Processo
ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL / MS
5004573-20.2018.4.03.9999
Relator(a)
Desembargador Federal INES VIRGINIA PRADO SOARES
Órgão Julgador
7ª Turma
Data do Julgamento
21/01/2020
Data da Publicação/Fonte
Intimação via sistema DATA: 31/01/2020
Ementa
E M E N T A
PREVIDENCIÁRIO: APOSENTADORIA POR IDADE. TRABALHADOR RURAL. TRABALHO
CAMPESINO NA CONDIÇÃO DE SEGURADO ESPECIAL DESCARACTERIZADO.
I - Para a obtenção da aposentadoria por idade, deve o requerente comprovar o preenchimento
dos seguintes requisitos: (i) idade mínima e (ii) efetivo exercício da atividade rural, ainda que de
forma descontínua, no período imediatamente anterior ao requerimento do benefício, por tempo
igual ao da carência exigida para a sua concessão, sendo imperioso observar o disposto nos
artigos 142 e 143, ambos da Lei nº 8.213/91.
II - Os documentos constantes dos autos descaracterizam a alegação de trabalho rural na
condição de segurado especial, na medida em que demonstram que o autor comercializava
número expressivo de cabeças de gado e possui patrimônio incompatível com a alegação de
regime de economia familiar .
III - Assim, descaracterizada a alegação de trabalho rural como segurado especial, a
improcedência do pedido de concessão de aposentadoria por idade rural é de rigor.
IV - Apelo desprovido.
Acórdao
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº5004573-20.2018.4.03.9999
Jurisprudência/TRF3 - Acórdãos
RELATOR:Gab. 22 - DES. FED. INÊS VIRGÍNIA
APELANTE: ANIBAL MACENA
Advogado do(a) APELANTE: MARCOS SOLONS GARCIA MACENA - MS1145300S
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL
PROCURADOR: PROCURADORIA-REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO
OUTROS PARTICIPANTES:
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº5004573-20.2018.4.03.9999
RELATOR:Gab. 22 - DES. FED. INÊS VIRGÍNIA
APELANTE: ANIBAL MACENA
Advogado do(a) APELANTE: MARCOS SOLONS GARCIA MACENA - MS1145300S
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL
PROCURADOR: PROCURADORIA-REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO
OUTROS PARTICIPANTES:
R E L A T Ó R I O
A EXMA. SRA. DESEMBARGADORA FEDERAL INÊS VIRGÍNIA: Trata-se de apelação
interposta pela parte autora em ação ajuizada em face do INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO
SOCIAL - INSS, objetivando a concessão do benefício de APOSENTADORIA POR IDADE
RURAL.
A r. sentença julgou improcedente o pedido inicial e condenou a parte autora no pagamento dos
ônus da sucumbência, suspensa a exigibilidade em razão dos benefícios da assistência judiciária
gratuita.
Em suas razões recursais, a parte autora alega que os documentos acostados aos autos são
suficientes para comprovar o labor rural, pugnando pela reforma da sentença e a procedência da
ação.
Regularmente processado o feito, os autos subiram a este Eg. Tribunal.
É o relatório.
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº5004573-20.2018.4.03.9999
RELATOR:Gab. 22 - DES. FED. INÊS VIRGÍNIA
APELANTE: ANIBAL MACENA
Advogado do(a) APELANTE: MARCOS SOLONS GARCIA MACENA - MS1145300S
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL
PROCURADOR: PROCURADORIA-REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO
OUTROS PARTICIPANTES:
V O T O
A EXMA. SRA. DESEMBARGADORA FEDERAL INÊS VIRGÍNIA: Recebo a apelação interposta
sob a égide do Código de Processo Civil/2015 e, em razão de sua regularidade formal, possível
sua apreciação, nos termos do artigo 1.011 do Codex processual.
A autora pleiteou a concessão de aposentadoria por idade rural, prevista no artigo 48, §§1º e 2º
da Lei nº 8.213/91, verbis:
“Art. 48. A aposentadoria por idade será devida ao segurado que, cumprida a carência exigida
nesta Lei, completar 65 (sessenta e cinco) anos de idade, se homem, e 60 (sessenta), se mulher.
§ 1º Os limites fixados no caput são reduzidos para sessenta e cinquenta e cinco anos no caso de
trabalhadores rurais, respectivamente homens e mulheres, referidos na alínea a do inciso I, na
alínea g do inciso V e nos incisos VI e VII do art. 11.
§ 2º Para os efeitos do disposto no § 1º deste artigo, o trabalhador rural deve comprovar o efetivo
exercício de atividade rural, ainda que de forma descontínua, no período imediatamente anterior
ao requerimento do benefício, por tempo igual ao número de meses de contribuição
correspondente à carência do benefício pretendido, computado o período a que se referem os
incisos III a VIII do § 9º do art. 11 desta Lei.”
Em síntese, para a obtenção da aposentadoria por idade, deve o requerente comprovar o
preenchimento dos seguintes requisitos: (i) idade mínima e (ii) efetivo exercício da atividade rural,
ainda que de forma descontínua, no período imediatamente anterior ao requerimento do
benefício, por tempo igual ao da carência exigida para a sua concessão.
No que tange à carência, considerando o ano em que o rurícola implementou todas as condições
necessárias à obtenção do benefício, o artigo 142 da Lei nº 8.213/91 estabelece regra de
transição a ser observada pelos segurados inscritos na Previdência Social até 24/07/91.
Por sua vez, a regra de transição prevista na Lei nº 8.213/91, em seu artigo 143, estabelece que
"O trabalhador rural ora enquadrado como segurado obrigatório no Regime Geral de Previdência
Social, na forma da alínea "a" do inciso I, ou do inciso IV ou VII do art. 11 desta Lei, pode
requerer aposentadoria por idade, no valor de um salário mínimo, durante 15 (quinze) anos,
contados a partir da data de vigência desta Lei, desde que comprove o exercício de atividade
rural, ainda que descontínua, no período imediatamente anterior ao requerimento do benefício,
em número de meses idêntico à carência do referido benefício."
Em outras palavras, facultou-se aos trabalhadores rurais, atualmente enquadrados como
segurados obrigatórios, que requeressem até o ano de 2006 (15 anos da data de vigência da Lei
n.º 8.213/91) aposentadoria por idade, no valor de um salário mínimo, bastando apenas a
comprovação do exercício de trabalho rural em número de meses idêntico à carência do
benefício, ainda que de forma descontínua, no período imediatamente anterior ao seu
requerimento.
Com o advento da Lei nº 11.718/2008, referido prazo foi prorrogado, exaurindo-se em
31/12/2010, a partir de quando se passou a exigir o recolhimento de contribuições, na forma
estabelecida em seu art. 3º.
Portanto, em se tratando de segurado filiado ao Regime Geral de Previdência Social até 24/07/91,
deve ser considerada a tabela progressiva inserta no artigo 142 da Lei de Benefícios, não
havendo que se falar em exigência de contribuição ao trabalhador rural, bastando a comprovação
do efetivo exercício da atividade rural, ainda que de forma descontínua, em número de meses
idêntico à carência do referido benefício.
Aos que ingressaram no sistema após essa data, aplica-se a regra prevista no art. 25, inc. II, da
Lei de Benefícios que exige a comprovação de 180 contribuições mensais.
Nessa esteira é o entendimento da Eg. Sétima Turma deste Tribunal Regional:
“PREVIDENCIÁRIO. PROCESSO CIVIL. RECURSO REPETITIVO. JUÍZO DE RETRATAÇÃO
DO ACÓRDÃO. ARTIGO 543-C, §7º, II, DO CPC/1973. RESP. 1.348.633/SP. APOSENTADORIA
POR IDADE RURAL. NECESSIDADE DE COMPROVAÇÃO DO RECOLHIMENTO DE
CONTRIBUIÇÕES.
1. Ocorrendo a implementação do requisito etário após encerrada a prorrogação prevista no art.
143 da Lei de Benefícios, é necessária, após 31/12/2010, a comprovação do recolhimento de
contribuições para os empregados rurais, trabalhadores avulsos e diaristas, além da
comprovação do cumprimento da carência de 180 meses, a teor do que dispõe o art. 25, inciso II,
da Lei nº 8.213/91, com vistas à concessão do benefício.
2. Juízo de retratação negativo. Acórdão mantido.”(AC nº0011105-32.2017.4.03.9999/SP, em
juízo de retratação, Rel: Des. Fed. Toru Yamamoto, julgamento em 26/02/2018)
COMPROVAÇÃO DO LABOR RURAL
A comprovação do tempo de serviço em atividade rural, seja para fins de concessão de benefício
previdenciário ou para averbação de tempo de serviço, deve ser feita mediante a apresentação
de início de prova material, conforme preceitua o artigo 55, § 3º, da Lei de Benefícios, não sendo
admitida prova exclusivamente testemunhal, entendimento cristalizado na Súmula nº 149, do C.
STJ: "A prova exclusivamente testemunhal não basta à comprovação da atividade rurícola, para
efeito de obtenção do benefício previdenciário".
Dentro desse contexto, considerando as precárias condições em que se desenvolve o trabalho do
lavrador e as dificuldades na obtenção de prova material do seu labor, quando do julgamento do
REsp. 1.321.493/PR, realizado segundo a sistemática de recurso representativo da controvérsia
(CPC, art. 543-C), abrandou-se a exigência da prova admitindo-se início de prova material sobre
parte do lapso temporal pretendido, a ser complementada por idônea e robusta prova
testemunhal.
Conforme entendimento jurisprudencial sedimentado, a prova testemunhal possui aptidão para
ampliar a eficácia probatória da prova material trazida aos autos, sendo desnecessária a sua
contemporaneidade para todo o período de carência que se pretende comprovar (Recurso
Especial Repetitivo 1.348.633/SP, (Rel. Ministro Arnaldo Esteves Lima, Primeira Seção, DJe
5/12/2014) e Súmula 577 do Eg. STJ.
CASO CONCRETO
A idade mínima exigida para obtenção do benefício restou atingida em 1994.
Em relação ao período de carência, a parte autora deveria comprovar o labor rural, mesmo que
de forma descontínua, no período imediatamente anterior ao implemento da idade, ao longo de,
ao menos, 72 meses, conforme determinação contida no art. 142 da Lei nº 8.213/91.
Anote-se que a necessidade da demonstração do exercício da atividade campesina em período
imediatamente anterior ao implemento do requisito etário, restou sedimentada pelo C. STJ, no
julgamento do REsp nº 1.354.908/SP, sob a sistemática dos recursos representativos de
controvérsia repetitiva.
No caso dos autos, como já ressaltado na sentença monocrática, os documentos acostados
demonstram que não se trata de trabalhador rural na condição de segurado especial. Com efeito,
as notas fiscais acostadas aos autos demonstram comercialização de número expressivo de
cabeças de gado e o autor possui patrimônio incompatível com a alegação de trabalho em regime
de economia familiar.
O Juízo a quo apreciou detidamente o conjunto probatório. Confira-se:
"Como início de prova material para aferir o tempo de trabalho rural o autor trouxe aos autos
cartão do produtor rural, emitido pela Secretaria de Estado de Receita e Controle deste Estado,
constando o nome da propriedade como sendo Fazenda Rincão das Lagoas (f. 76); comprovante
de inscrição em cadastro agropecuário da Fazenda Rincão da Lagoas, de propriedade do autor,
com data de início da atividade em 25.8.1987 (f. 77); comprovante de saldo fornecido pelo
IAGRO, com data de 12.4.2013 (f. 78); cartão do programa novilho precoce, emitido em 2014 (f.
79); cópia de matrícula do imóvel rural Fazenda Rincão das Lagoas, tendo como proprietário o
requerente (f. 80); contrato particular de compromisso de compra e venda de imóvel rural
denominado Itapoty, celebrado em 1984 (f. 81-2); escritura pública de venda e compra do imóvel
rural Itapoty, tendo como adquirente o autor, também do ano de 1984 (f. 83-4); contrato particular
de arrendamento de gado bovino celebrado em 1991 (f. 85-6); certificado de cadastro do imóvel
rural Fazenda Rincão das Lagoas, de propriedade do autor, emitido em 14.12.2009 (f. 89), guia
de trânsito de animais fornecida pela IAGRO, referente ao transporte de cem cabeças de gado
para a Fazenda Rincão da Lagoa (f. 97); nota fiscal de produtor rural, discriminando a compra de
100 reses pelo autor (f. 98); notas fiscais de produtor rural, discriminando a movimentação de 206
reses (f. 99) e 4 touros (f. 100); notas fiscais de saída de semente Brachiaria Humidicola (f. 101) e
de bezerros de até 12 meses (f. 102), tendo como emitente o autor; dentre outros, com destaque
às notas fiscais de compra e venda de bovinos a abatedouros (f. 109-10). Os depoimentos das
testemunhas ouvidas em juízo (f. 183) são convergentes no sentido de afirmar que conhecem o
requerente há vários anos e que este sempre residiu e trabalhou em sua propriedade rural,
produzindo gado de corte e de leite, além de milho, mandioca e verduras. Como se verifica, trata-
se o autor de produtor rural. Todavia, não há como qualificá-lo segurado especial na qualidade de
trabalhador rural em regime de economia familiar.
Denota-se dos documentos juntados às f. 70-120 que o requerente exercia atividades objetivando
lucro, ao contrário do regime de economia familiar, como dito acima, que visa a própria
subsistência, ainda que com apresentação de algum excedente. Exemplo disso é a venda de
grande quantidade de sementes de pastagens (f. 101), ou reses para outro produtor rural (f. 102)
e para abate (f. 109-10). Tem-se, ainda, nota fiscal de compra de suplemento, no valor de R$
4.463,00, valor que demonstra o custo para manutenção de sua produção. Como afirmado pelo
próprio requerente, sua atual propriedade, de nome Fazenda Rincão da Lagoa, foi adquirida em
1984, cuja extensão é de 156 hectares (f. 80). Do extrato do SINTEGRA em anexo, verifica-se
que, pelo menos até janeiro de 1995, além da atual propriedade, também era possuidor da
Fazenda Índia Porá, no município de Paranhos-MS. Apesar de não estar suficientemente claro,
aparentemente o autor também é - ou foi - proprietário de uma área denominada Itapoty, com 30
hectares, também adquirida em 1984, como se depreende de f. 81-4.Em consulta ao RENAJUD,
verificou-se, ainda, que o requerente é proprietário de quatro veículos. Por derradeiro, os
documentos de f. 197-204 dão conta que há requerimento de alvará judicial em curso perante a
1ª Vara desta comarca (autos 0800350-74.2016.8.12.0004), já sentenciado, onde foi apurado o
valor de R$ 290.000,00 (duzentos e noventa mil reais) apenas para os semoventes cuja alienação
se pretendia. Saliente-se, também, que naquela ação sequer houve pedido da gratuidade
judiciária, dando-se o recolhimento das custas processuais. É de se observar, por fim, que
também se encontra em curso na mesma 1ª Vara execução de título extrajudicial,tendo como
exequente o autor (autos 0802289-26.2015.8.12.0004), cujo crédito exequendo é de R$
211.288,55, ação em que também foram recolhidas, pelo requerente, as custas no valor de R$
2.263,80, o que vem a corroborar não se tratar de trabalhador rural em regime de economia
familiar. Pelo contrário, trata-se de grande ou, pelo menos, médio produtor rural, a descaracterizar
a qualidade de segurado especial,estando o benefício pretendido condicionado ao recolhimento
de contribuições."
Considerando que os documentos dos autos descaracterizam o alegado trabalho rural na
condição de segurado especial, deve ser mantida a sentença de improcedência.
Ante o exposto, NEGO PROVIMENTO ao apelo.
É O VOTO.
E M E N T A
PREVIDENCIÁRIO: APOSENTADORIA POR IDADE. TRABALHADOR RURAL. TRABALHO
CAMPESINO NA CONDIÇÃO DE SEGURADO ESPECIAL DESCARACTERIZADO.
I - Para a obtenção da aposentadoria por idade, deve o requerente comprovar o preenchimento
dos seguintes requisitos: (i) idade mínima e (ii) efetivo exercício da atividade rural, ainda que de
forma descontínua, no período imediatamente anterior ao requerimento do benefício, por tempo
igual ao da carência exigida para a sua concessão, sendo imperioso observar o disposto nos
artigos 142 e 143, ambos da Lei nº 8.213/91.
II - Os documentos constantes dos autos descaracterizam a alegação de trabalho rural na
condição de segurado especial, na medida em que demonstram que o autor comercializava
número expressivo de cabeças de gado e possui patrimônio incompatível com a alegação de
regime de economia familiar .
III - Assim, descaracterizada a alegação de trabalho rural como segurado especial, a
improcedência do pedido de concessão de aposentadoria por idade rural é de rigor.
IV - Apelo desprovido. ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Sétima Turma, por
unanimidade, decidiu NEGAR PROVIMENTO ao apelo, nos termos do relatório e voto que ficam
fazendo parte integrante do presente julgado.
Resumo Estruturado
VIDE EMENTA