D.E. Publicado em 22/02/2019 |
EMENTA
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Sétima Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, dar parcial provimento à apelação da parte autora, concedendo a tutela específica, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
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APELAÇÃO CÍVEL Nº 0031242-40.2014.4.03.9999/SP
RELATÓRIO
O EXCELENTÍSSIMO SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL CARLOS DELGADO (RELATOR):
Trata-se de apelação interposta por MARIA APPARECIDA BRITTO DE FREITAS, em ação por ela ajuizada em face do INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS, objetivando a concessão de aposentadoria por idade urbana, mediante o reconhecimento de períodos de exercício de atividade como empregada doméstica, de 1962 a 1972, e como faxineira, de 1977 a 1996, sem registro em CTPS.
A r. sentença de fls. 61/62, julgou improcedente o pedido inicial, condenando a autora no pagamento de custas e honorários advocatícios, fixados em 15% sobre o valor dado à causa, observado o art. 12 da lei 1.060/50, por ser beneficiária da justiça gratuita.
Em razões recursais de fls. 70/86, pugna a autora pela reforma da sentença, ao fundamento de que foram preenchidos os requisitos para a concessão do benefício pleiteado, considerando que o conjunto probatório carreado aos autos foi suficiente para demonstrar o labor urbano sem registro em CTPS.
Sem contrarrazões do INSS.
Devidamente processado o recurso, foram os autos remetidos a este Tribunal Regional Federal.
É o relatório.
VOTO
O EXCELENTÍSSIMO SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL CARLOS DELGADO (RELATOR):
A aposentadoria por idade urbana encontra previsão no caput do art. 48 da Lei 8.213/91, in verbis:
O período de carência exigido é de 180 (cento e oitenta) contribuições mensais (art. 25, II, da Lei 8.213/91), observadas as regras de transição previstas no art. 142 da referida Lei.
Tido como segurado obrigatório, o conceito de trabalhador doméstico foi definido pelo inciso II do artigo 11 da Lei 8.213/91, como sendo "aquele que presta serviço de natureza contínua a pessoa ou família, no âmbito residencial desta, em atividades sem fins lucrativos".
Com efeito, convém esclarecer que, anteriormente à edição da Lei 5.859/72, a empregada doméstica não era considerada segurada obrigatória da Previdência Social.
É sabido que não havia fonte de custeio para o pagamento de benefícios previdenciários aos empregados domésticos antes da vigência da citada lei, e que, portanto, não estavam protegidos pelo sistema previdenciário.
Somente após a edição da referida lei foram assegurados os benefícios da previdência aos empregados domésticos. Como garantia do custeio dos benefícios, foi estabelecida a obrigatoriedade de contribuições, a cargo do empregador e do empregado, nos termos dos arts. 4º e 5º da Lei 5.859/72, in verbis:
Dessa forma, somente após a edição da Lei 5.859/72 o empregado doméstico passou à condição de segurado obrigatório, sendo indispensável o recolhimento das respectivas contribuições previdenciárias, a cargo do empregador, para que o tempo laborado seja computado para efeito de carência. Como dito anteriormente, esse conceito foi recepcionado pelo inciso II do art. 11 da Lei 8.213/91.
Portanto, após a vigência da Lei 5.859/72, o empregador tornou-se o responsável tributário pelos descontos e recolhimentos das contribuições previdenciárias, responsabilidade que também foi disciplinada pelo inciso V do art. 30 da Lei 8.212/91, motivo pelo qual não se pode punir o empregado doméstico pela ausência de recolhimentos, podendo ser computado o período laborado e comprovado para fins de carência, independentemente de indenização aos cofres da Previdência.
Sendo assim, não se admite que a eventual inadimplência das obrigações trabalhistas e previdenciárias, relativas a período de trabalho como empregado doméstico, venha causar prejuízo àquele que postula um direito previdenciário, devendo recair sobre o empregador desidioso a responsabilidade na esfera civil e criminal, já que é o responsável tributário pelas obrigações previdenciárias.
Nesse sentido é o entendimento do E. STJ, in verbis:
Nesse contexto, o E. STJ definiu que, no período anterior à vigência Lei n° 5.859/72, admite-se a declaração extemporânea do ex-empregador como início de prova material e, não existindo então a previsão legal para registro trabalhista e filiação previdenciária do trabalhador doméstico, portanto, é descabida a exigência de recolhimento das contribuições previdenciárias relativas ao aludido período anterior à previsão legal. Quanto ao período posterior à vigência da Lei nº 5.859/72, o empregador doméstico tornou-se o responsável tributário pelos descontos e recolhimentos das contribuições previdenciárias (EDcl no AGRG no REsp n° 1.059.063; AgRg no REsp n° 1.001.652).
Desse modo, tem-se que, até 08/04/73, a declaração extemporânea do ex-empregador deve ser aceita como início de prova material e não cabe a exigência de recolhimento das contribuições previdenciárias, bem como, a partir de 09/04/73, incide a exigência de recolhimento das contribuições previdenciárias pelo empregador doméstico.
Com a edição das Leis 8.212/91 e 8.213/91, os empregados domésticos continuaram sendo segurados obrigatórios do RGPS, devendo verter contribuições à Previdência Social, tendo direito à mesma cobertura devida aos demais trabalhadores urbanos, nos moldes exigidos pela legislação previdenciária, ou seja, comprovação da carência de 180 meses, conforme estipulado no artigo 25, inciso II, da Lei 8.213/91.
Cumpre ressaltar que o art. 55, § 3º, da Lei de Benefícios estabelece que a comprovação do tempo de serviço somente produzirá efeito quando baseada em início de prova material, não sendo admitida prova exclusivamente testemunhal. Necessária, ainda, a existência de, ao menos, um início válido de prova material situado no lapso temporal cuja comprovação se pretende.
Dito isso, aprecio o conjunto probatório trazido aos autos.
A parte autora pleiteia a concessão de aposentadoria por idade urbana. Nasceu em 08 de fevereiro de 1942 (fl. 14), tendo implementado o requisito etário em 08 de fevereiro de 2002. Deveria, portanto, comprovar, ao menos, 126 (cento e vinte e seis) meses de contribuição, conforme determinação contida no art. 142 da Lei nº 8.213/91, uma vez que o segurado já se encontrava inscrito na Previdência Social Urbana em 24 de julho de 1991.
Foi acostada aos autos cópia da CTPS da autora, na qual constam registros como doméstica, nos períodos de 1º/06/1976 a 30/11/1976 e de 1º/03/1987 a 31/07/1987, para Margareth Camargo Gonçalves e Aparecida Maria Ferreira, respectivamente; bem como no período de 03/06/1996 a 13/02/1997, como faxineira na empresa Força Tarefa Serviços S/C Ltda. (fls. 21/23). Além disso, foram juntados comprovantes de recolhimentos previdenciários relativos às competências de 10/1981, 02/1982, 03/1982, 09/1982, 03/1987, 07/1987, 12/1988, 04/1991 e 12/1991 (fls. 24/35). Também foi juntada declaração firmada por Angelica Alves da Silva, em 2013, atestando que a autora trabalhou na residência da família dela, de 1962 a 1972, na função de empregada doméstica (fl. 20); bem como cópia de certidão de casamento da autora, ocorrido em 1969, na qual ela foi qualificada como "serviços domésticos" (fl. 18).
Foi produzida prova oral.
Sebastião Aparecido Alves, cujo depoimento foi colhido em audiência realizada em 2014, afirmou conhecer a autora há cerca de cinquenta anos e sabe que nessa época a autora já trabalhava como empregada doméstica. Disse não conhecer os patrões da autora, apenas uma delas, chamada Margareth, mas não sabe por quanto tempo trabalhou para a referida patroa. Informou que a autora sempre trabalhou tanto como empregada doméstica como quanto faxineira, porém não soube informar detalhes dos vínculos e dos empregadores.
Florinda Alves de Macedo Leite relatou conhecer a autora há cinquenta anos e que sempre a via indo trabalhar como empregada doméstica. A depoente não soube informar os nomes dos patrões da autora, com exceção de uma, chamada Angélica (fl. 60).
Assim sendo, com base no conjunto probatório, extrai-se que a autora comprovadamente exerceu as lides de empregada doméstica, sendo possível e suficiente o reconhecimento do período de 1962 a 1972, uma vez que, no período anterior à vigência da Lei 5.859/72, não existia previsão legal para registro trabalhista e filiação previdenciária do trabalhador doméstico, sendo, portanto, descabida a exigência de recolhimento das contribuições previdenciárias relativas ao aludido período.
Em relação aos demais períodos pleiteados, como faxineira, não foi apresentado suficiente início de prova material, haja vista que os registros em CTPS, como doméstica, de 1º/03/1987 a 31/07/1987, e como faxineira, de 03/06/1996 a 13/02/1997, embora sejam prova plena do exercício de atividades laborativas em relação aos referidos interregnos, não se constituem - quando apresentados isoladamente - em suficiente início de prova material do labor em outros períodos que nele não constam. Portanto, no tocante ao período de 1977 a 1996, este relator segue convicto da inviabilidade do reconhecimento de prestação de serviço "entretempos" - entre contratos anotados em CTPS - na medida em que a existência de tais contratos afastaria a presunção de que o labor teria sido ininterrupto.
Dessa forma, preenche a autora os requisitos para a concessão de aposentadoria por idade, considerando que atendeu ao requisito etário, bem como logrou a demonstração do exercício de atividades laborativas por período superior à carência exigida em lei, conforme planilha anexa, sendo, portanto, de rigor, a concessão do benefício pleiteado.
O termo inicial do benefício deve ser fixado na data do requerimento administrativo (05/03/2009 - fl. 16).
A correção monetária dos valores em atraso deverá ser calculada de acordo com o Manual de Orientação de Procedimentos para os Cálculos na Justiça Federal vigente quando da elaboração da conta, aplicando-se o IPCA-E nos moldes do julgamento proferido pelo C. STF, sob a sistemática da repercussão geral (Tema nº 810 e RE nº 870.947/SE), com efeitos prospectivos.
Ressalto que os embargos de declaração opostos contra referido acórdão tem por escopo a modulação dos seus efeitos - atribuição de eficácia prospectiva -, sendo que a concessão de efeito suspensivo não impede o julgamento do presente recurso, haja vista que o quanto lá decidido deverá ser observado apenas no momento da liquidação deste julgado.
Os juros de mora, incidentes até a expedição do ofício requisitório, devem ser fixados de acordo com o Manual de Orientação de Procedimentos para os Cálculos na Justiça Federal, por refletir as determinações legais e a jurisprudência dominante.
Quanto aos honorários advocatícios, é inegável que as condenações pecuniárias da autarquia previdenciária são suportadas por toda a sociedade, razão pela qual a referida verba deve, por imposição legal, ser fixada moderadamente - conforme, aliás, preconizava o §4º, do art. 20 do CPC/73, vigente à época do julgado recorrido - o que restará perfeitamente atendido com o percentual de 10% (dez por cento), devendo o mesmo incidir sobre o valor das parcelas vencidas até a data da prolação da sentença, consoante o verbete da Súmula 111 do Superior Tribunal de Justiça.
O termo ad quem a ser considerado continua sendo a data da prolação da sentença, ainda que reformada. E isso se justifica pelo princípio constitucional da isonomia. Explico. Na hipótese de procedência do pleito em 1º grau de jurisdição e sucumbência da autarquia previdenciária, o trabalho do patrono, da mesma forma que no caso de improcedência, perdura enquanto não transitada em julgado a decisão final. O que altera são, tão somente, os papéis exercidos pelos atores judicias que, dependendo da sorte do julgamento, ocuparão polos distintos em relação ao que foi decidido. Portanto, não considero lógico e razoável referido discrímen, a ponto de justificar o pleiteado tratamento diferenciado, agraciando com maior remuneração profissionais que exercem suas funções em 1º e 2º graus com o mesmo empenho e dedicação.
Por tais razões, imperiosa a fixação do termo final, para a incidência da verba honorária, na data da r. sentença de primeiro grau.
Por derradeiro, a hipótese da ação comporta a outorga de tutela específica nos moldes do art. 497 do Código de Processo Civil. Dessa forma, em atenção a expresso requerimento da parte autora, visando assegurar o resultado concreto buscado na demanda e a eficiência da prestação jurisdicional, independentemente do trânsito em julgado, determino seja enviado e-mail ao INSS - Instituto Nacional do Seguro Social, instruído com os documentos da parte autora, a fim de serem adotadas as providências cabíveis ao cumprimento desta decisão, para a implantação do benefício no prazo máximo de 20 (vinte) dias.
É como voto.
CARLOS DELGADO
Desembargador Federal
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Data e Hora: | 12/02/2019 16:46:21 |