Processo
ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL / MS
5002105-83.2018.4.03.9999
Relator(a)
Desembargador Federal PAULO OCTAVIO BAPTISTA PEREIRA
Órgão Julgador
10ª Turma
Data do Julgamento
24/07/2020
Data da Publicação/Fonte
e - DJF3 Judicial 1 DATA: 29/07/2020
Ementa
E M E N T A
PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR IDADE. TRABALHO RURAL SEM REGISTRO.
INÍCIO DE PROVA MATERIAL CORROBORADA POR PROVA TESTEMUNHAL.
1. A Lei nº 11.718/2008, ao alterar o Art. 48, da Lei 8.213/91, possibilitou ao segurado o direito à
aposentadoria por idade, mediante a soma dos lapsos temporais de trabalho rural com o urbano.
2. Tempo de serviço rural comprovado mediante apresentação de início de prova material
corroborada por idônea prova testemunhal.
3. Tendo a autora completado 60 anos de idade e cumprido a carência com a soma do tempo de
serviço rural reconhecido e das contribuições vertidas ao RGPS, faz jus ao benefício de
aposentadoria por idade.
4. A correção monetária, que incide sobre as prestações em atraso desde as respectivas
competências, e os juros de mora devem ser aplicados de acordo com o Manual de Orientação
de Procedimentos para os Cálculos na Justiça Federal.
5. Os juros de mora incidirão até a data da expedição do precatório/RPV, conforme decidido em
19.04.2017 pelo Pleno do e. Supremo Tribunal Federal quando do julgamento do RE 579431,
com repercussão geral reconhecida. A partir de então deve ser observada a Súmula Vinculante nº
17.
6. Os honorários advocatícios devem observar as disposições contidas no inciso II, do § 4º, do
Art. 85, do CPC, e a Súmula 111, do e. STJ.
7. Nas ações em trâmite na Justiça do Estado de Mato Grosso do Sul, como é o caso dos autos,
Jurisprudência/TRF3 - Acórdãos
não há, na atualidade, previsão de isenção de custas para o INSS na norma local. Ao revés,
atualmente vige a Lei Estadual/MS 3.779, de 11.11.2009, que prevê expressamente o pagamento
de custas pelo INSS.
8. Apelação provida em parte.
Acórdao
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº5002105-83.2018.4.03.9999
RELATOR:Gab. 34 - DES. FED. BAPTISTA PEREIRA
APELANTE: ANGELA MISSIAGGIA DEOTTI
Advogado do(a) APELANTE: DEONISIO GUEDIN NETO - MS19140-A
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
OUTROS PARTICIPANTES:
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº5002105-83.2018.4.03.9999
RELATOR:Gab. 34 - DES. FED. BAPTISTA PEREIRA
APELANTE: ANGELA MISSIAGGIA DEOTTI
Advogado do(a) APELANTE: DEONISIO GUEDIN NETO - MS19140-A
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
OUTROS PARTICIPANTES:
R E L A T Ó R I O
Trata-se de apelação interposta nos autos de ação de conhecimento em que se objetiva a
concessão de aposentadoria por idade, nos termos da Lei nº 11.718/08.
O MM. Juízo a quo julgou improcedentes os pedidos, condenando a parte autora no pagamento
das despesas processuais e honorários advocatícios arbitrados em 10% do valor atualizado da
causa, observada a gratuidade da justiça.
Inconformada, apela a parte autora, pleiteando a reforma da r. sentença.
Com contrarrazões, subiram os autos.
É o relatório.
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº5002105-83.2018.4.03.9999
RELATOR:Gab. 34 - DES. FED. BAPTISTA PEREIRA
APELANTE: ANGELA MISSIAGGIA DEOTTI
Advogado do(a) APELANTE: DEONISIO GUEDIN NETO - MS19140-A
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
OUTROS PARTICIPANTES:
V O T O
O benefício de aposentadoria por idade está previsto no Art. 48, da Lei nº 8.213/91, que dispõe:
"Art. 48. A aposentadoria por idade será devida ao segurado que, cumprida a carência exigida
nesta Lei, completar 65 (sessenta e cinco) anos de idade, se homem, e 60 (sessenta), se mulher.
§ 1º Os limites fixados no caput são reduzidos para sessenta e cinqüenta e cinco anos no caso de
trabalhadores rurais, respectivamente homens e mulheres, referidos na alínea a do inciso I, na
alínea g do inciso V e nos incisos VI e VII do art. 11.
§ 2º Para os efeitos do disposto no § 1o deste artigo, o trabalhador rural deve comprovar o efetivo
exercício de atividade rural, ainda que de forma descontínua, no período imediatamente anterior
ao requerimento do benefício, por tempo igual ao número de meses de contribuição
correspondente à carência do benefício pretendido, computado o período a que se referem os
incisos III a VIII do § 9º do art. 11 desta Lei.
§ 3º Os trabalhadores rurais de que trata o § 1º deste artigo que não atendam ao disposto no § 2o
deste artigo, mas que satisfaçam essa condição, se forem considerados períodos de contribuição
sob outras categorias do segurado, farão jus ao benefício ao completarem 65 (sessenta e cinco)
anos de idade, se homem, e 60 (sessenta) anos, se mulher."
A aposentadoria por idade, no caso de trabalhadores rurais, referidos na alínea a, do inciso I, na
alínea g, do inciso V e nos incisos VI e VII, do Art. 11, da Lei 8.213/91, portanto, é devida ao
segurado que, cumprido o número de meses exigidos no Art. 143, da Lei 8.213/91, completar 60
anos de idade para homens e 55 para mulheres (Art. 48, § 1º).
De sua vez, o Art. 11, § 1º, da Lei nº 8.213/91 dispõe que "Entende-se como regime de economia
familiar a atividade em que o trabalho dos membros da família é indispensável à própria
subsistência e ao desenvolvimento socioeconômico do núcleo familiar e é exercido em condições
de mútua dependência e colaboração, sem a utilização de empregados permanentes." e o Art.
106, do mesmo diploma legal, elenca os documentos aceitos como prova da atividade rural:
"Art. 106. A comprovação do exercício de atividade rural será feita, alternativamente, por meio de:
I - ...;
II - contrato de arrendamento, parceria ou comodato rural;
III – (revogado);
IV - Declaração de Aptidão ao Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar, de
que trata o inciso II do caput do art. 2º da Lei nº 12.188, de 11 de janeiro de 2010, ou por
documento que a substitua;
V - bloco de notas do produtor rural;
VI - notas fiscais de entrada de mercadorias, de que trata o § 7o do art. 30 da Lei no 8.212, de 24
de julho de 1991, emitidas pela empresa adquirente da produção, com indicação do nome do
segurado como vendedor;
VII - documentos fiscais relativos a entrega de produção rural à cooperativa agrícola, entreposto
de pescado ou outros, com indicação do segurado como vendedor ou consignante;
VIII - comprovantes de recolhimento de contribuição à Previdência Social decorrentes da
comercialização da produção;
IX - cópia da declaração de imposto de renda, com indicação de renda proveniente da
comercialização de produção rural; ou
X - licença de ocupação ou permissão outorgada pelo Incra."
A orientação do c. Superior Tribunal de Justiça direciona no sentido de que, para ter direito à
aposentadoria rural no regime de economia familiar, o segurado deve exercer um único trabalho,
de cultivo da terra em que mora na zona rural, juntamente com o seu cônjuge e/ou com os seus
filhos, produzindo para o sustento da família:
"AÇÃO RESCISÓRIA. PREVIDENCIÁRIO. TRABALHADOR RURAL. APOSENTADORIA POR
IDADE. INÍCIO DE PROVA MATERIAL INSUFICIENTE. ANOTAÇÕES NA CARTEIRA DE
TRABALHO. INAPLICABILIDADE DO CRITÉRIO PRO MISERO. REGIME DE ECONOMIA
FAMILIAR. NÃO-ENQUADRAMENTO NO CONCEITO DE SEGURADO ESPECIAL.
EMPREGADO RURAL. AÇÃO RESCISÓRIA IMPROCEDENTE.
1. ... "omissis".
2. O regime de economia familiar que dá direito ao segurado especial de se aposentar,
independentemente do recolhimento de contribuições, é a atividade desempenhada em família,
com o trabalho indispensável de seus membros para a sua subsistência. O segurado especial,
para ter direito a essa aposentadoria, deve exercer um único trabalho, de cultivo da terra em que
mora, juntamente com o seu cônjuge e/ou com os seus filhos, produzindo para o sustento da
família. (g.n.)
3. Enquadramento da autora no conceito dado pelo Estatuto do Trabalhador Rural - Lei 5.889/73 -
, regulamentado pelo Decreto 73.626/74, segundo o qual trabalhador rural é toda pessoa física
que, em propriedade rural ou prédio rústico, presta serviços de natureza não eventual a
empregador rural, sob a dependência deste e mediante salário.
4. Pedido de rescisão improcedente.
(AR.959/SP, Rel. Ministra MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, TERCEIRA SEÇÃO, julgado em
26/05/2010, DJe 02/08/2010)".
A alteração legislativa trazida pela Lei 11.718, de 20.06.2008, que introduziu o §§3 e 4º ao Art. 48
da Lei 8.213/91, passou a permitir a concessão de aposentadoria por idade àqueles segurados
que, embora inicialmente rurícolas, passaram a exercer outras atividades e tenha idade mínima
de 60 anos (mulher) e 65 anos (homem).
Tecidas estas considerações, passo ao exame do caso concreto.
A autora pretende a concessão do benefício de aposentadoria por idade, alegando em suma, que
trabalhou em atividade rural como segurada especial em regime de economia familiar, em
pequena propriedade dos genitores, desde os 12 anos de idade, nos períodos de 06.08.1962 até
13.09.1974, e após o seu casamento, com a família do seu sogro, no período de 01.06.1975 até
01.01.1980. Assevera que deixou o meio rural em 1980 e passou a trabalhar como empregada
urbana informalmente, e com registro desde 02.05.2006, atividade que exercia até o requerimento
administrativo protocolado em 07.03.2017, de modo que somados o tempo de atividade rural e o
urbano cumpre a carência legal exigida.
O primeiro requisito encontra-se atendido, pois a autora, nascida em 06.08.1950, completou 60
anos em 2010, portanto, anteriormente à data do ajuizamento da ação.
Para comprovar o alegado exercício da atividade rural em regime de economia familiar, a autora
acostou aos autos cópia da certidão de inteiro teor do Cartório de Registro de Imóveis de
Xanxerê/SC, referente ao imóvel rural de propriedade de seu genitor José Paulo Missiaggia,
adquirido em 13.12.1976, na qual está qualificado como agricultor (ID 1891068 – pág. 33/38);
cópia da certidão do seu casamento com Egidio Deotti, realizado em 08.11.1969, no Município de
Xanxerê/SC, na qual seu marido está qualificado como agricultor (pág. 16); cópia da ficha de
inscrição do Sindicato dos Trabalhadores Rurais e Coronel Freitas, do sogro Honorato Deoti,
qualificado como agricultor, datada em 19.05.1969 (ID 1891068 – págs. 40/41); cópia da
transcrição do Ofício de Registro de Imóveis de Chapecó/SC, em que consta o seu sogro
Honorato Deotti como adquirente de parte de lotes coloniais em 10.08.1959, situado no Município
de Coronel Freitas/SC (ID 1891068- pág. 39).
O efetivo labor rural é passível de ser reconhecido para integrar o cômputo do tempo de serviço
visando benefício previdenciário de aposentadoria, a partir da data em que o trabalhador
completou a idade de 12 anos, como exemplifica a jurisprudência desta Corte Regional e do c.
Superior Tribunal de Justiça:
"PREVIDENCIÁRIO. REEXAME NECESSÁRIO. PRÉVIO REQUERIMENTO ADMINISTRATIVO.
DECLARATÓRIA. ATIVIDADE RURAL . INÍCIO DE PROVA MATERIAL. PROVA
TESTEMUNHAL. MENOR DE 12 ANOS. LIMITAÇÃO ATIVIDADE ESPECIAL.
APOSENTADORIA POR TEMPO DE SERVIÇO. BENEFÍCIO DEVIDO.
1. omissis.
2. omissis.
3. Existindo início razoável de prova material e prova testemunhal idônea, é admissível o
reconhecimento de tempo de serviço prestado por rurícola sem o devido registro em CTPS.
4. A Constituição Federal de 1946, art. 157, inciso IX, proibia qualquer trabalho aos menores de
14 (quatorze) anos. A Constituição Federal de 1967, no art. 165, inciso X, proibia o trabalho de
menores de 12 anos, de forma que se deve tomar como parâmetro para a admissão do trabalho
rural a limitação da idade de 12 (doze) anos, uma vez que não é factível abaixo dessa idade,
ainda na infância, portanto, possua a criança vigor físico suficiente para o exercício pleno da
atividade rural , sendo sua participação nas lides rurais de caráter limitado, secundário, não se
podendo conceber o seu eventual auxílio como período de efetivo labor rural .
5. O período de atividade rural reconhecido deve ser computado como tempo de serviço, mas não
pode ser considerado para efeito de carência (art. 55, § 2º).
6. Cumprida a carência e preenchidos os demais requisitos legais, o segurado faz jus à
concessão da aposentadoria por tempo de serviço.
7. Reexame necessário, tido por interposto, parcialmente provido.
Preliminar rejeitada. Agravo retido e apelação do INSS desprovidos.
(TRF-3ª Região, AC - 12 84654 - Proc. 2008.03.99.009901-2/SP, 10ª Turma, j. 12 /08/2008, DJF3
27/08/2008) e
PREVIDENCIÁRIO - RECURSO ESPECIAL - RECONHECIMENTO DE TEMPO DE SERVIÇO
RURAL ANTERIOR AOS 14 ANOS DE IDADE - POSSIBIL IDADE - PROVA DOCUMENTAL.
1 - O período de atividade rural trabalhado pelo autor, em regime de economia familiar, foi
comprovado documentalmente através da juntada de documentos em nome do pai do recorrente,
(chefe da unidade familiar), tais como: a) Certidão emitida pelo Instituto Nacional de Colonização
e Reforma Agrária/INCRA, informando o cadastro, junto à apontada Autarquia, de imóvel
pertencente ao pai do autor, Zeno Jacob Glaeser, no município de Palotina/PR, no período de
1965 a 1976, não constando registro de trabalhadores assalariados permanentes no referido
imóvel (fls. 22); b) Certidão de óbito do pai do requerente, ocorrido em 19.07.73, onde consta a
qualificação, daquele, como agricultor (fls. 19); c) Transcrição do Registro de Imóveis, averbando
a venda de propriedade rural , pela genitor a do autor, qualificada como agricultora, com reserva
de usufruto vitalício, em 07.08.92, na qual este figura como um dos adquirentes (fls. 23/24).
- Precedentes desta Corte.
- Recurso conhecido e provido, para que seja considerado como início do tempo de serviço do
autor, a data em que completou 12 anos de idade , ou seja, 05. 12 .1966. (g.n.)
(REsp 4998 12 /PR, 5ª Turma, Relator Ministro Jorge Scartezzini, j. 16. 12 .2003, DJ 25.02.2004
pág. 210)".
A prova oral produzida em Juízo corrobora a prova material apresentada.
Como se pode inferir do CNIS juntado como início de prova material, a autora laborou com
vínculo urbano nos períodos de 13.09.1974 a 19.05.1975 e após, em 02.05.2006, contratada por
Egidio Deotti – ME, com vínculo em aberto (ID págs. 23/26), restando descaracterizada a sua
condição de segurada especial rural, não lhe sendo possível beneficiar-se da redução de 05 anos
na aposentadoria por idade.
Assim, comprovado que se acha, portanto, é de ser reconhecido, independente do recolhimento
das contribuições, o tempo de serviço de trabalho rural da autora, no período de 06.08.1962, data
em que completou 12 anos de idade, até o dia anterior ao primeiro registro em atividade urbana
assentado no CNIS, em 13.09.1974, que perfaz o montante de 12 anos, 01 mês e 07 sete dias de
tempo de serviço.
Por outro lado, como já dito e se vê dos registros anotados no CNIS juntado aos autos, a autora
laborou formalmente com vínculo urbano nos períodos de 13.09.1974 a 19.05.1975 e de
02.05.2006 até a DER em 07.03.2017.
Somados o tempo de trabalho rural ora reconhecido, com o tempo de serviço urbano, perfaz a
autora a carência exigida, que é de 180 meses.
Nesse passo, tendo a autora completado 60 anos em 06.08.2010, atende também ao requisito
etário, fazendo jus ao benefício de aposentadoria por idade, contemplada no Art. 48, caput, da Lei
8.213/91.
Nesse sentido decidiu o e. Superior Tribunal de Justiça ao julgar o REsp 1674221/SP, submetido
ao rito dos recursos repetitivos:
"PREVIDENCIÁRIO. RECURSO ESPECIAL. RECURSO ESPECIAL SUBMETIDO AO RITO DOS
RECURSOS REPETITIVOS. OBSERVÂNCIA DO ARTIGO 1.036, § 5o. DO CÓDIGO FUX E DOS
ARTS. 256-E, II, E 256-I DO RISTJ. APOSENTADORIA HÍBRIDA. ART. 48, §§ 3o. E 4o. DA LEI
8.213/1991. PREVALÊNCIA DO PRINCÍPIO DE ISONOMIA A TRABALHADORES RURAIS E
URBANOS. MESCLA DOS PERÍODOS DE TRABALHO URBANO E RURAL. EXERCÍCIO DE
ATIVIDADE RURAL, REMOTO E DESCONTÍNUO, ANTERIOR À LEI 8.213/1991 A DESPEITO
DO NÃO RECOLHIMENTO DE CONTRIBUIÇÃO. CÔMPUTO DO TEMPO DE SERVIÇO PARA
FINS DE CARÊNCIA. DESNECESSIDADE DE COMPROVAÇÃO DO LABOR CAMPESINO POR
OCASIÃO DO IMPLEMENTO DO REQUISITO ETÁRIO OU DO REQUERIMENTO
ADMINISTRATIVO. TESE FIXADA EM HARMONIA COM O PARECER MINISTERIAL.
RECURSO ESPECIAL DA SEGURADA PROVIDO.
1. A análise da lide judicial que envolve a proteção do Trabalhador Rural exige do julgador
sensibilidade, e é necessário lançar um olhar especial a esses trabalhadores para compreender a
especial condição a que estão submetidos nas lides campesinas.
2. Como leciona a Professora DANIELA MARQUES DE MORAES, é preciso analisar quem é o
outro e em que este outro é importante para os preceitos de direito e de justiça. Não obstante o
outro possivelmente ser aqueles que foi deixado em segundo plano, identificá-lo pressupõe um
cuidado maior. Não se pode limitar a apontar que seja o outro. É preciso tratar de tema correlatos
ao outro, com alteridade, responsabilidade e, então, além de distinguir o outro, incluí-lo (mas não
apenas de modo formal) ao rol dos sujeitos de direito e dos destinatários da justiça (A Importância
do Olhar do Outro para a Democratização do Acesso à Justiça, Rio de Janeiro: Lumen Juris,
2015, p. 35).
3. A Lei 11.718/2008, ao incluir a previsão dos §§ 3o. e 4o. no art. 48 da lei 8.213/1991, abrigou,
como já referido, aqueles Trabalhadores Rurais que passaram a exercer temporária ou
permanentemente períodos em atividade urbana, já que antes da inovação legislativa o mesmo
Segurado se encontrava num paradoxo jurídico de desamparo previdenciário: ao atingir idade
avançada, não podia receber a aposentadoria rural porque exerceu trabalho urbano e não tinha
como desfrutar da aposentadoria urbana em razão de o curto período laboral não preencher o
período de carência (REsp. 1. 407.613/RS, Rel. Min. HERMAN BENJAMIN, DJe 28.11.2014).
4. A aposentadoria híbrida consagra o princípio constitucional de uniformidade e equivalência dos
benefícios e serviços às populações urbanas e rurais, conferindo proteção àqueles Trabalhadores
que migraram, temporária ou definitivamente, muitas vezes acossados pela penúria, para o meio
urbano, em busca de uma vida mais digna, e não conseguiram implementar os requisitos para a
concessão de qualquer aposentadoria, encontrando-se em situação de extrema vulnerabilidade
social.
5. A inovação legislativa objetivou conferir o máximo aproveitamento e valorização ao labor rural,
ao admitir que o Trabalhador que não preenche os requisitos para concessão de aposentadoria
rural ou aposentadoria urbana por idade possa integrar os períodos de labor rural com outros
períodos contributivos em modalidade diversa de Segurado, para fins de comprovação da
carência de 180 meses para a concessão da aposentadoria híbrida, desde que cumprido o
requisito etário de 65 anos, se homem, e 60 anos, se mulher.
6. Analisando o tema, esta Corte é uníssona ao reconhecer a possibilidade de soma de lapsos de
atividade rural, ainda que anteriores à edição da Lei 8.213/1991, sem necessidade de
recolhimento de contribuições ou comprovação de que houve exercício de atividade rural no
período contemporâneo ao requerimento administrativo ou implemento da idade, para fins de
concessão de aposentadoria híbrida, desde que a soma do tempo de serviço urbano ou rural
alcance a carência exigida para a concessão do benefício de aposentadoria por idade.
7. A teste defendida pela Autarquia Previdenciária, de que o Segurado deve comprovar o
exercício de período de atividade rural nos últimos quinze anos que antecedem o implemento
etário, criaria uma nova regra que não encontra qualquer previsão legal. Se revela, assim, não só
contrária à orientação jurisprudencial desta Corte Superior, como também contraria o objetivo da
legislação previdenciária.
8. Não admitir o cômputo do trabalho rural exercido em período remoto, ainda que o Segurado
não tenha retornado à atividade campesina, tornaria a norma do art. 48, § 3o. da Lei 8.213/1991
praticamente sem efeito, vez que a realidade demonstra que a tendência desses Trabalhadores é
o exercício de atividade rural quando mais jovens, migrando para o atividade urbana com o
avançar da idade. Na verdade, o entendimento contrário, expressa, sobretudo, a velha posição
preconceituosa contra o Trabalhador Rural, máxime se do sexo feminino.
9. É a partir dessa realidade social experimentada pelos Trabalhadores Rurais que o texto legal
deve ser interpretado, não se podendo admitir que a justiça fique retida entre o rochedo que o
legalismo impõe e o vento que o pensamento renovador sopra. A justiça pode ser cega, mas os
juízes não são. O juiz guia a justiça de forma surpreendente, nos meandros do processo, e ela sai
desse labirinto com a venda retirada dos seus olhos.
10. Nestes termos, se propõe a fixação da seguinte tese: o tempo de serviço rural, ainda que
remoto e descontínuo, anterior ao advento da Lei 8.213/1991, pode ser computado para fins da
carência necessária à obtenção da aposentadoria híbrida por idade, ainda que não tenha sido
efetivado o recolhimento das contribuições, nos termos do art. 48, § 3o. da Lei 8.213/1991, seja
qual for a predominância do labor misto exercido no período de carência ou o tipo de trabalho
exercido no momento do implemento do requisito etário ou do requerimento administrativo.
11. Recurso Especial da Segurada provido, determinando-se o retorno dos autos à origem, a fim
de que prossiga no julgamento do feito analisando a possibilidade de concessão de
aposentadoria híbrida.
(REsp 1674221/SP, Rel. Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado
em 14/08/2019, DJe 04/09/2019)".
O termo inicial do benefício deve ser fixado na data do requerimento administrativo, em
07.03.2017 (ID 1891068 – pág. 18).
Destarte, é de se reformar a r. sentença, devendo o réu conceder à autora o benefício de
aposentadoria por idade a partir de 07.03.2017, e pagar as prestações vencidas, corrigidas
monetariamente e acrescidas de juros de mora.
A correção monetária, que incide sobre as prestações em atraso desde as respectivas
competências, e os juros de mora devem ser aplicados de acordo com o Manual de Orientação
de Procedimentos para os Cálculos na Justiça Federal.
Os juros de mora incidirão até a data da expedição do precatório/RPV, conforme decidido em
19.04.2017 pelo Pleno do e. Supremo Tribunal Federal quando do julgamento do RE 579431,
com repercussão geral reconhecida. A partir de então deve ser observada a Súmula Vinculante nº
17.
Convém alertar que das prestações vencidas devem ser descontadas aquelas pagas
administrativamente ou por força de liminar, e insuscetíveis de cumulação com o benefício
concedido, na forma do Art. 124, da Lei nº 8.213/91.
Os honorários advocatícios devem observar as disposições contidas no inciso II, do § 4º, do Art.
85, do CPC, e a Súmula 111, do e. STJ.
A autarquia previdenciária não tem isenção no pagamento de custas na justiça estadual. Neste
sentido, o entendimento consagrado na Súmula 178 do STJ, a saber:
"O INSS não goza de isenção do pagamento de custas e emolumentos, nas ações acidentárias e
de benefícios, propostas na justiça estadual."
Com efeito, a regra geral é excetuada apenas nos Estados-membros onde a lei estadual assim
prevê, em razão da supremacia da autonomia legislativa local.
Assim, nas ações em trâmite na Justiça do Estado de Mato Grosso do Sul, como é o caso dos
autos, não há, na atualidade, previsão de isenção de custas para o INSS na norma local. Ao
revés, atualmente vige a Lei Estadual/MS 3.779, de 11.11.2009, que prevê expressamente o
pagamento de custas pelo INSS.
Ante o exposto, dou parcial provimento à apelação.
É o voto.
E M E N T A
PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR IDADE. TRABALHO RURAL SEM REGISTRO.
INÍCIO DE PROVA MATERIAL CORROBORADA POR PROVA TESTEMUNHAL.
1. A Lei nº 11.718/2008, ao alterar o Art. 48, da Lei 8.213/91, possibilitou ao segurado o direito à
aposentadoria por idade, mediante a soma dos lapsos temporais de trabalho rural com o urbano.
2. Tempo de serviço rural comprovado mediante apresentação de início de prova material
corroborada por idônea prova testemunhal.
3. Tendo a autora completado 60 anos de idade e cumprido a carência com a soma do tempo de
serviço rural reconhecido e das contribuições vertidas ao RGPS, faz jus ao benefício de
aposentadoria por idade.
4. A correção monetária, que incide sobre as prestações em atraso desde as respectivas
competências, e os juros de mora devem ser aplicados de acordo com o Manual de Orientação
de Procedimentos para os Cálculos na Justiça Federal.
5. Os juros de mora incidirão até a data da expedição do precatório/RPV, conforme decidido em
19.04.2017 pelo Pleno do e. Supremo Tribunal Federal quando do julgamento do RE 579431,
com repercussão geral reconhecida. A partir de então deve ser observada a Súmula Vinculante nº
17.
6. Os honorários advocatícios devem observar as disposições contidas no inciso II, do § 4º, do
Art. 85, do CPC, e a Súmula 111, do e. STJ.
7. Nas ações em trâmite na Justiça do Estado de Mato Grosso do Sul, como é o caso dos autos,
não há, na atualidade, previsão de isenção de custas para o INSS na norma local. Ao revés,
atualmente vige a Lei Estadual/MS 3.779, de 11.11.2009, que prevê expressamente o pagamento
de custas pelo INSS.
8. Apelação provida em parte.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Decima Turma, por
unanimidade, decidiu dar parcial provimento a apelacao, nos termos do relatório e voto que ficam
fazendo parte integrante do presente julgado.
Resumo Estruturado
VIDE EMENTA
