Processo
ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL / MS
5006760-30.2020.4.03.9999
Relator(a)
Desembargador Federal THEREZINHA ASTOLPHI CAZERTA
Órgão Julgador
8ª Turma
Data do Julgamento
17/02/2022
Data da Publicação/Fonte
DJEN DATA: 22/02/2022
Ementa
E M E N T A
PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR INVALIDEZ. AUXÍLIO-DOENÇA. PERDA DA
QUALIDADE DE SEGURADO. IMPOSSIBILIDADE DE CONCESSÃO DO BENEFÍCIO. EFEITO
DEVOLUTIVO DA APELAÇÃO – EXTENSÃO E PROFUNDIDADE (ART. 1.013 CPC). ART. 203,
INCISO V, DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA. BENEFÍCIO DE PRESTAÇÃO CONTINUADA.
PESSOA PORTADORA DE DEFICIÊNCIA.EXIGÊNCIA DE COMPROVAÇÃOCUMULATIVA DE
IMPEDIMENTO DE LONGO PRAZO E DEHIPOSSUFICIÊNCIA
ECONÔMICA.PESSOAIDOSA.PRESENÇA DOS REQUISITOS LEGAIS. CONCESSÃO
DOAMPARO ASSISTENCIAL.
- Os requisitos à aposentadoria por invalidez, conforme preceituam os arts. 42 e seguintes da Lei
n.° 8.213/91, consistem na presença da qualidade de segurado, na existência de incapacidade
total e permanente para o trabalho e na ocorrência do cumprimento da carência, nas hipóteses
em que exigida. O auxílio-doença, por sua vez, é concedido nos casos de incapacidade
temporária.
- A atividaderuraldeve ser comprovada por meio de início de prova material,aliada à prova
testemunhal.
- A prova produzida, inconsistente, é insuficiente para ensejar a concessão do benefício
vindicado.
- Reconhecimento da improcedência do pedido de aposentadoria por invalidez.
- A apelação devolve todas as questões suscitadas e discutidas, ainda que não decididas.
Jurisprudência/TRF3 - Acórdãos
Discordando do juiz a quo e julgando improcedente o pedido analisado na sentença, pode
apreciar o Tribunal apreciar a pretensão formulada em ordem sucessiva, independente de recurso
da parte vencedora.
- O vencedor não tem interesse em recorrer, ausente a sucumbência, mas as questões por ele
suscitadas e não decididas podem ser objeto de exame pelo Tribunal. Inteligência dos arts. 996 e
1.013, §1º, do CPC.
- O benefício de prestação continuada exige para a sua concessão que a parte comprove,
alternativamente, ter idade igual ou superior a 65 anos ou deter impedimento de longo prazo de
natureza física, mental, intelectual ou sensorial e, cumulativamente,não possuir meios de prover à
própria manutenção ou de tê-la provida por sua família(art. 20,capute § 2.º, da Lei n.º
8.742/1993).
-Condição de pessoa idosae miserabilidade comprovadas nos autos.
- Reconhecimento daprocedênciado pedidosucessivo formulado.
- Recurso parcialmente provido.
Acórdao
PODER JUDICIÁRIOTribunal Regional Federal da 3ª Região
8ª Turma
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº5006760-30.2020.4.03.9999
RELATOR:Gab. 27 - DES. FED. THEREZINHA CAZERTA
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: LAURA BERNARDINO DA SILVA ROSSI
Advogado do(a) APELADO: JAYSON FERNANDES NEGRI - SP210924-S
OUTROS PARTICIPANTES:
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº5006760-30.2020.4.03.9999
RELATOR:Gab. 27 - DES. FED. THEREZINHA CAZERTA
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: LAURA BERNARDINO DA SILVA ROSSI
Advogado do(a) APELADO: JAYSON FERNANDES NEGRI - MS11397-S
OUTROS PARTICIPANTES:
-R E L A T Ó R I O
Demanda proposta objetivando a concessão de aposentadoria por invalidez ou auxílio-doença a
trabalhadora rural ou, ainda, benefício assistencial por incapacidade.
O juízo a quo julgou procedente o pedido para conceder à autora o benefício de aposentadoria
por invalidez, a partir do requerimento administrativo (20/9/2013), deferindo a antecipação dos
efeitos da tutela.
Apela, o INSS, pleiteando a integral reforma da sentença, sustentando, em síntese, o não
cumprimento dos requisitos legais à concessão dos benefícios pleiteados. Se vencido, pugna
pelo reconhecimento da “prescrição das parcelas vencidas anteriormente ao quinquênio que
precede o ajuizamento da ação, nos termos do art. 103, parágrafo único, da Lei n. 8.213/91.”
Com contrarrazões, subiram os autos.
É o relatório.
THEREZINHA CAZERTA
Desembargadora Federal Relatora
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº5006760-30.2020.4.03.9999
RELATOR:Gab. 27 - DES. FED. THEREZINHA CAZERTA
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: LAURA BERNARDINO DA SILVA ROSSI
Advogado do(a) APELADO: JAYSON FERNANDES NEGRI - MS11397-S
OUTROS PARTICIPANTES:
-V O T O
Os requisitos da aposentadoria por invalidez encontram-se preceituados nos arts. 42 e
seguintes da Lei n.° 8.213/91, consistindo, mais precisamente, na presença da qualidade de
segurado, na existência de incapacidade total e permanente para o trabalho e na ocorrência do
cumprimento da carência, quando exigida.
O auxílio-doença, por sua vez, tem seus pressupostos previstos nos art. 59 e seguintes do
mesmo diploma legal, sendo concedido nos casos de incapacidade temporária.
Excepcionalmente, com base em entendimento jurisprudencial consolidado, admite-se a
concessão de tais benefícios mediante comprovação pericial de incapacidade parcial e
definitiva para o desempenho da atividade laborativa, que seja incompatível com a ocupação
habitual do requerente e que implique em limitações tais que restrinjam sobremaneira a
possibilidade de recolocação no mercado de trabalho, diante das profissões que exerceu
durante sua vida profissional (STJ: AgRg no AREsp 36.281/MS, rel. Ministra ASSUSETE
MAGALHÃES, 6.ª Turma, DJe de 01/03/2013; e AgRg no AREsp 136474/MG, rel. Ministro
NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, 1.ª Turma, DJe de 29/06/2012).
Em casos específicos, em que demonstrada a necessidade de assistência permanente de outra
pessoa, possível, ainda, com base no art. 45 da Lei de Benefícios, o acréscimo de 25% ao valor
da aposentadoria por invalidez porventura concedida.
No tocante ao requisito da qualidade de segurada, cabe tecer algumas considerações.
Nos termos do artigo 11, inciso I, da Lei nº 8.213/91, e considerando as particularidades do
trabalho no campo, o trabalhador rural que exerça sua atividade com subordinação e
habitualidade, ainda que de forma descontínua, é qualificado como empregado.
Este é, inclusive, o tratamento dispensado pelo próprio INSS que, na Instrução Normativa
INSS/DC nº 118, de 14.04.2005, considera como segurado, na categoria de empregado, o
trabalhador volante.
Por outro lado, para a obtenção de benefícios previdenciários, se faz necessária a comprovação
da atividade rural e, conseqüentemente, o vínculo de segurada. Neste sentido, o §3º do artigo
55 c/c o artigo 106, ambos da Lei nº 8.213/91, admite a comprovação de tempo de serviço em
atividade rural desde que baseada em início de prova documental, sendo vedada a prova
exclusivamente testemunhal.
Não se exige do trabalhador rural o cumprimento de carência (art. 26, inciso III), como dever de
verter contribuição por determinado número de meses, senão a comprovação do exercício
laboral durante o período respectivo.
Sob outro aspecto, de longa data vem a jurisprudência atentando para a necessidade da prova
testemunhal vir acompanhada de, pelo menos, um início de prova documental, resultando até
mesmo na edição do verbete n.º 149, da Súmula da Jurisprudência do Superior Tribunal de
Justiça, in verbis:
"A prova exclusivamente testemunhal não basta a comprovação da atividade rurícola, para
efeito de obtenção do benefício previdenciário".
DO CASO DOS AUTOS
Para comprovar a sua condição de segurada e o labor rural no período correspondente ao da
carência, a autora acostou, dentre outros, sob registro Id. 146575118: cópia de sua certidão de
casamento, com assento em 31/5/1969, sem registro da qualificação profissional dos nubentes
(p. 19); CTPS do marido, José Rossi, com registro de vínculos de trabalho de natureza rurícola
(“trabalhador rural”) no período de 16/12/1999 a 16/12/2000 e urbana (“operador de máquina”)
nos períodos de 24/4/2001 a 20/10/2001, 19/5/2005 a 1º/6/2007 e de 1º/2/2008 a 23/11/2010 e,
por fim, a partir de 1º/6/2010, sem registro de baixa, no cargo “serviços gerais” em agropecuária
(p. 21-27).
Não acostou documentação apta a demonstrar atividades exercidas em nome próprio.
Extratos de Informações do “Sistema Único de Benefícios DATAPREV” e do “Cadastro Nacional
de Informações Sociais – CNIS”, por sua vez, registram que a autora teve indeferidos os
requerimentos administrativos de concessão de amparo social a pessoa portadora de
deficiência nos dias 24/4/2002, 10/9/2002 e 29/4/2004, em virtude de “parecer contrário da
perícia médica”, e também de auxílio-doença, em 20/9/2013, este em razão da “falta de
comprovação como segurado(a)” (Id. 146575118, p. 80-83), mas que logrou obter o
reconhecimento do benefício mínimo no período de 29/4/2004 a 13/8/2013, por força de decisão
judicial (p. 84).
Demonstram, ademais, que o último vínculo de trabalho do marido da autora, iniciado em
1º/6/2010, registra última remuneração em janeiro de 2011, e gozo de auxílio-doença
previdenciário, na condição de comerciário, nos períodos de 31/3/2009 a 20/3/2010 e de
27/1/2011 a 20/11/2013, ocasião em que convertido em aposentadoria por invalidez
previdenciária, ativa desde então (p. 85-87).
Diante da situação peculiarmente difícil no campo, é patente que a mulher labore em auxílio a
seu cônjuge, visando ao aumento de renda para obter melhores condições de sobrevivência.
É de sabença comum que, vivendo na zona rural, a família trabalha em mútua colaboração,
reforçando a capacidade laborativa, de modo a alcançar superiores resultados, retirando da
terra o seu sustento.
Os documentos carreados aos autos caracterizam início de prova material. Entende-se,
outrossim, extensível a qualificação do cônjuge. Neste sentido, pacificou o Superior Tribunal de
Justiça:
"PREVIDENCIÁRIO. RECURSO ESPECIAL. APOSENTADORIA POR IDADE, NA CONDIÇÃO
DE RURÍCOLA. UTILIZAÇÃO DE INÍCIO DE PROVA MATERIAL EM NOME DO CÔNJUGE,
QUE PASSOU A EXERCER ATIVIDADE URBANA. INVIABILIDADE. PRECEDENTES DO STJ.
EXAME DE FATOS E PROVAS. IMPOSSIBILIDADE. SÚMULA 7/STJ. AGRAVO REGIMENTAL
IMPROVIDO.
I. Conforme entendimento reiterado deste Superior Tribunal de Justiça, firmado sob o rito do art.
543-C do CPC e da Resolução STJ 8/2008, "a extensão de prova material em nome de um
integrante do núcleo familiar a outro não é possível quando aquele passa a exercer trabalho
incompatível com o labor rurícola, como o de natureza urbana" (REsp 1.304.479/SP, Rel.
Ministro HERMAN BENJAMIN, PRIMEIRA SEÇÃO, DJe de 19/12/2012).
II. Hipótese em que o acórdão do Tribunal de origem, à luz das provas dos autos, negou a
aposentadoria por idade rural à autora, por entender que, embora constasse do processo início
de prova material, na qual qualificado o seu cônjuge como lavrador, tal prova foi contraditada
por outras, no sentido de que o seu cônjuge passou a exercer atividade urbana, na qual
aposentado por invalidez. Entendimento em sentido contrário, na via especial, esbarra no óbice
da Súmula 7/STJ.
III. Agravo Regimental improvido.
(STJ, SEGUNDA TURMA, AgRg no AREsp 583731 / SP, Rel. Min. ASSUSETE MAGALHÃES,
DJe 13/05/2015).
RECURSO ESPECIAL. MATÉRIA REPETITIVA. ART. 543-C DO CPC E RESOLUÇÃO STJ
8/2008. RECURSO REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA. TRABALHO RURAL. ARTS. 11,
VI, E 143 DA LEI 8.213/1991. SEGURADO ESPECIAL. CONFIGURAÇÃO JURÍDICA.
TRABALHO URBANO DE INTEGRANTE DO GRUPO FAMILIAR. REPERCUSSÃO.
NECESSIDADE DE PROVA MATERIAL EM NOME DO MESMO MEMBRO.
EXTENSIBILIDADE PREJUDICADA.
1. Trata-se de Recurso Especial do INSS com o escopo de desfazer a caracterização da
qualidade de segurada especial da recorrida, em razão do trabalho urbano de seu cônjuge, e,
com isso, indeferir a aposentadoria prevista no art. 143 da Lei 8.213/1991.
2. A solução integral da controvérsia, com fundamento suficiente, não evidencia ofensa ao art.
535 do CPC.
3. O trabalho urbano de um dos membros do grupo familiar não descaracteriza, por si só, os
demais integrantes como segurados especiais, devendo ser averiguada a dispensabilidade do
trabalho rural para a subsistência do grupo familiar, incumbência esta das instâncias ordinárias
(Súmula 7/STJ).
4. Em exceção à regra geral fixada no item anterior, a extensão de prova material em nome de
um integrante do núcleo familiar a outro não é possível quando aquele passa a exercer trabalho
incompatível com o labor rurícola, como o de natureza urbana.
5. No caso concreto, o Tribunal de origem considerou algumas provas em nome do marido da
recorrida, que passou a exercer atividade urbana, mas estabeleceu que fora juntada prova
material em nome desta em período imediatamente anterior ao implemento do requisito etário e
em lapso suficiente ao cumprimento da carência, o que está em conformidade com os
parâmetros estabelecidos na presente decisão.
6. Recurso Especial do INSS não provido. Acórdão submetido ao regime do art. 543-C do CPC
e da Resolução 8/2008 do STJ.
(STJ, PRIMEIRA SEÇÃO, Resp 1304479 / SP, Rel. Min. HERMAN BENJAMIN, DJe
19/12/2012).
Em que pese aquantidade de prova documentalapresentada pela autora em nome de seu
marido,não se pode perder de vistaque do referido extrato doCNIS é possível extrair queele
exerceuatividade predominantemente urbanadurante vários anos, a culminar na sua
aposentadoria por invalidez, como comerciário, no dia 20/11/2013, o que vem corroborado
pelos vínculos em CTPS também já aludidos.
Tal situação, por expressa disposição legal prevista no art.11, VII, §§9º e 10 da Lein.º8.213/91,
afastaa alegação dolabor campesino da autora, emregime de economia familiar,no período de
carência.
Não obstante eventuais testemunhos colhidos pudessem atestar a atividade rurícola da
apelante, estes seriam insuficientes para, por si só, ensejar a concessão do benefício, exigindo-
se, para tanto, início de prova material, conforme entendimento consolidado pela já referida
Súmula de nº 149 do Superior Tribunal de Justiça.
A ausência de prova documental que sirva pelo menos como indício do exercício de atividade
rural enseja a denegação do benefício pleiteado.
Neste sentido, precedentes do Superior Tribunal de Justiça:
“PREVIDENCIÁRIO. DISSÍDIO PRETORIANO NÃO DEMONSTRADO NA FORMA DO ART.
255 E §§ DO RISTJ. TRABALHADOR RURAL. APOSENTADORIA POR INVALIDEZ. PROVA
TESTEMUNHAL E PROVA MATERIAL.
1 - Malgrado a tese de dissídio jurisprudencial, há necessidade, diante das normas legais
regentes da matéria (art. 541, parágrafo único do CPC c/c o art. 255 do RISTJ) de confronto,
que não se satisfaz com a simples transcrição de ementas, entre trechos do acórdão recorrido e
das decisões apontadas como divergentes, mencionando-se as circunstâncias que identifiquem
ou assemelhem os casos confrontados. Ausente a demonstração analítica do dissenso, incide o
óbice da súmula 284 do Supremo Tribunal Federal.
2 - A concessão de benefício previdenciário devido ao rurícola depende de razoável início de
prova material da atividade laborativa rural, existente na espécie. Súmula nº 149/STJ.
Precedentes.
3 - Recurso não conhecido.”
(RESP 331968, Rel. Min. Fernando Gonçalves, Sexta Turma, DJ 12/11/2001, p.183).
“PREVIDENCIÁRIO. TRABALHADOR RURAL. APOSENTADORIA POR INVALIDEZ. PROVA.
- Havendo início razoável de prova material (anotações do registro do casamento civil), admite-
se a prova testemunhal como complemento para obtenção do benefício. Embargos recebidos.
(ERESP 106942, Rel. Min. José Arnaldo da Fonseca, Terceira Seção, DJ 12/06/2000, p. 75).
“PREVIDENCIÁRIO - APOSENTADORIA POR INVALIDEZ - TRABALHADOR RURAL - PROVA
EXCLUSIVAMENTE TESTEMUNHAL - SÚMULA 149/STJ.
- Para efeito de obtenção de benefício previdenciário, não basta à comprovação de atividade
rural, prova exclusivamente testemunhal, sendo necessário, ao menos, início razoável de prova
material.
- Recurso conhecido e provido.”
(RESP 225587, Rel. Min. Jorge Scartezzini, Quinta Turma, DJ 07/02/2000, p. 175).
Assim, merece reforma a sentença proferida, pois o conjunto probatório, inconsistente, é
insuficiente para demonstrar a condição de trabalhadora rural da autora, necessária à
concessão de quaisquer dos benefícios vindicados.
Forçoso, portanto, o reconhecimento da improcedência do pedido, em razão da perda da
qualidade de segurada da autora.
A inicial, contudo, contém pedidos sucessivos.
Deferindo um, o juiz não precisa analisar o outro, porque prejudicado. E foi o que ocorreu, in
casu: o magistrado entendeu presentes os pressupostos legais para a concessão do benefício
de aposentadoria por invalidez e julgou procedente tal pretensão, deixando de analisar a
presença dos requisitos necessários à obtenção do benefício assistencial por incapacidade.
Discordando o Tribunal do juízo a quo e julgando improcedente o primeiro pedido, pode
apreciar o segundo, pois a apelação devolve à apreciação todas as questões suscitadas e
discutidas no processo, ainda que não decididas, independe de recurso da parte vencedora,
que obteve satisfação de sua pretensão, portanto não tinha interesse recursal.
Excepciona-se, portanto, da regra geral do “tantum devolutum quantum appellatum”, que exige
comportamento ativo do recorrente conforme o art. 1.013, caput, do NCPC, como consequência
da exegese conferida pela melhor doutrina aos parágrafos 1.º e 2.º daquele diploma normativo,
sob a nomenclatura “profundidade do efeito devolutivo” – e não mais “efeito translativo”,
reservado aos casos de conhecimento, pelo Tribunal, de ofício, de matéria de ordem pública ou
daquelas que, embora não o sejam, contenham expressa previsão legal no sentido de poderem
ser conhecidas de ofício pelo juiz.
Nesse sentido, elucidativo o magistério de Daniel Amorim Assumpção Neves (Manual de direito
processual civil – volume único, 11.ª ed., editora JusPodivm, Salvador, 2019, p. 1564 e 1565):
“Enquanto o §1.º do art. 1.013 do CPC trata de questões vinculadas ao capítulo impugnado, e o
§2.º do mesmo dispositivo dos fundamentos do pedido ou de defesa, não há menção expressa
quanto a devolução, pela profundidade, de pedido não enfrentado pelo juízo inferior. A questão
é interessante porque o juízo pode deixar de enfrentar pedido que tenha restado prejudicado
em razão do acolhimento ou rejeição de outro pedido. Havendo recurso e reforma dessa
decisão, o pedido não enfrentado pelo juízo inferior terá que ser decidido, mas qual órgão será
competente para tanto?
Não resta dúvida de que a ratio da profundidade da devolução leva à conclusão de que esse
pedido deva ser decidido, originariamente pelo tribunal, desde que maduro para imediato
julgamento. Por outro lado, realmente a hipótese não é consagrada no art. 1.013 do CPC.
Realmente parece ser a melhor solução, ainda mais se for levado em conta o art. 1.013, §3.º,
III, do CPC, que prevê a possibilidade de decisão originária pelo tribunal da apelação na
hipótese de ser constatada omissão no exame de um dos pedidos. São situações diferentes,
porque, no pedido não julgado por estar prejudicado, não há qualquer vício na sentença (o
pedido não deveria mesmo ter sido julgado), enquanto a omissão gera sentença viciada (pedido
que deveria ser decidido e não foi). A analogia, entretanto, é inevitável.”
Assim é que, em tais hipóteses, o vencedor não tem interesse em recorrer, ausente a
sucumbência, mas as questões por ele suscitadas, e não decididas, podem ser objeto de
exame na instância recursal, como se infere da conjugação dos arts. 996 e 1.013, §1º, do CPC.
Seu limite, portanto, é a proibição da reformatio in pejus, ou seja, não se pode prejudicar o
recorrente, dando-se ao recorrido, pela via do recurso ex adverso, mais do que recebera na
sentença. Mas pode-se deferir o segundo pedido versado na inicial e não apreciado pelo juízo a
quo, se da mesma extensão do primeiro.
Com essas considerações, passo à análise do pedido de concessão de benefício assistencial.
BENEFÍCIO ASSISTENCIAL (PESSOA PORTADORA DE DEFICIÊNCIA)
O benefício de prestação continuada é “a garantia de um salário mínimo de benefício mensal à
pessoa portadora de deficiência e ao idoso que comprovem não possuir meios de prover à
própria manutenção ou de tê-la provida por sua família”, conforme disposto no art. 203,incisoV,
da Constituição Federal, e regulamentado pelosarts.20 a 21-A, da Lei n.º 8.742/1993.
A legislação exige a presençacumulativa dedois requisitos para a concessão do benefício.
Primeiro, o requerente deve, alternativamente, ter idade igual ou superior a 65 anos (art.
20,caput,daLei n.º 8.742/1993) ou ser deficiente, isto é, deter “impedimento de longo prazo de
natureza física, mental, intelectual ou sensorial, o qual, em interação com uma ou mais
barreiras, pode obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de
condições com as demais pessoas(art. 20, § 2.º).
Segundo, o beneficiário deve comprovar situação de miserabilidade, caracterizada pela
inexistência de condições econômicas para prover o próprio sustento ou tê-lo provido por
alguém da família, consoante art. 20, § 3.º. da Lei n.º 8.742/1993 – dispositivo objeto
dedeclaração parcial de inconstitucionalidade,pela qual firmou o Supremo Tribunal Federalque
“sob o ângulo da regra geral, deveprevalecer o critério fixado pelo legislador no artigo 20, § 3º,
da Lei nº8.742/93”, mas “Ante razões excepcionais devidamente comprovadas, é dado ao
intérprete do Direito constatar que a aplicação da lei à situação concreta conduz à
inconstitucionalidade, presente o parâmetro material da Carta da República, qual seja, a
miserabilidade, assim frustrando os princípios observáveis – solidariedade, dignidade,
erradicação da pobreza, assistência aos desemparados”sendo que “Em tais casos, pode o
Juízo superar a norma legal sem declará-la inconstitucional, tornando prevalecentes os ditames
constitucionais”(STF, Plenário, RE n.º 567.985, Rel. p/ Acórdão Min. Gilmar Mendes,
2.10.2013).
De se ressaltar, a esse respeito, que a redação original do art. 20, 3.º, da Lei n.º 8.742/1993,
dispunha que “considera-se incapaz de prover a manutenção da pessoa com deficiência ou
idosa a família cuja renda mensal per capita seja inferior a 1/4 (um quarto) do salário-mínimo”.
O dispositivo em questão foi, entretanto, objeto de recentíssimas modificações.
Primeiro, a Lei n.º 13.981, de 24 de março de 2020, alterou o limite da renda mensalper
capitapara “1/2 (meio) salário mínimo)”.
Depois, a Lei n.º 13.982, de 2 de abril de 2020, tencionou incluir dois incisos no dispositivo em
epígrafe, fixando o limite anterior de 1/4 do salário mínimo até 31 de dezembro de 2020,
incidindo, a partir de 1.º de janeiro de 2021, o novo teto, de 1/2 salário mínimo – aspecto este
que restou, porém, vetado.
Dessa forma, permanecem, no momento, hígidos tanto o critério da redação original do art. 20,
3.º. da Lei n.º 8.742/1993, quanto a interpretação jurisdicional no sentido de flexibilizá-lo nas
estritas hipóteses em que a miserabilidade possa ser aferida a partir de outros elementos
comprovados nos autos.
DO CASO DOS AUTOS
O laudo médico pericial acostado aos autos, produzido com base em análise clínica datada de
30/6/2015, registra que a autora é portadora de quadro clínico de “hipertensão arterial
sistêmica, artrose, deficiência auditiva grau leve, insuficiência tricúspide moderada e DPOC
(Doença Pulmonar Obstrutiva Crônica”, do qual decorre sua incapacidade para o exercício de
atividades que exijam esforços físicos vigorosos. Esclareceu, contudo, o perito, que o quadro
clínico, que teve início em meados de 2002, está estabilizado e, embora a parte autora tenha
declarado exercer a atividade de trabalhadora rural, também afirmou que há 13 anos está
afastada, pelo que não pode ser considerada incapaz para o trabalho, podendo “exercer
qualquer atividade que não exija esforço físico rigoroso, como passadeira, copeira, lavadeira ou
costureira”. (Id.146575119, p. 62-68)
Novo exame médico pericial, realizado em 27/9/2017, corroborou as conclusões do primeiro, no
sentido da existência de incapacidade parcial para o trabalho, concluindo, o perito, que a autora
“está apta para realizar atividades que não exijam esforço físico rigoroso” (p. 143-148).
Em resposta ao pedido de esclarecimentos formulado pelas partes, registrou, o expert:
“Conforme realizada perícia na senhora Laura Bernardino da Silva Rossi foram diagnosticadas
as seguintes patologias: HAS (Hipertensão Arterial Sistêmica), Diabetes Mellitus tipo 2 e
D.P.O.C.. Todas as patologias em questão possuem tratamento e no estágio atual, a autora não
possui invalidez total para o labor. Apenas algumas restrições como a de realizar atividades que
exijam esforço físico rigoroso excessivo. Sendo assim a autora possui incapacidade parcial e
permanente, mas não possui a invalidez total para o labor.” (p. 173)
Assim, embora nos presente autos haja dúvida sobre a possibilidade de compatibilizar a
patologia comprovada pelo laudo pericial com o conceito de impedimento de longo prazo de
natureza física, mental, intelectual ou sensorial exigido pela legislação no art. 20, § 2.º, da Lei
n.º 8.742/1993, sobretudo se considerada a inexistência de provas do labor rurícola declarado
pela autora, sua condição de idosa foi comprovada pela juntada de documento de identidade à
fl.18 do Id. 146575118, restando satisfeito o requisito do art. 20,caput,do referido diploma
normativo.
Quanto ao requisito da miserabilidade,de acordo com o estudo social de Id. 146575120, p. 27-
31, a parte autora reside com seu esposo, José Rossi, e um neto, José Paulo Luiz da Silva
Rossi, com 14 anos de idade, em imóvel cedido assim descrito pela assistente social: “edificado
em madeira (estrutura precária), cômodos internos 2 (dois) quartos, sala, cozinha e banheiro) e
varanda com contrapiso, cobertura em telha de amianto, sem forro, com cerca de madeira,
pintura antiga. No momento de nossa visita, o lar se revelou desorganizado, sem condições
adequadas de habitabilidade”, embora “abastecida pelos serviços de energia elétrica, água,
com fossa séptica, beneficiada pelo sistema público de coleta de resíduos sólidos, com
pavimentação asfáltica”.
Registrou, ainda, que os “móveis e eletrodomésticos que guarnecem a residência se encontram
em péssimas condições de uso” e que “possuem avarias significativas, que aparentemente
comprometem o uso e seu adequado funcionamento.”
Quantoà renda familiar, consta nos autos que o esposo da requerente aufere aposentadoria
mensal no valor de R$1.081,00, “no entanto devido a empréstimos realizados (informação do
Sr. José) o valor recebido no mês de fevereiro foi de R$36,00” e a parte autoraestá inscrita em
programas de transferência de renda (Bolsa Família e Cartão de Cesta Básica), perfazendo
R$156,00 fixos e R$70 eventuais. Há, ainda, registro no sentido de que o casal não recebe
qualquer auxílio de terceiros, “tendo em vista que a prole possui vida simples, com rendimento
humilde, sem condição de prestar-lhe auxílio financeiro, e ainda que seu filho Vagner, genitor de
seu neto é usuário de substâncias psicoativas, desempregado e não contribui com prestação
alimentícia.”
As despesas no núcleo familiar foram assim sintetizadas: “fornecimento de energia elétrica (R$
132,00 – cento e trinta e dois reais), água (R$ 41,00 – quarenta e um reais), compra de gêneros
alimentícios, higiene e produtos de limpeza (R$ 500,00 – quinhentos reais), remédios
(R$350,00 – trezentos e cinquenta reais), gás R$ 75,00 (setenta e cinco reais)”, perfazendo
R$1.098,00.
Concluiu, portanto, a Sra. Assistente Social, que “que a unidade doméstica da periciada, neste
momento, possui uma renda familiar extremamente modesta, oriunda de programa de
transferência de renda: R$ 156,00 (Bolsa Família), Benefícios Eventuais (Cesta Básica) R$
70,00 e da aposentadoria do Sr. José (esposo da autora), que aufere renda mensal fixa de R$
1.081,00, que conforme declarado, devido a empréstimos, está reduzida a R$ 36,00, a qual,
segundo os gastos declarados é insuficiente para uma existência em um patamar digno e
cidadão, descortinando situação de miserabilidade.”
Cabe considerar, a esse respeito, que os valores percebidos pelo cônjuge da parte autora
devem ser desconsiderados para o cômputo da renda familiar até o limite de um salário mínimo,
uma vez que, tratando-se de benefício previdenciário, incide a aplicação analógica do art. 34,
parágrafo único, da Lei n.º 10.741/2003, nos termos fixadospelo Supremo Tribunal Federal no
RE n.º 580.963 (STF, Plenário, Rel. Min. Gilmar Mendes, 14.11.2013), depois objeto de
apreciaçãopelo Superior Tribunal de Justiça, sob a sistemática dos recursos repetitivos,
noREspn.º 1.355.052/SP (STJ, Primeira Seção, Rel. Min. Benedito Gonçalves, 5.11.2015).
Referido entendimento, ressalte-se, foi positivado pela alteração realizada pela Lei n.º
13.982/2020, que incluiu, na Lei n.º8.742/93, § 14 no art. 20, segundo o qual “O benefício de
prestação continuada ou o benefício previdenciário no valor de até 1 (um) salário-mínimo
concedido a idoso acima de 65 (sessenta e cinco) anos de idade ou pessoa com deficiência não
será computado, para fins de concessão do benefício de prestação continuada a outro idoso ou
pessoa com deficiência da mesma família, no cálculo da renda a que se refere o § 3º deste
artigo”.
Do exposto, constata-se que aparte autora é idosa edepende do auxílio de terceiros para
sobreviver, razão pela qualestá presente o requisito da miserabilidade, nos termosdoart. 20, §
3.º, da Lei n.º 8.742/93, interpretado à luz do RE n.º 567.985.
De rigor, portanto, o deferimento do benefício, porquanto comprovados os requisitos
indispensáveis à concessão.
O termo inicial do benefício assistencial deve retroagir à data do requerimento administrativo, de
acordo com a previsão contida no inciso II do art. 49 da Lei n.º 8.213/91. Na ausência de
demonstração do requerimento, o termo inicial deve retroagir à data da citação, ocasião em que
a autarquia tomou conhecimento da pretensão.
No caso,existe comprovação de requerimento, devendo o termo inicial sernelefixado.
Quer seja em relação aos juros moratórios, devidos a partir da citação, momento em que
constituído o réu em mora; quer seja no tocante à correção monetária, incidente desde a data
do vencimento de cada prestação, há que prevalecer tanto o decidido, sob a sistemática da
repercussão geral, no Recurso Extraordinário n.º 870.947, de 20/9/2017, sob relatoria do
Ministro Luiz Fux, quanto o estabelecido no Manual de Orientação de Procedimentos para
Cálculos na Justiça Federal, em vigor por ocasião da execução do julgado, observada a
rejeição dos embargos de declaração no âmbito do julgamento em epígrafe, em 03/10/2019.
Posto isso, dou parcial provimento à apelação, para reformar a sentença e julgar improcedente
o pedido de aposentadoria por invalidez, reconhecendo, contudo, o direito da parte autora ao
recebimento do benefício assistencial formulado, a partir do requerimento administrativo,
fixandoos consectários nos termos da fundamentação,supra.
É o voto.
THEREZINHA CAZERTA
Desembargadora Federal Relatora
E M E N T A
PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR INVALIDEZ. AUXÍLIO-DOENÇA. PERDA DA
QUALIDADE DE SEGURADO. IMPOSSIBILIDADE DE CONCESSÃO DO BENEFÍCIO. EFEITO
DEVOLUTIVO DA APELAÇÃO – EXTENSÃO E PROFUNDIDADE (ART. 1.013 CPC). ART.
203, INCISO V, DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA. BENEFÍCIO DE PRESTAÇÃO
CONTINUADA. PESSOA PORTADORA DE DEFICIÊNCIA.EXIGÊNCIA DE
COMPROVAÇÃOCUMULATIVA DE IMPEDIMENTO DE LONGO PRAZO E
DEHIPOSSUFICIÊNCIA ECONÔMICA.PESSOAIDOSA.PRESENÇA DOS REQUISITOS
LEGAIS. CONCESSÃO DOAMPARO ASSISTENCIAL.
- Os requisitos à aposentadoria por invalidez, conforme preceituam os arts. 42 e seguintes da
Lei n.° 8.213/91, consistem na presença da qualidade de segurado, na existência de
incapacidade total e permanente para o trabalho e na ocorrência do cumprimento da carência,
nas hipóteses em que exigida. O auxílio-doença, por sua vez, é concedido nos casos de
incapacidade temporária.
- A atividaderuraldeve ser comprovada por meio de início de prova material,aliada à prova
testemunhal.
- A prova produzida, inconsistente, é insuficiente para ensejar a concessão do benefício
vindicado.
- Reconhecimento da improcedência do pedido de aposentadoria por invalidez.
- A apelação devolve todas as questões suscitadas e discutidas, ainda que não decididas.
Discordando do juiz a quo e julgando improcedente o pedido analisado na sentença, pode
apreciar o Tribunal apreciar a pretensão formulada em ordem sucessiva, independente de
recurso da parte vencedora.
- O vencedor não tem interesse em recorrer, ausente a sucumbência, mas as questões por ele
suscitadas e não decididas podem ser objeto de exame pelo Tribunal. Inteligência dos arts. 996
e 1.013, §1º, do CPC.
- O benefício de prestação continuada exige para a sua concessão que a parte comprove,
alternativamente, ter idade igual ou superior a 65 anos ou deter impedimento de longo prazo de
natureza física, mental, intelectual ou sensorial e, cumulativamente,não possuir meios de prover
à própria manutenção ou de tê-la provida por sua família(art. 20,capute § 2.º, da Lei n.º
8.742/1993).
-Condição de pessoa idosae miserabilidade comprovadas nos autos.
- Reconhecimento daprocedênciado pedidosucessivo formulado.
- Recurso parcialmente provido. ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Oitava Turma, por
unanimidade, decidiu dar parcial provimento à apelação, nos termos do relatório e voto que
ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Resumo Estruturado
VIDE EMENTA
