
10ª Turma
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 6085629-24.2019.4.03.9999
RELATOR: Gab. 34 - DES. FED. BAPTISTA PEREIRA
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
SUCEDIDO: JOAO BATISTA DA COSTA
APELADO: DALVA GUIMARAES DA COSTA
Advogado do(a) APELADO: ROSANA MARIA DO CARMO NITO - SP239277-N
Advogado do(a) SUCEDIDO: ROSANA MARIA DO CARMO NITO - SP239277-N
OUTROS PARTICIPANTES:
10ª Turma
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 6085629-24.2019.4.03.9999
RELATOR: Gab. 34 - DES. FED. BAPTISTA PEREIRA
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
SUCEDIDO: JOAO BATISTA DA COSTA
APELADO: DALVA GUIMARAES DA COSTA
Advogado do(a) APELADO: ROSANA MARIA DO CARMO NITO - SP239277-N
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R E L A T Ó R I O
Trata-se de remessa oficial, havida como submetida, e apelação interposta em ação de conhecimento, em que se objetiva a concessão da aposentadoria por idade, nos termos da Lei nº 11.718/08, mediante o reconhecimento da atividade rural sem registro exercida no período de 21/04/1962 a 06/04/1986, para compor a carência.
O réu foi citado e contestou a ação.
Noticiado o falecimento do autor em 22/01/2019, foi proferida sentença julgando improcedente o pedido, a qual foi anulada por esta Corte, determinando o retorno dos autos à origem, para a intimação e habilitação dos herdeiros e a regularização da representação processual.
Após o deferimento da habilitação da herdeira na pessoa da viúva Dalva Guimarães da Costa, o feito prosseguiu com a audiência de instrução e julgamento, quando foram ouvidas duas testemunhas arroladas pela autoria.
Em nova decisão o MM. Juízo a quo julgou procedente o pedido, reconhecendo a atividade rural desenvolvida por João Batista da Costa no período pleiteado, condenando o réu a conceder o benefício de aposentadoria por idade híbrida, com termo inicial na data do requerimento administrativo (26/03/2018), e termo final na data de seu falecimento (22/01/2019), pagar os valores atrasados com correção monetária e juros de mora, e honorários advocatícios de 10% do valor das parcelas vencidas até a data da sentença.
Em seu recurso o réu pleiteia a reforma da r. sentença. Prequestiona a matéria debatida.
Com contrarrazões, subiram os autos.
É o relatório.
10ª Turma
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 6085629-24.2019.4.03.9999
RELATOR: Gab. 34 - DES. FED. BAPTISTA PEREIRA
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
SUCEDIDO: JOAO BATISTA DA COSTA
APELADO: DALVA GUIMARAES DA COSTA
Advogado do(a) APELADO: ROSANA MARIA DO CARMO NITO - SP239277-N
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OUTROS PARTICIPANTES:
V O T O
O benefício de aposentadoria por idade está previsto no Art. 48, da Lei nº 8.213/91, que dispõe:
"Art. 48. A aposentadoria por idade será devida ao segurado que, cumprida a carência exigida nesta Lei, completar 65 (sessenta e cinco) anos de idade, se homem, e 60 (sessenta), se mulher.
§ 1º Os limites fixados no caput são reduzidos para sessenta e cinqüenta e cinco anos no caso de trabalhadores rurais, respectivamente homens e mulheres, referidos na alínea a do inciso I, na alínea g do inciso V e nos incisos VI e VII do art. 11.
§ 2º Para os efeitos do disposto no § 1° deste artigo, o trabalhador rural deve comprovar o efetivo exercício de atividade rural, ainda que de forma descontínua, no período imediatamente anterior ao requerimento do benefício, por tempo igual ao número de meses de contribuição correspondente à carência do benefício pretendido, computado o período a que se referem os incisos III a VIII do § 9º do art. 11 desta Lei.
§ 3º Os trabalhadores rurais de que trata o § 1º deste artigo que não atendam ao disposto no § 2º deste artigo, mas que satisfaçam essa condição, se forem considerados períodos de contribuição sob outras categorias do segurado, farão jus ao benefício ao completar em 65 (sessenta e cinco) anos de idade, se homem, e 60 (sessenta) anos, se mulher."
A regra de transição contida no Art. 143 que tem a seguinte redação:
"Art. 143. O trabalhador rural ora enquadrado como segurado obrigatório no Regime Geral de Previdência Social, na forma da alínea "a" do inciso I, ou do inciso IV ou VII do art. 11 desta Lei, pode requerer aposentadoria por idade, no valor de um salário mínimo, durante quinze anos, contados a partir da data de vigência desta Lei, desde que comprove o exercício de atividade rural, ainda que descontínua, no período imediatamente anterior ao requerimento do benefício, em número de meses idêntico à carência do referido benefício."
O período de 15 anos a que se refere o dispositivo retro citado exauriu-se, assim como as sucessivas prorrogações, em 31.12.2010, como disposto no Art. 2º, da Lei nº 11.718/08:
"Art. 2º Para o trabalhador rural empregado, o prazo previsto no art. 143 da Lei no 8.213, de 24 de julho de 1991, fica prorrogado até o dia 31 de dezembro de 2010."
Assim, a partir de 01.01.2011 há necessidade de recolhimento de contribuições, na forma estabelecida no Art. 3º, da Lei nº 11.718/08.
Acresça-se que a Lei nº 11.718, de 20.06.08, acrescentou o Art. 14-A à Lei nº 5.889/73, permitindo a contratação de trabalhador rural por pequeno prazo, sem registro em CTPS, mediante a sua inclusão, pelo empregador, na GFIP.
Entretanto, importante frisar que as contribuições previdenciárias dos trabalhadores rurais diaristas, denominados de volantes ou boia-fria, são de responsabilidade do empregador, cabendo à Secretaria da Receita Previdenciária a sua arrecadação e fiscalização. Precedentes desta Corte Regional: AC 200203990244216, 7ª Turma; AC 200803990164855, 8ª Turma; AC 200161120041333, 9ª Turma e AC 200803990604685, 10ª Turma.
O e. Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do recurso representativo da controvérsia, pacificou a questão no sentido da possibilidade do reconhecimento de trabalho rural anterior ao documento mais antigo juntado como início de prova material, conforme julgado abaixo transcrito:
"PREVIDENCIÁRIO. RECURSO ESPECIAL REPRESENTATIVO DA CONTROVÉRSIA. APOSENTADORIA POR TEMPO DE SERVIÇO. ART. 55, § 3º, DA LEI 8.213/91. TEMPO DE SERVIÇO RURAL. RECONHECIMENTO A PARTIR DO DOCUMENTO MAIS ANTIGO. DESNECESSIDADE. INÍCIO DE PROVA MATERIAL CONJUGADO COM PROVA TESTEMUNHAL. PERÍODO DE ATIVIDADE RURAL COINCIDENTE COM INÍCIO DE ATIVIDADE URBANA REGISTRADA EM CTPS. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO.
1. A controvérsia cinge-se em saber sobre a possibilidade, ou não, de reconhecimento do período de trabalho rural anterior ao documento mais antigo juntado como início de prova material.
2. De acordo com o art. 400 do Código de Processo Civil "a prova testemunhal é sempre admissível, não dispondo a lei de modo diverso". Por sua vez, a Lei de Benefícios, ao disciplinar a aposentadoria por tempo de serviço, expressamente estabelece no § 3º do art. 55 que a comprovação do tempo de serviço só produzirá efeito quando baseada em início de prova material, "não sendo admitida prova exclusivamente testemunhal, salvo na ocorrência de motivo de força maior ou caso fortuito, conforme disposto no Regulamento" (Súmula 149/STJ).
3. No âmbito desta Corte, é pacífico o entendimento de ser possível o reconhecimento do tempo de serviço mediante apresentação de um início de prova material, desde que corroborado por testemunhos idôneos. Precedentes.
4. A Lei de Benefícios, ao exigir um "início de prova material", teve por pressuposto assegurar o direito à contagem do tempo de atividade exercida por trabalhador rural em período anterior ao advento da Lei 8.213/91 levando em conta as dificuldades deste, notadamente hipossuficiente.
5. Ainda que inexista prova documental do período antecedente ao casamento do segurado, ocorrido em 1974, os testemunhos colhidos em juízo, conforme reconhecido pelas instâncias ordinárias, corroboraram a alegação da inicial e confirmaram o trabalho do autor desde 1967.
6. No caso concreto, mostra-se necessário decotar, dos períodos reconhecidos na sentença, alguns poucos meses em função de os autos evidenciarem os registros de contratos de trabalho urbano em datas que coincidem com o termo final dos interregnos de labor como rurícola, não impedindo, contudo, o reconhecimento do direito à aposentadoria por tempo de serviço, mormente por estar incontroversa a circunstância de que o autor cumpriu a carência devida no exercício de atividade urbana, conforme exige o inc. II do art. 25 da Lei 8.213/91.
7. Os juros de mora devem incidir em 1% ao mês, a partir da citação válida, nos termos da Súmula n. 204/STJ, por se tratar de matéria previdenciária. E, a partir do advento da Lei 11.960/09, no percentual estabelecido para caderneta de poupança. Acórdão sujeito ao regime do art. 543-C do Código de Processo Civil.
(STJ, REsp 1348633/SP, Rel. Ministro ARNALDO ESTEVES LIMA, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 28/08/2013, DJe 05/12/2014)".
De sua vez, a atividade rural em regime de economia familiar, diferentemente do trabalho rural sem registro, deve ser comprovada mediante a apresentação de documentos que comprovem o efetivo trabalho pelo grupo familiar, nos termos do Art. 106, da Lei nº 8.213/91: contrato de arrendamento, parceria ou comodato rural; comprovante de cadastro do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária - INCRA, no caso de produtores em regime de economia familiar; bloco de notas do produtor rural; notas fiscais de entrada de mercadorias, emitidas pela empresa adquirente da produção, com indicação do nome do segurado como vendedor; documentos fiscais relativos a entrega de produção rural à cooperativa agrícola, entreposto de pescado ou outros, com indicação do segurado como vendedor ou consignante; comprovantes de recolhimento de contribuição à Previdência Social decorrentes da comercialização da produção; cópia da declaração de imposto de renda, com indicação de renda proveniente da comercialização de produção rural; ou licença de ocupação ou permissão outorgada pelo Incra, em nome próprio, de seu cônjuge ou de seus genitores.
A alteração legislativa trazida pela Lei 11.718, de 20.06.2008, que introduziu o §§3 e 4º ao Art. 48 da Lei 8.213/91, passou a permitir a concessão de aposentadoria por idade àqueles segurados que, embora inicialmente rurícolas, passaram a exercer outras atividades e tenha idade mínima de 60 anos (mulher) e 65 anos (homem).
Tecidas estas considerações, passo ao exame do caso concreto.
Pretende o autor a concessão da aposentadoria por idade, nos termos da Lei nº 11.718/08, mediante o reconhecimento da atividade rural desenvolvida desde os 12 anos de idade completados em 21/04/1962, até 06/04/1986, data anterior ao primeiro registro de natureza urbana anotado em sua CTPS, para compor o período de carência.
O primeiro requisito encontra-se atendido, pois o autor, nascido em 21/04/1950, completou 65 anos em 2015, anteriormente à data do ajuizamento da ação.
Para comprovar o alegado exercício da atividade rural, o autor instruiu a petição inicial com as cópias dos seguintes documentos: certificado de dispensa de incorporação expedido em 14/07/1970, no qual está qualificado com a profissão de lavrador; e as declarações firmadas por terceiros, dando conta que o autor laborou em propriedade rurais dos declarantes, situadas no Município de Capão Bonito/SP, exercendo a função de lavrador nos períodos de 1964 a 1974 e de 1974 a 1985.
A prova oral produzida, como posto pelo Juízo sentenciante, corrobora a prova material apresentada quanto à atividade rural sem registro.
Contudo, como se vê, não foi apresentado documento indispensável ao ajuizamento da ação para comprovação da atividade como segurado especial rural em regime de economia familiar a partir de seus 12 anos, havendo de se extinguir o feito sem resolução do mérito, quanto a esta parte do pedido.
De outra parte, as declarações de particulares em que consta que o autor trabalhou no meio rural para os declarantes nos períodos indicados, não podem ser admitidas como início de prova material, servindo de prova testemunhal, conforme já decidiu o e. Superior Tribunal de Justiça:
“PREVIDENCIÁRIO. AÇÃO RESCISÓRIA. ART. 485, IX, DO CPC. HIPÓTESE NÃO-CONFIGURADA. TRABALHADOR RURAL. APOSENTADORIA POR IDADE. NÃO-COMPROVAÇÃO DE SEUS REQUISITOS. AUSÊNCIA DE INÍCIO DE PROVA MATERIAL. PROVA EXCLUSIVAMENTE TESTEMUNHAL. INCIDÊNCIA DO VERBETE SUMULAR 149/STJ. PEDIDO JULGADO IMPROCEDENTE.
1. Não colhe prosperar a tese autoral, objetivando seja atribuído caráter documental às declarações oferecidas por testemunhas, apresentadas de forma escrita. Cuidam-se de depoimentos testemunhais que, simplesmente, não foram colhidos em Juízo.
2. A matéria dos autos não comporta maiores discussões, ante o entendimento predominante no sentido de que, na ausência de início de prova material a corroborar depoimentos testemunhais, não há como reconhecer o direito da parte autora à concessão da aposentadoria por idade, incidindo, à espécie, o óbice do verbete sumular 149/STJ.
3. Ação julgada improcedente.
(AR 2.043/SP, Rel. Ministro ARNALDO ESTEVES LIMA, TERCEIRA SEÇÃO, julgado em 14/12/2009, DJe 01/02/2010) e
AÇÃO RESCISÓRIA. PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR IDADE. RURÍCOLA. ERRO DE FATO. DECLARAÇÕES DE PARTICULARES. CERTIDÕES EMITIDAS PELO INCRA. DOCUMENTO NOVO. CERTIDÃO DE CASAMENTO. SOLUÇÃO PRO MISERO. INÍCIO DE PROVA MATERIAL CORROBORADO POR PROVA TESTEMUNHAL. PEDIDO PROCEDENTE.
1. ... “omissis”.
2. As declarações assinadas por particulares, na condição de empregador do trabalho rural, equiparam-se a depoimentos reduzidos a termo, não servindo, portanto, de prova documental. (g.n.)
3. “omissis”.
4. “omissis”.
5. “omissis”.
Ação rescisória julgada procedente.
(AR 2.544/MS, Rel. Ministra MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, TERCEIRA SEÇÃO, julgado em 28/10/2009, DJe 20/11/2009)”.
O réu alega que o autor não logrou êxito em comprovar o exercício de atividade rural no período indicado, vez que está qualificado com a profissão de pedreiro na certidão de casamento.
Malgrado não tenha vindo aos autos o referido documento, consta da certidão de óbito do autor que ele é casado com Dalva Guimarães da Costa.
Consultando os dados de identificação acerca da esposa do autor no CNIS, na parte de “Certidões Civis”, constata-se que o casamento foi realizado e registrado em 25/05/1986, perante o Oficial de RCPNIT de Capão Bonito, folha 165, do livro B15, Termo 3165.
Assim, o fato de estar qualificado com a profissão de pedreiro na certidão de casamento, não tem o condão de descaracterizar a sua condição de trabalhador rural, vez que o reconhecimento da atividade rural pretendida se refere ao período anterior ao seu casamento.
Comprovado que se acha, é de ser reconhecido o tempo de serviço rural exercido pelo autor, independente do recolhimento das contribuições e, tão só, para fins de aposentação por idade pelo Regime Geral da Previdência Social - RGPS, no período de 14/07/1970 a 06/04/1986.
Por outro lado, como se vê das cópias das cópias da CTPS e do CNIS juntados aos autos, o autor laborou formalmente com vínculo urbano em períodos intermitentes, desde 07/04/1986 a 25/03/2015.
Como dito, a Lei nº 11.718/2008, ao alterar o Art. 48, da Lei 8.213/91, possibilitou ao segurado o direito à aposentadoria por idade, mediante a soma dos lapsos temporais de trabalho rural com o urbano.
Somados o tempo de trabalho rural ora reconhecido com os demais períodos de trabalho comprovados nos autos, perfaz o autor a carência exigida, que é de 180 meses.
Nesse passo, tendo o autor completado 65 anos em 21/04/2015, atende também ao requisito etário, fazendo jus ao benefício de aposentadoria por idade, contemplada no Art. 48, caput, da Lei 8.213/91.
Nesse sentido decidiu o e. Superior Tribunal de Justiça ao julgar o REsp 1674221/SP, submetido ao rito dos recursos repetitivos:
Confira-se:
“PREVIDENCIÁRIO. RECURSO ESPECIAL. RECURSO ESPECIAL SUBMETIDO AO RITO DOS RECURSOS REPETITIVOS. OBSERVÂNCIA DO ARTIGO 1.036, § 5o. DO CÓDIGO FUX E DOS ARTS. 256-E, II, E 256-I DO RISTJ. APOSENTADORIA HÍBRIDA. ART. 48, §§ 3o. E 4o. DA LEI 8.213/1991. PREVALÊNCIA DO PRINCÍPIO DE ISONOMIA A TRABALHADORES RURAIS E URBANOS. MESCLA DOS PERÍODOS DE TRABALHO URBANO E RURAL. EXERCÍCIO DE ATIVIDADE RURAL, REMOTO E DESCONTÍNUO, ANTERIOR À LEI 8.213/1991 A DESPEITO DO NÃO RECOLHIMENTO DE CONTRIBUIÇÃO. CÔMPUTO DO TEMPO DE SERVIÇO PARA FINS DE CARÊNCIA. DESNECESSIDADE DE COMPROVAÇÃO DO LABOR CAMPESINO POR OCASIÃO DO IMPLEMENTO DO REQUISITO ETÁRIO OU DO REQUERIMENTO ADMINISTRATIVO. TESE FIXADA EM HARMONIA COM O PARECER MINISTERIAL. RECURSO ESPECIAL DA SEGURADA PROVIDO.
1. A análise da lide judicial que envolve a proteção do Trabalhador Rural exige do julgador sensibilidade, e é necessário lançar um olhar especial a esses trabalhadores para compreender a especial condição a que estão submetidos nas lides campesinas.
2. Como leciona a Professora DANIELA MARQUES DE MORAES, é preciso analisar quem é o outro e em que este outro é importante para os preceitos de direito e de justiça. Não obstante o outro possivelmente ser aqueles que foi deixado em segundo plano, identificá-lo pressupõe um cuidado maior. Não se pode limitar a apontar que seja o outro. É preciso tratar de tema correlatos ao outro, com alteridade, responsabilidade e, então, além de distinguir o outro, incluí-lo (mas não apenas de modo formal) ao rol dos sujeitos de direito e dos destinatários da justiça (A Importância do Olhar do Outro para a Democratização do Acesso à Justiça, Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2015, p. 35).
3. A Lei 11.718/2008, ao incluir a previsão dos §§ 3o. e 4o. no art. 48 da lei 8.213/1991, abrigou, como já referido, aqueles Trabalhadores Rurais que passaram a exercer temporária ou permanentemente períodos em atividade urbana, já que antes da inovação legislativa o mesmo Segurado se encontrava num paradoxo jurídico de desamparo previdenciário: ao atingir idade avançada, não podia receber a aposentadoria rural porque exerceu trabalho urbano e não tinha como desfrutar da aposentadoria urbana em razão de o curto período laboral não preencher o período de carência (REsp. 1.407.613/RS, Rel. Min. HERMAN BENJAMIN, DJe 28.11.2014).
4. A aposentadoria híbrida consagra o princípio constitucional de uniformidade e equivalência dos benefícios e serviços às populações urbanas e rurais, conferindo proteção àqueles Trabalhadores que migraram, temporária ou definitivamente, muitas vezes acossados pela penúria, para o meio urbano, em busca de uma vida mais digna, e não conseguiram implementar os requisitos para a concessão de qualquer aposentadoria, encontrando-se em situação de extrema vulnerabilidade social.
5. A inovação legislativa objetivou conferir o máximo aproveitamento e valorização ao labor rural, ao admitir que o Trabalhador que não preenche os requisitos para concessão de aposentadoria rural ou aposentadoria urbana por idade possa integrar os períodos de labor rural com outros períodos contributivos em modalidade diversa de Segurado, para fins de comprovação da carência de 180 meses para a concessão da aposentadoria híbrida, desde que cumprido o requisito etário de 65 anos, se homem, e 60 anos, se mulher.
6. Analisando o tema, esta Corte é uníssona ao reconhecer a possibilidade de soma de lapsos de atividade rural, ainda que anteriores à edição da Lei 8.213/1991, sem necessidade de recolhimento de contribuições ou comprovação de que houve exercício de atividade rural no período contemporâneo ao requerimento administrativo ou implemento da idade, para fins de concessão de aposentadoria híbrida, desde que a soma do tempo de serviço urbano ou rural alcance a carência exigida para a concessão do benefício de aposentadoria por idade.
7. A teste defendida pela Autarquia Previdenciária, de que o Segurado deve comprovar o exercício de período de atividade rural nos últimos quinze anos que antecedem o implemento etário, criaria uma nova regra que não encontra qualquer previsão legal. Se revela, assim, não só contrária à orientação jurisprudencial desta Corte Superior, como também contraria o objetivo da legislação previdenciária.
8. Não admitir o cômputo do trabalho rural exercido em período remoto, ainda que o Segurado não tenha retornado à atividade campesina, tornaria a norma do art. 48, § 3o. da Lei 8.213/1991 praticamente sem efeito, vez que a realidade demonstra que a tendência desses Trabalhadores é o exercício de atividade rural quando mais jovens, migrando para o atividade urbana com o avançar da idade. Na verdade, o entendimento contrário, expressa, sobretudo, a velha posição preconceituosa contra o Trabalhador Rural, máxime se do sexo feminino.
9. É a partir dessa realidade social experimentada pelos Trabalhadores Rurais que o texto legal deve ser interpretado, não se podendo admitir que a justiça fique retida entre o rochedo que o legalismo impõe e o vento que o pensamento renovador sopra. A justiça pode ser cega, mas os juízes não são. O juiz guia a justiça de forma surpreendente, nos meandros do processo, e ela sai desse labirinto com a venda retirada dos seus olhos.
10. Nestes termos, se propõe a fixação da seguinte tese: o tempo de serviço rural, ainda que remoto e descontínuo, anterior ao advento da Lei 8.213/1991, pode ser computado para fins da carência necessária à obtenção da aposentadoria híbrida por idade, ainda que não tenha sido efetivado o recolhimento das contribuições, nos termos do art. 48, § 3o., da Lei 8.213/1991, seja qual for a predominância do labor misto exercido no período de carência ou o tipo de trabalho exercido no momento do implemento do requisito etário ou do requerimento administrativo.
11. Recurso Especial da Segurada provido, determinando-se o retorno dos autos à origem, a fim de que prossiga no julgamento do feito analisando a possibilidade de concessão de aposentadoria híbrida.
(REsp 1674221/SP, Rel. Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 14/08/2019, DJe 04/09/2019).
O termo inicial do benefício deve ser fixado na data do requerimento administrativo apresentado em 26/03/2018, e o termo final deve ser fixado na data do falecimento do autor em 22/01/2019.
Destarte, é de se manter a r. sentença quanto à matéria de fundo, pelos fundamentos ora expendidos, devendo o réu pagar à herdeira habilitada nos autos as parcelas vencidas do benefício, referentes ao período de 26/03/2018 a 22/01/2019, corrigidas monetariamente e acrescidas de juros de mora.
Aplica-se o disposto no Manual de Orientação de Procedimentos para os Cálculos na Justiça Federal no que tange aos índices de correção monetária e taxa de juros de mora.
Convém alertar que das prestações vencidas devem ser descontadas aquelas pagas administrativamente ou por força de liminar, e insuscetíveis de cumulação com o benefício concedido, na forma do Art. 124, da Lei nº 8.213/91.
Os honorários advocatícios devem observar as disposições contidas no inciso II, do § 4º, do Art. 85, do CPC, e a Súmula 111, do e. STJ.
A autarquia previdenciária está isenta das custas e emolumentos, nos termos do Art. 4º, I, da Lei 9.289/96, do Art. 24-A da Lei 9.028/95, com a redação dada pelo Art. 3º da MP 2.180-35/01, e do Art. 8º, § 1º, da Lei 8.620/93.
Ante o exposto, dou parcial provimento à remessa oficial, havida como submetida, e à apelação para limitar o reconhecimento da atividade rural sem registro ao período constante deste voto e para adequar os consectários legais e os honorários advocatícios.
É o voto.
E M E N T A
PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR IDADE. TRABALHO RURAL SEM REGISTRO. INÍCIO DE PROVA MATERIAL CORROBORADA POR PROVA TESTEMUNHAL. BENEFÍCIO DEVIDO NOS TERMOS DO § 3º, DO ART. 48, DA LEI Nº 8.213/91.
1. A Lei nº 11.718/2008, ao alterar o Art. 48, da Lei 8.213/91, possibilitou ao segurado o direito à aposentadoria por idade, mediante a soma dos lapsos temporais de trabalho rural com o urbano.
2. Tempo de serviço rural comprovado mediante apresentação de início de prova material corroborada por idônea prova testemunhal.
3. Tendo o autor completado 65 anos e cumprido a carência com a soma do tempo de serviço rural reconhecido e os demais períodos de trabalho comprovados nos autos, faz jus ao benefício de aposentadoria por idade, desde o requerimento administrativo até seu falecimento.
4. Aplica-se o disposto no Manual de Orientação de Procedimentos para os Cálculos na Justiça Federal no que tange aos índices de correção monetária e taxa de juros de mora.
5. Os honorários advocatícios devem observar as disposições contidas no inciso II, do § 4º, do Art. 85, do CPC, e a Súmula 111, do e. STJ.
6. A autarquia previdenciária está isenta das custas e emolumentos, nos termos do Art. 4º, I, da Lei 9.289/96, do Art. 24-A da Lei 9.028/95, com a redação dada pelo Art. 3º da MP 2.180-35/01, e do Art. 8º, § 1º, da Lei 8.620/93.
7. Remessa oficial, havida como submetida, e apelação providas em parte.
ACÓRDÃO
DESEMBARGADOR FEDERAL
