Processo
ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL / SP
5337288-71.2020.4.03.9999
Relator(a)
Desembargador Federal THEREZINHA ASTOLPHI CAZERTA
Órgão Julgador
8ª Turma
Data do Julgamento
17/02/2022
Data da Publicação/Fonte
DJEN DATA: 22/02/2022
Ementa
E M E N T A
PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR INVALIDEZ. AUXÍLIO-DOENÇA. TRABALHADOR
RURAL. COMPROVAÇÃO DA ATIVIDADE DE RURÍCOLA NO PERÍODO ANTERIOR AO
REQUERIMENTO. INCAPACIDADE RECONHECIDA PELO LAUDO PERICIAL. CONCESSÃO
DO BENEFÍCIO.
- Os requisitos à aposentadoria por invalidez, conforme preceituam os arts. 42 e seguintes da Lei
n.° 8.213/91, consistem na presença da qualidade de segurado, na existência de incapacidade
total e permanente para o trabalho e na ocorrência do cumprimento da carência, nas hipóteses
em que exigida. O auxílio-doença, por sua vez, é concedido nos casos de incapacidade
temporária.
- Necessária a contextualização do indivíduo para a aferição da incapacidade laborativa. Os
requisitos insertos na Lei de Benefícios devem ser observados em conjunto com as condições
sócio-econômica, profissional e cultural do trabalhador.
- A atividade rural deve ser comprovada por meio de início de prova material, aliada à prova
testemunhal.
- Preenchidos os requisitos legais - quais sejam, qualidade de segurada, incapacidade e
cumprimento do período de carência (12 meses) -, é de rigor a concessão do benefício.
- Reconhecimento da procedência do pedido formulado.
Acórdao
Jurisprudência/TRF3 - Acórdãos
PODER JUDICIÁRIOTribunal Regional Federal da 3ª Região
8ª Turma
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº5337288-71.2020.4.03.9999
RELATOR:Gab. 27 - DES. FED. THEREZINHA CAZERTA
APELANTE: VALDEIR DA SILVA
Advogado do(a) APELANTE: BRENO GIANOTTO ESTRELA - SP190588-N
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
OUTROS PARTICIPANTES:
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº5337288-71.2020.4.03.9999
RELATOR:Gab. 27 - DES. FED. THEREZINHA CAZERTA
APELANTE: VALDEIR DA SILVA
Advogado do(a) APELANTE: BRENO GIANOTTO ESTRELA - SP190588-N
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
OUTROS PARTICIPANTES:
-R E L A T Ó R I O
Demanda proposta objetivando a concessão de aposentadoria por invalidez ou auxílio-doença a
trabalhador rural, desde a data do requerimento administrativo (7/11/2018).
O juízo a quo julgou improcedente o pedido formulado.
A parte autora apela, pleiteando a reforma da sentença, sustentando, em síntese, o
cumprimento dos requisitos legais à concessão pretendida, bem como a condenação da
autarquia ré em honorários advocatícios.
Sem contrarrazões, subiram os autos.
É o relatório.
THEREZINHA CAZERTA
Desembargadora Federal Relatora
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº5337288-71.2020.4.03.9999
RELATOR:Gab. 27 - DES. FED. THEREZINHA CAZERTA
APELANTE: VALDEIR DA SILVA
Advogado do(a) APELANTE: BRENO GIANOTTO ESTRELA - SP190588-N
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
OUTROS PARTICIPANTES:
-V O T O
Tempestivo o recurso e presentes os demais requisitos de admissibilidade, passa-se ao exame
da insurgência propriamente dita, considerando-se a matéria objeto de devolução.
DA APOSENTADORIA POR INVALIDEZ E DO AUXÍLIO-DOENÇA A TRABALHADOR RURAL
Os requisitos da aposentadoria por invalidez encontram-se preceituados nos arts. 42 e
seguintes da Lei n.° 8.213/91, consistindo, mais precisamente, na presença da qualidade de
segurado, na existência de incapacidade total e permanente para o trabalho e na ocorrência do
cumprimento da carência, quando exigida.
O auxílio-doença, por sua vez, tem seus pressupostos previstos nos art. 59 e seguintes do
mesmo diploma legal, sendo concedido nos casos de incapacidade temporária.
Excepcionalmente, com base em entendimento jurisprudencial consolidado, admite-se a
concessão de tais benefícios mediante comprovação pericial de incapacidade parcial e
definitiva para o desempenho da atividade laborativa, que seja incompatível com a ocupação
habitual do requerente e que implique em limitações tais que restrinjam sobremaneira a
possibilidade de recolocação no mercado de trabalho, diante das profissões que exerceu
durante sua vida profissional (STJ: AgRg no AREsp 36.281/MS, rel. Ministra ASSUSETE
MAGALHÃES, 6.ª Turma, DJe de 01/03/2013; e AgRg no AREsp 136474/MG, rel. Ministro
NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, 1.ª Turma, DJe de 29/06/2012).
Em casos específicos, em que demonstrada a necessidade de assistência permanente de outra
pessoa, possível, ainda, com base no art. 45 da Lei de Benefícios, o acréscimo de 25% ao valor
da aposentadoria por invalidez porventura concedida.
No tocante ao requisito da qualidade de segurado, cumpre reconhecer, nos termos do art. 11,
inciso I, da Lei n.º 8.213/91, e considerando as particularidades do labor campesino, que o
trabalhador rural que exerce sua atividade com subordinação e habitualidade, ainda que de
forma descontínua, é qualificado como empregado.
Esse, inclusive, é o tratamento dispensado pelo próprio INSS, que, na Instrução Normativa
INSS/DC nº 118, de 14.04.2005, considera como segurado, na categoria de empregado, o
trabalhador volante.
Por outro lado, para a obtenção de benefícios previdenciários, se faz necessária a comprovação
da atividade no campo e, consequentemente, o vínculo de segurado.
Em tal sentido, o § 3.º do art. 55, c/c o art. 106, ambos da Lei n.º 8.213/91, admite a
comprovação de tempo de serviço em atividade rural desde que baseada em início de prova
documental, sendo vedada a prova exclusivamente testemunhal.
Não se exige do trabalhador rural o cumprimento de carência (art. 26, inciso III), como o dever
de verter contribuição por determinado número de meses.
Vale dizer: em relação às contribuições previdenciárias, é assente, desde sempre, o
entendimento de serem desnecessárias, sendo suficiente a comprovação do efetivo exercício
de atividade no meio rural (STJ, REsp n.º 207.425, 5.ª Turma, j. em 21/9/1999, v.u., DJ de
25/10/1999, p. 123, Rel. Ministro Jorge Scartezzini; e STJ, RESP n. 502.817, 5.ª Turma, j. em
14/10/2003, v.u., DJ de 17/11/2003, p. 361, Rel. Ministra Laurita Vaz).
Essa comprovação do labor rural, nos termos dos arts. 48 e 143 da Lei de Benefícios, dar-se-á
por meio de prova documental, ainda que incipiente, e, nos termos do art. 55, § 3.º, da
retrocitada Lei, corroborada por prova testemunhal.
Acrescente-se que a jurisprudência de longa data vem atentando para a necessidade dessa
conjunção de elementos probatórios (início de prova documental e colheita de prova
testemunhal), o que resultou até mesmo na edição do verbete n.º 149 da Súmula da
Jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, in verbis:”
"A prova exclusivamente testemunhal não basta a comprovação da atividade rurícola, para
efeito de obtenção do benefício previdenciário".
DO CASO DOS AUTOS (TRABALHADOR RURAL COM DEMONSTRAÇÃO DA QUALIDADE
DE SEGURADO)
Para comprovar a condição de segurada e o labor rural no período correspondente ao da
carência, a parte autora acostou cópia de sua CTPS, da qual se infere o registro de vínculos de
trabalho de natureza rural nos períodos de 1.º/5/2007 a 30/6/2007; 24/6/2008 a 11/12/2008;
2/10/2009 a 15/1/2010; e 1.º/10/2011 a 31/5/2013; 1.º/9/2014 a 5/1/2015, bem como contrato de
parceria agrícola com vigência entre 1.º/9/2017 a 31/8/2018, em que ao autor cumpria realizar
trabalhos rurais na extração de látex e manutenção da propriedade rural (fs. 2 a 9, Id.
143915370).
Acostou, também, extrato do Cadastro Nacional de Informações Sociais (CNIS), do qual se
ratifica as informações contidas em CTPS, indica outro vínculo empregatício com início em
2/10/2002, sem registro de saída, e se infere que recebeu benefício previdenciário de auxílio-
doença NB 548.722.126-6 no período de 19/10/2011 a 21/3/2012 (Id. 143915375).
Cabe ressaltar a existência de prova oral. As testemunhas declaram que conhecem a parte
autora há bastante tempo e confirmam o alegado labor rural.
A testemunha João Pinto da Silvia Neto alega ter trabalhado com o autor na fazenda Bom
Jesus, na safra de 2016/2017, que à época soube que não estava dando conta do trabalho por
sofrer fortes dores de cabeça, o que inclusive foi o motivo de sua despensa (Id. 143915454).
A testemunha Ricardo Spina de Carvalho e Silva alega ter trabalhado com o autor nos anos de
2016, 2017 e 2019, em seringueira, com atividade rural. Assevera que o autor trabalhava junto
à esposa em roça de seringueira em labor campesino e que há seis meses desde a última vez
que o viu trabalhar (Id. 143915454).
A avaliação da prova material submete-se ao princípio da livre convicção motivada, tendo-se o
rol do art. 106 da Lei n.º 8.213/91 como meramente exemplificativo, não impedindo a
apreciação de outros meios de prova.
É inconteste o valor probatório de carteira de trabalho na qual é possível inferir a profissão
exercida pelo autor, à época dos fatos que pretende comprovar, de acordo com o art. 106,
inciso I, da Lei n.º 8.213/91.
Destarte, restou comprovada a atividade da parte autora como trabalhadora rural no período de
carência, não havendo que se falar em perda da qualidade de segurado, porquanto aplicável,
na hipótese, o disposto no art. 102, § 1.º, da Lei n.º 8.213/91, visto que, como é possível
depreender do relato das testemunhas, já se encontrava doente quando cessou o labor.
O requerimento administrativo foi apresentado em 7/11/2018 (Id. 143915380).
No concernente à invalidez, não existe dúvida a respeito de sua incapacidade laborativa.
A perícia médica concluiu ser, o apelado, portador de “distúrbio afetivo do humor, relacionado
ao uso de susbstâncias e ou orgânico”, com início da doença no ano de 2013, frisando que o
autor possui “histórico traumatismo encefálico há cerca de 6 anos, e que após este trauma
permaneceu em coma por cerca de 19 dias, passando a apresentar alteração do seu
comportamento. Fez ou faz uso de substancias ilícitas (maconha e crack). Apresenta mesmo
em uso de estabilizador do humor, crises de agitação, agressividade verbal e física, isolamento
social, e crises de choro. Consta tentativa de suicido, sem a ultima recentemente.” Considerou-
o incapacitado para o trabalho de forma total e temporária, desde 18/7/2019, data da avaliação
pericial (Id. 143915404).
O requerente acostou laudo médico relatando transtornos do humor [afetivos] orgânicos (CID-
10: F06.3), emitidos no ano de 2019; transtorno mental não especificado devido a uma lesão e
disfunção cerebral e a uma doença física (CID-10: F06.9), datado de 24/10/2018 (Ids.
143915371, 143915372 e f. 11, Id. 143915370).
Desse modo, o conjunto probatório restou suficiente para a concessão de auxílio-doença.
O benefício deve ser mantido até que identificada melhora nas condições clínicas ora
atestadas, ou que haja reabilitação do segurado para atividade diversa compatível, facultada
pela lei a realização de exames periódicos a cargo do INSS, após o trânsito em julgado, para
que se avalie a perenidade ou não das moléstias diagnosticadas, nos termos do art. 101 da Lei
n.º 8.213/91.
Em que pese a perícia judicial tenha fixado a data de início da incapacidade na data da perícia,
considerando as datas da documentação médica trazida aos autos, cabível concluir que a parte
autora já se considerava incapacitada no momento em que apresentou o requerimento
administrativo, porquanto identificada, àquele tempo, as mesmas moléstias incapacitantes que
a afligiam na data fixada pela perícia judicial.
O benefício é de auxílio-doença previdenciário, com renda mensal correspondente a 91%
(noventa e um por cento) do salário-de-benefício e DIB em 7/11/2018 (data do requerimento
administrativo).
Devida a gratificação natalina, nos termos preconizados no art. 7.º, inciso VIII, da Constituição
da República.
Quer seja em relação aos juros moratórios, devidos a partir da citação, momento em que
constituído o réu em mora; quer seja no tocante à correção monetária, incidente desde a data
do vencimento de cada prestação, há que prevalecer tanto o decidido, sob a sistemática da
repercussão geral, no Recurso Extraordinário n.º 870.947, de 20/9/2017, sob relatoria do
Ministro Luiz Fux, quanto o estabelecido no Manual de Orientação de Procedimentos para
Cálculos na Justiça Federal, em vigor por ocasião da execução do julgado, observada a
rejeição dos embargos de declaração no âmbito do julgamento em epígrafe, em 03/10/2019.
Nos termos do art. 4.º, inciso I, da Lei Federal n.º 9.289/1996, o INSS está isento do pagamento
de custas processuais nas ações de natureza previdenciária ajuizadas nesta Justiça Federal,
assim como o está naquelas aforadas na Justiça do estado de São Paulo, por força do art. 6.º
da Lei Estadual n.º 11.608/2003, c. c. o art. 1.º, § 1.º, da mesma Lei n.º 9.289/1996,
circunstância que não o exime, porém, de arcar com as custas e as despesas processuais em
restituição à parte autora, em decorrência da sucumbência, na hipótese de pagamento prévio.
Já no que diz respeito às ações propostas perante a Justiça do estado de Mato Grosso do Sul,
as normativas que tratavam da aludida isenção (Leis Estaduais n.º 1.135/91 e n.º 1.936/98)
restaram revogadas a partir da edição da Lei Estadual n.º 3.779/09 (art. 24, §§ 1.º e 2.º), pelo
que, nos feitos advindos daquela Justiça Estadual, de rigor a imposição à autarquia
previdenciária do pagamento das custas processuais, exigindo-se o recolhimento apenas ao
final da demanda, caso caracterizada a sucumbência.
À vista do quantoprevisto no art. 85 do Código de Processo Civil, sendo o caso de sentença
ilíquida, o percentual da verba honorária deverá ser fixado na liquidação do julgado, com
observância ao disposto no inciso II do § 4.º, c. c. o § 11, ambos do art. 85 do CPC, bem como
no art. 86 do mesmo diploma legal.
Do mesmo modo, quanto à base de cálculo,considerando a questão submetida a julgamento no
Tema n.º 1.105 do Superior Tribunal de Justiça ("Definição acerca da incidência, ou não, da
Súmula 111/STJ, ou mesmo quanto à necessidade de seu cancelamento, após a vigência do
CPC/2015 (art. 85), no que tange à fixação de honorários advocatícios nas ações
previdenciárias"), postergo sua fixação para a ocasião do cumprimento de sentença.
Posto isso, dou provimento à apelação, para reformar a sentença e conceder à parte autora o
benefício de auxílio-doença, fixando os consectários nos termos acima preconizados.
É o voto.
THEREZINHA CAZERTA
Desembargadora Federal Relatora
E M E N T A
PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR INVALIDEZ. AUXÍLIO-DOENÇA.
TRABALHADOR RURAL. COMPROVAÇÃO DA ATIVIDADE DE RURÍCOLA NO PERÍODO
ANTERIOR AO REQUERIMENTO. INCAPACIDADE RECONHECIDA PELO LAUDO
PERICIAL. CONCESSÃO DO BENEFÍCIO.
- Os requisitos à aposentadoria por invalidez, conforme preceituam os arts. 42 e seguintes da
Lei n.° 8.213/91, consistem na presença da qualidade de segurado, na existência de
incapacidade total e permanente para o trabalho e na ocorrência do cumprimento da carência,
nas hipóteses em que exigida. O auxílio-doença, por sua vez, é concedido nos casos de
incapacidade temporária.
- Necessária a contextualização do indivíduo para a aferição da incapacidade laborativa. Os
requisitos insertos na Lei de Benefícios devem ser observados em conjunto com as condições
sócio-econômica, profissional e cultural do trabalhador.
- A atividade rural deve ser comprovada por meio de início de prova material, aliada à prova
testemunhal.
- Preenchidos os requisitos legais - quais sejam, qualidade de segurada, incapacidade e
cumprimento do período de carência (12 meses) -, é de rigor a concessão do benefício.
- Reconhecimento da procedência do pedido formulado.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Oitava Turma, por
unanimidade, decidiu dar provimento à apelação, nos termos do relatório e voto que ficam
fazendo parte integrante do presente julgado.
Resumo Estruturado
VIDE EMENTA
