Processo
ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL / MS
5000418-37.2019.4.03.9999
Relator(a)
Juiz Federal Convocado GISELLE DE AMARO E FRANCA
Órgão Julgador
10ª Turma
Data do Julgamento
25/05/2021
Data da Publicação/Fonte
Intimação via sistema DATA: 28/05/2021
Ementa
E M E N T A
PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR IDADE. TRABALHADOR RURAL.
DESCARACTERIZAÇÃO. BENEFÍCIO DEVIDO NOS TERMOS DO § 3º, DO ART. 48, DA LEI Nº
8.213/91.
1. A Lei nº 11.718/2008, ao alterar o Art. 48, da Lei nº 8.213/91, possibilitou ao segurado o direito
à aposentadoria por idade, mediante a soma dos lapsos temporais de trabalho rural com o
urbano.
2. Início de prova material corroborada por idônea prova testemunhal.
3. Ocorrendo a descaracterização da condição de trabalhador rural, é de se aplicar a regra do §
2º, do Art. 48, da Lei nº 8.213/91.
4. Tendo o autor completado 65 anos e cumprido a carência com a soma do tempo de serviço
rural reconhecido e das contribuições vertidas ao RGPS, faz jus ao benefício de aposentadoria
por idade.
5.Se algum fato constitutivo, ocorrido no curso do processo autorizar a concessão do benefício, é
de ser levado em conta, competindo ao Juiz ou à Corte atendê-lo no momento em que proferir a
decisão.
6. A correção monetária, que incide sobre as prestações em atraso desde as respectivas
competências, e os juros de mora devem ser aplicados de acordo com o Manual de Orientação
de Procedimentos para os Cálculos na Justiça Federal.
Jurisprudência/TRF3 - Acórdãos
7.Os juros de mora incidirão até a data da expedição do precatório/RPV, conforme decidido em
19.04.2017 pelo Pleno do e. Supremo Tribunal Federal quando do julgamento do RE 579431,
com repercussão geral reconhecida. A partir de então deve ser observada a Súmula Vinculante nº
17.
8.Tendo a autoria decaído de parte do pedido, devem ser observadas as disposições contidas no
inciso II, do § 4º e § 14, do Art. 85, e no Art. 86, do CPC.
9. O INSS não goza de isenção do pagamento de custas e emolumentos, nas ações acidentárias
e de benefícios, propostas na justiça estadual.
10. Apelação provida em parte.
Acórdao
PODER JUDICIÁRIOTribunal Regional Federal da 3ª Região
10ª Turma
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº5000418-37.2019.4.03.9999
RELATOR:Gab. 34 - DES. FED. BAPTISTA PEREIRA
APELANTE: ADEMAR NEVES
Advogado do(a) APELANTE: JEAN HENRY COSTA DE AZAMBUJA - MS12732-A
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
PROCURADOR: PROCURADORIA-REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO
OUTROS PARTICIPANTES:
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº5000418-37.2019.4.03.9999
RELATOR:Gab. 34 - DES. FED. BAPTISTA PEREIRA
APELANTE: ADEMAR NEVES
Advogado do(a) APELANTE: JEAN HENRY COSTA DE AZAMBUJA - MS12732-A
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
PROCURADOR: PROCURADORIA-REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO
OUTROS PARTICIPANTES:
R E L A T Ó R I O
Trata-se de apelação interposta em face da sentença proferida nos autos de ação de
conhecimento que tem por objeto a concessão da aposentadoria por idade, mediante o
reconhecimento da atividade rural como segurado especial rural sem registro, e em regime de
economia familiar.
O MM. Juízoa quojulgou improcedente o pedido, condenando o autor ao pagamento de custas
processuais e honorários advocatícios de 10% do valor da causa, com a ressalva do Art. 98, §
3º, do CPC.
Recorre o autor, pleiteando a reforma da r. sentença.
Sem contrarrazões, subiram os autos.
É o relatório.
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº5000418-37.2019.4.03.9999
RELATOR:Gab. 34 - DES. FED. BAPTISTA PEREIRA
APELANTE: ADEMAR NEVES
Advogado do(a) APELANTE: JEAN HENRY COSTA DE AZAMBUJA - MS12732-A
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
PROCURADOR: PROCURADORIA-REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO
OUTROS PARTICIPANTES:
V O T O
O benefício de aposentadoria por idade está previsto no Art. 48, da Lei nº 8.213/91, que dispõe:
"Art. 48. A aposentadoria por idade será devida ao segurado que, cumprida a carência exigida
nesta Lei, completar 65 (sessenta e cinco) anos de idade, se homem, e 60 (sessenta), se
mulher.
§ 1º Os limites fixados no caput são reduzidos para sessenta e cinqüenta e cinco anos no caso
de trabalhadores rurais, respectivamente homens e mulheres, referidos na alínea a do inciso I,
na alínea g do inciso V e nos incisos VI e VII do art. 11.
§ 2º Para os efeitos do disposto no § 1o deste artigo, o trabalhador rural deve comprovar o
efetivo exercício de atividade rural, ainda que de forma descontínua, no período imediatamente
anterior ao requerimento do benefício, por tempo igual ao número de meses de contribuição
correspondente à carência do benefício pretendido, computado o período a que se referem os
incisos III a VIII do § 9º do art. 11 desta Lei.
§ 3º Os trabalhadores rurais de que trata o § 1º deste artigo que não atendam ao disposto no §
2o deste artigo, mas que satisfaçam essa condição, se forem considerados períodos de
contribuição sob outras categorias do segurado, farão jus ao benefício ao completarem 65
(sessenta e cinco) anos de idade, se homem, e 60 (sessenta) anos, se mulher."
A regra de transição contida no Art. 143 que tem a seguinte redação:
"Art. 143. O trabalhador rural ora enquadrado como segurado obrigatório no Regime Geral de
Previdência Social, na forma da alínea "a" do inciso I, ou do inciso IV ou VII do art. 11 desta Lei,
pode requerer aposentadoria por idade, no valor de um salário mínimo, durante quinze anos,
contados a partir da data de vigência desta Lei, desde que comprove o exercício de atividade
rural, ainda que descontínua, no período imediatamente anterior ao requerimento do benefício,
em número de meses idêntico à carência do referido benefício."
O período de 15 anos a que se refere o dispositivo retro citado exauriu-se, assim como as
sucessivas prorrogações, em 31.12.2010, como disposto no Art. 2º, da Lei nº 11.718/08:
"Art. 2o Para o trabalhador rural empregado, o prazo previsto no art. 143 da Lei no 8.213, de 24
de julho de 1991, fica prorrogado até o dia 31 de dezembro de 2010."
Assim, a partir de 01.01.2011 há necessidade de recolhimento de contribuições, na forma
estabelecida no Art. 3º, da Lei nº 11.718/08.
Acresça-se que a Lei nº 11.718, de 20.06.08, acrescentou o Art. 14-A à Lei nº 5.889/73,
permitindo a contratação de trabalhador rural por pequeno prazo, sem registro em CTPS,
mediante a sua inclusão, pelo empregador, na GFIP.
Entretanto, importante frisar que as contribuições previdenciárias dos trabalhadores rurais
diaristas, denominados de volantes ou bóia fria, são de responsabilidade do empregador,
cabendo à Secretaria da Receita Previdenciária a sua arrecadação e fiscalização. Nesse
sentido a orientação desta Corte Regional: AC 200203990244216, Desembargadora Federal
Leide Polo, 7ª Turma, DJF3 CJ1 01/07/2009, p. 171, AC 200803990164855, Desembargadora
Federal Vera Jucovsky, 8ª Turma, DJF3 07/10/2008, AC 200161120041333, Desembargadora
Federal Marisa Santos, 9ª Turma, DJU 20/04/2005, p. 615, AC 200803990604685,
Desembargador Federal Sergio Nascimento, 10ª Turma, DJF3 CJ1 17/03/2010, p. 2114 e AC
200003990391915, Juiz Federal convocado Alexandre Sormani, Turma Suplementar da 3ª
Seção, DJF3 15/10/2008.
O e. Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do recurso representativo da controvérsia,
pacificou a questão no sentido da possibilidade do reconhecimento de trabalho rural anterior ao
documento mais antigo juntado como início de prova material (STJ, REsp 1348633/SP, Rel.
Ministro ARNALDO ESTEVES LIMA, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 28/08/2013, DJe
05/12/2014)".
De sua vez, o Art. 11, § 1º, da Lei nº 8.213/91 dispõe que "Entende-se como regime de
economia familiar a atividade em que o trabalho dos membros da família é indispensável à
própria subsistência e ao desenvolvimento socioeconômico do núcleo familiar e é exercido em
condições de mútua dependência e colaboração, sem a utilização de empregados
permanentes." e o Art. 106, do mesmo diploma legal, elenca os documentos aceitos como
prova da atividade rural:
"Art. 106. A comprovação do exercício de atividade rural será feita, alternativamente, por meio
de:
I - contrato individual de trabalho ou Carteira de Trabalho e Previdência Social;
II - contrato de arrendamento, parceria ou comodato rural;
III – (revogado);
IV - Declaração de Aptidão ao Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar, de
que trata o inciso II do caput do art. 2º da Lei nº 12.188, de 11 de janeiro de 2010, ou por
documento que a substitua;
V - bloco de notas do produtor rural;
VI - notas fiscais de entrada de mercadorias, de que trata o § 7o do art. 30 da Lei no 8.212, de
24 de julho de 1991, emitidas pela empresa adquirente da produção, com indicação do nome do
segurado como vendedor;
VII - documentos fiscais relativos a entrega de produção rural à cooperativa agrícola, entreposto
de pescado ou outros, com indicação do segurado como vendedor ou consignante;
VIII - comprovantes de recolhimento de contribuição à Previdência Social decorrentes da
comercialização da produção;
IX - cópia da declaração de imposto de renda, com indicação de renda proveniente da
comercialização de produção rural; ou
X - licença de ocupação ou permissão outorgada pelo Incra."
A orientação do c. Superior Tribunal de Justiça direciona no sentido de que, para ter direito à
aposentadoria rural no regime de economia familiar, o segurado deve exercer um único
trabalho, de cultivo da terra em que mora na zona rural, juntamente com o seu cônjuge e/ou
com os seus filhos, produzindo para o sustento da família(AR.959/SP, Rel. Ministra MARIA
THEREZA DE ASSIS MOURA, TERCEIRA SEÇÃO, julgado em 26/05/2010, DJe 02/08/2010).
Tecidas estas considerações, passo ao exame do caso concreto.
O primeiro requisito encontra-se atendido, pois o autor nascido em 29.01.1953, completou 60
anos no ano de 2013, portanto, anteriormente à data do ajuizamento da ação.
Impõe-se verificar, se demonstrado, ou não, o trabalho rural de modo a preencher a carência
exigida de 180 meses.
Com respeito ao alegado exercício da atividade rural, o autor juntou aos autos cópia da ficha de
inscrição ao Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Miranda, com data de admissão em
23.03.1998, na qual consta que exerceu atividade rural no período de 1998 a 2005; de seu
certificado de reservista, emitido em 15.05.1973, na qual consta sua qualificação de lavrador; da
guia de recolhimento de imposto de doação ITCD, datado de 07.08.2006, na qual consta como
donatário de área rural com 3ha e 4.108m2, localizada no município de Miranda/MS; das notas
fiscais DANFE, de aquisição de instrumentos agrícolas e produtos veterinários no período
descontínuo de 21.02.2013 a 14.08.2014; da certidão eleitoral, emitida em 21.02.2013, na qual
consta a sua ocupação declarada de lavrador.
A prova oral corrobora a prova material apresentada.
Todavia, de acordo com os dados do CNIS, trazidas pela autarquia em sua defesa, o autor
migrou para as lides urbanas em 01.02.2010, firmando contratode trabalho com a empresa
Cerâmica Pauliceia Ltda - EPP,não lhe sendo possível beneficiar-se da redução de 05 anos na
aposentadoria por idade, nos termos do que decidido pelo e. Superior Tribunal de Justiça no
julgamento do recurso especial representativo da controvérsia.
Confira-se:
"PROCESSUAL CIVIL E PREVIDENCIÁRIO. RECURSO ESPECIAL REPRESENTATIVO DA
CONTROVÉRSIA. APOSENTADORIA POR IDADE RURAL. COMPROVAÇÃO DA ATIVIDADE
RURAL NO PERÍODO IMEDIATAMENTE ANTERIOR AO REQUERIMENTO. REGRA DE
TRANSIÇÃO PREVISTA NO ARTIGO 143 DA LEI 8.213/1991. REQUISITOS QUE DEVEM
SER PREENCHIDOS DE FORMA CONCOMITANTE. RECURSO ESPECIAL PROVIDO.
1. Tese delimitada em sede de representativo da controvérsia, sob a exegese do artigo 55, § 3º
combinado com o artigo 143 da Lei 8.213/1991, no sentido de que o segurado especial tem que
estar laborando no campo, quando completar a idade mínima para se aposentar por idade rural,
momento em que poderá requerer seu benefício. Se, ao alcançar a faixa etária exigida no artigo
48, § 1º, da Lei 8.213/1991, o segurado especial deixar de exercer atividade rural, sem ter
atendido a regra transitória da carência, não fará jus à aposentadoria por idade rural pelo
descumprimento de um dos dois únicos critérios legalmente previstos para a aquisição do
direito. Ressalvada a hipótese do direito adquirido em que o segurado especial preencheu
ambos os requisitos de forma concomitante, mas não requereu o benefício.
2. Recurso especial do INSS conhecido e provido, invertendo-se o ônus da sucumbência.
Observância do art. 543-C do Código de Processo Civil.
(REsp 1354908/SP, Rel. Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado
em 09/09/2015, DJe 10/02/2016)."
Comprovado que se acha, é de ser averbado no cadastro doautor, independentemente do
recolhimento das contribuições - exceto para fins de carência, e, tão só, para fins de
aposentação por idade pelo Regime Geral da Previdência Social - RGPS, o serviço rural no
período de 15.05.1973a 31.01.2010.
De outra parte, a já mencionada Lei nº 11.718/08, ao alterar o Art. 48, da Lei 8.213/91,
possibilitou ao segurado o direito à aposentadoria por idade, mediante a soma dos lapsos
temporais de trabalho rural com o urbano.
Confira-se:
“PREVIDENCIÁRIO. RECURSO ESPECIAL. RECURSO ESPECIAL SUBMETIDO AO RITO
DOS RECURSOS REPETITIVOS. OBSERVÂNCIA DO ARTIGO 1.036, § 5o. DO CÓDIGO FUX
E DOS ARTS. 256-E, II, E 256-I DO RISTJ. APOSENTADORIA HÍBRIDA. ART. 48, §§ 3o. E 4o.
DA LEI 8.213/1991. PREVALÊNCIA DO PRINCÍPIO DE ISONOMIA A TRABALHADORES
RURAIS E URBANOS. MESCLA DOS PERÍODOS DE TRABALHO URBANO E RURAL.
EXERCÍCIO DE ATIVIDADE RURAL, REMOTO E DESCONTÍNUO, ANTERIOR À LEI
8.213/1991 A DESPEITO DO NÃO RECOLHIMENTO DE CONTRIBUIÇÃO. CÔMPUTO DO
TEMPO DE SERVIÇO PARA FINS DE CARÊNCIA. DESNECESSIDADE DE COMPROVAÇÃO
DO LABOR CAMPESINO POR OCASIÃO DO IMPLEMENTO DO REQUISITO ETÁRIO OU DO
REQUERIMENTO ADMINISTRATIVO. TESE FIXADA EM HARMONIA COM O PARECER
MINISTERIAL. RECURSO ESPECIAL DA SEGURADA PROVIDO.
1. A análise da lide judicial que envolve a proteção do Trabalhador Rural exige do julgador
sensibilidade, e é necessário lançar um olhar especial a esses trabalhadores para compreender
a especial condição a que estão submetidos nas lides campesinas.
2. Como leciona a Professora DANIELA MARQUES DE MORAES, é preciso analisar quem é o
outro e em que este outro é importante para os preceitos de direito e de justiça. Não obstante o
outro possivelmente ser aqueles que foi deixado em segundo plano, identificá-lo pressupõe um
cuidado maior. Não se pode limitar a apontar que seja o outro. É preciso tratar de tema
correlatos ao outro, com alteridade, responsabilidade e, então, além de distinguir o outro, incluí-
lo (mas não apenas de modo formal) ao rol dos sujeitos de direito e dos destinatários da justiça
(A Importância do Olhar do Outro para a Democratização do Acesso à Justiça, Rio de Janeiro:
Lumen Juris, 2015, p. 35).
3. A Lei 11.718/2008, ao incluir a previsão dos §§ 3o. e 4o. no art. 48 da lei 8.213/1991, abrigou,
como já referido, aqueles Trabalhadores Rurais que passaram a exercer temporária ou
permanentemente períodos em atividade urbana, já que antes da inovação legislativa o mesmo
Segurado se encontrava num paradoxo jurídico de desamparo previdenciário: ao atingir idade
avançada, não podia receber a aposentadoria rural porque exerceu trabalho urbano e não tinha
como desfrutar da aposentadoria urbana em razão de o curto período laboral não preencher o
período de carência (REsp. 1.407.613/RS, Rel. Min. HERMAN BENJAMIN, DJe 28.11.2014).
4. A aposentadoria híbrida consagra o princípio constitucional de uniformidade e equivalência
dos benefícios e serviços às populações urbanas e rurais, conferindo proteção àqueles
Trabalhadores que migraram, temporária ou definitivamente, muitas vezes acossados pela
penúria, para o meio urbano, em busca de uma vida mais digna, e não conseguiram
implementar os requisitos para a concessão de qualquer aposentadoria, encontrando-se em
situação de extrema vulnerabilidade social.
5. A inovação legislativa objetivou conferir o máximo aproveitamento e valorização ao labor
rural, ao admitir que o Trabalhador que não preenche os requisitos para concessão de
aposentadoria rural ou aposentadoria urbana por idade possa integrar os períodos de labor rural
com outros períodos contributivos em modalidade diversa de Segurado, para fins de
comprovação da carência de 180 meses para a concessão da aposentadoria híbrida, desde que
cumprido o requisito etário de 65 anos, se homem, e 60 anos, se mulher.
6. Analisando o tema, esta Corte é uníssona ao reconhecer a possibilidade de soma de lapsos
de atividade rural, ainda que anteriores à edição da Lei 8.213/1991, sem necessidade de
recolhimento de contribuições ou comprovação de que houve exercício de atividade rural no
período contemporâneo ao requerimento administrativo ou implemento da idade, para fins de
concessão de aposentadoria híbrida, desde que a soma do tempo de serviço urbano ou rural
alcance a carência exigida para a concessão do benefício de aposentadoria por idade.
7. A teste defendida pela Autarquia Previdenciária, de que o Segurado deve comprovar o
exercício de período de atividade rural nos últimos quinze anos que antecedem o implemento
etário, criaria uma nova regra que não encontra qualquer previsão legal. Se revela, assim, não
só contrária à orientação jurisprudencial desta Corte Superior, como também contraria o
objetivo da legislação previdenciária.
8. Não admitir o cômputo do trabalho rural exercido em período remoto, ainda que o Segurado
não tenha retornado à atividade campesina, tornaria a norma do art. 48, § 3o. da Lei 8.213/1991
praticamente sem efeito, vez que a realidade demonstra que a tendência desses Trabalhadores
é o exercício de atividade rural quando mais jovens, migrando para o atividade urbana com o
avançar da idade. Na verdade, o entendimento contrário, expressa, sobretudo, a velha posição
preconceituosa contra o Trabalhador Rural, máxime se do sexo feminino.
9. É a partir dessa realidade social experimentada pelos Trabalhadores Rurais que o texto legal
deve ser interpretado, não se podendo admitir que a justiça fique retida entre o rochedo que o
legalismo impõe e o vento que o pensamento renovador sopra. A justiça pode ser cega, mas os
juízes não são. O juiz guia a justiça de forma surpreendente, nos meandros do processo, e ela
sai desse labirinto com a venda retirada dos seus olhos.
10. Nestes termos, se propõe a fixação da seguinte tese: o tempo de serviço rural, ainda que
remoto e descontínuo, anterior ao advento da Lei 8.213/1991, pode ser computado para fins da
carência necessária à obtenção da aposentadoria híbrida por idade, ainda que não tenha sido
efetivado o recolhimento das contribuições, nos termos do art. 48, § 3o., da Lei 8.213/1991, seja
qual for a predominância do labor misto exercido no período de carência ou o tipo de trabalho
exercido no momento do implemento do requisito etário ou do requerimento administrativo.
11. Recurso Especial da Segurada provido, determinando-se o retorno dos autos à origem, a
fim de que prossiga no julgamento do feito analisando a possibilidade de concessão de
aposentadoria híbrida.
(REsp 1674221/SP, Rel. Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, PRIMEIRA SEÇÃO,
julgado em 14/08/2019, DJe 04/09/2019)”.
Como dito, o autor possui recolhimentos de trabalho formal urbano no período de 01.02.2010 a
29.05.2013.
Somados o tempo de trabalho rural ora reconhecido, aos períodos constantes do CNIS, cumpre
o autor a carência necessária de 180 meses.
Entretanto, na data do requerimento administrativo (11.08.2014), o autor não havia ainda
implementado o requisito etário (65 anos).
Todavia, é certo que, se algum fato constitutivo, ocorrido no curso do processo autorizar a
concessão do benefício, é de ser levado em conta, competindo ao Juiz ou à Corte atendê-lo no
momento em que proferir a decisão (Art. 493, do CPC) e o autor, nascido em 29.01.1953,
completou 65 anos em 2018, passando a fazer jus ao benefício de aposentadoria por idade.
Confira-se:
“PROCESSUAL CIVIL E PREVIDENCIÁRIO. RECURSO ESPECIAL REPETITIVO.
ENUNCIADO ADMINISTRATIVO 3/STJ. REAFIRMAÇÃO DA DER (DATA DE ENTRADA DO
REQUERIMENTO). CABIMENTO. RECURSO ESPECIAL PROVIDO.
1. O comando do artigo 493 do CPC/2015 autoriza a compreensão de que a autoridade judicial
deve resolver a lide conforme o estado em que ela se encontra. Consiste em um dever do
julgador considerar o fato superveniente que interfira na relação jurídica e que contenha um
liame com a causa de pedir.
2. O fato superveniente a ser considerado pelo julgador deve guardar pertinência com a causa
de pedir e pedido constantes na petição inicial, não servindo de fundamento para alterar os
limites da demanda fixados após a estabilização da relação jurídico-processual.
3. A reafirmação da DER (data de entrada do requerimento administrativo), objeto do presente
recurso, é um fenômeno típico do direito previdenciário e também do direito processual civil
previdenciário. Ocorre quando se reconhece o benefício por fato superveniente ao
requerimento, fixando-se a data de início do benefício para o momento do adimplemento dos
requisitos legais do benefício previdenciário.
4. Tese representativa da controvérsia fixada nos seguintes termos: É possível a reafirmação da
DER (Data de Entrada do Requerimento) para o momento em que implementados os requisitos
para a concessão do benefício, mesmo que isso se dê no interstício entre o ajuizamento da
ação e a entrega da prestação jurisdicional nas instâncias ordinárias, nos termos dos arts. 493 e
933 do CPC/2015, observada a causa de pedir.
5. No tocante aos honorários de advogado sucumbenciais, descabe sua fixação, quando o
INSS reconhecer a procedência do pedido à luz do fato novo.
6. Recurso especial conhecido e provido, para anular o acórdão proferido em embargos de
declaração, determinando ao Tribunal a quo um novo julgamento do recurso, admitindo-se a
reafirmação da DER.
Julgamento submetido ao rito dos recursos especiais repetitivos.
(REsp 1727063/SP, Rel. Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado
em 23/10/2019, DJe 02/12/2019)”.
O termo inicial do benefício deve ser fixado na data em que implementados todos os requisitos,
ou seja, em 29.01.2018, devendo o cálculo darenda mensal inicial do benefício (RMI), à
hipótese dos autos, observar o que dispõem os Art. 28, 29, 33 e 50, da Lei 8.213/91.
Destarte, é de se reformar a r. sentença, devendo o réu conceder ao autor o benefício de
aposentadoria por idade a partir de 29.01.2018, e pagar as prestações vencidas, corrigidas
monetariamente e acrescidas de juros de mora.
A correção monetária, que incide sobre as prestações em atraso desde as respectivas
competências, e os juros de mora devem ser aplicados de acordo com o Manual de Orientação
de Procedimentos para os Cálculos na Justiça Federal.
Os juros de mora incidirão até a data da expedição do precatório/RPV, conforme decidido em
19.04.2017 pelo Pleno do e. Supremo Tribunal Federal quando do julgamento do RE 579431,
com repercussão geral reconhecida. A partir de então deve ser observada a Súmula Vinculante
nº 17.
A autarquia previdenciária não tem isenção no pagamento de custas na justiça estadual. Neste
sentido, o entendimento consagrado na Súmula 178 do STJ, a saber:
"O INSS não goza de isenção do pagamento de custas e emolumentos, nas ações acidentárias
e de benefícios, propostas na justiça estadual."
Com efeito, a regra geral é excetuada apenas nos Estados-membros onde a lei estadual assim
prevê, em razão da supremacia da autonomia legislativa local.
Assim, nas ações em trâmite na Justiça do Estado de Mato Grosso do Sul, como é o caso dos
autos, não há, na atualidade, previsão de isenção de custas para o INSS na norma local. Ao
revés, atualmente vige a Lei Estadual/MS 3.779, de 11.11.2009, que prevê expressamente o
pagamento de custas pelo INSS.
Tendo a autoria decaído de parte do pedido, vez que implementados os requisitos somente no
curso da ação, devem ser observadas as disposições contidas no inciso II, do § 4º e § 14, do
Art. 85, e no Art. 86, do CPC. A parte autora, por ser beneficiária da assistência judiciária
integral e gratuita, está isenta de custas, emolumentos e despesas processuais.
Ante o exposto, dou parcial provimento à apelação.
É o voto.
E M E N T A
PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR IDADE. TRABALHADOR RURAL.
DESCARACTERIZAÇÃO. BENEFÍCIO DEVIDO NOS TERMOS DO § 3º, DO ART. 48, DA LEI
Nº 8.213/91.
1. A Lei nº 11.718/2008, ao alterar o Art. 48, da Lei nº 8.213/91, possibilitou ao segurado o
direito à aposentadoria por idade, mediante a soma dos lapsos temporais de trabalho rural com
o urbano.
2. Início de prova material corroborada por idônea prova testemunhal.
3. Ocorrendo a descaracterização da condição de trabalhador rural, é de se aplicar a regra do §
2º, do Art. 48, da Lei nº 8.213/91.
4. Tendo o autor completado 65 anos e cumprido a carência com a soma do tempo de serviço
rural reconhecido e das contribuições vertidas ao RGPS, faz jus ao benefício de aposentadoria
por idade.
5.Se algum fato constitutivo, ocorrido no curso do processo autorizar a concessão do benefício,
é de ser levado em conta, competindo ao Juiz ou à Corte atendê-lo no momento em que proferir
a decisão.
6. A correção monetária, que incide sobre as prestações em atraso desde as respectivas
competências, e os juros de mora devem ser aplicados de acordo com o Manual de Orientação
de Procedimentos para os Cálculos na Justiça Federal.
7.Os juros de mora incidirão até a data da expedição do precatório/RPV, conforme decidido em
19.04.2017 pelo Pleno do e. Supremo Tribunal Federal quando do julgamento do RE 579431,
com repercussão geral reconhecida. A partir de então deve ser observada a Súmula Vinculante
nº 17.
8.Tendo a autoria decaído de parte do pedido, devem ser observadas as disposições contidas
no inciso II, do § 4º e § 14, do Art. 85, e no Art. 86, do CPC.
9. O INSS não goza de isenção do pagamento de custas e emolumentos, nas ações
acidentárias e de benefícios, propostas na justiça estadual.
10. Apelação provida em parte. ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Décima Turma, por
unanimidade, decidiu dar parcial provimento à apelação, nos termos do relatório e voto que
ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Resumo Estruturado
VIDE EMENTA
