
9ª Turma
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5002719-78.2024.4.03.9999
RELATOR: Gab. 31 - DES. FED. DALDICE SANTANA
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: MARIA DE FATIMA PIAUI MUNHOZ CALISTER
Advogado do(a) APELADO: VICTOR MARCELO HERRERA - MS9548-S
OUTROS PARTICIPANTES:
9ª Turma
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5002719-78.2024.4.03.9999
RELATOR: Gab. 31 - DES. FED. DALDICE SANTANA
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: MARIA DE FATIMA PIAUI MUNHOZ CALISTER
Advogado do(a) APELADO: VICTOR MARCELO HERRERA - MS9548-S
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R E L A T Ó R I O
Cuida-se de apelação interposta em face da sentença, submetida a reexame necessário, que julgou procedente o pedido de aposentadoria por incapacidade permanente, desde o requerimento administrativo (DER 15/7/2022), discriminados os consectários legais, antecipados os efeitos da tutela.
A autarquia previdenciária alega a preexistência da incapacidade laboral da parte autora em relação ao seu retorno tardio ao sistema previdenciário e requer a reforma integral do julgado. Subsidiariamente, requer: "1. A observância da prescrição quinquenal; 2. Na hipótese de concessão de aposentadoria, a intimação da parte autora para firmar e juntar aos autos a autodeclaração prevista no anexo I da Portaria INSS nº 450, de 03 de abril de 2020, em observância às regras de acumulação de benefícios estabelecida no art. 24, §§ 1.º e 2.º da Emenda Constitucional 103/2019; 3. A fixação dos honorários advocatícios nos termos da Súmula 111 do STJ; 4. A declaração de isenção de custas e outras taxas judiciárias; 5. O desconto dos valores já pagos administrativamente ou de qualquer benefício inacumulável recebido no período e a cobrança de eventuais valores pagos em sede de antecipação dos efeitos da tutela posteriormente revogada."
Com contrarrazões, subiram os autos a esta Corte.
É o relatório.
9ª Turma
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5002719-78.2024.4.03.9999
RELATOR: Gab. 31 - DES. FED. DALDICE SANTANA
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: MARIA DE FATIMA PIAUI MUNHOZ CALISTER
Advogado do(a) APELADO: VICTOR MARCELO HERRERA - MS9548-S
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V O T O
O recurso atende aos pressupostos de admissibilidade e merece ser conhecido.
Discute-se nos autos o direito da parte autora a benefício por incapacidade.
A cobertura do evento incapacidade para o trabalho é garantia constitucional prevista no Título VIII, Capítulo II da Seguridade Social, especialmente no artigo 201, I, da Constituição Federal (CF/1988), cuja redação atual é dada pela Emenda Constitucional n. 103 (EC n. 103/2019), publicada em 13/11/2019:
“Art. 201. A previdência social será organizada sob a forma do Regime Geral de Previdência Social, de caráter contributivo e de filiação obrigatória, observados critérios que preservem o equilíbrio financeiro e atuarial, e atenderá, na forma da lei, a: I -cobertura dos eventos de incapacidade temporária ou permanente para o trabalho e idade avançada; (...)”.
Já a Lei n. 8.213/1991, aplicando o princípio da distributividade (artigo 194, parágrafo único, III, da CF/1988), estabelece as condições para a concessão desse tipo de benefício.
A aposentadoria por invalidez, atualmente denominada aposentadoria por incapacidade permanente (EC n. 103/2019), é devida ao segurado que for considerado permanentemente incapaz para o exercício de quaisquer atividades laborativas, não sendo possível a reabilitação em outra profissão.
Por sua vez, o auxílio-doença, atualmente denominado auxílio por incapacidade temporária (EC n. 103/2019), é devido ao segurado que ficar temporariamente incapacitado para o trabalho mas, à luz do disposto no artigo 59 da mesma lei, a incapacidade se refere "não para quaisquer atividades laborativas, mas para aquela exercida pelo segurado (sua atividade habitual)" (Direito da Seguridade Social, Simone Barbisan Fortes e Leandro Paulsen, Livraria do Advogado e Esmafe, Porto Alegre, 2005, pág. 128).
Além da incapacidade laboral, são necessárias à concessão desses benefícios: a qualidade de segurado, a carência de 12 (doze) contribuições mensais, quando exigida, bem como a demonstração de que o segurado não estava previamente incapacitado ao filiar-se ao Regime Geral da Previdência Social.
Caso reconhecida a incapacidade apenas parcial para o trabalho, o juiz deve analisar as condições pessoais e sociais do segurado para a concessão de benefício por incapacidade permanente ou temporária. Pode, ainda, conceder auxílio-acidente, na forma do artigo 86 da Lei n. 8.213/1991, se a parcial incapacidade decorre de acidente de trabalho, ou de qualquer natureza, ou ainda de doença profissional ou do trabalho (artigo 20, I e II, da mesma lei).
O reconhecimento da incapacidade laboral, total ou parcial, depende da realização de perícia médica, por perito nomeado pelo Juízo, nos termos do Código de Processo Civil. Porém, o Juiz não está adstrito unicamente às suas conclusões, podendo valer-se de outros elementos pessoais, profissionais ou sociais para a formação de sua convicção, desde que constantes dos autos.
Alguns enunciados da Turma Nacional de Uniformização (TNU) são pertinentes a esse tema.
Súmula 47 da TNU: “Uma vez reconhecida a incapacidade parcial para o trabalho, o juiz deve analisar as condições pessoais e sociais do segurado para a concessão de aposentadoria por invalidez”.
Súmula 53 da TNU: “Não há direito a auxílio-doença ou a aposentadoria por invalidez quando a incapacidade para o trabalho é preexistente ao reingresso do segurado no Regime Geral de Previdência Social”.
Súmula 77 da TNU: “O julgador não é obrigado a analisar as condições pessoais e sociais quando não reconhecer a incapacidade do requerente para a sua atividade habitual”.
No caso dos autos, a perícia médica judicial de 19/8/2023 constatou a incapacidade laboral total e permanente da autora (nascida em 1954, doméstica/serviços gerais), por ser portadora de lombalgia crônica avançada.
Segundo o perito, a autora apresenta "lombalgia crônica avançada que gera prejuízo funcional de natureza patológica que a impede de executar quaisquer tipos de atividade laboral".
Em resposta ao quesito formulado acerca da data de início da incapacidade laboral, o perito afirmou: "Não há como definir tempo exato de início de incapacidade. Por se tratar de uma degeneração de estrutura lombar, os sinais de incapacidade vão surgindo de acordo com o agravo da doença, restando apenas tratamento visando retardar a complica;cão dos sinais e sintomas".
Lembro, por oportuno, que o magistrado não está adstrito ao laudo pericial.
A parte autora não faz jus ao benefício por um motivo bastante preciso. Ela passou toda a idade laborativa sem jamais contribuir para a previdência social, exercendo seus ofícios na informalidade, sem recolher contribuições, e só se filiou quando já estava envelhecida e fisicamente incapaz para o trabalho remunerado.
Consoante dados do Cadastro Nacional de Informações Sociais - CNIS, a autora manteve um único vínculo trabalhista de um dia (de 13/10/2010 a 14/10/2010) e somente retornou ao sistema previdenciário em 4/2021, como contribuinte individual, aos 66 (sessenta e seis) anos, já desgastada pela idade e portadoras das doenças físicas apontadas no laudo.
Ocorre que, não obstante o perito não tenha precisado a data de início da incapacidade laboral, resta patente que a autora já estava incapacitada para o trabalho muito antes de ingressar ao sistema previdenciário, em abril de 2021.
Conforme consignado pelo perito, os males ortopédicos apontados na perícia já estavam em estágio avançado, sendo lícito inferir que eles tiveram início anos antes dessa data, até por se tratar de doenças degenerativas, progressivas, de início e curso insidiosos.
Ademais, é evidente que os documentos médicos mais antigos da parte autora não foram fornecidos ao perito, como costuma ocorrer em casos como esses. Somente foi apresentado um documento de 15/7/2022, o qual declara a necessidade de afastamento do trabalho por tempo indeterminado, em razão do quadro de osteoartrose e discopatia em coluna vertebral.
Entendo que se afigura indevida a concessão de benefício nestas circunstâncias, por ter sido constatada a presença de incapacidade preexistente à refiliação.
Não é possível conceder benefício previdenciário a quem se filia à previdência social quando não mais consegue trabalhar ou mesmo em vias de se tornar inválido.
Infelizmente, esse tipo de artifício - refiliar-se o segurado à previdência social quando já incapacitado - está se tornando comum.
Seja como for, esse tipo de proceder não pode contar com a complacência do Poder Judiciário porque implica burla às regras previdenciárias.
In casu, não há dúvidas de que se aplica a esta demanda o disposto no artigo 42, § 2º, da Lei n. 8.213/1991, por tratar-se de incapacidade preexistente.
Nesse sentido, cito o seguinte precedente:
"PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR INVALIDEZ/AUXÍLIO-DOENÇA. DOENÇA PREEXISTENTE. REQUISITOS NÃO PREENCHIDOS. BENEFICIO NÃO CONCEDIDO.
1. Rejeitada a matéria preliminar arguida pelo INSS, visto que, não obstante o art. 1.012 do Código de Processo Civil/2015 dispor, em seu caput, que, in verbis: " A apelação terá efeito suspensivo ", excepciona no seu §1º, em seus incisos, algumas situações, nas quais será esse recurso recebido somente no efeito devolutivo.
2. A concessão da aposentadoria por invalidez reclama que o requerente seja segurado da Previdência Social, tenha cumprido o período de carência de 12 (doze) contribuições, e esteja incapacitado, total e definitivamente, ao trabalho (art. 201, I, da CR/88 e art. 18, I, "a"; 25, I e 42 da Lei nº 8.213/91). Idênticos requisitos são exigidos à outorga de auxílio-doença, cuja diferença centra-se na duração da incapacidade (arts. 25, I, e 59 da Lei nº 8.213/91).
3. In casu, o laudo pericial realizado em 05/09/2021 (ID 268594629, p. 65/70 e 87), aponta que a parte autora, nascida em 01/05/1950, com ensino fundamental incompleto (1ª série), empregada doméstica, é portadora de miopia degenerativa e visão sub-normal em ambos os olhos, caracterizadora de incapacidade total e permanente para o trabalho, sendo que, segundo relato da autora, sua acuidade visual começou a ficar prejudicada a partir do ano de 2000, mas que não há exames que comprovem a incapacidade nessa data.
4. No presente caso, em consulta ao extrato CNIS/DATAPREV (ID 268594629, p. 87), verifica-se que a parte autora ingressou tardiamente no RGPS (com 54 anos de idade), na qualidade de contribuinte individual, vertendo contribuições previdenciárias nas competências de 01/10/2004 a 30/09/2005, tendo sido concedido auxílio-doença em 11/11/2005 a 21/12/2017, sendo convertido o benefício em aposentadoria por invalidez, a partir de 22/12/2017.
5. Com efeito, as doenças que incapacitam a parte autora são de natureza degenerativa. A parte autora afirmou que desde os 10 anos de idade era portadora de miopia e que sua acuidade visual começou a piorar nos anos de 2000.
6. Somado a isso, tem-se que a autora se filiou ao RGPS com mais de 50 anos, realizando o pagamento de 12 contribuições previdenciárias correspondentes ao período necessário de cumprimento de carência para a concessão do benefício por invalidez, conclui-se que já estava incapacitada quando do ingresso.
7. Portanto, sendo a enfermidade preexistente à filiação da demandante ao Regime Geral de Previdência Social, indevido o benefício pleiteado.
8. Impõe-se, por isso, a reforma da r. sentença com o julgamento de improcedência do pedido.
9. Sucumbente, condeno a parte autora ao pagamento de custas e despesas processuais, bem como em honorários advocatícios, fixados no valor de R$ 1000,00 (mil reais), cuja exigibilidade observará o disposto no artigo 12 da Lei nº 1.060/1950 (artigo 98, § 3º, do Código de Processo Civil/2015), por ser beneficiária da justiça gratuita.
10. Determino, em razão da revogação da tutela, a devolução dos valores recebidos de forma precária pela parte autora, nos moldes da questão de ordem que reafirmou a tese jurídica relativa ao Tema Repetitivo 692/STJ, a qual efetuou acréscimo redacional para ajuste à nova legislação de regência, nos seguintes termos: "A reforma da decisão que antecipa os efeitos da tutela final obriga o autor da ação a devolver os valores dos benefícios previdenciários ou assistenciais recebidos, o que pode ser feito por meio de desconto em valor que não exceda 30% (trinta por cento) da importância de eventual benefício que ainda lhe estiver sendo pago".
11. Preliminar rejeitada. Apelação do INSS provida." (TRF 3ª Região, 8ª Turma, ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL - 5003519-19.2018.4.03.9999, Rel. Desembargador Federal TORU YAMAMOTO, julgado em 27/04/2023, DJEN DATA: 02/05/2023)
Manifestada a incapacidade prévia à refiliação, já iniciada com premeditação ao requerimento de concessão de benefício, irrelevante será eventual agravamento do quadro clínico.
A solidariedade legal tem via dupla: todos devem contribuir para a previdência social, quando exercem atividade de filiação obrigatória, para que todos os necessitados filiados obtenham a proteção previdenciária.
Ademais, é importante destacar, quando a parte autora voltou a efetuar recolhimentos à previdência social, já tinha idade avançada, esta constituindo um dos eventos geradores de benefício previdenciário, à luz da Constituição Federal (artigo 201, I) e da Lei n. 8.213/1991.
Ocorre que, para perceber aposentadoria por idade, é preciso recolher 180 (cento e oitenta) contribuições, a teor do disposto no artigo 25, II, da Lei n. 8.213/1991.
Invertida a sucumbência, condeno a parte autora a pagar custas processuais e honorários de advogado, arbitrados em 12% (doze por cento) sobre o valor atualizado da causa, já majorados em razão da fase recursal, conforme critérios do artigo 85, §§ 1º, 2º, 3º, I, e 4º, III, do CPC, suspensa, porém, a exigibilidade, na forma do artigo 98, § 3º, do mesmo diploma processual, por tratar-se de beneficiária da justiça gratuita.
Em decorrência, revogo a tutela jurídica provisória, consoante Tema Repetitivo n. 692 do Superior Tribunal de Justiça (STJ).
Diante do exposto, dou provimento à apelação do INSS para julgar improcedentes os pedidos e revogo a tutela jurídica provisória, consoante Tema Repetitivo n. 692 do STJ.
Informe-se ao INSS, via sistema, para fins de revogação da tutela provisória de urgência concedida.
É como voto.
E M E N T A
PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR INCAPACIDADE PERMANENTE. QUALIDADE DE SEGURADO. PREEXISTÊNCIA DA INCAPACIDADE LABORAL. REQUISITOS NÃO PREENCHIDOS. INVERSÃO DA SUCUMBÊNCIA.
- São requisitos para a concessão dos benefícios por incapacidade: a qualidade de segurado, a carência de 12 (doze) contribuições mensais - quando exigida, a incapacidade para o trabalho de forma permanente e insuscetível de reabilitação para outra atividade que garanta a subsistência (aposentadoria por incapacidade permanente) ou a incapacidade temporária (auxílio por incapacidade temporária), bem como a demonstração de que o segurado não estava previamente incapacitado ao filiar-se ao Regime Geral da Previdência Social.
- Embora comprovada a incapacidade total e permanente da parte autora para as atividades laborais por meio da perícia médica judicial, os demais requisitos para a concessão do benefício não foram preenchidos.
- À época do início da incapacidade laboral, a parte autora não detinha a qualidade de segurado (artigo 15 da Lei n. 8.213/1991).
- À luz do artigo 42, § 2º da Lei 8.213/1991, a filiação do segurado ou seu retorno ao sistema previdenciário com incapacidade laboral preexistente obsta a concessão de aposentadoria por incapacidade permanente.
- Inversão da sucumbência. Condenação da parte autora a pagar custas processuais e honorários de advogado, arbitrados em 12% (doze por cento) sobre o valor atualizado da causa, já majorados em razão da fase recursal, conforme critérios do artigo 85, §§ 1º, 2º, 3º, I, e 4º, III, do Código de Processo Civil, suspensa, porém, a exigibilidade, na forma do artigo 98, § 3º, do mesmo diploma processual, por tratar-se de beneficiária da justiça gratuita.
- Revogação da tutela jurídica provisória, consoante Tema Repetitivo n. 692 do Superior Tribunal de Justiça (STJ).
- Apelação provida.
ACÓRDÃO
DESEMBARGADORA FEDERAL
