Processo
ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL / SP
5183730-16.2019.4.03.9999
Relator(a)
Desembargador Federal NEWTON DE LUCCA
Órgão Julgador
8ª Turma
Data do Julgamento
09/08/2019
Data da Publicação/Fonte
e - DJF3 Judicial 1 DATA: 16/08/2019
Ementa
E M E N T A
PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR IDADE. TRABALHADOR RURAL. CONJUNTO
PROBATÓRIO NÃO HARMÔNICO.
I- As provas exibidas não constituem um conjunto harmônico de molde a formar a convicção no
sentido de que a parte autora tenha exercido atividades no campo no período exigido em lei.
Ademais, os documentos em nome do pai da autora indicativos de que o mesmo era proprietário
de um latifúndio por exploração e enquadramento sindical como “empregador rural”
descaracterizam a alegada atividade rural em regime de economia familiar, no qual os membros
da família trabalham em sistema de mútua colaboração, sem a utilização de empregados.
II- Não preenchidos, in casu, os requisitos necessários à concessão do benefício, consoante
dispõe o art. 143 da Lei de Benefícios.
III- Apelação da parte autora improvida.
Acórdao
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5183730-16.2019.4.03.9999
Jurisprudência/TRF3 - Acórdãos
RELATOR: Gab. 26 - DES. FED. NEWTON DE LUCCA
APELANTE: MARIA APARECIDA DOS SANTOS
Advogados do(a) APELANTE: PAULO HENRIQUE DE CAMPOS - SP307790-N, ELIANE DE
OLIVEIRA CASTRO SILVA - SP379064-N
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5183730-16.2019.4.03.9999
RELATOR: Gab. 26 - DES. FED. NEWTON DE LUCCA
APELANTE: MARIA APARECIDA DOS SANTOS
Advogados do(a) APELANTE: PAULO HENRIQUE DE CAMPOS - SP307790-N, ELIANE DE
OLIVEIRA CASTRO SILVA - SP379064-N
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
OUTROS PARTICIPANTES:
R E L A T Ó R I O
O SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL NEWTON DE LUCCA (RELATOR): Trata-se de
ação ajuizada em face do INSS - Instituto Nacional do Seguro Social, visando à concessão de
aposentadoria rural por idade.
Foram deferidos à parte autora os benefícios da assistência judiciária gratuita.
O Juízo a quo julgou improcedente o pedido.
Inconformada, apelou a parte autora, pleiteando a reforma da R. sentença.
Sem contrarrazões do INSS, subiram os autos a esta E. Corte.
É o breve relatório.
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5183730-16.2019.4.03.9999
RELATOR: Gab. 26 - DES. FED. NEWTON DE LUCCA
APELANTE: MARIA APARECIDA DOS SANTOS
Advogados do(a) APELANTE: PAULO HENRIQUE DE CAMPOS - SP307790-N, ELIANE DE
OLIVEIRA CASTRO SILVA - SP379064-N
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
OUTROS PARTICIPANTES:
V O T O
O SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL NEWTON DE LUCCA (RELATOR): Dispunha o art.
143 da Lei nº 8.213/91, in verbis:
"O trabalhador rural ora enquadrado como segurado obrigatório do Regime Geral de Previdência
Social, na forma da alínea 'a' do inciso I, ou do inciso IV ou VII do art. 11 desta Lei, ou os seus
dependentes, podem requerer, conforme o caso:
(...)
II - aposentadoria por idade, no valor de 1 (um) salário mínimo, durante 15 (quinze) anos,
contados a partir da data da vigência desta Lei, desde que seja comprovado o exercício de
atividade rural nos últimos 5 (cinco) anos anteriores à data do requerimento, mesmo de forma
descontínua, não se aplicando, nesse período, para o segurado especial, o disposto no inciso I do
art. 39."
O referido artigo foi alterado pela Lei n.º 9.063/95, in verbis:
"O trabalhador rural ora enquadrado como segurado obrigatório no Regime Geral de Previdência
Social, na forma da alínea 'a' do inciso I, ou do inciso IV ou VII do art. 11 desta Lei, pode requerer
aposentadoria por idade, no valor de 1 (um) salário mínimo, durante 15 (quinze) anos, contados a
partir da data de vigência desta Lei, desde que comprove o exercício de atividade rural, ainda que
descontínua, no período imediatamente anterior ao requerimento do benefício, em número de
meses idêntico à carência do referido benefício."
O prazo para o trabalhador rural requerer a aposentadoria prevista no artigo acima mencionado
foi prorrogado até 31/12/10, nos termos do art. 2º da Lei nº 11.718, de 20/6/08.
Por sua vez, dispõe o art. 48 da Lei de Benefícios, com a redação dada pela Lei nº 11.718/08:
"A aposentadoria por idade será devida ao segurado que, cumprida a carência exigida nesta Lei,
completar 65 (sessenta e cinco) anos de idade, se homem, e 60 (sessenta), se mulher.
§ 1º Os limites fixados no caput são reduzidos para sessenta e cinquenta e cinco anos no caso de
trabalhadores rurais, respectivamente homens e mulheres, referidos na alínea "a" do inciso I, na
alínea "g" do inciso V e nos incisos VI e VII do art. 11.
§ 2º Para os efeitos do disposto no § 1º deste artigo, o trabalhador rural deve comprovar o efetivo
exercício de atividade rural, ainda que de forma descontínua, no período imediatamente anterior
ao requerimento do benefício, por tempo igual ao número de meses de contribuição
correspondente à carência do benefício pretendido, computado o período a que se referem os
incisos III a VIII do § 9º do art. 11 desta Lei.
(...)"
Da simples leitura dos dispositivos legais, depreende-se que os requisitos para a concessão da
aposentadoria por idade ao trabalhador rural compreendem a idade (55 anos, se mulher, e 60
anos, se homem) e a comprovação de efetivo exercício de atividade no campo em número de
meses idêntico à carência do referido benefício.
Quanto às contribuições previdenciárias, ao rurícola basta, apenas, provar o efetivo exercício de
atividade no campo no período equivalente à carência, ainda que de forma descontínua.
O art. 142 da Lei nº 8.213/91 estabelece regra de transição relativa à carência a ser observada
pelos segurados inscritos na Previdência Social até 24/7/91. Para aqueles que ingressaram no
sistema após a referida data, aplica-se a regra permanente prevista no art. 25, inc. II, da Lei de
Benefícios (180 contribuições mensais).
Quadra mencionar que o § 1º do art. 3º da Lei nº 10.666/03 dirige-se ao trabalhador urbano (e
não ao trabalhador rural), conforme posicionamento firmado pela Terceira Seção do C. Superior
Tribunal de Justiça, no julgamento do Incidente de Uniformização (Petição nº 7.476/PR), em
sessão de 13/12/10. O E. Ministro Relator para acórdão Jorge Mussi deixou bem explicitada a
regra que se deve adotar ao afirmar: "se ao alcançar a faixa etária exigida no art. 48, § 1º, da Lei
n. 8.213/91, o segurado especial deixar de exercer atividade como rurícola sem ter atendido a
citada regra de carência, não fará jus à aposentação rural pelo descumprimento de um dos dois
únicos critérios legalmente previstos para a aquisição do direito. (...) O que não se mostra
possível é conjugar de modo favorável ao trabalhador rural a norma do § 1º do art. 3º da Lei n.
10.666/2003, que permitiu a dissociação da comprovação dos requisitos para os benefícios que
especificou: aposentadoria por contribuição, especial e por idade urbana, os quais pressupõem
contribuição" (grifos meus).
Ressalto, ainda, que o C. STJ, no julgamento proferido no Recurso Especial Representativo de
Controvérsia nº 1.354.908 (art. 543-C do CPC/73), firmou posicionamento "no sentido de que o
segurado especial tem que estar laborando no campo, quando completar a idade mínima para se
aposentar por idade rural, momento em que poderá requerer seu benefício. Se ao alcançar a
faixa etária exigida no art. 48, §1º, da Lei 8.213/91, o segurado especial deixar de exercer
atividade rural, sem ter atendido a regra transitória da carência, não fará jus à aposentadoria por
idade rural pelo descumprimento de um dos dois únicos critérios legalmente previstos para a
aquisição do direito."
Passo à análise do caso concreto.
A parte autora, nascida em 24/11/60, implementou o requisito etário (55 anos) em 24/11/15,
precisando comprovar, portanto, o exercício de atividade no campo por 180 meses.
Relativamente à prova da condição de rurícola, encontram-se acostadas à exordial as cópias dos
seguintes documentos:
1) Certidão de casamento da autora, celebrado em 28/12/85, qualificando o seu marido como
lavrador;
2) Declaração escolar dos filhos da autora, informando que os mesmos frequentaram a escola da
zona rural;
3) Notas fiscais de compra de arame farpado, datadas de 2014 e 2016;
4) Contas de energia elétrica, datadas de 1995 a 2014, em nome do seu marido, indicando que o
mesmo residia na zona rural;
5) Certificados de cadastro de imóvel rural dos anos de 2000 a 2002 e 2010 a 2014, em nome do
seu genitor, qualificando o imóvel rural de 46 hectares como “pequena propriedade improdutiva”;
6) Declarações do I.T.R. dos exercícios de 2000, 2001, 2002, 2003, 2004, 2005, 2008, 2010,
2011, 2012, 2013, 2014 e2015, em nome de seu genitor;
7) Atos declaratórios ambientais, datado de 2008, 2010, 2012, 2013 e 2015, em nome de seu
genitor;
8) Guias de recolhimento do I.T.R. dos exercício de 1989 a 1996, em nome do genitor da autora,
qualificando-o como “EMPREG. RURAL II-C” e “EMPREG. RURAL II-B” e a classificação do
imóvel “LATIF. P/ EXPLOR.”;
9) Certidão de nascimento dos filhos da autora, com registros datados de 4/8/86 e 13/10/93,
qualificando o seu marido como lavrador;
10) Contrato de comodato de imóvel rural, celebrado em 8/10/13, qualificando a autora e seu
marido como lavadores e comodatários e seu genitor como comodante e
11) Matrícula de imóvel rural, com registro datado de 2000, referente a um imóvel rural de 11
alqueires em nome do parente da autora.
No presente caso, em que pese o início de prova material apresentado, verifica-se que os
depoimentos testemunhais não corroboraram a documentação juntada pela parte autora. Como
bem asseverou o MM. Juiz a quo: “Em que pese o esforço da combativa Defesa da autora, não
restou demonstrado nos autos que esta tivesse exercido a atividade campesina, de forma
habitual. Com efeito, extrai-se do depoimento das testemunhas ouvidas em Juízo que a autora,
ao contrário do alegado, não se dedica às lides campesinas, mas, ao reverso, sempre se dedicou
a cuidar da casa, aos afazeres domésticos. Vejamos. A testemunha Neuza Maria de Campos
Silva, ouvida em Juízo, disse conhecer a autora desde que ela nasceu, pois residem em bairros
vizinhos. Quando indagada que trabalhos a autora exerceu durante a vida, respondeu que a
mesma sempre trabalhou em casa, cuidando da casa, da horta, enfim, exercendo trabalhos de
casa. Disse que a autora cuidava das galinhas. Perguntado se a autora ia para lavoura,
respondeu que sim, de forma esporádica, haja vista que esse trabalho é mais para os homens.
Afirmou que quando a autora ia para a lavoura, era para ajudar seu pai, irmãos e o marido.
Verberou que a autora e o marido sempre moraram nas terras do pai dela; sendo que cultivavam
milho e feijão. Afirmou que a autora e o marido nunca tiveram o auxílio de empregados e que
também não têm gado ou máquinas agrícolas. Disse que nem a autora, nem o marido dela
trabalharam como empregados para terceiros. Retificou dizendo que o marido da autora trabalha,
às vezes, para terceiros, roçando pasto. Verberou que a produção é destinada ao consumo da
família e não saber qual o tamanho da propriedade rural que a autora ocupa (mídia depositada
em Cartório). A testemunha Nedir Bárbara de Campos, ouvida em Juízo, disse conhecer a autora
há mais de trinta anos, pois residem no mesmo bairro. Afirmou que a autora sempre morou no
Bairro Itambé, nas terras do pai dela e, com o falecimento deste, ela herdou tais terras. Quando
indagada que trabalhos a autora exerceu durante a vida, respondeu que a mesma plantava milho
e feijão. Indagada se a autora ia para a lavoura ou se ficava mais cuidando dos afazeres
domésticos, respondeu a testemunha que achava que ela se dedicava à casa.Perguntado à
testemunha se alguma vez tinha visto a autora na lavoura, respondeu que, na lavoura não, mas já
a viu cuidando da horta. Afirmou que a autora e o marido nunca tiveram o auxílio de empregados
e que também não têm gado ou máquinas agrícolas. Disse que nem a autora, nem o marido dela
trabalharam como empregados para terceiros. Às perguntas da Advogada, respondeu que era a
autora quem cuidava dos pequenos animais [galinhas, porcos] existentes na propriedade rural
(mídia depositada em Cartório). A testemunha Benedito Adiel Galhardo, ouvida em Juízo, disse
conhecer a autora há mais de trinta e cinco anos, pois residem em bairros próximos. Afirmou que
a autora sempre morou no Bairro Tapera [também conhecido por Itambé], nas terras do pai dela.
Quando indagado que trabalhos a autora exerceu durante a vida, respondeu que a mesma
cuidava dos afazeres domésticos, da horta, das galinhas. Disse que acreditava que a autora
também se dedicasse à lavoura. Questionado se acreditava ou sabia desse fato, respondeu que
já tinha visto a autora na lavoura, plantando milho e limpando a roça. Verberou que a plantação
se destinava ao consumo da família. Afirmou que a autora e o marido nunca tiveram o auxílio de
empregados e que também não têm gado ou máquinas agrícolas. Disse que nem a autora, nem o
marido dela trabalharam como empregados para terceiros (mídia depositada em Cartório). Como
se vê, é nítido que as respostas primevas das testemunhas, quando indagadas por este Juízo,
apontam que a autora tinha, por atividade rotineira, do seu cotidiano, o cuidado com a casa, com
os afazeres domésticos. Veja-se que essa também foi a resposta dada pela testemunha Benedito
Monteiro de Campos, cujo depoimento foi prestado no Processo movido pelo marido da autora,
afirmando que "a esposa do autor se dedica as atividades domésticas e o ajuda, cultivando uma
horta" (fl. 194). Fixar residência na zona rural e se dedicar a pequenas atividades, como cultivar
uma horta e cuidar de pequenos animais, como galinhas, por exemplo, não pode, respeitado o
entendimento contrário, ser considerado como "trabalho rural" para fins de aposentadoria. Não
há, com todo o respeito, diferença ontológica entre a "dona de casa" que habita na cidade e a
"dona de casa" que habita na zona rural, de modo que, sem contribuição aos cofres da
Previdência, nenhuma delas faz jus à aposentadoria.” (grifos meus).
Ademais, os documentos em nome do pai da autora indicativos de que o mesmo era proprietário
de um latifúndio por exploração e enquadramento sindical como “empregador rural”
descaracterizam a alegada atividade rural em regime de economia familiar, no qual os membros
da família trabalham em sistema de mútua colaboração, sem a utilização de empregados.
Dessa forma, as provas exibidas não constituem um conjunto harmônico de molde a formar a
convicção no sentido de que a parte autora tenha exercido atividades no campo no período
exigido em lei e em regime de economia familiar.
Com efeito, os indícios de prova material, singularmente considerados, não são, por si sós,
suficientes para formar a convicção do magistrado. Nem tampouco as testemunhas
provavelmente o seriam. Mas apenas a conjugação de ambos os meios probatórios - todos
juridicamente idôneos para formar a convicção do juiz - tornaria inquestionável a comprovação da
atividade laborativa rural.
Ante o exposto, nego provimento à apelação da parte autora.
É o meu voto.
E M E N T A
PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR IDADE. TRABALHADOR RURAL. CONJUNTO
PROBATÓRIO NÃO HARMÔNICO.
I- As provas exibidas não constituem um conjunto harmônico de molde a formar a convicção no
sentido de que a parte autora tenha exercido atividades no campo no período exigido em lei.
Ademais, os documentos em nome do pai da autora indicativos de que o mesmo era proprietário
de um latifúndio por exploração e enquadramento sindical como “empregador rural”
descaracterizam a alegada atividade rural em regime de economia familiar, no qual os membros
da família trabalham em sistema de mútua colaboração, sem a utilização de empregados.
II- Não preenchidos, in casu, os requisitos necessários à concessão do benefício, consoante
dispõe o art. 143 da Lei de Benefícios.
III- Apelação da parte autora improvida. ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Oitava Turma, por
unanimidade, decidiu negar provimento à apelação, nos termos do relatório e voto que ficam
fazendo parte integrante do presente julgado.
Resumo Estruturado
VIDE EMENTA
