
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5006306-50.2020.4.03.9999
RELATOR: Gab. 22 - DES. FED. INÊS VIRGÍNIA
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: DIRCE ALVES DA SILVA MARTINS
Advogado do(a) APELADO: ANA PAULA SILVA DE SOUZA - MS11007-A
OUTROS PARTICIPANTES:
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5006306-50.2020.4.03.9999
RELATOR: Gab. 22 - DES. FED. INÊS VIRGÍNIA
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: DIRCE ALVES DA SILVA MARTINS
Advogado do(a) APELADO: ANA PAULA SILVA DE SOUZA - MS11007-A
R E L A T Ó R I O
A EXMA. SRA. DESEMBARGADORA FEDERAL INÊS VIRGÍNIA (RELATORA): Trata-se de apelação interposta pelo Instituto Nacional do Seguro Social - INSS em face da sentença que julgou procedente o pedido de concessão do benefício de aposentadoria por idade de trabalhador rural, condenando-o a pagar o benefício,
verbis
:“Ante o exposto, JULGO PROCEDENTE O PEDIDO, condenando o INSS Instituto Nacional do Seguro Social, a implementar o benefício da Aposentadoria por Idade em nome da autora, no equivalente a 01(um) salário mínimo mensal, e o faço com fundamento nos artigos 48, 142 e 143 da Lei 8.213/91 e legislação posterior. Ressalto, por oportuno, que os valores são devidos desde a data da DER (11/03/2019 - f. 49), devendo ocorrer o pagamento das parcelas vencidas em quota única, corrigidos monetariamente, observados os critérios do art. 41-A da Lei 8.213/91 e legislação posterior, incidindo juros moratórios fixados no percentual de 6% ao ano, devidos a partir da citação válida (art. 405 do C.C. e STJ Sum. 204). Declaro tais valores como de natureza alimentícia, permitindo, para efeitos de liquidação, a utilização do art. 100 da C.F. e, no que couber, do art. 130 da Lei 8.213/91. Face à sucumbência, condeno o réu ao pagamento dos honorários advocatícios, no equivalente a R$ 1.500,00, considerando o bom trabalho realizado, o zelo profissional e o tempo decorrido para a prestação jurisdicional, com fulcro no §8º do art. 85 do NCPC, uma vez que "muito baixo o valor da causa" (Um salário mínimo) e "inestimável o proveito econômico obtido", na medida em que impossível saber-se por quanto tempo usufruirá do benefício previdenciário ora concedido. Isento-o, todavia, do pagamento das custas processuais, por força do artigo 8º, § 1º da Lei 8.620/93. Quanto aos benefícios vincendos, aplica-se na espécie o Art. 497, do Novo Código de Processo Civil, já que com o julgamento em primeiro grau temse até então a certeza do direito, e, por seu turno, a urgência se constata por se tratar de verba alimentar, indispensável à própria sobrevivência do(a) segurado(a). Presentes, portanto, os requisitos que autorizam a concessão da tutela antecipada de urgência postulada na exordial. Oficie-se, pois, ao INSS para implantação do benefício, no prazo de 30 (trinta) dias. Deixo de determinar a remessa ao Tribunal ad quem, uma vez que este decisum está dispensado do reexame necessário, nos termos do artigo 496, do Novo Código de Processo Civil. Publique-se. Registre-se. Intimem-se, e, certificado o trânsito em julgado, arquive-se, observadas as formalidades legais."
Antecipou, ainda, os efeitos da tutela para imediata implantação do benefício.
O recorrente pede a reforma da sentença, em síntese, sob os seguintes fundamentos: não comprovação dos requisitos necessários à concessão do benefício pleiteado; ausência de início de prova material do labor rural.
Regularmente processado o feito, os autos subiram a este Eg. Tribunal.
É O RELATÓRIO.
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5006306-50.2020.4.03.9999
RELATOR: Gab. 22 - DES. FED. INÊS VIRGÍNIA
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: DIRCE ALVES DA SILVA MARTINS
Advogado do(a) APELADO: ANA PAULA SILVA DE SOUZA - MS11007-A
V O T O
A EXMA. SRA. DESEMBARGADORA FEDERAL INÊS VIRGÍNIA (RELATORA): Recebo a apelação interposta sob a égide do Código de Processo Civil/2015 e, em razão de sua regularidade formal, possível sua apreciação, nos termos do artigo 1.011 do Código de Processo Civil.
Para a concessão da aposentadoria por idade rural, prevista no artigo 48, §§1º e 2º da Lei nº 8.213/91, deve o requerente comprovar o preenchimento dos seguintes requisitos: (i) idade mínima e (ii) efetivo exercício da atividade rural, ainda que de forma descontínua, no período imediatamente anterior ao requerimento do benefício, por tempo igual ao da carência exigida para a sua concessão.
No que tange à carência, considerando o ano em que o rurícola implementou todas as condições necessárias à obtenção do benefício, o artigo 142 da Lei nº 8.213/91 estabelece regra de transição a ser observada pelos segurados inscritos na Previdência Social até 24/07/91.
Por sua vez, a regra de transição prevista na Lei nº 8.213/91, em seu artigo 143, estabelece que "O trabalhador rural ora enquadrado como segurado obrigatório no Regime Geral de Previdência Social, na forma da alínea "a" do inciso I, ou do inciso IV ou VII do art. 11 desta Lei, pode requerer aposentadoria por idade, no valor de um salário mínimo, durante 15 (quinze) anos, contados a partir da data de vigência desta Lei, desde que comprove o exercício de atividade rural, ainda que descontínua, no período imediatamente anterior ao requerimento do benefício, em número de meses idêntico à carência do referido benefício."
Em outras palavras, facultou-se aos trabalhadores rurais, atualmente enquadrados como segurados obrigatórios, que requeressem até o ano de 2006 (15 anos da data de vigência da Lei n.º 8.213/91) aposentadoria por idade, no valor de um salário mínimo, bastando apenas a comprovação do exercício de trabalho rural em número de meses idêntico à carência do benefício, ainda que de forma descontínua, no período imediatamente anterior ao seu requerimento.
Com o advento da Lei nº 11.718/2008, referido prazo foi prorrogado, exaurindo-se em 31/12/2010, a partir de quando se exige o recolhimento de contribuições, na forma estabelecida em seu art. 3º.
Portanto, em se tratando de segurado filiado ao Regime Geral de Previdência Social até 24/07/91, deve ser considerada a tabela progressiva inserta no artigo 142 da Lei de Benefícios, não havendo que se falar em exigência de contribuição ao trabalhador rural, bastando a comprovação do efetivo exercício da atividade rural, ainda que de forma descontínua, em número de meses idêntico à carência do referido benefício e, aos que ingressaram no sistema após essa data, aplica-se a regra prevista no art. 25, inc. II, da Lei de Benefícios que exige a comprovação de 180 contribuições mensais.
Em relação aos segurados especiais, o artigo 39 da Lei n.º 8.213/91 estabelece que para a obtenção da aposentadoria por idade, o segurado especial deverá comprovar o exercício de atividade rural, ainda que de forma descontínua, no período imediatamente anterior ao requerimento do benefício, igual ao número de meses correspondentes à carência, conforme preceitua o artigo 39, inciso I, da lei mencionada. Em outras palavras, não se exige o cumprimento de carência do segurado especial, mas o efetivo exercício de atividade rural, na forma especificada no dispositivo em comento.
Tema dos mais controvertidos na jurisprudência é a imediatidade do trabalho rural, impondo-se sua análise caso a caso.
A propósito, o próprio C. STJ entende não ser imprescindível que a prova material abranja todo o período imediatamente anterior ao requerimento do benefício, desde que a prova testemunhal amplie a sua eficácia, permitindo sua vinculação ao tempo de carência.
Entretanto, sobre a necessidade da demonstração do exercício da atividade campesina em período imediatamente anterior ao implemento do requisito etário, o C. STJ estabeleceu, no julgamento do REsp nº 1.354.908/SP, sob a sistemática dos recursos representativos de controvérsia repetitiva, que:
"PROCESSUAL CIVIL E PREVIDENCIÁRIO. RECURSO ESPECIAL REPRESENTATIVO DA CONTROVÉRSIA. APOSENTADORIA POR IDADE RURAL. COMPROVAÇÃO DA ATIVIDADE RURAL NO PERÍODO IMEDIATAMENTE ANTERIOR AO REQUERIMENTO. REGRA DE TRANSIÇÃO PREVISTA NO ARTIGO 143 DA LEI 8.213/1991.REQUISITOS QUE DEVEM SER PREENCHIDOS DE FORMA CONCOMITANTE. RECURSO ESPECIAL PROVIDO.
1. Tese delimitada em sede de representativo da controvérsia, sob a exegese do artigo 55, § 3º combinado com o artigo 143 da Lei 8.213/1991, no sentido de que o segurado especial tem que estar laborando no campo, quando completar a idade mínima para se aposentar por idade rural, momento em que poderá requerer seu benefício. Se, ao alcançar a faixa etária exigida no artigo 48, § 1º, da Lei 8.213/1991, o segurado especial deixar de exercer atividade rural, sem ter atendido a regra transitória da carência, não fará jus à aposentadoria por idade rural pelo descumprimento de um dos dois únicos critérios legalmente previstos para a aquisição do direito. Ressalvada a hipótese do direito adquirido em que o segurado especial preencheu ambos os requisitos de forma concomitante, mas não requereu o benefício.
2. Recurso especial do INSS conhecido e provido, invertendo-se o ônus da sucumbência. Observância do art. 543-C do Código de Processo Civil." (In DJe de 10/02/2016, Relator Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, REsp 1354908 / SP)
Forçoso concluir que o segurado especial tem que estar laborando no campo, quando completar a idade mínima para se aposentar por idade rural, momento em que poderá requerer seu benefício. Se ao alcançar a faixa etária exigida no art. 48, §1º, da Lei 8.213/91, o segurado especial deixar de exercer atividade rural, sem ter atendido a regra transitória da carência, não fará jus à aposentadoria por idade rural pelo descumprimento de um dos dois únicos critérios legalmente previstos para a aquisição do direito.
Nesse sentido, é o posicionamento desta Eg. Sétima Turma, conforme julgado que colaciono:
"PREVIDENCIÁRIO. APELAÇÃO CÍVEL. APOSENTADORIA POR IDADE. TRABALHADOR RURAL. CNIS. LONGO PERÍODO DE EXERCÍCIO DE ATIVIDADE URBANA. DESCARACTERIZAÇÃO DA CONDIÇÃO DE RURÍCOLA. INVERSÃO DO ÔNUS DA SUCUMBÊNCIA. TUTELA ANTECIPADA REVOGADA. DEVOLUÇÃO DE VALORES. 1. O exercício de atividade urbana por longo período descaracteriza a condição de rurícola. 2. Inversão do ônus da sucumbência. Exigibilidade condicionada à hipótese prevista no artigo 12 da Lei nº 1.060/50. 3. Tutela antecipada revogada. Devolução dos valores. Precedente: REsp nº 1401560/MT. 4. Apelação provida para julgar improcedente o pedido." (AC nº 0036042-09.2017.4.03.9999/MS, julgamento em 12/03/2018, Rel: Des. Fed. Paulo Domingues)
No caso concreto, a parte autora nasceu em 15/09/ 1962, implementando o requisito etário em 2017.
Para comprovar o alegado labor rural, a parte autora trouxe os seguintes documentos: Certidão de nascimento do seu filho – 1985, onde seu marido está qualificado como capataz (fl. 17); certidão de casamento onde ele está qualificado como campeiro – 16/02/1980 (fl. 18); sua CTPS (fls. 19/22) e CTPS do seu marido (fls. 23/25); escritura pública de venda e compra de propriedade rural – ano de 2016 (fls. 67/70) e fotos (fls. 71/76) .
Com razão o INSS.
Emerge da CTPS da autora que ela exerceu atividade urbana como empregada doméstica de 01/05/93 a 08/10/2012 , o que está em consonância com seu depoimento pessoal onde declarou que trabalhava na sede, cozinhava e ajudava em "tudo".
Logo, a parte autora exerceu atividade urbana por longo período, descaracterizando eventual condição de rurícola, sendo de rigor a improcedência do pedido.
Por fim, ao ajuizar a presente ação, a parte autora não havia implementado a idade necessária à concessão de eventual aposentação mista ou híbrida.
Não satisfeitos os requisitos necessários à implantação do benefício, a improcedência da ação é de rigor.
Revogo a tutela antecipada, determinando que a eventual devolução dos valores recebidos a este título seja analisada e decidida em sede de execução, nos termos do artigo 302, I, e parágrafo único, do CPC/2015, e de acordo com o que restar decidido no julgamento do Tema 692, pelo C. Superior Tribunal de Justiça.
Inverto o ônus da sucumbência e condeno a parte autora ao pagamento de honorários de advogado que ora fixo em 10% (dez por cento) do valor da causa atualizado, de acordo com o §6º do artigo 85 do Código de Processo Civil/2015, cuja exigibilidade, diante da assistência judiciária gratuita que lhe foi concedida, fica condicionada à hipótese prevista no § 3º do artigo 98 do Código de Processo Civil/2015.
Ante o exposto, dou provimento à apelação para julgar improcedente o pedido e, em consequência, revogo a tutela antecipada.
É COMO VOTO.
/gabiv/.soliveir..
E M E N T A
PREVIDENCIÁRIO: APOSENTADORIA POR IDADE. TRABALHADOR RURAL. CNIS. LONGO PERÍODO DE EXERCÍCIO DE ATIVIDADE URBANA. DESCARACTERIZAÇÃO DA CONDIÇÃO DE RURÍCOLA. INVERSÃO DO ÔNUS DA SUCUMBÊNCIA.
1. O exercício de atividade urbana por longo período descaracteriza a condição de rurícola.
2. Revogada a tutela antecipada, determinando que eventual devolução dos valores recebidos a este título seja analisada e decidida em sede de execução, nos termos do artigo 302, I, e parágrafo único, do CPC/2015, e de acordo com o que restar decidido no julgamento do Tema 692, pelo C. Superior Tribunal de Justiça.
3. Inversão do ônus da sucumbência. Exigibilidade condicionada à hipótese prevista no § 3º do artigo 98 do Código de Processo Civil/2015 ( artigo 12 da Lei nº 1.060/50).
4. Apelação provida.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Sétima Turma, por unanimidade, decidiu dar provimento à apelação para julgar improcedente o pedido e, em consequência, revogar a tutela antecipada, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
