
10ª Turma
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5004116-17.2020.4.03.9999
RELATOR: Gab. 34 - DES. FED. BAPTISTA PEREIRA
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: ALCIDES ALVES RIBEIRO
Advogado do(a) APELADO: MIRIAN GARCIA VIDAL - MS21078-A
OUTROS PARTICIPANTES:
10ª Turma
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5004116-17.2020.4.03.9999
RELATOR: Gab. 34 - DES. FED. BAPTISTA PEREIRA
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: ALCIDES ALVES RIBEIRO
Advogado do(a) APELADO: MIRIAN GARCIA VIDAL - MS21078-A
OUTROS PARTICIPANTES:
R E L A T Ó R I O
Trata-se de remessa oficial, havida como submetida, e de apelação interposta em ação de conhecimento, em que se objetiva a concessão de aposentadoria por idade rural ou híbrida, mediante o reconhecimento da atividade rural em regime de economia familiar desenvolvida a partir do ano de 2000, para compor a carência.
O MM. Juízo a quo julgou procedente o pedido, condenando o réu a conceder ao autor o benefício de aposentadoria rural por idade, de um salário mínimo ou a calcular pelo INSS, desde a data do requerimento administrativo (29/03/2019), pagar as prestações em atraso corrigidas monetariamente e acrescidas de juros de mora, e honorários advocatícios de 10% das prestações vencidas até a data da sentença, nos termos da Súmula 111 do STJ, isentando-o das custas.
Em seu recurso, o réu pleiteia a reforma da r. sentença. Prequestiona a matéria debatida.
Com contrarrazões, subiram os autos.
É o relatório.
10ª Turma
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5004116-17.2020.4.03.9999
RELATOR: Gab. 34 - DES. FED. BAPTISTA PEREIRA
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: ALCIDES ALVES RIBEIRO
Advogado do(a) APELADO: MIRIAN GARCIA VIDAL - MS21078-A
OUTROS PARTICIPANTES:
V O T O
O benefício de aposentadoria por idade está previsto no Art. 48, da Lei nº 8.213/91, que dispõe:
"Art. 48. A aposentadoria por idade será devida ao segurado que, cumprida a carência exigida nesta Lei, completar 65 (sessenta e cinco) anos de idade, se homem, e 60 (sessenta), se mulher.
§ 1º Os limites fixados no caput são reduzidos para sessenta e cinqüenta e cinco anos no caso de trabalhadores rurais, respectivamente homens e mulheres, referidos na alínea a do inciso I, na alínea g do inciso V e nos incisos VI e VII do art. 11.
§ 2º Para os efeitos do disposto no § 1º deste artigo, o trabalhador rural deve comprovar o efetivo exercício de atividade rural, ainda que de forma descontínua, no período imediatamente anterior ao requerimento do benefício, por tempo igual ao número de meses de contribuição correspondente à carência do benefício pretendido, computado o período a que se referem os incisos III a VIII do § 9º do art. 11 desta Lei.
§ 3º Os trabalhadores rurais de que trata o § 1º deste artigo que não atendam ao disposto no § 2º deste artigo, mas que satisfaçam essa condição, se forem considerados períodos de contribuição sob outras categorias do segurado, farão jus ao benefício ao completar em 65 (sessenta e cinco) anos de idade, se homem, e 60 (sessenta) anos, se mulher."
De sua vez, o Art. 11, § 1º, da Lei nº 8.213/91 dispõe que "Entende-se como regime de economia familiar a atividade em que o trabalho dos membros da família é indispensável à própria subsistência e ao desenvolvimento socioeconômico do núcleo familiar e é exercido em condições de mútua dependência e colaboração, sem a utilização de empregados permanentes." e o Art. 106, do mesmo diploma legal, elenca os documentos aceitos como prova da atividade rural:
"Art. 106. A comprovação do exercício de atividade rural será feita, alternativamente, por meio de:
I - ...;
II - contrato de arrendamento, parceria ou comodato rural;
III – (revogado);
IV - Declaração de Aptidão ao Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar, de que trata o inciso II do caput do art. 2º da Lei nº 12.188, de 11 de janeiro de 2010, ou por documento que a substitua;
V - bloco de notas do produtor rural;
VI - notas fiscais de entrada de mercadorias, de que trata o § 7o do art. 30 da Lei no 8.212, de 24 de julho de 1991, emitidas pela empresa adquirente da produção, com indicação do nome do segurado como vendedor;
VII - documentos fiscais relativos a entrega de produção rural à cooperativa agrícola, entreposto de pescado ou outros, com indicação do segurado como vendedor ou consignante;
VIII - comprovantes de recolhimento de contribuição à Previdência Social decorrentes da comercialização da produção;
IX - cópia da declaração de imposto de renda, com indicação de renda proveniente da comercialização de produção rural; ou
X - licença de ocupação ou permissão outorgada pelo Incra."
A alteração legislativa trazida pela Lei 11.718, de 20.06.2008, que introduziu o §§3 e 4º ao Art. 48 da Lei 8.213/91, passou a permitir a concessão de aposentadoria por idade àqueles segurados que, embora inicialmente rurícolas, passaram a exercer outras atividades e tenha idade mínima de 60 anos (mulher) e 65 anos (homem), mediante a soma dos lapsos temporais de trabalho rural com o urbano.
Tecidas estas considerações, passo ao exame do caso concreto.
Pretende o autor o reconhecimento da atividade rural em regime de economia familiar a partir do ano de 2000, para fins de concessão do benefício de aposentadoria por idade na modalidade rural ou híbrida, computando-se o trabalho urbano desenvolvido no período anterior, anotados em sua CTPS, para compor a carência.
O primeiro requisito encontra-se atendido, pois o autor, nascido em 29/03/1943, completou 65 anos em 2008, anteriormente à data do ajuizamento da ação.
Impõe-se verificar, se demonstrado, ou não, o trabalho rural de modo a preencher a carência exigida de 180 meses.
Para comprovar o alegado exercício da atividade rural, o autor instruiu a petição inicial com as cópias dos seguintes documentos: certidão de seu casamento realizado em 23/07/1964, na qual está qualificado com a profissão de agricultor, com a averbação do divórcio do casal em 1975; ficha de inscrição e controle e carteira de identificação de sócio do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Chapadão do Sul, com admissão em 03/10/2000, filiado como diarista rural; contrato de concessão de uso de propriedade rural firmado com o Instituto de Colonização de Reforma Agrária – INCRA, em 02/10/2011, tendo como objeto o lote n° 69 do Projeto de Assentamento Mateira, situado em Chapadão do Sul/MS; notas fiscais de aquisição de insumos agrícolas em seu nome, com endereço no referido lote, emitidas no período de 2012 a 2017; comprovantes de aquisição e atestados de vacina emitidos pela IAGRO, nos quais o autor figura como produtor, com endereço no P.A. Mateira, lote 69.
A prova oral produzida, como posto pelo Juízo sentenciante, corrobora a prova material apresentada.
Comprovado que se acha, é de ser averbado no cadastro do autor, independente do recolhimento das contribuições, e, tão só, para fins de aposentação por idade pelo Regime Geral da Previdência Social - RGPS, o trabalho rural desenvolvido a partir de 03/10/2000 até a DER em 29/03/2019.
Como já dito, a Lei nº 11.718/2008, ao alterar o Art. 48, da Lei 8.213/91, possibilitou ao segurado o direito à aposentadoria por idade, mediante a soma dos lapsos temporais de trabalho rural com o urbano.
Somados o tempo de trabalho rural ora reconhecido, com os demais períodos de trabalho comprovado nos autos, perfaz o autor a carência exigida, que é de 180 meses.
Nesse passo, tendo o autor completado 65 anos em 29/03/2008, atende também ao requisito etário, fazendo jus ao benefício de aposentadoria por idade, contemplada no Art. 48, caput, da Lei 8.213/91.
Nesse sentido decidiu o e. Superior Tribunal de Justiça ao julgar o REsp 1674221/SP, submetido ao rito dos recursos repetitivos:
“PREVIDENCIÁRIO. RECURSO ESPECIAL. RECURSO ESPECIAL SUBMETIDO AO RITO DOS RECURSOS REPETITIVOS. OBSERVÂNCIA DO ARTIGO 1.036, § 5o. DO CÓDIGO FUX E DOS ARTS. 256-E, II, E 256-I DO RISTJ. APOSENTADORIA HÍBRIDA. ART. 48, §§ 3o. E 4o. DA LEI 8.213/1991. PREVALÊNCIA DO PRINCÍPIO DE ISONOMIA A TRABALHADORES RURAIS E URBANOS. MESCLA DOS PERÍODOS DE TRABALHO URBANO E RURAL. EXERCÍCIO DE ATIVIDADE RURAL, REMOTO E DESCONTÍNUO, ANTERIOR À LEI 8.213/1991 A DESPEITO DO NÃO RECOLHIMENTO DE CONTRIBUIÇÃO. CÔMPUTO DO TEMPO DE SERVIÇO PARA FINS DE CARÊNCIA. DESNECESSIDADE DE COMPROVAÇÃO DO LABOR CAMPESINO POR OCASIÃO DO IMPLEMENTO DO REQUISITO ETÁRIO OU DO REQUERIMENTO ADMINISTRATIVO. TESE FIXADA EM HARMONIA COM O PARECER MINISTERIAL. RECURSO ESPECIAL DA SEGURADA PROVIDO.
1. A análise da lide judicial que envolve a proteção do Trabalhador Rural exige do julgador sensibilidade, e é necessário lançar um olhar especial a esses trabalhadores para compreender a especial condição a que estão submetidos nas lides campesinas.
2. Como leciona a Professora DANIELA MARQUES DE MORAES, é preciso analisar quem é o outro e em que este outro é importante para os preceitos de direito e de justiça. Não obstante o outro possivelmente ser aqueles que foi deixado em segundo plano, identificá-lo pressupõe um cuidado maior. Não se pode limitar a apontar que seja o outro. É preciso tratar de tema correlatos ao outro, com alteridade, responsabilidade e, então, além de distinguir o outro, incluí-lo (mas não apenas de modo formal) ao rol dos sujeitos de direito e dos destinatários da justiça (A Importância do Olhar do Outro para a Democratização do Acesso à Justiça, Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2015, p. 35).
3. A Lei 11.718/2008, ao incluir a previsão dos §§ 3o. e 4o. no art. 48 da lei 8.213/1991, abrigou, como já referido, aqueles Trabalhadores Rurais que passaram a exercer temporária ou permanentemente períodos em atividade urbana, já que antes da inovação legislativa o mesmo Segurado se encontrava num paradoxo jurídico de desamparo previdenciário: ao atingir idade avançada, não podia receber a aposentadoria rural porque exerceu trabalho urbano e não tinha como desfrutar da aposentadoria urbana em razão de o curto período laboral não preencher o período de carência (REsp. 1.407.613/RS, Rel. Min. HERMAN BENJAMIN, DJe 28.11.2014).
4. A aposentadoria híbrida consagra o princípio constitucional de uniformidade e equivalência dos benefícios e serviços às populações urbanas e rurais, conferindo proteção àqueles Trabalhadores que migraram, temporária ou definitivamente, muitas vezes acossados pela penúria, para o meio urbano, em busca de uma vida mais digna, e não conseguiram implementar os requisitos para a concessão de qualquer aposentadoria, encontrando-se em situação de extrema vulnerabilidade social.
5. A inovação legislativa objetivou conferir o máximo aproveitamento e valorização ao labor rural, ao admitir que o Trabalhador que não preenche os requisitos para concessão de aposentadoria rural ou aposentadoria urbana por idade possa integrar os períodos de labor rural com outros períodos contributivos em modalidade diversa de Segurado, para fins de comprovação da carência de 180 meses para a concessão da aposentadoria híbrida, desde que cumprido o requisito etário de 65 anos, se homem, e 60 anos, se mulher.
6. Analisando o tema, esta Corte é uníssona ao reconhecer a possibilidade de soma de lapsos de atividade rural, ainda que anteriores à edição da Lei 8.213/1991, sem necessidade de recolhimento de contribuições ou comprovação de que houve exercício de atividade rural no período contemporâneo ao requerimento administrativo ou implemento da idade, para fins de concessão de aposentadoria híbrida, desde que a soma do tempo de serviço urbano ou rural alcance a carência exigida para a concessão do benefício de aposentadoria por idade.
7. A teste defendida pela Autarquia Previdenciária, de que o Segurado deve comprovar o exercício de período de atividade rural nos últimos quinze anos que antecedem o implemento etário, criaria uma nova regra que não encontra qualquer previsão legal. Se revela, assim, não só contrária à orientação jurisprudencial desta Corte Superior, como também contraria o objetivo da legislação previdenciária.
8. Não admitir o cômputo do trabalho rural exercido em período remoto, ainda que o Segurado não tenha retornado à atividade campesina, tornaria a norma do art. 48, § 3o. da Lei 8.213/1991 praticamente sem efeito, vez que a realidade demonstra que a tendência desses Trabalhadores é o exercício de atividade rural quando mais jovens, migrando para o atividade urbana com o avançar da idade. Na verdade, o entendimento contrário, expressa, sobretudo, a velha posição preconceituosa contra o Trabalhador Rural, máxime se do sexo feminino.
9. É a partir dessa realidade social experimentada pelos Trabalhadores Rurais que o texto legal deve ser interpretado, não se podendo admitir que a justiça fique retida entre o rochedo que o legalismo impõe e o vento que o pensamento renovador sopra. A justiça pode ser cega, mas os juízes não são. O juiz guia a justiça de forma surpreendente, nos meandros do processo, e ela sai desse labirinto com a venda retirada dos seus olhos.
10. Nestes termos, se propõe a fixação da seguinte tese: o tempo de serviço rural, ainda que remoto e descontínuo, anterior ao advento da Lei 8.213/1991, pode ser computado para fins da carência necessária à obtenção da aposentadoria híbrida por idade, ainda que não tenha sido efetivado o recolhimento das contribuições, nos termos do art. 48, § 3o., da Lei 8.213/1991, seja qual for a predominância do labor misto exercido no período de carência ou o tipo de trabalho exercido no momento do implemento do requisito etário ou do requerimento administrativo.
11. Recurso Especial da Segurada provido, determinando-se o retorno dos autos à origem, a fim de que prossiga no julgamento do feito analisando a possibilidade de concessão de aposentadoria híbrida.
(REsp 1674221/SP, Rel. Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 14/08/2019, DJe 04/09/2019).
O termo inicial do benefício deve ser fixado na data do requerimento administrativo (29/03/2019).
Destarte, é de se manter a r. sentença quanto à matéria de fundo, pelos fundamentos ora expendidos, devendo o réu conceder ao autor o benefício de aposentadoria por idade a partir de 29/03/2019, e pagar as prestações vencidas, corrigidas monetariamente e acrescidas de juros de mora.
Aplica-se o disposto no Manual de Orientação de Procedimentos para os Cálculos na Justiça Federal no que tange aos índices de correção monetária e taxa de juros de mora.
Convém alertar que das prestações vencidas devem ser descontadas aquelas pagas administrativamente ou por força de liminar, e insuscetíveis de cumulação com o benefício concedido, na forma do Art. 124, da Lei nº 8.213/91.
Os honorários advocatícios devem observar as disposições contidas no inciso II, do § 4º, do Art. 85, do CPC, e a Súmula 111, do e. STJ.
Mantida a isenção de custas, vez que não impugnada.
Por derradeiro, quanto ao prequestionamento das matérias para fins recursais, não há afronta a dispositivos legais e constitucionais, porquanto o recurso foi analisado em todos os seus aspectos.
Ante o exposto, dou parcial provimento à remessa oficial, havida como submetida, para adequar os consectários legais e os honorários advocatícios, e nego provimento à apelação.
É o voto.
E M E N T A
PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR IDADE. SEGURADO ESPECIAL RURAL EM REGIME DE ECONOMIA FAMILIAR. BENEFÍCIO DEVIDO NOS TERMOS DO § 3º, DO ART. 48, DA LEI Nº 8.213/91.
1. A Lei nº 11.718/2008, ao alterar o Art. 48, da Lei 8.213/91, possibilitou ao segurado o direito à aposentadoria por idade, mediante a soma dos lapsos temporais de trabalho rural com o urbano.
2. O Art. 106, da Lei nº 8.213/91, dispõe que a comprovação do exercício de atividade rural será feita, no caso de segurado especial em regime de economia familiar, por meio de um dos documentos elencados.
3. Tendo o autor completado 65 anos e cumprido a carência com a soma do tempo de serviço rural reconhecido e os demais períodos de trabalho comprovado nos autos, faz jus ao benefício de aposentadoria por idade.
4. Aplica-se o disposto no Manual de Orientação de Procedimentos para os Cálculos na Justiça Federal no que tange aos índices de correção monetária e taxa de juros de mora.
5. Os honorários advocatícios devem observar as disposições contidas no inciso II, do § 4º, do Art. 85, do CPC, e a Súmula 111, do e. STJ.
6. Mantida a isenção de custas, vez que não impugnada.
7. Remessa oficial, havida como submetida, provida em parte e apelação desprovida.
