Processo
ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL / SP
5287792-73.2020.4.03.9999
Relator(a)
Desembargador Federal THEREZINHA ASTOLPHI CAZERTA
Órgão Julgador
8ª Turma
Data do Julgamento
19/10/2021
Data da Publicação/Fonte
Intimação via sistema DATA: 22/10/2021
Ementa
E M E N T A
PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR INVALIDEZ. AUXÍLIO-DOENÇA. TRABALHADOR
RURAL. COMPROVAÇÃO DA ATIVIDADE DE RURÍCOLA NO PERÍODO ANTERIOR AO
REQUERIMENTO. INCAPACIDADE RECONHECIDA PELO LAUDO PERICIAL. CONCESSÃO
DO BENEFÍCIO.
- Os requisitos à aposentadoria por invalidez, conforme preceituam os arts. 42 e seguintes da Lei
n.° 8.213/91, consistem na presença da qualidade de segurado, na existência de incapacidade
total e permanente para o trabalho e na ocorrência do cumprimento da carência, nas hipóteses
em que exigida. O auxílio-doença, por sua vez, é concedido nos casos de incapacidade
temporária.
- Necessária a contextualização do indivíduo para a aferição da incapacidade laborativa. Os
requisitos insertos na Lei de Benefícios devem ser observados em conjunto com as condições
sócio-econômica, profissional e cultural do trabalhador.
- A atividade rural deve ser comprovada por meio de início de prova material, aliada à prova
testemunhal.
- Preenchidos os requisitos legais - quais sejam, qualidade de segurada, incapacidade e
cumprimento do período de carência (12 meses) -, é de rigor a concessão do benefício.
- Reconhecimento da procedência do pedido formulado.
Acórdao
Jurisprudência/TRF3 - Acórdãos
PODER JUDICIÁRIOTribunal Regional Federal da 3ª Região
8ª Turma
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº5287792-73.2020.4.03.9999
RELATOR:Gab. 27 - DES. FED. THEREZINHA CAZERTA
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: ELIZETE APARECIDA DOMINGUES BUENO DA SILVA
Advogado do(a) APELADO: OZELIA DE SOUZA CARVALHO - SP174210-N
OUTROS PARTICIPANTES:
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº5287792-73.2020.4.03.9999
RELATOR:Gab. 27 - DES. FED. THEREZINHA CAZERTA
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: ELIZETE APARECIDA DOMINGUES BUENO DA SILVA
Advogado do(a) APELADO: OZELIA DE SOUZA CARVALHO - SP174210-N
OUTROS PARTICIPANTES:
-R E L A T Ó R I O
Demanda proposta objetivando a concessão de aposentadoria por invalidez ou auxílio-doença a
trabalhador rural, desde a data do requerimento administrativo (6/9/2018).
O juízo a quo julgou procedente o pedido formulado, reconhecendo à parte autora o direito ao
benefício de aposentadoria por invalidez, a partir da data do requerimento administrativo.
O INSS apela, pleiteando a reforma da sentença, sustentando, em síntese, o não cumprimento
dos requisitos legais à concessão em questão. Se vencido, requer a fixação do termo inicial do
benefício na data da juntada do laudo pericial, bem como a fixação da Taxa Referencial como
índice de correção monetária.
Com contrarrazões, subiram os autos.
É o relatório.
THEREZINHA CAZERTA
Desembargadora Federal Relatora
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº5287792-73.2020.4.03.9999
RELATOR:Gab. 27 - DES. FED. THEREZINHA CAZERTA
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: ELIZETE APARECIDA DOMINGUES BUENO DA SILVA
Advogado do(a) APELADO: OZELIA DE SOUZA CARVALHO - SP174210-N
OUTROS PARTICIPANTES:
-V O T O
Tempestivo o recurso e presentes os demais requisitos de admissibilidade, passa-se ao exame
da insurgência propriamente dita, considerando-se a matéria objeto de devolução.
DA APOSENTADORIA POR INVALIDEZ E DO AUXÍLIO-DOENÇA A TRABALHADOR RURAL
Os requisitos da aposentadoria por invalidez encontram-se preceituados nos arts. 42 e
seguintes da Lei n.° 8.213/91, consistindo, mais precisamente, na presença da qualidade de
segurado, na existência de incapacidade total e permanente para o trabalho e na ocorrência do
cumprimento da carência, quando exigida.
O auxílio-doença, por sua vez, tem seus pressupostos previstos nos art. 59 e seguintes do
mesmo diploma legal, sendo concedido nos casos de incapacidade temporária.
Excepcionalmente, com base em entendimento jurisprudencial consolidado, admite-se a
concessão de tais benefícios mediante comprovação pericial de incapacidade parcial e
definitiva para o desempenho da atividade laborativa, que seja incompatível com a ocupação
habitual do requerente e que implique em limitações tais que restrinjam sobremaneira a
possibilidade de recolocação no mercado de trabalho, diante das profissões que exerceu
durante sua vida profissional (STJ: AgRg no AREsp 36.281/MS, rel. Ministra ASSUSETE
MAGALHÃES, 6.ª Turma, DJe de 01/03/2013; e AgRg no AREsp 136474/MG, rel. Ministro
NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, 1.ª Turma, DJe de 29/06/2012).
Em casos específicos, em que demonstrada a necessidade de assistência permanente de outra
pessoa, possível, ainda, com base no art. 45 da Lei de Benefícios, o acréscimo de 25% ao valor
da aposentadoria por invalidez porventura concedida.
No tocante ao requisito da qualidade de segurado, cumpre reconhecer, nos termos do art. 11,
inciso I, da Lei n.º 8.213/91, e considerando as particularidades do labor campesino, que o
trabalhador rural que exerce sua atividade com subordinação e habitualidade, ainda que de
forma descontínua, é qualificado como empregado.
Esse, inclusive, é o tratamento dispensado pelo próprio INSS, que, na Instrução Normativa
INSS/DC nº 118, de 14.04.2005, considera como segurado, na categoria de empregado, o
trabalhador volante.
Por outro lado, para a obtenção de benefícios previdenciários, se faz necessária a comprovação
da atividade no campo e, consequentemente, o vínculo de segurado.
Em tal sentido, o § 3.º do art. 55, c/c o art. 106, ambos da Lei n.º 8.213/91, admite a
comprovação de tempo de serviço em atividade rural desde que baseada em início de prova
documental, sendo vedada a prova exclusivamente testemunhal.
Não se exige do trabalhador rural o cumprimento de carência (art. 26, inciso III), como o dever
de verter contribuição por determinado número de meses.
Vale dizer: em relação às contribuições previdenciárias, é assente, desde sempre, o
entendimento de serem desnecessárias, sendo suficiente a comprovação do efetivo exercício
de atividade no meio rural (STJ, REsp n.º 207.425, 5.ª Turma, j. em 21/9/1999, v.u., DJ de
25/10/1999, p. 123, Rel. Ministro Jorge Scartezzini; e STJ, RESP n. 502.817, 5.ª Turma, j. em
14/10/2003, v.u., DJ de 17/11/2003, p. 361, Rel. Ministra Laurita Vaz).
Essa comprovação do labor rural, nos termos dos arts. 48 e 143 da Lei de Benefícios, dar-se-á
por meio de prova documental, ainda que incipiente, e, nos termos do art. 55, § 3.º, da
retrocitada Lei, corroborada por prova testemunhal.
Acrescente-se que a jurisprudência de longa data vem atentando para a necessidade dessa
conjunção de elementos probatórios (início de prova documental e colheita de prova
testemunhal), o que resultou até mesmo na edição do verbete n.º 149 da Súmula da
Jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, in verbis:”
"A prova exclusivamente testemunhal não basta a comprovação da atividade rurícola, para
efeito de obtenção do benefício previdenciário".
DO CASO DOS AUTOS (TRABALHADOR RURAL COM DEMONSTRAÇÃO DA QUALIDADE
DE SEGURADO)
Para comprovar a sua condição de segurada e o labor rural no período correspondente ao da
carência, a autora acostou cópia de certidão de casamento, celebrado em 31/5/1986, no qual
qualifica seu cônjuge como lavrador e a autora como “do lar”; contrato de arrendamento
agrícola, por prazo indeterminado, no qual refere a profissão da autora e de seu cônjuge como
agricultores, datado de 26/12/2008 (Id. 137245251); notas fiscais de venda de produtos
agrícolas (tomate pizzadoro; pimenta e pepino japonês), emitidas em março de 2018 (Ids.
137245250, 137245252 e 137245253).
É inconteste o valor probatório dos documentos apresentados, dos quais é possível inferir a
profissão exercida pela autora e seu companheiro, à época dos fatos que se pretende
comprovar.
Diante da situação peculiarmente difícil no campo, é patente que a mulher labore em auxílio a
seu cônjuge ou companheiro, visando ao aumento de renda, para obter melhores condições de
sobrevivência.
E os elementos documentais juntados constituem início de prova material, o que foi corroborado
pela prova testemunhal, confirmando a atividade campesina no caso dos autos.
Em verdade, as três testemunhas ouvidas declaram que conhecem a parte autora há bastante
tempo e confirmam o alegado labor rural, conforme registrado em link disponibilizado na
certidão Id. 137245312.
A testemunha Antônio Correa de Paiva declarou que reside no mesmo bairro que a autora, que
a conhece há mais de 40 anos, e até onde sabe a autora não está conseguindo laborar
atualmente em virtude de doenças.
A testemunha Paulo Cesar da Luz declarou que conhece a autora desde criança, sempre
moraram no mesmo bairro trabalhando nas lides campesinas junto ao seu marido.
A testemunha Carlos Rodrigues de Almeida declarou que sempre foi trabalhadora rural, mas
que atualmente não está trabalhando em virtude de problemas de saúde; que conheceu o
cônjuge da autora e que ele também sempre trabalhou nas lides campesinas.
A avaliação da prova material submete-se ao princípio da livre convicção motivada, tendo-se o
rol do art. 106 da Lei n.º 8.213/91 como meramente exemplificativo, não impedindo a
apreciação de outros meios de prova.
Destarte, restou comprovada a atividade da parte autora como trabalhadora rural no período de
carência, não havendo que se falar em perda da qualidade de segurado, porquanto aplicável,
na hipótese, o disposto no art. 102, § 1.º, da Lei n.º 8.213/91, visto que, como é possível
depreender do relato das testemunhas, já se encontrava doente quando cessou o labor.
O requerimento administrativo foi apresentado em 6/9/2018 (Id. 137245254).
No concernente à invalidez, não existe dúvida a respeito de sua incapacidade laborativa.
Perícia médica realizada em 12/3/2019 constatou a incapacidade parcial e permanente, com
restrições para exercer atividades que demandem sobrecarga física, consignando a possível
piora do quadro caso haja manutenção do exercício dasatividades rurais, nos seguintes termos
do laudo pericial Id. 137245271:
“A pericianda apresenta processos inflamatórios nos ombros e quadril que poderá recuperar
com tratamento clínico e fisioterápico e múltiplas lesões na coluna vertebral, discais e
vertebrais, que provocam dor e comprometem suas atividades do trabalho; estas patologias são
permanentes e o tratamento apenas visa o alívio dos sintomas; a manutenção da atividade
declarada ou correlata, com esforço, longos períodos na posição ortostática poderá agravar o
estado da doença e piorar os sintomas de modo irreparável; deve evitar serviços com
sobrecarga física; pode, porém, realizar tarefas de pequena complexidade e tidas como leves,
como serviços de bancada, lida de animais de pequeno porte, etc. e que não implique
caminhadas, posição estática de longa permanência seja sentado ou em pé ou esforço,
vibração; está incapacitada de forma parcial e permanente.” (Id. 137245271)
Em resposta aos quesitos do juízo, esclareceu que a incapacidade remonta amarço de 2014.
A requerente acostou laudo médico relatando tendinopatia do supraespinhal e bursite
trocanteriana, datado de 28/9/2018, bem como resultados de raio x de bacia e da coluna dorso
lombar indicando “redução dos espaços sacro ilíacos e acetabulares; osteófitos marginais
anteriores; leve atitude escoliotica”; ultrassonografia do ombro esquerdo e do quadril esquerdo
apontando tendinopatia do supra-espinhal e bursite trocanteriana, datados de 20/7/2018 e
7/8/2018 (Id. 137245255).
Não obstante a incapacidade se restrinja às atividades que demandem esforço físico,
considerando a idade da parte autora (56 anos), as limitações que as patologias lhe impõem
são grandes e restringem, em muito, a possibilidade de colocação no mercado de trabalho,
diante da profissão de trabalhadora rural que sempre exerceu.
Desse modo, o conjunto probatório restou suficiente para a concessão de aposentadoria por
invalidez, nos termos prolatados na sentença.
Quer seja em relação aos juros moratórios, devidos a partir da citação, momento em que
constituído o réu em mora; quer seja no tocante à correção monetária, incidente desde a data
do vencimento de cada prestação, há que prevalecer tanto o decidido, sob a sistemática da
repercussão geral, no Recurso Extraordinário n.º 870.947, de 20/9/2017, sob relatoria do
Ministro Luiz Fux, quanto o estabelecido no Manual de Orientação de Procedimentos para
Cálculos na Justiça Federal, em vigor por ocasião da execução do julgado, observada a
rejeição dos embargos de declaração no âmbito do julgamento em epígrafe, em 03/10/2019.
Nos termos do art. 4.º, inciso I, da Lei Federal n.º 9.289/1996, o INSS está isento do pagamento
de custas processuais nas ações de natureza previdenciária ajuizadas nesta Justiça Federal,
assim como o está naquelas aforadas na Justiça do estado de São Paulo, por força do art. 6.º
da Lei Estadual n.º 11.608/2003, c. c. o art. 1.º, § 1.º, da mesma Lei n.º 9.289/1996,
circunstância que não o exime, porém, de arcar com as custas e as despesas processuais em
restituição à parte autora, em decorrência da sucumbência, na hipótese de pagamento prévio.
Quanto ao prequestionamento suscitado, inexiste contrariedade alguma à legislação federal ou
a dispostos constitucionais.
Posto isso, nego provimento à apelação.
É o voto.
THEREZINHA CAZERTA
Desembargadora Federal Relatora
E M E N T A
PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR INVALIDEZ. AUXÍLIO-DOENÇA.
TRABALHADOR RURAL. COMPROVAÇÃO DA ATIVIDADE DE RURÍCOLA NO PERÍODO
ANTERIOR AO REQUERIMENTO. INCAPACIDADE RECONHECIDA PELO LAUDO
PERICIAL. CONCESSÃO DO BENEFÍCIO.
- Os requisitos à aposentadoria por invalidez, conforme preceituam os arts. 42 e seguintes da
Lei n.° 8.213/91, consistem na presença da qualidade de segurado, na existência de
incapacidade total e permanente para o trabalho e na ocorrência do cumprimento da carência,
nas hipóteses em que exigida. O auxílio-doença, por sua vez, é concedido nos casos de
incapacidade temporária.
- Necessária a contextualização do indivíduo para a aferição da incapacidade laborativa. Os
requisitos insertos na Lei de Benefícios devem ser observados em conjunto com as condições
sócio-econômica, profissional e cultural do trabalhador.
- A atividade rural deve ser comprovada por meio de início de prova material, aliada à prova
testemunhal.
- Preenchidos os requisitos legais - quais sejam, qualidade de segurada, incapacidade e
cumprimento do período de carência (12 meses) -, é de rigor a concessão do benefício.
- Reconhecimento da procedência do pedido formulado.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Oitava Turma, por
unanimidade, decidiu negar provimento à apelação, nos termos do relatório e voto que ficam
fazendo parte integrante do presente julgado.
Resumo Estruturado
VIDE EMENTA