhadora rural num período de carência de quinze anos, fosse proveniente dos registros públicos, tal como certidão expedida por Juízo Eleitoral, certidão expedida pelo Instituto expedidor da cédula de identidade, etc, ou ainda, proveniente de sindicatos rurais e de estabelecimentos particulares, por exemplo, cadastros em lojas.
Quantos aos depoimentos testemunhais, se verificam inconsistentes e tendenciosos. Percebe-se-se neles a clara intenção de omitir a real extensão da propriedade rural da parte autora, ao reportarem-se a ela sempre como "sítio", ao invés de fazenda. Foram utilizadas pelos depoentes as expressões: "Ela trabalha na rocinha..."; "Ela trabalha no pedacinho de terra..." etc. Ainda, as testemunhas sequer mencionaram os demais proprietários dos imóveis rurais.
A demandante logrou êxito em demonstrar o preenchimento da condição etária, entretanto, o conjunto probatório, totalmente desarmônico, não permite a conclusão de que ela exerceu a atividade rural até cumprir o requisito etário, ou seja, até completar 55 anos de idade.
Dessa forma, não preenchidos os requisitos legais, é indevido o benefício de aposentadoria por idade pleiteado, devendo ser reformada a r. sentença, na íntegra.
Por conseguinte, impõe-se a cassação da tutela jurisdicional deferida pelo r. Juízo de Primeira Instância. Determino seja remetida esta decisão por via eletrônica à autoridade administrativa, a fim de que seja cessado o pagamento do benefício ora pleiteado, após o trânsito em julgado.
Consoante entendimento firmado pela Terceira Seção desta Corte, deixo de condenar a parte autora ao pagamento de custas, despesas processuais e honorários advocatícios, porquanto beneficiária da assistência judiciária gratuita (TRF - 3ª Seção, AR n.º 2002.03.00.014510-0/SP, Rel. Des. Fed. Marisa Santos, j. 10.05.2006, v.u., DJU 23.06.06, p. 460).
É COMO VOTO.
DAVID DANTAS
Desembargador Federal
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