Processo
ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL / SP
5168534-06.2019.4.03.9999
Relator(a)
Desembargador Federal GISELLE DE AMARO E FRANCA
Órgão Julgador
10ª Turma
Data do Julgamento
01/09/2021
Data da Publicação/Fonte
Intimação via sistema DATA: 03/09/2021
Ementa
E M E N T A
PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR IDADE. TRABALHADOR RURAL.
DESCARACTERIZAÇÃO. BENEFÍCIO DEVIDO NOS TERMOS DO § 3º, DO ART. 48, DA LEI Nº
8.213/91.
1. A Lei nº 11.718/2008, ao alterar o Art. 48, da Lei nº 8.213/91, possibilitou ao segurado o direito
à aposentadoria por idade, mediante a soma dos lapsos temporais de trabalho rural com o
urbano.
2. Início de prova material corroborada por idônea prova testemunhal.
3. Ocorrendo a descaracterização da condição de trabalhador rural, é de se aplicar a regra do §
2º, do Art. 48, da Lei nº 8.213/91.
4. Tendo o autor completado 65 anos e cumprido a carência com a soma do tempo de serviço
rural reconhecido e das contribuições vertidas ao RGPS, faz jus ao benefício de aposentadoria
por idade.
5.Se algum fato constitutivo, ocorrido no curso do processo autorizar a concessão do benefício, é
de ser levado em conta, competindo ao Juiz ou à Corte atendê-lo no momento em que proferir a
decisão.
6. Para o cálculo darenda mensal inicial do benefício, à hipótese dos autos, deverá ser observado
o que dispõem os Art.28, 29, 33 e 50, da Lei 8.213/91.
7. A correção monetária, que incide sobre as prestações em atraso desde as respectivas
competências, e os juros de mora devem ser aplicados de acordo com o Manual de Orientação
Jurisprudência/TRF3 - Acórdãos
de Procedimentos para os Cálculos na Justiça Federal.
8. Os juros de mora incidirão até a data da expedição do precatório/RPV, conforme decidido em
19.04.2017 pelo Pleno do e. Supremo Tribunal Federal quando do julgamento do RE 579431,
com repercussão geral reconhecida. A partir de então deve ser observada a Súmula Vinculante nº
17.
9. Tendo a autoria decaído de parte do pedido, vez que implementados os requisitos somente no
curso da ação, devem ser observadas as disposições contidas no inciso II, do § 4º e § 14, do Art.
85, e no Art. 86, do CPC, e a Súmula 111, do e. STJ.
10. Apelação provida em parte.
Acórdao
PODER JUDICIÁRIOTribunal Regional Federal da 3ª Região
10ª Turma
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº5168534-06.2019.4.03.9999
RELATOR:Gab. 34 - DES. FED. BAPTISTA PEREIRA
APELANTE: ELIAS DE ALMEIDA MARTINS
Advogado do(a) APELANTE: ANA MARIA FRIAS PENHARBEL - SP272816-N
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
OUTROS PARTICIPANTES:
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº5168534-06.2019.4.03.9999
RELATOR:Gab. 34 - DES. FED. BAPTISTA PEREIRA
APELANTE: ELIAS DE ALMEIDA MARTINS
Advogado do(a) APELANTE: ANA MARIA FRIAS PENHARBEL - SP272816-N
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
OUTROS PARTICIPANTES:
R E L A T Ó R I O
Trata-se de apelação interposta em face da r. sentença proferida nos autos de ação de
conhecimento que tem por objeto a concessão da aposentadoria por idade a trabalhador rural.
O MM. Juízoa quojulgou improcedente o pedido, condenando o autor ao pagamento de custas,
despesas processuais e honorários advocatícios fixados em R$500,00, e ante a gratuidade
judiciária concedida, sobrestou aexigibilidade ao pagamento.
Inconformado apela o autor, requerendo a reforma da r. sentença.
Sem contrarrazões, subiram os autos.
É o relatório.
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº5168534-06.2019.4.03.9999
RELATOR:Gab. 34 - DES. FED. BAPTISTA PEREIRA
APELANTE: ELIAS DE ALMEIDA MARTINS
Advogado do(a) APELANTE: ANA MARIA FRIAS PENHARBEL - SP272816-N
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
OUTROS PARTICIPANTES:
V O T O
O benefício de aposentadoria por idade está previsto no Art. 48, da Lei nº 8.213/91, que dispõe:
"Art. 48. A aposentadoria por idade será devida ao segurado que, cumprida a carência exigida
nesta Lei, completar 65 (sessenta e cinco) anos de idade, se homem, e 60 (sessenta), se
mulher.
§ 1o Os limites fixados no caput são reduzidos para sessenta e cinqüenta e cinco anos no caso
de trabalhadores rurais, respectivamente homens e mulheres, referidos na alínea a do inciso I,
na alínea g do inciso V e nos incisos VI e VII do art. 11.
§ 2o Para os efeitos do disposto no § 1o deste artigo, o trabalhador rural deve comprovar o
efetivo exercício de atividade rural, ainda que de forma descontínua, no período imediatamente
anterior ao requerimento do benefício, por tempo igual ao número de meses de contribuição
correspondente à carência do benefício pretendido, computado o período a que se referem os
incisos III a VIII do § 9o do art. 11 desta Lei.
§ 3o Os trabalhadores rurais de que trata o § 1o deste artigo que não atendam ao disposto no §
2o deste artigo, mas que satisfaçam essa condição, se forem considerados períodos de
contribuição sob outras categorias do segurado, farão jus ao benefício ao completar em 65
(sessenta e cinco) anos de idade, se homem, e 60 (sessenta) anos, se mulher."
A regra de transição contida no Art. 143 que tem a seguinte redação:
"Art. 143. O trabalhador rural ora enquadrado como segurado obrigatório no Regime Geral de
Previdência Social, na forma da alínea "a" do inciso I, ou do inciso IV ou VII do art. 11 desta Lei,
pode requerer aposentadoria por idade, no valor de um salário mínimo, durante quinze anos,
contados a partir da data de vigência desta Lei, desde que comprove o exercício de atividade
rural, ainda que descontínua, no período imediatamente anterior ao requerimento do benefício,
em número de meses idêntico à carência do referido benefício."
O período de 15 anos a que se refere o dispositivo retro citado exauriu-se, assim como as
sucessivas prorrogações, em 31.12.2010, como disposto no Art. 2º, da Lei nº 11.718/08:
"Art. 2o Para o trabalhador rural empregado, o prazo previsto no art. 143 da Lei no 8.213, de 24
de julho de 1991, fica prorrogado até o dia 31 de dezembro de 2010."
Assim, a partir de 01.01.2011 há necessidade de recolhimento de contribuições, na forma
estabelecida no Art. 3º, da Lei nº 11.718/08.
Acresça-se que a Lei nº 11.718, de 20.06.08, acrescentou o Art. 14-A à Lei nº 5.889/73,
permitindo a contratação de trabalhador rural por pequeno prazo, sem registro em CTPS,
mediante a sua inclusão, pelo empregador, na GFIP.
Entretanto, importante frisar que as contribuições previdenciárias dos trabalhadores rurais
diaristas, denominados de volantes ou bóia fria, são de responsabilidade do empregador,
cabendo à Secretaria da Receita Previdenciária a sua arrecadação e fiscalização. Nesse
sentido a orientação desta Corte Regional: AC 200203990244216, Desembargadora Federal
Leide Polo, 7ª Turma, DJF3 CJ1 01/07/2009, p. 171, AC 200803990164855, Desembargadora
Federal Vera Jucovsky, 8ª Turma, DJF3 07/10/2008, AC 200161120041333, Desembargadora
Federal Marisa Santos, 9ª Turma, DJU 20/04/2005, p. 615, AC 200803990604685,
Desembargador Federal Sergio Nascimento, 10ª Turma, DJF3 CJ1 17/03/2010, p. 2114 e AC
200003990391915, Juiz Federal convocado Alexandre Sormani, Turma Suplementar da 3ª
Seção, DJF3 15/10/2008.
Dessarte, os requisitos para a concessão da aposentadoria por idade ao trabalhador rural
compreendem a idade e a comprovação de efetivo exercício de atividade no campo.
O e. Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do recurso representativo da controvérsia,
pacificou a questão no sentido da possibilidade do reconhecimento de trabalho rural anterior ao
documento mais antigo juntado como início de prova (STJ, REsp 1348633/SP, Rel. Ministro
Arnaldo Esteves Lima, 1ª Seção, julgado em 28/08/2013, DJe 05/12/2014).
Ainda, como já decidido pela c. Corte Superior de Justiça, desnecessária a produção de prova
material do período total reclamado, ou, no período imediatamente anterior ao requerimento do
benefício (AgInt no AREsp 938.333/MS, Rel. Ministro Gurgel de Faria, 1ª Turma, julgado em
28/11/2017, DJe 07/02/2018 e AgRg no AREsp 730.275/PR, Rel. Ministro Humberto Martins, 2ª
Turma, julgado em 25/08/2015, DJe 02/09/2015).
De sua vez, a Lei nº 11.718/2008, ao alterar o Art. 48, da Lei 8.213/91, possibilitou ao segurado
o direito à aposentadoria por idade, mediante a soma dos lapsos temporais de trabalho rural
com o urbano.
Tecidas estas considerações, passo ao exame do caso concreto.
O primeiro requisito encontra-se atendido, pois o autor nascido em 26.05.1956, completou 60
anos em 2016, anteriormente à data do ajuizamento da ação.
Para comprovar o alegado exercício da atividade rural, o autor juntou aos autos cópia da
certidão de seu casamento com Odete Faria Batista Rodrigues, registrado em 03.06.2006, na
qual está qualificado como serviços gerais; de sua CTPS, na qual constam registros de
contratos de trabalho rural, exercidos no período descontínuo de 01.07.2007 a 15.02.2017; de
declarações de empregadores datadas de 22.09.2017 e07.02.2018, nas quais constam que o
autor trabalhou como diarista rural nos períodos de 27.06.1990 a 05.11.2002 e de 15.12.2002 a
10.11.2006; da declaração de exercício de atividade rural, emitida em 23.02.2018, pelo
Sindicato dos Trabalhadores e Empregados Rurais de Ibiúna, na qual consta que exerceu
atividade rural no período de 2002 a 2006.
As declarações de particulares juntada aos autos, nas quais constam que exerceu atividade
rural nos períodos de 27.06.1990 a 05.11.2002 e de 15.12.2002 a 10.11.2006, não podem ser
admitidas como início de prova material, servindo de prova testemunhal, conforme já decidiu o
e. Superior Tribunal de Justiça:
“PREVIDENCIÁRIO. AÇÃO RESCISÓRIA. ART. 485, IX, DO CPC. HIPÓTESE NÃO-
CONFIGURADA. TRABALHADOR RURAL. APOSENTADORIA POR IDADE. NÃO-
COMPROVAÇÃO DE SEUS REQUISITOS. AUSÊNCIA DE INÍCIO DE PROVA MATERIAL.
PROVA EXCLUSIVAMENTE TESTEMUNHAL. INCIDÊNCIA DO VERBETE SUMULAR
149/STJ. PEDIDO JULGADO IMPROCEDENTE.
1. Não colhe prosperar a tese autoral, objetivando seja atribuído caráter documental às
declarações oferecidas por testemunhas, apresentadas de forma escrita. Cuidam-se de
depoimentos testemunhais que, simplesmente, não foram colhidos em Juízo. (g.n.)
2. A matéria dos autos não comporta maiores discussões, ante o entendimento predominante
no sentido de que, na ausência de início de prova material a corroborar depoimentos
testemunhais, não há como reconhecer o direito da parte autora à concessão da aposentadoria
por idade, incidindo, à espécie, o óbice do verbete sumular 149/STJ.
3. Ação julgada improcedente.
(AR 2.043/SP, Rel. Ministro ARNALDO ESTEVES LIMA, TERCEIRA SEÇÃO, julgado em
14/12/2009, DJe 01/02/2010) e
AÇÃO RESCISÓRIA. PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR IDADE. RURÍCOLA. ERRO
DE FATO. DECLARAÇÕES DE PARTICULARES. CERTIDÕES EMITIDAS PELO INCRA.
DOCUMENTO NOVO. CERTIDÃO DE CASAMENTO. SOLUÇÃO PRO MISERO. INÍCIO DE
PROVA MATERIAL CORROBORADO POR PROVA TESTEMUNHAL. PEDIDO
PROCEDENTE.
1. ... “omissis”.
2. As declarações assinadas por particulares, na condição de empregador do trabalho rural,
equiparam-se a depoimentos reduzidos a termo, não servindo, portanto, de prova documental.
(g.n.)
3. “omissis”.
4. “omissis”.
5. “omissis”.
Ação rescisória julgada procedente.
(AR 2.544/MS, Rel. Ministra MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, TERCEIRA SEÇÃO,
julgado em 28/10/2009, DJe 20/11/2009)”.
De sua vez, a prova oral, e as declarações assinadas porparticulares, corroborama prova
material apresentada.
Todavia, de acordo com os dados do CNIS, o autor migrou para as lides urbanas nosperíodos
de 01.10.2008 a 08.01.2009 e de 20.04.2014 a 20.10.2016, firmando contratos de trabalho
como auxiliar de serviços gerais e como empregado doméstico/ caseiro, não lhe sendo possível
beneficiar-se da redução de 05 anos na aposentadoria por idade, nos termos do que decidido
pelo e. Superior Tribunal de Justiça no julgamento do recurso especial representativo da
controvérsia.
Confira-se:
"PROCESSUAL CIVIL E PREVIDENCIÁRIO. RECURSO ESPECIAL REPRESENTATIVO DA
CONTROVÉRSIA. APOSENTADORIA POR IDADE RURAL. COMPROVAÇÃO DA ATIVIDADE
RURAL NO PERÍODO IMEDIATAMENTE ANTERIOR AO REQUERIMENTO. REGRA DE
TRANSIÇÃO PREVISTA NO ARTIGO 143 DA LEI 8.213/1991. REQUISITOS QUE DEVEM
SER PREENCHIDOS DE FORMA CONCOMITANTE. RECURSO ESPECIAL PROVIDO.
1. Tese delimitada em sede de representativo da controvérsia, sob a exegese do artigo 55, § 3º
combinado com o artigo 143 da Lei 8.213/1991, no sentido de que o segurado especial tem que
estar laborando no campo, quando completar a idade mínima para se aposentar por idade rural,
momento em que poderá requerer seu benefício. Se, ao alcançar a faixa etária exigida no artigo
48, § 1º, da Lei 8.213/1991, o segurado especial deixar de exercer atividade rural, sem ter
atendido a regra transitória da carência, não fará jus à aposentadoria por idade rural pelo
descumprimento de um dos dois únicos critérios legalmente previstos para a aquisição do
direito. Ressalvada a hipótese do direito adquirido em que o segurado especial preencheu
ambos os requisitos de forma concomitante, mas não requereu o benefício.
2. Recurso especial do INSS conhecido e provido, invertendo-se o ônus da sucumbência.
Observância do art. 543-C do Código de Processo Civil.
(REsp 1354908/SP, Rel. Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado
em 09/09/2015, DJe 10/02/2016)."
Comprovado que se acha, é de ser averbado no cadastro doautor, independentemente do
recolhimento das contribuições - exceto para fins de carência, e, tão só, para fins de
aposentação por idade pelo Regime Geral da Previdência Social - RGPS, o serviço rural no
período de 27.06.1990 a 05.11.2002 e de 15.12.2002 a 10.11.2006.
De outra parte, a já mencionada Lei nº 11.718/08, ao alterar o Art. 48, da Lei 8.213/91,
possibilitou ao segurado o direito à aposentadoria por idade, mediante a soma dos lapsos
temporais de trabalho rural com o urbano.
Confira-se:
“PREVIDENCIÁRIO. RECURSO ESPECIAL. RECURSO ESPECIAL SUBMETIDO AO RITO
DOS RECURSOS REPETITIVOS. OBSERVÂNCIA DO ARTIGO 1.036, § 5o. DO CÓDIGO FUX
E DOS ARTS. 256-E, II, E 256-I DO RISTJ. APOSENTADORIA HÍBRIDA. ART. 48, §§ 3o. E 4o.
DA LEI 8.213/1991. PREVALÊNCIA DO PRINCÍPIO DE ISONOMIA A TRABALHADORES
RURAIS E URBANOS. MESCLA DOS PERÍODOS DE TRABALHO URBANO E RURAL.
EXERCÍCIO DE ATIVIDADE RURAL, REMOTO E DESCONTÍNUO, ANTERIOR À LEI
8.213/1991 A DESPEITO DO NÃO RECOLHIMENTO DE CONTRIBUIÇÃO. CÔMPUTO DO
TEMPO DE SERVIÇO PARA FINS DE CARÊNCIA. DESNECESSIDADE DE COMPROVAÇÃO
DO LABOR CAMPESINO POR OCASIÃO DO IMPLEMENTO DO REQUISITO ETÁRIO OU DO
REQUERIMENTO ADMINISTRATIVO. TESE FIXADA EM HARMONIA COM O PARECER
MINISTERIAL. RECURSO ESPECIAL DA SEGURADA PROVIDO.
1. A análise da lide judicial que envolve a proteção do Trabalhador Rural exige do julgador
sensibilidade, e é necessário lançar um olhar especial a esses trabalhadores para compreender
a especial condição a que estão submetidos nas lides campesinas.
2. Como leciona a Professora DANIELA MARQUES DE MORAES, é preciso analisar quem é o
outro e em que este outro é importante para os preceitos de direito e de justiça. Não obstante o
outro possivelmente ser aqueles que foi deixado em segundo plano, identificá-lo pressupõe um
cuidado maior. Não se pode limitar a apontar que seja o outro. É preciso tratar de tema
correlatos ao outro, com alteridade, responsabilidade e, então, além de distinguir o outro, incluí-
lo (mas não apenas de modo formal) ao rol dos sujeitos de direito e dos destinatários da justiça
(A Importância do Olhar do Outro para a Democratização do Acesso à Justiça, Rio de Janeiro:
Lumen Juris, 2015, p. 35).
3. A Lei 11.718/2008, ao incluir a previsão dos §§ 3o. e 4o. no art. 48 da lei 8.213/1991, abrigou,
como já referido, aqueles Trabalhadores Rurais que passaram a exercer temporária ou
permanentemente períodos em atividade urbana, já que antes da inovação legislativa o mesmo
Segurado se encontrava num paradoxo jurídico de desamparo previdenciário: ao atingir idade
avançada, não podia receber a aposentadoria rural porque exerceu trabalho urbano e não tinha
como desfrutar da aposentadoria urbana em razão de o curto período laboral não preencher o
período de carência (REsp. 1.407.613/RS, Rel. Min. HERMAN BENJAMIN, DJe 28.11.2014).
4. A aposentadoria híbrida consagra o princípio constitucional de uniformidade e equivalência
dos benefícios e serviços às populações urbanas e rurais, conferindo proteção àqueles
Trabalhadores que migraram, temporária ou definitivamente, muitas vezes acossados pela
penúria, para o meio urbano, em busca de uma vida mais digna, e não conseguiram
implementar os requisitos para a concessão de qualquer aposentadoria, encontrando-se em
situação de extrema vulnerabilidade social.
5. A inovação legislativa objetivou conferir o máximo aproveitamento e valorização ao labor
rural, ao admitir que o Trabalhador que não preenche os requisitos para concessão de
aposentadoria rural ou aposentadoria urbana por idade possa integrar os períodos de labor rural
com outros períodos contributivos em modalidade diversa de Segurado, para fins de
comprovação da carência de 180 meses para a concessão da aposentadoria híbrida, desde que
cumprido o requisito etário de 65 anos, se homem, e 60 anos, se mulher.
6. Analisando o tema, esta Corte é uníssona ao reconhecer a possibilidade de soma de lapsos
de atividade rural, ainda que anteriores à edição da Lei 8.213/1991, sem necessidade de
recolhimento de contribuições ou comprovação de que houve exercício de atividade rural no
período contemporâneo ao requerimento administrativo ou implemento da idade, para fins de
concessão de aposentadoria híbrida, desde que a soma do tempo de serviço urbano ou rural
alcance a carência exigida para a concessão do benefício de aposentadoria por idade.
7. A teste defendida pela Autarquia Previdenciária, de que o Segurado deve comprovar o
exercício de período de atividade rural nos últimos quinze anos que antecedem o implemento
etário, criaria uma nova regra que não encontra qualquer previsão legal. Se revela, assim, não
só contrária à orientação jurisprudencial desta Corte Superior, como também contraria o
objetivo da legislação previdenciária.
8. Não admitir o cômputo do trabalho rural exercido em período remoto, ainda que o Segurado
não tenha retornado à atividade campesina, tornaria a norma do art. 48, § 3o. da Lei 8.213/1991
praticamente sem efeito, vez que a realidade demonstra que a tendência desses Trabalhadores
é o exercício de atividade rural quando mais jovens, migrando para o atividade urbana com o
avançar da idade. Na verdade, o entendimento contrário, expressa, sobretudo, a velha posição
preconceituosa contra o Trabalhador Rural, máxime se do sexo feminino.
9. É a partir dessa realidade social experimentada pelos Trabalhadores Rurais que o texto legal
deve ser interpretado, não se podendo admitir que a justiça fique retida entre o rochedo que o
legalismo impõe e o vento que o pensamento renovador sopra. A justiça pode ser cega, mas os
juízes não são. O juiz guia a justiça de forma surpreendente, nos meandros do processo, e ela
sai desse labirinto com a venda retirada dos seus olhos.
10. Nestes termos, se propõe a fixação da seguinte tese: o tempo de serviço rural, ainda que
remoto e descontínuo, anterior ao advento da Lei 8.213/1991, pode ser computado para fins da
carência necessária à obtenção da aposentadoria híbrida por idade, ainda que não tenha sido
efetivado o recolhimento das contribuições, nos termos do art. 48, § 3o., da Lei 8.213/1991, seja
qual for a predominância do labor misto exercido no período de carência ou o tipo de trabalho
exercido no momento do implemento do requisito etário ou do requerimento administrativo.
11. Recurso Especial da Segurada provido, determinando-se o retorno dos autos à origem, a
fim de que prossiga no julgamento do feito analisando a possibilidade de concessão de
aposentadoria híbrida.
(REsp 1674221/SP, Rel. Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, PRIMEIRA SEÇÃO,
julgado em 14/08/2019, DJe 04/09/2019)”.
Como dito, o autor possui recolhimentos de trabalho formal urbano, nos períodos de 01.05.1985
a 31.12.1985, de 01.07.2007 a 28.05.2008, de 01.10.2008 a 08.01.2009, e de 20.04.2014 a
20.10.2016.
Somados o tempo de trabalho rural ora reconhecido, aos períodos constantes do CNIS, cumpre
o autor a carência necessária de 180 meses.
Entretanto, na data do requerimento administrativo (05.04.2017), o autor não havia ainda
implementado o requisito etário (65 anos).
Todavia, é certo que, se algum fato constitutivo, ocorrido no curso do processo autorizar a
concessão do benefício, é de ser levado em conta, competindo ao Juiz ou à Corte atendê-lo no
momento em que proferir a decisão (Art. 493, do CPC) e o autor, nascido em 26.05.1956,
completou 65 anos em 2021, passando a fazer jus ao benefício de aposentadoria por idade.
Confira-se:
“PROCESSUAL CIVIL E PREVIDENCIÁRIO. RECURSO ESPECIAL REPETITIVO.
ENUNCIADO ADMINISTRATIVO 3/STJ. REAFIRMAÇÃO DA DER (DATA DE ENTRADA DO
REQUERIMENTO). CABIMENTO. RECURSO ESPECIAL PROVIDO.
1. O comando do artigo 493 do CPC/2015 autoriza a compreensão de que a autoridade judicial
deve resolver a lide conforme o estado em que ela se encontra. Consiste em um dever do
julgador considerar o fato superveniente que interfira na relação jurídica e que contenha um
liame com a causa de pedir.
2. O fato superveniente a ser considerado pelo julgador deve guardar pertinência com a causa
de pedir e pedido constantes na petição inicial, não servindo de fundamento para alterar os
limites da demanda fixados após a estabilização da relação jurídico-processual.
3. A reafirmação da DER (data de entrada do requerimento administrativo), objeto do presente
recurso, é um fenômeno típico do direito previdenciário e também do direito processual civil
previdenciário. Ocorre quando se reconhece o benefício por fato superveniente ao
requerimento, fixando-se a data de início do benefício para o momento do adimplemento dos
requisitos legais do benefício previdenciário.
4. Tese representativa da controvérsia fixada nos seguintes termos: É possível a reafirmação da
DER (Data de Entrada do Requerimento) para o momento em que implementados os requisitos
para a concessão do benefício, mesmo que isso se dê no interstício entre o ajuizamento da
ação e a entrega da prestação jurisdicional nas instâncias ordinárias, nos termos dos arts. 493 e
933 do CPC/2015, observada a causa de pedir.
5. No tocante aos honorários de advogado sucumbenciais, descabe sua fixação, quando o
INSS reconhecer a procedência do pedido à luz do fato novo.
6. Recurso especial conhecido e provido, para anular o acórdão proferido em embargos de
declaração, determinando ao Tribunal a quo um novo julgamento do recurso, admitindo-se a
reafirmação da DER.
Julgamento submetido ao rito dos recursos especiais repetitivos.
(REsp 1727063/SP, Rel. Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado
em 23/10/2019, DJe 02/12/2019)”.
O termo inicial do benefício deve ser fixado na data em que implementados todos os requisitos,
ou seja, em 26.05.2021, devendo o cálculo darenda mensal inicial do benefício (RMI), à
hipótese dos autos, observar o que dispõem os Art. 28, 29, 33 e 50, da Lei 8.213/91.
Destarte, é de se reformar a r. sentença, devendo o réu conceder ao autor o benefício de
aposentadoria por idade a partir de 26.05.2021, e pagar as prestações vencidas, corrigidas
monetariamente e acrescidas de juros de mora.
A correção monetária, que incide sobre as prestações em atraso desde as respectivas
competências, e os juros de mora devem ser aplicados de acordo com o Manual de Orientação
de Procedimentos para os Cálculos na Justiça Federal.
Os juros de mora incidirão até a data da expedição do precatório/RPV, conforme decidido em
19.04.2017 pelo Pleno do e. Supremo Tribunal Federal quando do julgamento do RE 579431,
com repercussão geral reconhecida. A partir de então deve ser observada a Súmula Vinculante
nº 17.
Tendo a autoria decaído de parte do pedido, vez que implementados os requisitos somente no
curso da ação, devem ser observadas as disposições contidas no inciso II, do § 4º e § 14, do
Art. 85, e no Art. 86, do CPC, e a Súmula 111, do e. STJ. A parte autora, por ser beneficiária da
assistência judiciária integral e gratuita, está isenta de custas, emolumentos e despesas
processuais.A autarquia previdenciária está isenta das custas e emolumentos, nos termos do
Art. 4º, I, da Lei 9.289/96, do Art. 24-A da Lei 9.028/95, com a redação dada pelo Art. 3º da MP
2.180-35/01, e do Art. 8º, § 1º, da Lei 8.620/93.
Ante o exposto, dou parcial provimento à apelação.
É o voto.
E M E N T A
PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR IDADE. TRABALHADOR RURAL.
DESCARACTERIZAÇÃO. BENEFÍCIO DEVIDO NOS TERMOS DO § 3º, DO ART. 48, DA LEI
Nº 8.213/91.
1. A Lei nº 11.718/2008, ao alterar o Art. 48, da Lei nº 8.213/91, possibilitou ao segurado o
direito à aposentadoria por idade, mediante a soma dos lapsos temporais de trabalho rural com
o urbano.
2. Início de prova material corroborada por idônea prova testemunhal.
3. Ocorrendo a descaracterização da condição de trabalhador rural, é de se aplicar a regra do §
2º, do Art. 48, da Lei nº 8.213/91.
4. Tendo o autor completado 65 anos e cumprido a carência com a soma do tempo de serviço
rural reconhecido e das contribuições vertidas ao RGPS, faz jus ao benefício de aposentadoria
por idade.
5.Se algum fato constitutivo, ocorrido no curso do processo autorizar a concessão do benefício,
é de ser levado em conta, competindo ao Juiz ou à Corte atendê-lo no momento em que proferir
a decisão.
6. Para o cálculo darenda mensal inicial do benefício, à hipótese dos autos, deverá ser
observado o que dispõem os Art.28, 29, 33 e 50, da Lei 8.213/91.
7. A correção monetária, que incide sobre as prestações em atraso desde as respectivas
competências, e os juros de mora devem ser aplicados de acordo com o Manual de Orientação
de Procedimentos para os Cálculos na Justiça Federal.
8. Os juros de mora incidirão até a data da expedição do precatório/RPV, conforme decidido em
19.04.2017 pelo Pleno do e. Supremo Tribunal Federal quando do julgamento do RE 579431,
com repercussão geral reconhecida. A partir de então deve ser observada a Súmula Vinculante
nº 17.
9. Tendo a autoria decaído de parte do pedido, vez que implementados os requisitos somente
no curso da ação, devem ser observadas as disposições contidas no inciso II, do § 4º e § 14, do
Art. 85, e no Art. 86, do CPC, e a Súmula 111, do e. STJ.
10. Apelação provida em parte.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Décima Turma, por
unanimidade, decidiu dar parcial provimento à apelação, nos termos do relatório e voto que
ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Resumo Estruturado
VIDE EMENTA
