Processo
ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL / MS
5002519-18.2017.4.03.9999
Relator(a)
Desembargador Federal THEREZINHA ASTOLPHI CAZERTA
Órgão Julgador
8ª Turma
Data do Julgamento
17/02/2022
Data da Publicação/Fonte
DJEN DATA: 22/02/2022
Ementa
E M E N T A
PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR INVALIDEZ. AUXÍLIO-DOENÇA. TRABALHADOR
RURAL. COMPROVAÇÃO DA ATIVIDADE DE RURÍCOLA NO PERÍODO ANTERIOR AO
REQUERIMENTO. INCAPACIDADE RECONHECIDA PELO LAUDO PERICIAL. CONCESSÃO
DO BENEFÍCIO.
- Pretensão de atribuição de efeito suspensivo merece ser rejeitada.
- Os requisitos à aposentadoria por invalidez, conforme preceituam os arts. 42 e seguintes da Lei
n.° 8.213/91, consistem na presença da qualidade de segurado, na existência de incapacidade
total e permanente para o trabalho e na ocorrência do cumprimento da carência, nas hipóteses
em que exigida. O auxílio-doença, por sua vez, é concedido nos casos de incapacidade
temporária.
- Necessária a contextualização do indivíduo para a aferição da incapacidade laborativa. Os
requisitos insertos na Lei de Benefícios devem ser observados em conjunto com as condições
sócio-econômica, profissional e cultural do trabalhador.
- A atividade rural deve ser comprovada por meio de início de prova material, aliada à prova
testemunhal.
- Preenchidos os requisitos legais - quais sejam, qualidade de segurada, incapacidade e
cumprimento do período de carência (12 meses) -, é de rigor a concessão do benefício.
- Reconhecimento da procedência do pedido formulado.
Jurisprudência/TRF3 - Acórdãos
Acórdao
PODER JUDICIÁRIOTribunal Regional Federal da 3ª Região
8ª Turma
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº5002519-18.2017.4.03.9999
RELATOR:Gab. 27 - DES. FED. THEREZINHA CAZERTA
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: LIDUINA DE AQUINO SILVA
Advogados do(a) APELADO: VALDEIR APARECIDO DA SILVA - MS16978-A, FERNANDO
CORREA JACOB - MS14282-A
OUTROS PARTICIPANTES:
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº5002519-18.2017.4.03.9999
RELATOR:Gab. 27 - DES. FED. THEREZINHA CAZERTA
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: LIDUINA DE AQUINO SILVA
Advogados do(a) APELADO: VALDEIR APARECIDO DA SILVA - MS16978-A, FERNANDO
CORREA JACOB - MS14282-A
OUTROS PARTICIPANTES:
-R E L A T Ó R I O
Demanda proposta objetivando a concessão de aposentadoria por invalidez a trabalhador rural,
desde a data do requerimento administrativo (12/3/2014).
A ação foi julgada procedente, contra a qual a autarquia federal apresentou recurso de
apelação.
Sobreveio Acórdão dessa Turma anulando a sentença, para a reabertura da instrução do feito
com a oitiva de testemunhas e regular processamento do feito.
Em sentença de mérito, o juízo a quo julgou procedente o pedido formulado, reconhecendo à
parte autora o direito ao benefício pretendido, a partir da data do requerimento administrativo.
Deferida a antecipação dos efeitos da tutela.
O INSS apela, pleiteando, preliminarmente, a atribuição do efeito suspensivo ao recurso, e, no
mérito, a reforma da sentença, sustentando, em síntese, o não cumprimento dos requisitos
legais à concessão em questão. Se vencido, requer a fixação do termo inicial do benefício na
data da perícia, bem como a alteração dos consectários constantes da condenação. Ao final,
prequestiona a matéria.
Com contrarrazões, subiram os autos.
É o relatório.
THEREZINHA CAZERTA
Desembargadora Federal Relatora
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº5002519-18.2017.4.03.9999
RELATOR:Gab. 27 - DES. FED. THEREZINHA CAZERTA
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: LIDUINA DE AQUINO SILVA
Advogados do(a) APELADO: VALDEIR APARECIDO DA SILVA - MS16978-A, FERNANDO
CORREA JACOB - MS14282-A
OUTROS PARTICIPANTES:
-V O T O
Requer o INSS, em seu recurso de apelação, a concessão do efeito suspensivo, condicionando
eventual implantação de benefício previdenciário após ocorrido o trânsito em julgado.
Não lhe assiste razão.
A alegação veiculada pelo INSS, concernente ao recebimento da apelação no duplo efeito, não
se coloca na hipótese dos autos.
A regra geral prevista no caput do art. 1.012 do Código de Processo Civil, segundo o qual “a
apelação terá efeito suspensivo”, é excepcionada no § 1.º desse mesmo dispositivo legal, cujo
inciso V expressamente determina que, “além de outras hipóteses previstas em lei, começa a
produzir efeitos imediatamente após a sua publicação a sentença que confirma, concede ou
revoga tutela provisória”.
Não impedem, os recursos, a eficácia da decisão, salvo disposição legal ou decisão em sentido
diverso, "se da imediata produção de seus efeitos houver risco de dano grave, de difícil ou
impossível reparação, e ficar demonstrada a probabilidade de provimento do recurso" (CPC, art.
995, parágrafo único).
Neste caso, em que o recurso é interposto pelo INSS, não há nem urgência nem evidência para
que se conceda o efeito suspensivo. Pelo contrário, a urgência serve à parte autora, já que o
benefício previdenciário é considerado verba alimentar.
Rejeita-se, portanto, a matéria preliminar em questão.
Tempestivo o recurso e presentes os demais requisitos de admissibilidade, passa-se ao exame
da insurgência propriamente dita, considerando-se a matéria objeto de devolução.
DA APOSENTADORIA POR INVALIDEZ E DO AUXÍLIO-DOENÇA A TRABALHADOR RURAL
Os requisitos da aposentadoria por invalidez encontram-se preceituados nos arts. 42 e
seguintes da Lei n.° 8.213/91, consistindo, mais precisamente, na presença da qualidade de
segurado, na existência de incapacidade total e permanente para o trabalho e na ocorrência do
cumprimento da carência, quando exigida.
O auxílio-doença, por sua vez, tem seus pressupostos previstos nos art. 59 e seguintes do
mesmo diploma legal, sendo concedido nos casos de incapacidade temporária.
Excepcionalmente, com base em entendimento jurisprudencial consolidado, admite-se a
concessão de tais benefícios mediante comprovação pericial de incapacidade parcial e
definitiva para o desempenho da atividade laborativa, que seja incompatível com a ocupação
habitual do requerente e que implique em limitações tais que restrinjam sobremaneira a
possibilidade de recolocação no mercado de trabalho, diante das profissões que exerceu
durante sua vida profissional (STJ: AgRg no AREsp 36.281/MS, rel. Ministra ASSUSETE
MAGALHÃES, 6.ª Turma, DJe de 01/03/2013; e AgRg no AREsp 136474/MG, rel. Ministro
NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, 1.ª Turma, DJe de 29/06/2012).
Em casos específicos, em que demonstrada a necessidade de assistência permanente de outra
pessoa, possível, ainda, com base no art. 45 da Lei de Benefícios, o acréscimo de 25% ao valor
da aposentadoria por invalidez porventura concedida.
No tocante ao requisito da qualidade de segurado, cumpre reconhecer, nos termos do art. 11,
inciso I, da Lei n.º 8.213/91, e considerando as particularidades do labor campesino, que o
trabalhador rural que exerce sua atividade com subordinação e habitualidade, ainda que de
forma descontínua, é qualificado como empregado.
Esse, inclusive, é o tratamento dispensado pelo próprio INSS, que, na Instrução Normativa
INSS/DC nº 118, de 14.04.2005, considera como segurado, na categoria de empregado, o
trabalhador volante.
Por outro lado, para a obtenção de benefícios previdenciários, se faz necessária a comprovação
da atividade no campo e, consequentemente, o vínculo de segurado.
Em tal sentido, o § 3.º do art. 55, c/c o art. 106, ambos da Lei n.º 8.213/91, admite a
comprovação de tempo de serviço em atividade rural desde que baseada em início de prova
documental, sendo vedada a prova exclusivamente testemunhal.
Não se exige do trabalhador rural o cumprimento de carência (art. 26, inciso III), como o dever
de verter contribuição por determinado número de meses.
Vale dizer: em relação às contribuições previdenciárias, é assente, desde sempre, o
entendimento de serem desnecessárias, sendo suficiente a comprovação do efetivo exercício
de atividade no meio rural (STJ, REsp n.º 207.425, 5.ª Turma, j. em 21/9/1999, v.u., DJ de
25/10/1999, p. 123, Rel. Ministro Jorge Scartezzini; e STJ, RESP n. 502.817, 5.ª Turma, j. em
14/10/2003, v.u., DJ de 17/11/2003, p. 361, Rel. Ministra Laurita Vaz).
Essa comprovação do labor rural, nos termos dos arts. 48 e 143 da Lei de Benefícios, dar-se-á
por meio de prova documental, ainda que incipiente, e, nos termos do art. 55, § 3.º, da
retrocitada Lei, corroborada por prova testemunhal.
Acrescente-se que a jurisprudência de longa data vem atentando para a necessidade dessa
conjunção de elementos probatórios (início de prova documental e colheita de prova
testemunhal), o que resultou até mesmo na edição do verbete n.º 149 da Súmula da
Jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, in verbis:”
"A prova exclusivamente testemunhal não basta a comprovação da atividade rurícola, para
efeito de obtenção do benefício previdenciário".
DO CASO DOS AUTOS (TRABALHADOR RURAL COM DEMONSTRAÇÃO DA QUALIDADE
DE SEGURADO)
Para comprovar a condição de segurada e o labor rural no período correspondente ao da
carência, a autora acostou cópia de certidão do INCRA indicando que a autora e seu cônjuge
desenvolvem atividades rurais em regime de economia familiar em assentamento rural, desde
29/12/2005, datado de 29/9/2007 (f. 25, Id. 943307); certidão de casamento, celebrado em
23/7/1983, na qual qualifica seu cônjuge como “lavrador”, datado de 25/4/2006; comprovantes
de saldo de rebanho bovino em nome da autora e seu cônjuge, datados de 22/11/2010 e
19/8/2014; contrato de concessão de uso de área rural, em nome da autora, qualificando-a
como “agricultora”, datado de 25/6/2009; e notas fiscais de produtos rurais destinados à autora
e seu cônjuge, em área rural, datados dos anos de 2014 e 2016; (fs. 9 a 19, Id. 943309); e
comprovantes e recibos de entrega de leite, em nome do cônjuge da autora, datados dos anos
de 2009 a 2012 (fs. 1 a 16, Id. 943310).
É inconteste o valor probatório dos documentos apresentados, dos quais é possível inferir a
profissão exercida pelo companheiro da parte autora, à época dos fatos que se pretende
comprovar.
Diante da situação peculiarmente difícil no campo, é patente que a mulher labore em auxílio a
seu cônjuge ou companheiro, visando ao aumento de renda, para obter melhores condições de
sobrevivência.
Cabe ressaltar a existência de prova oral. As testemunhas declaram que conhecem a parte
autora há bastante tempo e confirmam o alegado labor rural.
A testemunha Juradir Daniel de Souza declara conhecer a autora por volta de oito anos, no
assentamento rural Eldorado, que a conheceu nesse assentamento, que a autora possui umas
plantações de abacaxi (Id. 130561246).
A testemunha Maria Terezinha Honório Pereira declara conhecer a autora por volta de oito
anos, que a autora trabalha no plantio de frutas, que a autora sempre morou no assentamento,
trabalhando junto com seu cônjuge no cultivo de abacaxi, e que a autora reclamava de dores
nos braços, mãos e pernas (Id. 130561247).
A avaliação da prova material submete-se ao princípio da livre convicção motivada, tendo-se o
rol do art. 106 da Lei n.º 8.213/91 como meramente exemplificativo, não impedindo a
apreciação de outros meios de prova.
Assim, a condição de trabalhador rural do companheiro permite a extensão dessa condição à
autora, que também desenvolvia o labor rural, a fim de contribuir para a subsistência da família,
conforme corroboram os depoimentos das testemunhas ouvidas.
Destarte, restou comprovada a atividade da parte autora como trabalhadora rural no período de
carência, não havendo que se falar em perda da qualidade de segurado, porquanto aplicável,
na hipótese, o disposto no art. 102, § 1.º, da Lei n.º 8.213/91, visto que, como é possível
depreender do relato das testemunhas, já se encontrava doente quando cessou o labor.
O requerimento administrativo foi apresentado em 12/3/2014 (f. 21, Id. 943307).
No concernente à invalidez, não existe dúvida a respeito de sua incapacidade laborativa.
Perícia médica realizada em 12/8/2015 concluiu ser, a apelada, portadora de Lombalgia
crônica; tendinopatia dos ombros e gonartrose bilateral. Considerou-a incapacitada para o
trabalho de forma parcial e definitiva, com repercussão sobre “atividades laborativas que
requeiram esforço físico”, com início da incapacidade “há aproximadamente cinco anos”. (fs. 48
a 55, Id. 943307).
A requerente acostou resultados de ultrassonografia do ombro direito indicando “edema na
AAC, sd. do impacto e tendinite do supraespinhal” e ultrassonografia do ombro esquerdo
apontando “tenossinovite da CLB; tendinose do Supraespinal; edema da AAC”, datados de
janeiro de 2014; ultrassom do joelho esquerdo indicando “enteopatia do LCM e derrame
subquadiciptal”, datado de 8/8/2014 (fs. 22 a 24, Id. 943307).
Não obstante a incapacidade se restrinja às atividades que demandem esforço físico,
considerando a idade da parte autora (56 anos), as limitações que as patologias lhe impõem
são grandes e restringem, em muito, a possibilidade de colocação no mercado de trabalho,
diante da profissão de trabalhadora rural que sempre exerceu.
Desse modo, o conjunto probatório restou suficiente para a concessão de aposentadoria por
invalidez.
O termo inicial do benefício deve ser fixado na data do requerimento administrativo, ocasião em
que a autora encontrava-se incapacitada para suas atividades laborativas e em que a autarquia
tomou ciência de sua pretensão.
Quer seja em relação aos juros moratórios, devidos a partir da citação, momento em que
constituído o réu em mora; quer seja no tocante à correção monetária, incidente desde a data
do vencimento de cada prestação, há que prevalecer tanto o decidido, sob a sistemática da
repercussão geral, no Recurso Extraordinário n.º 870.947, de 20/9/2017, sob relatoria do
Ministro Luiz Fux, quanto o estabelecido no Manual de Orientação de Procedimentos para
Cálculos na Justiça Federal, em vigor por ocasião da execução do julgado, observada a
rejeição dos embargos de declaração no âmbito do julgamento em epígrafe, em 03/10/2019.
Quanto ao prequestionamento suscitado, inexiste contrariedade alguma à legislação federal ou
a dispostos constitucionais.
Posto isso, rejeito a matéria preliminar e nego provimento à apelação.
É o voto.
THEREZINHA CAZERTA
Desembargadora Federal Relatora
E M E N T A
PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR INVALIDEZ. AUXÍLIO-DOENÇA.
TRABALHADOR RURAL. COMPROVAÇÃO DA ATIVIDADE DE RURÍCOLA NO PERÍODO
ANTERIOR AO REQUERIMENTO. INCAPACIDADE RECONHECIDA PELO LAUDO
PERICIAL. CONCESSÃO DO BENEFÍCIO.
- Pretensão de atribuição de efeito suspensivo merece ser rejeitada.
- Os requisitos à aposentadoria por invalidez, conforme preceituam os arts. 42 e seguintes da
Lei n.° 8.213/91, consistem na presença da qualidade de segurado, na existência de
incapacidade total e permanente para o trabalho e na ocorrência do cumprimento da carência,
nas hipóteses em que exigida. O auxílio-doença, por sua vez, é concedido nos casos de
incapacidade temporária.
- Necessária a contextualização do indivíduo para a aferição da incapacidade laborativa. Os
requisitos insertos na Lei de Benefícios devem ser observados em conjunto com as condições
sócio-econômica, profissional e cultural do trabalhador.
- A atividade rural deve ser comprovada por meio de início de prova material, aliada à prova
testemunhal.
- Preenchidos os requisitos legais - quais sejam, qualidade de segurada, incapacidade e
cumprimento do período de carência (12 meses) -, é de rigor a concessão do benefício.
- Reconhecimento da procedência do pedido formulado. ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Oitava Turma, por
unanimidade, decidiu rejeitar a matéria preliminar e negar provimento à apelação, nos termos
do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Resumo Estruturado
VIDE EMENTA
