Processo
ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL / SP
5358657-58.2019.4.03.9999
Relator(a)
Juiz Federal Convocado GISELLE DE AMARO E FRANCA
Órgão Julgador
10ª Turma
Data do Julgamento
31/05/2021
Data da Publicação/Fonte
e - DJF3 Judicial 1 DATA: 07/06/2021
Ementa
E M E N T A
PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR IDADE. TRABALHO RURAL SEM REGISTRO.
INÍCIO DE PROVA MATERIAL CORROBORADA POR PROVA TESTEMUNHAL. BENEFÍCIO
DEVIDO NOS TERMOS DO § 3º, DO ART. 48, DA LEI Nº 8.213/91.
1.Consoante orientação jurisprudencial da Terceira Seção desta Corte, em se tratando de ação
de benefício de aposentadoria por idade a trabalhador rural, não se configura a tríplice identidade
entre as ações quando a segunda demanda ajuizada se funda em quadro fático-probatório
diverso da primeira.
2. A Lei nº 11.718/2008, ao alterar o Art. 48, da Lei 8.213/91, possibilitou ao segurado o direito à
aposentadoria por idade, mediante a soma dos lapsos temporais de trabalho rural com o urbano.
3. Tempo de serviço rural comprovado mediante apresentação de início de prova material
corroborada por idônea prova testemunhal.
4. Tendo a autora completado 60 anos e cumprido a carência com a soma do tempo de serviço
rural reconhecido e as contribuições vertidas ao RGPS, faz jus ao benefício de aposentadoria por
idade.
5. A correção monetária, que incide sobre as prestações em atraso desde as respectivas
competências, e os juros de mora devem ser aplicados de acordo com o Manual de Orientação
de Procedimentos para os Cálculos na Justiça Federal.
6. Os juros de mora incidirão até a data da expedição do precatório/RPV, conforme decidido em
Jurisprudência/TRF3 - Acórdãos
19.04.2017 pelo Pleno do e. Supremo Tribunal Federal quando do julgamento do RE 579431,
com repercussão geral reconhecida. A partir de então deve ser observada a Súmula Vinculante nº
17.
7. Os honorários advocatícios devem observar as disposições contidas no inciso II, do § 4º, do
Art. 85, do CPC, e a Súmula 111, do e. STJ.
8. A autarquia previdenciária está isenta das custas e emolumentos, nos termos do Art. 4º, I, da
Lei 9.289/96, do Art. 24-A da Lei 9.028/95, com a redação dada pelo Art. 3º da MP 2.180-35/01, e
do Art. 8º, § 1º, da Lei 8.620/93.
9. Apelação provida em parte.
Acórdao
PODER JUDICIÁRIOTribunal Regional Federal da 3ª Região
10ª Turma
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº5358657-58.2019.4.03.9999
RELATOR:Gab. 34 - DES. FED. BAPTISTA PEREIRA
APELANTE: IRACEMA SOARES FREDIANI
Advogado do(a) APELANTE: LUIZ CARLOS CICCONE - SP88550-N
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
OUTROS PARTICIPANTES:
PODER JUDICIÁRIOTribunal Regional Federal da 3ª Região10ª Turma
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº5358657-58.2019.4.03.9999
RELATOR:Gab. 34 - DES. FED. BAPTISTA PEREIRA
APELANTE: IRACEMA SOARES FREDIANI
Advogado do(a) APELANTE: LUIZ CARLOS CICCONE - SP88550-N
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
OUTROS PARTICIPANTES:
R E L A T Ó R I O
Trata-se de apelação interposta em ação de conhecimento, em que se objetiva a concessão da
aposentadoria por idade, nos termos da Lei nº 11.718/08, mediante o reconhecimento de
exercício de atividade rural sem registro de01/09/1965 a 30/12/1979.
O MM. Juízoa quo, reconhecendo a ocorrência de coisa julgada em relação ao reconhecimento
do período de atividade rural,julgou improcedente o pedido de concessão de aposentadoria por
idade, condenando a autora no pagamento de despesas processuais e honorários advocatícios
de R$945.00, observada a assistência judiciária gratuita
Apela a autora, pleiteando a reforma da r. sentença.
Com contrarrazões, subiram os autos.
É o relatório.
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº5358657-58.2019.4.03.9999
RELATOR:Gab. 34 - DES. FED. BAPTISTA PEREIRA
APELANTE: IRACEMA SOARES FREDIANI
Advogado do(a) APELANTE: LUIZ CARLOS CICCONE - SP88550-N
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
OUTROS PARTICIPANTES:
V O T O
Por primeiro, observo que, consoante orientação jurisprudencial da Terceira Seção desta Corte,
em se tratando de ação de benefício de aposentadoria por idaderural, não se configura a tríplice
identidade entre as ações quando a segunda demanda ajuizada se funda em quadro fático-
probatório diverso da primeira.
A propósito, confira-se:
"AÇÃO RESCISÓRIA. ART. 485, V, DO CPC. PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR
IDADE RURAL. VIOLAÇÃO À COISA JULGADA. NÃO OCORRÊNCIA. INEXISTÊNCIA DA
TRÍPLICE IDENTIDADE ENTRE AS AÇÕES. DOLO DA PARTE VENCEDORA EM
DETRIMENTO DA PARTE VENCIDA. NÃO CARACTERIZAÇÃO. OMISSÃO DE
INFORMAÇÃO QUE NÃO INFLUENCIOU A DECISÃO JUDICIAL. PEDIDO DE
DESCONSTITUIÇÃO DO JULGADO IMPROCEDENTE.
1. A ação rescisória foi proposta sob o argumento de que a decisão rescindenda violou a coisa
julgada, e decorreu de dolo da parte vencedora em detrimento da parte vencida.
2. De acordo com a inicial, a autora da ação originária (processo nº 1619/2007) propôs a
demanda perante a Vara Única da Comarca de Apiaí, com o objetivo de ver concedido o
benefício de aposentadoria por idade, sob a alegação de que sempre desempenhara as lides
rurais.
3. Afirma-se, contudo, que a mesma parte já havia ajuizado ação anterior, junto àquele Juízo,
veiculando os mesmos fatos e pedido, o qual, naquela ocasião, foi julgado improcedente,
consoante a sentença prolatada nos autos do processo nº 1153/2004, transitada em julgado em
09.03.2006.
4. Desta forma, havendo suposta identidade entre as ações, a decisão judicial na segunda
demanda teria ofendido a coisa julgada, resultando do fato de que a autora omitiu em Juízo as
informações relativas à primeira ação, o que caracterizaria ainda o dolo processual.
5. Para a constatação de ofensa à res judicata, é necessário que haja tríplice identidade entre
as ações, ou seja, suas partes, causa de pedir e pedido devem ser os mesmos.
6. Embora as partes e o pedido sejam os mesmos em ambas as ações, cumpre observar que a
causa de pedir da segunda demanda se funda em quadro fático-probatório diverso, o que não
constitui impeditivo para a propositura de nova ação objetivando a aposentadoria por idade
rural, conforme tem se posicionado a jurisprudência.
7. Assim, não se vislumbra a tríplice identidade de ações, a configurar o pressuposto processual
negativo da coisa julgada. Tampouco há que se falar em dolo da parte vencedora, uma vez que
a omissão em relação ao ajuizamento de ação anterior não consubstancia falta do dever de
lealdade e boa-fé, por não ter impedido nem dificultado a atuação da parte adversa, nem
influenciado a decisão do magistrado.
8. Agravo regimental contra a decisão indeferitória do pedido de antecipação da tutela
desprovido. Pedido de rescisão do julgado improcedente, sem condenação em honorários, em
virtude da ausência de contestação.
(TRF3, 3ª Seção, AR 00023400920114030000, relator Desembargador Federal Baptista
Pereira, DJe 10.03.2015);
PREVIDENCIÁRIO. AÇÃO RESCISÓRIA DO INSS. MATÉRIA PRELIMINAR ALEGADA NA
CONTESTAÇÃO QUE CONFUNDE COM O MÉRITO. VIOLAÇÃO DA COISA JULGADA E
DOLO: NÃO OCORRÊNCIA NA ESPÉCIE. PEDIDO FORMULADO NA ACTIO RESCISSORIA
JULGADO IMPROCEDENTE. - A matéria preliminar arguida na contestação, de insubsistência
das alegações do Instituto, confunde-se com o mérito e como tal é apreciada e resolvida. -
Descabimento da afirmação de existência de violação da coisa julgada. - Acréscimo de
evidências materiais e de tempo de serviço na segunda demanda, a alterarem a causa petendi.
- Dolo não configurado. Não demonstrada intenção consciente do agente em praticar o evento
doloso. Parte da qual não se pode exigir conhecimento técnico suficiente para, propositalmente,
omitir a circunstância de, anteriormente, ter pleiteado em Juízo uma aposentadoria. Obreiro
rural. - Ônus sucumbenciais ex vi legis. - Pedido formulado na ação rescisória julgado
improcedente. (TRF3, 3ª Seção, AR 00193191720094030000, relator Desembargador Federal
David Dantas, DJe 09.12.2016); e
PROCESSUAL CIVIL. PREVIDENCIÁRIO. RESCISÓRIA. OFENSA À COISA JULGADA.
TRÍPLICE IDENTIDADE. INOCORRÊNCIA. APOSENTADORIA POR IDADE RURAL.
COMPROVAÇÃO DA ATIVIDADE CAMPESINA. QUADRO FÁTICO-PROBATÓRIO DIVERSO.
IUDICIUM RESCINDENS. IMPROCEDÊNCIA DA AÇÃO. VERBA HONORÁRIA.
CONDENAÇÃO.
1. Na forma do artigo 301, § 1º, do CPC/1973 e do artigo 337, § 1º, do CPC/2015, verifica-se
coisa julgada quando se reproduz ação anteriormente ajuizada.
2. Para que se reconheça violação à coisa julgada hábil à rescisão do julgado no processo
subjacente é necessária a existência de tríplice identidade, isto é, tanto aquele como o processo
primevo devem contar com os mesmos pedido, causa de pedir e partes.
3. As ações de natureza previdenciária, em razão das normas constitucionais garantidoras da
seguridade social e da busca da verdade real, tem demandado a ponderação de normas e
princípios pelo julgador, a fim de evitar que óbices de natureza meramente processual obstem o
direito dos segurados da Previdência Social à obtenção de benefícios aos quais façam jus.
Nessa esteira, inclusive, veio a Corte Especial do c. Superior Tribunal de Justiça sedimentar
entendimento, em sede de recurso representativo de controvérsia (REsp n.º 1.352.721/SP), no
sentido de que a ausência de conteúdo probatório eficaz em processos relativos a benefícios
requeridos por trabalhadores rurais implica a sua extinção, sem resolução de mérito, por
carência de pressuposto de constituição e desenvolvimento válido do processo, de sorte a
possibilitar ao segurado o ajuizamento de novo pedido, administrativo ou judicial, caso reúna os
elementos necessários à tal iniciativa.
4. No caso concreto, verifica-se que, embora o pedido seja idêntico em ambos os processos,
isto é, a aposentação por idade rural, a causa de pedir, segundo entendimento consagrado
nesta 3ª Seção, é diversa. Ainda que fundada na alegação do exercício de atividade rural, a
requerente fez juntar na demanda subjacente documentos diferentes daqueles juntados na
primeira demanda, os quais serviriam a comprovar o mourejo rural em períodos variados e
posteriores àquele retratado nos documentos que instruíram o pedido primevo. Precedentes
desta e. Corte.
5. Verba honorária fixada em R$ 1.000,00 (mil reais), devidamente atualizado e acrescido de
juros de mora, conforme estabelecido do Manual de Cálculos e Procedimentos para as dívidas
civis, até sua efetiva requisição (juros) e pagamento (correção), conforme prescrevem os §§ 2º,
4º, III, e 8º, do artigo 85 do CPC.
6. Em juízo rescindendo, julgada improcedente a ação rescisória, nos termos dos artigos 269, I,
do CPC/1973 e 487, I, do CPC/2015. Prejudicado o agravo interno.
(TRF 3ª Região, TERCEIRA SEÇÃO, AR - AÇÃO RESCISÓRIA - 10557 - 0014062-
98.2015.4.03.0000, Rel. DESEMBARGADOR FEDERAL CARLOS DELGADO, julgado em
26/10/2017, e-DJF3 Judicial 1 DATA:14/11/2017 )".
No caso dos autos, a primeira ação proposta pelaautora,pleiteando a concessão de
aposentadoria por idade rural, foi autuada sob o nº 09.00.00093-4, tramitou perante o Juízo da
3ª Vara Cível da Comarca de Matão/SP efoi julgada improcedente, resultado mantido por esta
esta 10ª Turma, em julgamento do recurso de apelação de minha relatoria. O feito transitou em
julgado em 21/09/2012.
Naquele julgamento, a improcedência deu-se em razão do abandono, pela autora, das lides
rurais antes de implementado o requisito etário para a concessão da aposentadoria por idade
rural, conforme se verifica do seguinte excerto do voto:
Contudo, os extratos do CNIS apresentados com a defesa às fls. 46/53, registram vínculos
empregatícios de natureza urbana, em nome da própria autora, nos anos de 1986/1987 e
1991 (fls. 47), e também, em nome do cônjuge da autora, a partir de outubro de 1977 até
agosto de 1996 (fls. 51), estando aposentado por tempo de contribuição - benefício nº
42/115.441.060-6 - desde 29/12/1999, como segurado desempregado - industriário (fls. 53).
Por conseguinte, diante da qualificação profissional urbana do cônjuge da autora, inclusive
no período de carência anterior a 2008, quando a mesma implementou o requisito etário,
bem como, pela ausência de início de prova material para comprovar o efetivo retorno da
autora ao labor campesino, resta descaracterizada sua condição de segurada especial -
rurícola.
Como se vê, não houve no julgado pretérito juízo a respeito do período de atividade rural
de01/09/1965 à 30/12/1979, cujo reconhecimento é fundamento do pedido ora formulado de
concessão de aposentadoria por idade híbrida.
Assim, vê-se que as ações não são idênticas, haja vista a distinção entre as causas de pedir e
os pedidos em ambos os feitos, motivo de se afastar a preliminar da coisa julgada quanto ao
reconhecimento da atividade rural sem registro de01/09/1965 à 30/12/1979.
Passo a analisar a questão de fundo.
O benefício de aposentadoria por idade está previsto no Art. 48, da Lei nº 8.213/91, que dispõe:
"Art. 48. A aposentadoria por idade será devida ao segurado que, cumprida a carência exigida
nesta Lei, completar 65 (sessenta e cinco) anos de idade, se homem, e 60 (sessenta), se
mulher.§ 1o Os limites fixados no caput são reduzidos para sessenta e cinqüenta e cinco anos
no caso de trabalhadores rurais, respectivamente homens e mulheres, referidos na alínea a do
inciso I, na alínea g do inciso V e nos incisos VI e VII do art. 11.§ 2o Para os efeitos do disposto
no § 1o deste artigo, o trabalhador rural deve comprovar o efetivo exercício de atividade rural,
ainda que de forma descontínua, no período imediatamente anterior ao requerimento do
benefício, por tempo igual ao número de meses de contribuição correspondente à carência do
benefício pretendido, computado o período a que se referem os incisos III a VIII do § 9o do art.
11 desta Lei.§ 3o Os trabalhadores rurais de que trata o § 1o deste artigo que não atendam ao
disposto no § 2o deste artigo, mas que satisfaçam essa condição, se forem considerados
períodos de contribuição sob outras categorias do segurado, farão jus ao benefício ao
completar em 65 (sessenta e cinco) anos de idade, se homem, e 60 (sessenta) anos, se
mulher."
A regra de transição contida no Art. 143 que tem a seguinte redação:
"Art. 143. O trabalhador rural ora enquadrado como segurado obrigatório no Regime Geral de
Previdência Social, na forma da alínea "a" do inciso I, ou do inciso IV ou VII do art. 11 desta Lei,
pode requerer aposentadoria por idade, no valor de um salário mínimo, durante quinze anos,
contados a partir da data de vigência desta Lei, desde que comprove o exercício de atividade
rural, ainda que descontínua, no período imediatamente anterior ao requerimento do benefício,
em número de meses idêntico à carência do referido benefício."
O período de 15 anos a que se refere o dispositivo retro citado exauriu-se, assim como as
sucessivas prorrogações, em 31.12.2010, como disposto no Art. 2º, da Lei nº 11.718/08:
"Art. 2o Para o trabalhador rural empregado, o prazo previsto no art. 143 da Lei no 8.213, de 24
de julho de 1991, fica prorrogado até o dia 31 de dezembro de 2010."
Assim, a partir de 01.01.2011 há necessidade de recolhimento de contribuições, na forma
estabelecida no Art. 3º, da Lei nº 11.718/08.
Acresça-se que a Lei nº 11.718, de 20.06.08, acrescentou o Art. 14-A à Lei nº 5.889/73,
permitindo a contratação de trabalhador rural por pequeno prazo, sem registro em CTPS,
mediante a sua inclusão, pelo empregador, na GFIP.
Entretanto, importante frisar que as contribuições previdenciárias dos trabalhadores rurais
diaristas, denominados de volantes ou bóia fria, são de responsabilidade do empregador,
cabendo à Secretaria da Receita Previdenciária a sua arrecadação e fiscalização.
O e. Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do recurso representativo da controvérsia,
pacificou a questão no sentido da possibilidade do reconhecimento de trabalho rural anterior ao
documento mais antigo juntado como início de prova material, conforme julgado abaixo
transcrito:
"PREVIDENCIÁRIO. RECURSO ESPECIAL REPRESENTATIVO DA CONTROVÉRSIA.
APOSENTADORIA POR TEMPO DE SERVIÇO. ART. 55, § 3º, DA LEI 8.213/91. TEMPO DE
SERVIÇO RURAL. RECONHECIMENTO A PARTIR DO DOCUMENTO MAIS ANTIGO.
DESNECESSIDADE. INÍCIO DE PROVA MATERIAL CONJUGADO COM PROVA
TESTEMUNHAL. PERÍODO DE ATIVIDADE RURAL COINCIDENTE COM INÍCIO DE
ATIVIDADE URBANA REGISTRADA EM CTPS. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO.
1. A controvérsia cinge-se em saber sobre a possibilidade, ou não, de reconhecimento do
período de trabalho rural anterior ao documento mais antigo juntado como início de prova
material.
2. De acordo com o art. 400 do Código de Processo Civil "a prova testemunhal é sempre
admissível, não dispondo a lei de modo diverso". Por sua vez, a Lei de Benefícios, ao disciplinar
a aposentadoria por tempo de serviço, expressamente estabelece no § 3º do art. 55 que a
comprovação do tempo de serviço só produzirá efeito quando baseada em início de prova
material, "não sendo admitida prova exclusivamente testemunhal, salvo na ocorrência de motivo
de força maior ou caso fortuito, conforme disposto no Regulamento" (Súmula 149/STJ).
3. No âmbito desta Corte, é pacífico o entendimento de ser possível o reconhecimento do
tempo de serviço mediante apresentação de um início de prova material, desde que
corroborado por testemunhos idôneos. Precedentes.
4. A Lei de Benefícios, ao exigir um "início de prova material", teve por pressuposto assegurar o
direito à contagem do tempo de atividade exercida por trabalhador rural em período anterior ao
advento da Lei 8.213/91 levando em conta as dificuldades deste, notadamente hipossuficiente.
5. Ainda que inexista prova documental do período antecedente ao casamento do segurado,
ocorrido em 1974, os testemunhos colhidos em juízo, conforme reconhecido pelas instâncias
ordinárias, corroboraram a alegação da inicial e confirmaram o trabalho do autor desde 1967.
6. No caso concreto, mostra-se necessário decotar, dos períodos reconhecidos na sentença,
alguns poucos meses em função de os autos evidenciarem os registros de contratos de
trabalho urbano em datas que coincidem com o termo final dos interregnos de labor como
rurícola, não impedindo, contudo, o reconhecimento do direito à aposentadoria por tempo de
serviço, mormente por estar incontroversa a circunstância de que o autor cumpriu a carência
devida no exercício de atividade urbana, conforme exige o inc. II do art. 25 da Lei 8.213/91.
7. Os juros de mora devem incidir em 1% ao mês, a partir da citação válida, nos termos da
Súmula n. 204/STJ, por se tratar de matéria previdenciária. E, a partir do advento da Lei
11.960/09, no percentual estabelecido para caderneta de poupança. Acórdão sujeito ao regime
do art. 543-C do Código de Processo Civil.
(STJ, REsp 1348633/SP, Rel. Ministro ARNALDO ESTEVES LIMA, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado
em 28/08/2013, DJe 05/12/2014)".
De sua vez, a Lei nº 11.718/2008, ao alterar o Art. 48, da Lei 8.213/91, possibilitou ao segurado
o direito à aposentadoria por idade, mediante a soma dos lapsos temporais de trabalho rural
com o urbano.
Nesse sentido decidiu o e. Superior Tribunal de Justiça ao julgar o REsp 1674221/SP,
submetido ao rito dos recursos repetitivos:
"PREVIDENCIÁRIO. RECURSO ESPECIAL. RECURSO ESPECIAL SUBMETIDO AO RITO
DOS RECURSOS REPETITIVOS. OBSERVÂNCIA DO ARTIGO 1.036, § 5o. DO CÓDIGO FUX
E DOS ARTS. 256-E, II, E 256-I DO RISTJ. APOSENTADORIA HÍBRIDA. ART. 48, §§ 3o. E 4o.
DA LEI 8.213/1991. PREVALÊNCIA DO PRINCÍPIO DE ISONOMIA A TRABALHADORES
RURAIS E URBANOS. MESCLA DOS PERÍODOS DE TRABALHO URBANO E RURAL.
EXERCÍCIO DE ATIVIDADE RURAL, REMOTO E DESCONTÍNUO, ANTERIOR À LEI
8.213/1991 A DESPEITO DO NÃO RECOLHIMENTO DE CONTRIBUIÇÃO. CÔMPUTO DO
TEMPO DE SERVIÇO PARA FINS DE CARÊNCIA. DESNECESSIDADE DE COMPROVAÇÃO
DO LABOR CAMPESINO POR OCASIÃO DO IMPLEMENTO DO REQUISITO ETÁRIO OU DO
REQUERIMENTO ADMINISTRATIVO. TESE FIXADA EM HARMONIA COM O PARECER
MINISTERIAL. RECURSO ESPECIAL DA SEGURADA PROVIDO.
1. A análise da lide judicial que envolve a proteção do Trabalhador Rural exige do julgador
sensibilidade, e é necessário lançar um olhar especial a esses trabalhadores para compreender
a especial condição a que estão submetidos nas lides campesinas.
2. Como leciona a Professora DANIELA MARQUES DE MORAES, é preciso analisar quem é o
outro e em que este outro é importante para os preceitos de direito e de justiça. Não obstante o
outro possivelmente ser aqueles que foi deixado em segundo plano, identificá-lo pressupõe um
cuidado maior. Não se pode limitar a apontar que seja o outro. É preciso tratar de tema
correlatos ao outro, com alteridade, responsabilidade e, então, além de distinguir o outro, incluí-
lo (mas não apenas de modo formal) ao rol dos sujeitos de direito e dos destinatários da justiça
(A Importância do Olhar do Outro para a Democratização do Acesso à Justiça, Rio de Janeiro:
Lumen Juris, 2015, p. 35).
3. A Lei 11.718/2008, ao incluir a previsão dos §§ 3o. e 4o. no art. 48 da lei 8.213/1991, abrigou,
como já referido, aqueles Trabalhadores Rurais que passaram a exercer temporária ou
permanentemente períodos em atividade urbana, já que antes da inovação legislativa o mesmo
Segurado se encontrava num paradoxo jurídico de desamparo previdenciário: ao atingir idade
avançada, não podia receber a aposentadoria rural porque exerceu trabalho urbano e não tinha
como desfrutar da aposentadoria urbana em razão de o curto período laboral não preencher o
período de carência (REsp. 1. 407.613/RS, Rel. Min. HERMAN BENJAMIN, DJe 28.11.2014).
4. A aposentadoria híbrida consagra o princípio constitucional de uniformidade e equivalência
dos benefícios e serviços às populações urbanas e rurais, conferindo proteção àqueles
Trabalhadores que migraram, temporária ou definitivamente, muitas vezes acossados pela
penúria, para o meio urbano, em busca de uma vida mais digna, e não conseguiram
implementar os requisitos para a concessão de qualquer aposentadoria, encontrando-se em
situação de extrema vulnerabilidade social.
5. A inovação legislativa objetivou conferir o máximo aproveitamento e valorização ao labor
rural, ao admitir que o Trabalhador que não preenche os requisitos para concessão de
aposentadoria rural ou aposentadoria urbana por idade possa integrar os períodos de labor rural
com outros períodos contributivos em modalidade diversa de Segurado, para fins de
comprovação da carência de 180 meses para a concessão da aposentadoria híbrida, desde que
cumprido o requisito etário de 65 anos, se homem, e 60 anos, se mulher.
6. Analisando o tema, esta Corte é uníssona ao reconhecer a possibilidade de soma de lapsos
de atividade rural, ainda que anteriores à edição da Lei 8.213/1991, sem necessidade de
recolhimento de contribuições ou comprovação de que houve exercício de atividade rural no
período contemporâneo ao requerimento administrativo ou implemento da idade, para fins de
concessão de aposentadoria híbrida, desde que a soma do tempo de serviço urbano ou rural
alcance a carência exigida para a concessão do benefício de aposentadoria por idade.
7. A teste defendida pela Autarquia Previdenciária, de que o Segurado deve comprovar o
exercício de período de atividade rural nos últimos quinze anos que antecedem o implemento
etário, criaria uma nova regra que não encontra qualquer previsão legal. Se revela, assim, não
só contrária à orientação jurisprudencial desta Corte Superior, como também contraria o
objetivo da legislação previdenciária.
8. Não admitir o cômputo do trabalho rural exercido em período remoto, ainda que o Segurado
não tenha retornado à atividade campesina, tornaria a norma do art. 48, § 3o. da Lei 8.213/1991
praticamente sem efeito, vez que a realidade demonstra que a tendência desses Trabalhadores
é o exercício de atividade rural quando mais jovens, migrando para o atividade urbana com o
avançar da idade. Na verdade, o entendimento contrário, expressa, sobretudo, a velha posição
preconceituosa contra o Trabalhador Rural, máxime se do sexo feminino.
9. É a partir dessa realidade social experimentada pelos Trabalhadores Rurais que o texto legal
deve ser interpretado, não se podendo admitir que a justiça fique retida entre o rochedo que o
legalismo impõe e o vento que o pensamento renovador sopra. A justiça pode ser cega, mas os
juízes não são. O juiz guia a justiça de forma surpreendente, nos meandros do processo, e ela
sai desse labirinto com a venda retirada dos seus olhos.
10. Nestes termos, se propõe a fixação da seguinte tese: o tempo de serviço rural, ainda que
remoto e descontínuo, anterior ao advento da Lei 8.213/1991, pode ser computado para fins da
carência necessária à obtenção da aposentadoria híbrida por idade, ainda que não tenha sido
efetivado o recolhimento das contribuições, nos termos do art. 48, § 3o. da Lei 8.213/1991, seja
qual for a predominância do labor misto exercido no período de carência ou o tipo de trabalho
exercido no momento do implemento do requisito etário ou do requerimento administrativo.
11. Recurso Especial da Segurada provido, determinando-se o retorno dos autos à origem, a
fim de que prossiga no julgamento do feito analisando a possibilidade de concessão de
aposentadoria híbrida.
(REsp 1674221/SP, Rel. Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, PRIMEIRA SEÇÃO,
julgado em 14/08/2019, DJe 04/09/2019)".
Pretende aautora a concessão da aposentadoria híbrida, mediante o reconhecimento do
trabalho rural sem registro, laborado na Fazenda Planalto, de propriedade de Noé Caldeira
Brant, no período de 01/09/1965 à 30/12/1979, para acrescer ao tempo de contribuição como
segurada empregada urbana e facultativa.
O primeiro requisito encontra-se atendido, pois aautora, nascido em 02/08/1953, completou 60
anos em 2013, anteriormente à data do ajuizamento da ação.
Para comprovar o alegado exercício de atividade rural, a autora juntou aos autos cópia de
declaração de exercício de atividade rural pela autorano período01/09/1965 à 30/12/1979,
emitida pelo Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Tapejara/PR em 09/02/2010; certidão de
matrícula de imóvel rural de propriedade deNoé Caldeira Brant; certidão de casamento da
autora com Antonio Frediani, celebrado em 18/03/1972, na qual o cônjuge está qualificado
como lavrador ecertidão de nascimento dos filhos da autora, em 20/11/1972, 21/12/1973,
13/01/1975 e 01/04/1977, em que seu cônjuge está qualificado como lavrador.
A declaração doex-empregador, Noé Caldeira Brant, não pode ser admitida como início de
prova material, servindo de prova testemunhal, conforme já decidiu o e. Superior Tribunal de
Justiça:
"PREVIDENCIÁRIO. AÇÃO RESCISÓRIA. ART. 485, IX, DO CPC. HIPÓTESE NÃO-
CONFIGURADA. TRABALHADOR RURAL. APOSENTADORIA POR IDADE. NÃO-
COMPROVAÇÃO DE SEUS REQUISITOS. AUSÊNCIA DE INÍCIO DE PROVA MATERIAL.
PROVA EXCLUSIVAMENTE TESTEMUNHAL. INCIDÊNCIA DO VERBETE SUMULAR
149/STJ. PEDIDO JULGADO IMPROCEDENTE.
1. Não colhe prosperar a tese autoral, objetivando seja atribuído caráter documental às
declarações oferecidas por testemunhas, apresentadas de forma escrita. Cuidam-se de
depoimentos testemunhais que, simplesmente, não foram colhidos em Juízo. (g.n.)
2. A matéria dos autos não comporta maiores discussões, ante o entendimento predominante
no sentido de que, na ausência de início de prova material a corroborar depoimentos
testemunhais, não há como reconhecer o direito da parte autora à concessão da aposentadoria
por idade, incidindo, à espécie, o óbice do verbete sumular 149/STJ.
3. Ação julgada improcedente.
(AR 2.043/SP, Rel. Ministro ARNALDO ESTEVES LIMA, TERCEIRA SEÇÃO, julgado em
14/12/2009, DJe 01/02/2010) e
AÇÃO RESCISÓRIA. PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR IDADE. RURÍCOLA. ERRO
DE FATO. DECLARAÇÕES DE PARTICULARES. CERTIDÕES EMITIDAS PELO INCRA.
DOCUMENTO NOVO. CERTIDÃO DE CASAMENTO. SOLUÇÃO PRO MISERO. INÍCIO DE
PROVA MATERIAL CORROBORADO POR PROVA TESTEMUNHAL. PEDIDO
PROCEDENTE.
1. ... "omissis".
2. As declarações assinadas por particulares, na condição de empregador do trabalho rural,
equiparam-se a depoimentos reduzidos a termo, não servindo, portanto, de prova documental.
(g.n.)
3. "omissis".
4. "omissis".
5. "omissis".
Ação rescisória julgada procedente.
(AR 2.544/MS, Rel. Ministra MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, TERCEIRA SEÇÃO,
julgado em 28/10/2009, DJe 20/11/2009)".
De sua vez, a prova oral produzida em Juízo, corrobora a prova material apresentada, eis que
as testemunhas inquiridas confirmaram o exercício de atividade rural pela parte autora.
Comprovado que se acha, portanto, é de ser reconhecido o tempo de serviço rural exercido
pela autora, independente do recolhimento das contribuições e, tão só, para fins de
aposentação por idade pelo Regime Geral da Previdência Social - RGPS, no período de
01/09/1965 à 30/12/1979.
Somados o tempo de trabalho rural ora reconhecido, com o tempo de serviço em atividades
urbanas e as contribuições vertidas ao RGPS, perfaz a autora a carência exigida, que é de 180
meses.
O termo inicial do benefício deve ser fixado na data do requerimento administrativo
(28/11/2016).
Destarte, é de se reformar a r. sentença, devendo o réu conceder à autora o benefício de
aposentadoria por idade a partir de 28/11/2016, e pagar as prestações vencidas, corrigidas
monetariamente e acrescidas de juros de mora.
A correção monetária, que incide sobre as prestações em atraso desde as respectivas
competências, e os juros de mora devem ser aplicados de acordo com o Manual de Orientação
de Procedimentos para os Cálculos na Justiça Federal.
Os juros de mora incidirão até a data da expedição do precatório/RPV, conforme decidido em
19.04.2017 pelo Pleno do e. Supremo Tribunal Federal quando do julgamento do RE 579431,
com repercussão geral reconhecida. A partir de então deve ser observada a Súmula Vinculante
nº 17.
Convém alertar que das prestações vencidas devem ser descontadas aquelas pagas
administrativamente ou por força de liminar, e insuscetíveis de cumulação com o benefício
concedido, na forma do Art. 124, da Lei nº 8.213/91.
Os honorários advocatícios devem observar as disposições contidas no inciso II, do § 4º, do Art.
85, do CPC, e a Súmula 111, do e. STJ.
A autarquia previdenciária está isenta das custas e emolumentos, nos termos do Art. 4º, I, da
Lei 9.289/96, do Art. 24-A da Lei 9.028/95, com a redação dada pelo Art. 3º da MP 2.180-35/01,
e do Art. 8º, § 1º, da Lei 8.620/93.
Ante o exposto, dou parcial provimento à apelação.
É o voto.
,
E M E N T A
PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR IDADE. TRABALHO RURAL SEM REGISTRO.
INÍCIO DE PROVA MATERIAL CORROBORADA POR PROVA TESTEMUNHAL. BENEFÍCIO
DEVIDO NOS TERMOS DO § 3º, DO ART. 48, DA LEI Nº 8.213/91.
1.Consoante orientação jurisprudencial da Terceira Seção desta Corte, em se tratando de ação
de benefício de aposentadoria por idade a trabalhador rural, não se configura a tríplice
identidade entre as ações quando a segunda demanda ajuizada se funda em quadro fático-
probatório diverso da primeira.
2. A Lei nº 11.718/2008, ao alterar o Art. 48, da Lei 8.213/91, possibilitou ao segurado o direito à
aposentadoria por idade, mediante a soma dos lapsos temporais de trabalho rural com o
urbano.
3. Tempo de serviço rural comprovado mediante apresentação de início de prova material
corroborada por idônea prova testemunhal.
4. Tendo a autora completado 60 anos e cumprido a carência com a soma do tempo de serviço
rural reconhecido e as contribuições vertidas ao RGPS, faz jus ao benefício de aposentadoria
por idade.
5. A correção monetária, que incide sobre as prestações em atraso desde as respectivas
competências, e os juros de mora devem ser aplicados de acordo com o Manual de Orientação
de Procedimentos para os Cálculos na Justiça Federal.
6. Os juros de mora incidirão até a data da expedição do precatório/RPV, conforme decidido em
19.04.2017 pelo Pleno do e. Supremo Tribunal Federal quando do julgamento do RE 579431,
com repercussão geral reconhecida. A partir de então deve ser observada a Súmula Vinculante
nº 17.
7. Os honorários advocatícios devem observar as disposições contidas no inciso II, do § 4º, do
Art. 85, do CPC, e a Súmula 111, do e. STJ.
8. A autarquia previdenciária está isenta das custas e emolumentos, nos termos do Art. 4º, I, da
Lei 9.289/96, do Art. 24-A da Lei 9.028/95, com a redação dada pelo Art. 3º da MP 2.180-35/01,
e do Art. 8º, § 1º, da Lei 8.620/93.
9. Apelação provida em parte. ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Décima Turma, por
unanimidade, decidiu dar parcial provimento à apelação, nos termos do relatório e voto que
ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Resumo Estruturado
VIDE EMENTA
