
10ª Turma
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5004001-25.2022.4.03.9999
RELATOR: Gab. 34 - DES. FED. BAPTISTA PEREIRA
APELANTE: TEREZA DIAS DOS SANTOS
Advogado do(a) APELANTE: ANA PAULA SILVA DE SOUZA - MS11007-A
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
OUTROS PARTICIPANTES:
10ª Turma
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5004001-25.2022.4.03.9999
RELATOR: Gab. 34 - DES. FED. BAPTISTA PEREIRA
APELANTE: TEREZA DIAS DOS SANTOS
Advogado do(a) APELANTE: ANA PAULA SILVA DE SOUZA - MS11007-A
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
OUTROS PARTICIPANTES:
R E L A T Ó R I O
Trata-se de apelação interposta em ação de conhecimento em que se objetiva a concessão da aposentadoria por idade a trabalhadora rural.
O MM. Juízo a quo extinguiu o feito sem resolução do mérito, por ausência de conteúdo probatório eficaz a instruir a petição inicial, condenando a parte autora ao pagamento de honorários advocatícios arbitrados no valor de R$1.100,00, observada a gratuidade da justiça.
Em seu recurso a autora pleiteia a reforma da r. sentença.
Sem contrarrazões, subiram os autos.
É o relatório.
10ª Turma
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5004001-25.2022.4.03.9999
RELATOR: Gab. 34 - DES. FED. BAPTISTA PEREIRA
APELANTE: TEREZA DIAS DOS SANTOS
Advogado do(a) APELANTE: ANA PAULA SILVA DE SOUZA - MS11007-A
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
OUTROS PARTICIPANTES:
V O T O
O benefício de aposentadoria por idade está previsto no Art. 48, da Lei nº 8.213/91, que dispõe:
"Art. 48. A aposentadoria por idade será devida ao segurado que, cumprida a carência exigida nesta Lei, completar 65 (sessenta e cinco) anos de idade, se homem, e 60 (sessenta), se mulher.
§ 1º Os limites fixados no caput são reduzidos para sessenta e cinqüenta e cinco anos no caso de trabalhadores rurais, respectivamente homens e mulheres, referidos na alínea a do inciso I, na alínea g do inciso V e nos incisos VI e VII do art. 11.
§ 2º Para os efeitos do disposto no § 1º deste artigo, o trabalhador rural deve comprovar o efetivo exercício de atividade rural, ainda que de forma descontínua, no período imediatamente anterior ao requerimento do benefício, por tempo igual ao número de meses de contribuição correspondente à carência do benefício pretendido, computado o período a que se referem os incisos III a VIII do § 9º do art. 11 desta Lei.
§ 3º Os trabalhadores rurais de que trata o § 1º deste artigo que não atendam ao disposto no § 2º deste artigo, mas que satisfaçam essa condição, se forem considerados períodos de contribuição sob outras categorias do segurado, farão jus ao benefício ao completarem 65 (sessenta e cinco) anos de idade, se homem, e 60 (sessenta) anos, se mulher."
A aposentadoria por idade, no caso de trabalhadores rurais, referidos na alínea a, do inciso I, na alínea g, do inciso V e nos incisos VI e VII, do Art. 11, da Lei 8.213/91, portanto, é devida ao segurado que, cumprido o número de meses exigidos no Art. 143, da Lei 8.213/91, completar 60 anos de idade para homens e 55 para mulheres (Art. 48, § 1º).
Da leitura do dispositivo legal, depreende-se que os requisitos para a concessão da aposentadoria por idade ao trabalhador rural compreendem a idade e a comprovação de efetivo exercício de atividade no campo.
De sua vez, a atividade rural em regime de economia familiar, diferentemente do trabalho rural sem registro, deve ser comprovada mediante a apresentação de documentos que comprovem o efetivo trabalho pelo grupo familiar em terras de sua propriedade ou posse ou arrendadas, tais como: contrato de arrendamento, parceria ou comodato rural; comprovante de cadastro do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária - INCRA, no caso de produtores em regime de economia familiar; bloco de notas do produtor rural; notas fiscais de entrada de mercadorias, emitidas pela empresa adquirente da produção, com indicação do nome do segurado como vendedor; documentos fiscais relativos a entrega de produção rural à cooperativa agrícola, entreposto de pescado ou outros, com indicação do segurado como vendedor ou consignante; comprovantes de recolhimento de contribuição à Previdência Social decorrentes da comercialização da produção; cópia da declaração de imposto de renda, com indicação de renda proveniente da comercialização de produção rural; ou licença de ocupação ou permissão outorgada pelo Incra (Art. 106, da Lei nº 8.213/91).
Tecidas estas considerações, passo ao exame do caso concreto.
O primeiro requisito encontra-se atendido, pois a autora, nascida em 24/05/1962, completou 55 anos em 2017, anteriormente à data do ajuizamento da ação.
Impõe-se verificar, se demonstrado, ou não, o trabalho rural de modo a preencher a carência exigida de 180 meses.
Para comprovar o alegado exercício de atividade rural, a autora instruiu a petição inicial com as cópias dos seguintes documentos: escritura pública declaratória lavrada em 06/01/2017, em que consta que convive em união estável com Zildo Vicente de Laura, desde 01/12/1977; certidão de nascimento de seu filho Gilso Dias de Laura, nascido em 20/07/1981, na qual seu marido está qualificado com a profissão de administrador de fazenda; e a CTPS de seu marido, na qual está anotado o contrato de trabalho de natureza rural, firmado no período de 01/06/1984 a 11/10/1984, no cargo de serviços gerais em estabelecimento especializado em pecuária.
A função de administrador de fazenda é considerada como atividade de natureza urbana, eis que se trata "de um gerente de fazenda, com atribuições diversas da agropastoril", conforme já decidido por esta Corte (AC nº 0024593-25.2015.4.03.9999/MS, 9ª Turma, D.E. publicado em 30.11.2016).
Não é possível estender a condição de trabalhador rural de um cônjuge ao outro quando o início de prova material apresentado se restringir, tão só, à CTPS, uma vez que os contratos de trabalho nela registrados não significam que o postulante tenha trabalhado no meio rural, dado o seu caráter pessoal, ou seja, somente o contratado pode prestar o serviço ao empregador.
Confira-se:
"PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR IDADE RURAL. BENEFÍCIO NÃO CONTRIBUTIVO. ARTIGO 143 DA LEI 8.213/91. NORMA TRANSITÓRIA. PROVA MATERIAL. CÔNJUGE EMPREGADO RURAL. PROVA TESTEMUNHAL FRÁGIL. AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO DO LABOR RURAL PELO PERÍODO EXIGIDO NA LEGISLAÇÃO. REQUISITOS NÃO PREENCHIDOS. INVERSÃO DA SUCUMBÊNCIA. APELAÇÃO PROVIDA. TUTELA ESPECÍFICA REVOGADA.
- Discute-se o atendimento das exigências à concessão de aposentadoria por idade ao rurícola, a saber: a comprovação da idade mínima e o desenvolvimento de atividade rural no período imediatamente anterior ao requerimento, consoante o disposto na Lei n. 8.213/91.
- A questão relativa à comprovação de atividade rural se encontra pacificada no Superior Tribunal de Justiça, que exige início de prova material e afasta por completo a prova exclusivamente testemunhal (Súmula 149 do STJ).
- De acordo com o que restou definido quando do julgamento do REsp. 1.321.493/PR, realizado segundo a sistemática de recurso representativo da controvérsia (CPC, art. 543-C), aplica-se a súmula acima aos trabalhadores rurais denominados "boias-frias", sendo imprescindível a apresentação de início de prova material, corroborada com provas testemunhal, para comprovação de tempo de serviço.
- ... "omissis".
- ... "omissis".
- ... "omissis".
- ... "omissis".
- ... "omissis".
- ... "omissis".
- ... "omissis".
- ... "omissis".
- ... "omissis".
- ... "omissis".
- ... "omissis".
- Outrossim, CTPS do cônjuge com dois vínculos empregatício rural, nos interstícios de 1º/4/2004 a 21/12/2008 e 1º/9/2009 a 18/2/2010. Contudo, tais anotações rurais não podem ser estendidas à autora, porque ele trabalhava com registro em CTPS, não em regime de economia familiar (vide súmula nº 73 do Tribunal Regional Federal da 4ª Região).
- Entendo que, no caso dos empregados rurais, mostra-se impossibilitada a extensão da condição de lavrador do marido à mulher, em vista do caráter individual e específico em tais atividades laborais ocorrem. O trabalho, neste caso, não se verifica com o grupo familiar, haja vista restrito ao próprio âmbito profissional de cada trabalhador. Assim, ao contrário da hipótese do segurado especial, não há de se falar em empréstimo, para fins previdenciários, da condição de lavrador do cônjuge.
- No caso, a existência de vínculos rurais registrados em CTPS do marido não significa que a esposa tenha, igualmente, trabalhado no meio rural com aquele no mesmo emprego.
- ... "omissis".
- ... "omissis".
- ... "omissis".
- Não preenchimento dos requisitos exigidos à concessão do benefício pretendido.
- ... "omissis".
- Apelação do INSS provida.
- Revogação da tutela antecipatória de urgência concedida.
(TRF 3ª Região, 9ª Turma, AC - 0019153-43.2018.4.03.9999, Rel. Juiz convocado Rodrigo Zacharias, julgado em 10/10/2018, e-DJF3 Judicial 1 DATA:25/10/2018 )".
Acerca da questão trazida a debate, confira-se a orientação desta Corte Regional:
“PROCESSUAL CIVIL E PREVIDENCIÁRIO. AÇÃO RESCISÓRIA. APOSENTADORIA POR IDADE RURAL. VIOLAÇÃO MANIFESTA DE NORMA JURÍDICA. NÃO OCORRÊNCIA. PROVA NOVA. INCAPACIDADE DE GARANTIR UM PRONUNCIAMENTO FAVORÁVEL.
1. A violação manifesta de norma jurídica pressupõe ofensa frontal e direta a regra legal ou princípio inserto no ordenamento jurídico, a redundar em desobediência flagrante à norma extraída do seu núcleo essencial. Não se trata de cogitar sobre a melhor interpretação da norma, mas de perscrutar sobre a observância dos seus limites mínimos de compreensão.
2. A conclusão adotada pelo julgado, no sentido da não satisfação dos requisitos necessários à concessão de aposentadoria rural por idade, foi orientada pela estrita obediência à legislação de regência. O direito ao benefício não foi reconhecido porque o início de prova material apresentado foi considerado insuficiente para comprovar o efetivo exercício de atividade rural pela parte autora.
3. Os contratos de trabalho em nome do marido, na condição de empregado rural, não se prestam para demonstrar a atividade rurícola desenvolvida pela esposa em regime de economia familiar, diante da natureza do labor e do caráter personalíssimo do vínculo empregatício. (g.n.)
4. A prova nova apta a rescindir o julgado é aquela cuja existência era ignorada pela parte ou que não pôde ser utilizada no momento oportuno, capaz, por si só, de assegurar-lhe um pronunciamento favorável.
5. Os documentos apresentados pela parte autora, embora acrescentem início de prova material de labor rural, não se mostram capazes de garantir, por si sós, um pronunciamento favorável, já que apenas indicam a existência de propriedade rural em seu nome, mas não o desenvolvimento de trabalho no campo pelo tempo exigido.
6. Ação rescisória cujo pedido se julga improcedente.
(AR - AÇÃO RESCISÓRIA/ SP - Proc. nº 5022032-20.2022.4.03.0000, Desembargador Federal PAULO OCTAVIO BAPTISTA PEREIRA, Órgão Julgador 3ª Seção, Data do Julgamento 06/09/2023, Data da Publicação/Fonte DJEN DATA: 14/09/2023)”
De outra parte, como se vê dos registros anotados em CTPS, o marido da autora migrou para as lides urbanas em 01/01/1992, contratado para exercer o cargo de ajudante geral em estabelecimento de conservação de estradas e após, trabalhou como servente, vigia e ajudante geral, descaracterizando a sua condição de trabalhador rural.
Assim, não havendo nos autos documentos hábeis, contemporâneos ao período que se quer comprovar, admissíveis como início de prova material e, considerando que o labor rural deve ser comprovado por meio de início de prova material corroborada por idônea prova testemunhal, é de ser mantida a r. sentença que extinguiu o feito sem resolução do mérito, por ausência de pressuposto de constituição válido do processo.
Nesse sentido decidiu o e. Superior Tribunal de Justiça no julgamento do recurso representativo da controvérsia:
"DIREITO PREVIDENCIÁRIO. RECURSO ESPECIAL REPRESENTATIVO DA CONTROVÉRSIA. ART. 543-C DO CPC. RESOLUÇÃO No. 8/STJ. APOSENTADORIA POR IDADE RURAL. AUSÊNCIA DE PROVA MATERIAL APTA A COMPROVAR O EXERCÍCIO DA ATIVIDADE RURAL. CARÊNCIA DE PRESSUPOSTO DE CONSTITUIÇÃO E DESENVOLVIMENTO VÁLIDO DO PROCESSO. EXTINÇÃO DO FEITO SEM JULGAMENTO DO MÉRITO, DE MODO QUE A AÇÃO PODE SER REPROPOSTA, DISPONDO A PARTE DOS ELEMENTOS NECESSÁRIOS PARA COMPROVAR O SEU DIREITO. RECURSO ESPECIAL DO INSS DESPROVIDO.
1. Tradicionalmente, o Direito Previdenciário se vale da processualística civil para regular os seus procedimentos, entretanto, não se deve perder de vista as peculiaridades das demandas previdenciárias, que justificam a flexibilização da rígida metodologia civilista, levando-se em conta os cânones constitucionais atinentes à Seguridade Social, que tem como base o contexto social adverso em que se inserem os que buscam judicialmente os benefícios previdenciários.
2. As normas previdenciárias devem ser interpretadas de modo a favorecer os valores morais da Constituição Federal/1988, que prima pela proteção do Trabalhador Segurado da Previdência Social, motivo pelo qual os pleitos previdenciários devem ser julgados no sentido de amparar a parte hipossuficiente e que, por esse motivo, possui proteção legal que lhe garante a flexibilização dos rígidos institutos processuais. Assim, deve-se procurar encontrar na hermenêutica previdenciária a solução que mais se aproxime do caráter social da Carta Magna, a fim de que as normas processuais não venham a obstar a concretude do direito fundamental à prestação previdenciária a que faz jus o segurado.
3. Assim como ocorre no Direito Sancionador, em que se afastam as regras da processualística civil em razão do especial garantismo conferido por suas normas ao indivíduo, deve-se dar prioridade ao princípio da busca da verdade real, diante do interesse social que envolve essas demandas.
4. A concessão de benefício devido ao trabalhador rural configura direito subjetivo individual garantido constitucionalmente, tendo a CF/88 dado primazia à função social do RGPS ao erigir como direito fundamental de segunda geração o acesso à Previdência do Regime Geral; sendo certo que o trabalhador rural, durante o período de transição, encontra-se constitucionalmente dispensado do recolhimento das contribuições, visando à universalidade da cobertura previdenciária e a inclusão de contingentes desassistidos por meio de distribuição de renda pela via da assistência social.
5. A ausência de conteúdo probatório eficaz a instruir a inicial, conforme determina o art. 283 do CPC, implica a carência de pressuposto de constituição e desenvolvimento válido do processo, impondo a sua extinção sem o julgamento do mérito (art. 267, IV do CPC) e a consequente possibilidade de o autor intentar novamente a ação (art. 268 do CPC), caso reúna os elementos necessários à tal iniciativa.
6. Recurso Especial do INSS desprovido.
(REsp 1352721/SP, Rel. Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, CORTE ESPECIAL, julgado em 16/12/2015, DJe 28/04/2016)”.
Destarte, é de se manter a r. sentença por seus próprios fundamentos.
Ante o exposto, nego provimento à apelação.
É o voto.
E M E N T A
PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR IDADE. TRABALHO RURAL SEM REGISTRO. PROVA MATERIAL. PRESSUPOSTO DE CONSTITUIÇÃO E DESENVOLVIMENTO VÁLIDO DO PROCESSO.
1. Os requisitos para a concessão da aposentadoria por idade ao trabalhador rural compreendem a idade e a comprovação de efetivo exercício de atividade no campo.
2. Não é possível estender a condição de trabalhador rural de um cônjuge ao outro quando o início de prova material apresentado se restringir, tão só, à CTPS, uma vez que os contratos de trabalho nela registrados não significam que o postulante tenha trabalhado no meio rural, dado o seu caráter pessoal, ou seja, somente o contratado pode prestar o serviço ao empregador.
3. Não havendo nos autos documentos hábeis, contemporâneos ao período que se quer comprovar, admissíveis como início de prova material, é de ser mantida a r. sentença que extinguiu o feito sem resolução do mérito, face a ausência de pressuposto de constituição e desenvolvimento válido do processo.
4. Apelação desprovida.
