Processo
ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL / SP
5003110-22.2017.4.03.6105
Relator(a)
Desembargador Federal MARIA LUCIA LENCASTRE URSAIA
Órgão Julgador
10ª Turma
Data do Julgamento
06/10/2021
Data da Publicação/Fonte
Intimação via sistema DATA: 08/10/2021
Ementa
E M E N T A
PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR INVALIDEZ. ART. 42, CAPUT E § 2º DA LEI
8.213/91. QUALIDADE DE SEGURADO. CARÊNCIA. JUIZ NÃO ADSTRITO AO LAUDO.
INCAPACIDADE TOTAL E PERMANENTE REVELADA PELO CONJUNTO PROBATÓRIO.
REQUISITOS PRESENTES. BENEFÍCIO DEVIDO. DATA DE INÍCIO RETROAGIDA.
CORREÇÃO MONETÁRIA.
1. Via de regra, nas ações em que se objetiva a concessão de auxílio-doença ou aposentadoria
por invalidez, o juiz firma sua convicção por meio da prova pericial. Todavia, o magistrado não
está adstrito ao laudo pericial, podendo formar sua convicção com outros elementos de prova
existente nos autos.
2. Comprovada a incapacidade total e permanente para o trabalho, bem como presentes os
demais requisitos previstos nos artigos 42, caput e §2º da Lei nº 8.213/91, é devida a concessão
do benefício de aposentadoria por invalidez desde a cessação do auxílio-doença (30/06/2016).
3. A correção monetária e os juros de mora serão aplicados de acordo com o vigente Manual de
Cálculos da Justiça Federal, atualmente a Resolução nº 267/2013, observado o julgamento final
do RE 870.947/SE em Repercussão Geral.
4. OC. Superior Tribunal de Justiça, em sessão de julgamento realizada em 24/06/2020, em sede
de recurso representativo da controvérsia (Tema 1.013 - Recurso Especial repetitivo 1786590/SP
e 1788700/SP, rel. Min. HERMAN BENJAMIN), firmou posicionamento no sentido de que “No
período entre o indeferimento administrativo e a efetiva implantação de auxílio-doença ou de
Jurisprudência/TRF3 - Acórdãos
aposentadoria por invalidez, mediante decisão judicial, o segurado do RPGS tem direito ao
recebimento conjunto das rendas do trabalho exercido, ainda que incompatível com sua
incapacidade laboral, e do respectivo benefício previdenciário pago retroativamente”.
5.Apelação da parte autora provida.Apelação do INSS parcialmente provida.
Acórdao
PODER JUDICIÁRIOTribunal Regional Federal da 3ª Região
10ª Turma
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº5003110-22.2017.4.03.6105
RELATOR:Gab. 36 - DES. FED. LUCIA URSAIA
APELANTE: MARIA INES DE ARRUDA CAMARGO, INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO
SOCIAL - INSS, PROCURADORIA-REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO
Advogado do(a) APELANTE: DANIELE DOMINGOS MONTEIRO - SP291034-A
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS, MARIA INES DE ARRUDA
CAMARGO
PROCURADOR: PROCURADORIA-REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO
Advogado do(a) APELADO: DANIELE DOMINGOS MONTEIRO - SP291034-A
OUTROS PARTICIPANTES:
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APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº5003110-22.2017.4.03.6105
RELATOR:Gab. 36 - DES. FED. LUCIA URSAIA
APELANTE: MARIA INES DE ARRUDA CAMARGO, INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO
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APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS, MARIA INES DE ARRUDA
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OUTROS PARTICIPANTES:
R E L A T Ó R I O
A Senhora Desembargadora Federal LUCIA URSAIA (Relatora): Proposta ação de
conhecimento de natureza previdenciária, objetivando o restabelecimento do auxílio-doença ou
concessão de aposentadoria por invalidez, sobreveio sentença de parcial procedênciado pedido
(id 146414796), condenando-se o INSS a restabelecer o auxílio-doença, desde a cessação
administrativa, e convertê-lo em aposentadoria por invalidez, a partir dadata da perícia
(09/04/2018 – id 1146414770), fixando juros de mora e correção monetária, bem como
honorários advocatícios em10% (dez por cento) sobre o valor dacondenação. Foi concedida
tutela antecipada para implantar o benefício em 30 (trinta) dias e reconhecida a isenção de
custas ao INSS.
A r. sentença não foi submetida ao reexame necessário.
A parte autora opôs embargos de declaração (id 146414799), não conhecidos (id 146414801).
Posteriormente, interpôs recurso de apelação requerendoque a data de início da aposentadoria
por invalidez sejafixada na data da cessação do auxílio-doença (11/08/2016) ou,
subsidiariamente, na data fixada pela perícia judicial como de início de incapacidade (agosto de
2017).
Inconformada, a autarquia previdenciária também interpôs recurso de apelação (id 146414800),
pugnando pela reforma da sentença, por entender não preenchidos os requisitos para
restabelecer o benefício de auxílio-doença entre a data da cessação administrativa e a data do
laudo judicial (09/04/2018), por entender que a autora estava capacitada para o labor e
trabalhando. Subsidiariamente, requerque o INSS se exima de efetuar o pagamento do auxílio-
doença nas competências compreendidas entre a data da cessação dobenefício até a data de
início de incapacidade fixada em laudo judicial (agosto de 2017), bem como a alteração do
índice de correção monetária.
Com contrarrazões (id 146414808), os autos foram remetidos a este Tribunal.
É o relatório.
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APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº5003110-22.2017.4.03.6105
RELATOR:Gab. 36 - DES. FED. LUCIA URSAIA
APELANTE: MARIA INES DE ARRUDA CAMARGO, INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO
SOCIAL - INSS, PROCURADORIA-REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO
Advogado do(a) APELANTE: DANIELE DOMINGOS MONTEIRO - SP291034-A
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS, MARIA INES DE ARRUDA
CAMARGO
PROCURADOR: PROCURADORIA-REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO
Advogado do(a) APELADO: DANIELE DOMINGOS MONTEIRO - SP291034-A
OUTROS PARTICIPANTES:
V O T O
A Senhora Desembargadora Federal LUCIA URSAIA (Relatora): Recebo os recursos de
apelação, nos termos do artigo 1.010, do novo Código de Processo Civil, por serem
tempestivos.
Os requisitos para a concessão da aposentadoria por invalidez, de acordo com o artigo 42,
caput e § 2.º, da Lei n.º 8.213/91, são os que se seguem: 1) qualidade de segurado; 2)
cumprimento da carência, quando for o caso; 3) incapacidade insuscetível de reabilitação para
o exercício de atividade que garanta a subsistência; 4) não serem a doença ou a lesão
existentes antes da filiação à Previdência Social, salvo se a incapacidade sobrevier por motivo
de agravamento daquelas. De acordo com os artigos 59 e 62 da Lei nº 8.213/91, o benefício de
auxílio-doença é devido ao segurado que fica incapacitado temporariamente para o exercício de
suas atividades profissionais habituais, bem como àquele cuja incapacidade, embora
permanente, não seja total, isto é, haja a possibilidade de reabilitação para outra atividade que
garanta o seu sustento.
A qualidade de segurado da parte autora e o cumprimento da carência prevista no inciso I do
artigo 25 da Lei nº 8.213/91 restaram comprovadas, uma vez que estava em gozo de auxílio-
doença (NB 31/546153260-4), de 16/05/2011 até 30/06/2016, quando foi cessado, conforme
informações extraídas do Cadastro Nacional de Informações Sociais – CNIS e Comunicação de
Decisão (id 146414750 e 146414740). Dessa forma, estes requisitos foram reconhecidos pela
autarquia por ocasião da concessão do benefício de auxílio-doença. Proposta a demanda em
26/11/2017, não há falar em perda da qualidade de segurado, porque para ação de
restabelecimento cabe verificar a prova técnica produzida em juízo.
Por outro lado, para a solução da lide, ainda, é de substancial importância a prova técnica
produzida. Neste passo, a incapacidade para o exercício de trabalho que garanta a subsistência
foi atestada pelo laudo pericial realizado e seu complemento (id 1146414770 e 146414788). De
acordo com referido laudo, a parte autora esteve incapacitada de forma total e temporária entre
16/05/2011 a 30/06/2016 e de forma total e definitiva a partir de agosto de 2017. Referido laudo
e seu complemento apresentam-se completos, descrevendo de forma clara e inteligível as suas
conclusões, bem como as razões em que se fundamentam.
Via de regra, nas ações em que se objetiva a concessão de auxílio-doença ou aposentadoria
por invalidez, o juiz firma sua convicção por meio da prova pericial. Todavia, o art. 479 do Novo
Código de Processo Civil é no sentido de que o magistrado não está adstrito ao laudo pericial,
podendo formar sua convicção com outros elementos de prova existente nos autos.
Nesse sentido:
(STJ, RESP 200300961418, Relator Ministro JOSÉ ARNALDO DA FONSECA, DJ 21/03/2005,
p. 00421);
"DIREITO PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR INVALIDEZ. LAUDO PERICIAL.
INCAPACIDADE PARCIAL. DEMAIS ELEMENTOS. INCAPACIDADE PERMANENTE.
POSSIBILIDADE.
1. A jurisprudência desta Corte orienta-se no sentido de reconhecer que a concessão da
aposentadoria por invalidez deve considerar não só os elementos previstos no art. 42 da Lei nº
8.213/91, mas também aspectos sócio-econômicos, profissionais e culturais do segurado, ainda
que o laudo pericial tenha concluído pela incapacidade apenas parcial para o trabalho. Nesse
panorama, o Magistrado não estaria adstrito ao laudo pericial, podendo levar em conta outros
elementos dos autos que o convençam da incapacidade permanente para qualquer atividade
laboral.
2. Agravo regimental a que se nega provimento."
(STJ, AGRESP 200801033003, Relator DESEMBARGADOR CONVOCADO DO TJ/AP
HONILDO AMARAL DE MELLO CASTRO, j.18/11/2010, DJE 29/11/2010);
"PREVIDENCIÁRIO. AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO DE INSTRUMENTO.
APOSENTADORIA POR INVALIDEZ. LAUDO PERICIAL CONCLUSIVO PELA
INCAPACIDADE PARCIAL DO SEGURADO. POSSIBILIDADE DE AFERIÇÃO DOS
REQUISITOS NECESSÁRIOS À CONCESSÃO DA APOSENTADORIA POR INVALIDEZ,
UTILIZANDO-SE OUTROS MEIOS.
1. Ainda que o sistema previdenciário seja contributivo, não há como desvinculá-lo da realidade
social, econômica e cultural do país, onde as dificuldades sociais alargam, em muito, a fria letra
da lei.
2. No Direito Previdenciário, com maior razão, o magistrado não está adstrito apenas à prova
pericial, devendo considerar fatores outros para averiguar a possibilidade de concessão do
benefício pretendido pelo segurado.
3. Com relação à concessão de aposentadoria por invalidez, este Superior Tribunal de Justiça
possui entendimento no sentido da desnecessidade da vinculação do magistrado à prova
pericial, se existentes outros elementos nos autos aptos à formação do seu convencimento,
podendo, inclusive, concluir pela incapacidade permanente do segurado em exercer qualquer
atividade laborativa, não obstante a perícia conclua pela incapacidade parcial.
4. Agravo regimental a que se nega provimento."
(STJ, AGA 200802230169, Relator Ministro OG FERNANDES, j. 20/10/2009 DJE
DATA:09/11/2009).
Diante do quadro relatado pelo perito judicial e considerando o conjunto probatório colacionado
pela parte autora, em especial exame de cintilografia óssea datado de 28/07/2016 (id
146414675), em que se atesta metástase óssea e progressão no carcinoma de mama,
corroborado por laudo de retomada de quimioterapia por recidiva do câncer, datado de
09/08/2016 (id 146414737, fl. 03), é possível concluir pela incapacidade laborativa total e
definitiva da parte autora desde a cessação do auxílio-doença em 30/06/2016.
Assim, uma vez preenchidos os requisitos legais, a parte autora faz jus à aposentadoria por
invalidez, a partir da cessação do auxílio-doença (30/06/2016 – id 146414740), momento em
que fica reconhecida a incapacidade total e permanentepara o trabalho, descontando-se
eventuais parcelas pagas administrativamente, por ocasião da liquidação da sentença.
No caso de concessão de benefício por incapacidade, o recolhimento de contribuições
previdenciárias não é indicativo de exercício de atividade laborativa, implica, muita vezes, na
necessidade de contribuir para a manutenção da qualidade de segurado e não significa retorno
ao trabalho.
Além disso, oC. Superior Tribunal de Justiça, em sessão de julgamento realizada em
24/06/2020, em sede de recurso representativo da controvérsia (Tema 1.013 - Recurso Especial
repetitivo 1786590/SP e 1788700/SP, rel. Min. HERMAN BENJAMIN), firmou posicionamento
no sentido de que “No período entre o indeferimento administrativo e a efetiva implantação de
auxílio-doença ou de aposentadoria por invalidez, mediante decisão judicial, o segurado do
RPGS tem direito ao recebimento conjunto das rendas do trabalho exercido, ainda que
incompatível com sua incapacidade laboral, e do respectivo benefício previdenciário pago
retroativamente”, conforme ementa a seguir transcrita:
“PREVIDENCIÁRIO. RECURSO ESPECIAL REPRESENTATIVO DA CONTROVÉRSIA. ARTS.
1.036 E SEGUINTES DO CPC/2015. TEMA REPETITIVO 1.013/STJ. BENEFÍCIO POR
INCAPACIDADE. APOSENTADORIA POR INVALIDEZ E AUXÍLIO-DOENÇA. DEMORA NA
IMPLEMENTAÇÃO DO BENEFÍCIO. EXERCÍCIO DE ATIVIDADE REMUNERADA PELO
SEGURADO. NECESSIDADE DE SUBSISTÊNCIA DO SEGURADO. FUNÇÃO SUBSTITUTIVA
DA RENDA NÃO CONSUBSTANCIADA. POSSIBILIDADE DE RECEBIMENTO CONJUNTO
DA RENDA DO TRABALHO E DAS PARCELAS RETROATIVAS DO BENEFÍCIO ATÉ A
EFETIVA IMPLANTAÇÃO. TESE REPETITIVA FIXADA. IDENTIFICAÇÃO E DELIMITAÇÃO DA
CONTROVÉRSIA
1. O tema repetitivo ora controvertido consiste em definir a "possibilidade de recebimento de
benefício, por incapacidade, do Regime Geral de Previdência Social, de caráter substitutivo da
renda (auxílio-doença ou aposentadoria por invalidez), concedido judicialmente em período de
abrangência concomitante àquele em que o segurado estava trabalhando e aguardava o
deferimento do benefício."
2. Os fatos constatados no presente Recurso Especial consistem cronologicamente em: a) o
segurado teve indeferido benefício por incapacidade (auxílio-doença ou aposentadoria por
invalidez) na via administrativa; b) para prover seu sustento, trabalhou após o indeferimento e
entrou com ação judicial para a concessão de benefício por incapacidade; c) a ação foi julgada
procedente para conceder o benefício desde o requerimento administrativo, o que acabou por
abranger o período de tempo em que o segurado trabalhou; e d) o debate, travado ainda na
fase ordinária, consiste no entendimento do INSS de que o benefício por incapacidade
concedido judicialmente não pode ser pago no período em que o segurado estava trabalhando,
ante seu caráter substitutivo da renda e à luz dos arts. 42, 46 e 59 da Lei 8.213/1991.
3. A presente controvérsia e, consequentemente, a tese repetitiva que for fixada não abrangem
as seguintes hipóteses:
3.1. O segurado está recebendo regularmente benefício por incapacidade e passa a exercer
atividade remunerada incompatível com sua incapacidade, em que não há o caráter da
necessidade de sobrevivência como elemento que justifique a cumulação, e a função
substitutiva da renda do segurado é implementada de forma eficaz. Outro aspecto que pode ser
analisado sob perspectiva diferente é o relativo à boa-fé do segurado. Há jurisprudência das
duas Turmas da Primeira Seção que analisa essa hipótese, tendo prevalecido a compreensão
de que há incompatibilidade no recebimento conjunto das verbas. A exemplo: AgInt no REsp
1.597.369/SC, Rel. Ministra Regina Helena Costa, Primeira Turma, DJe 13.4.2018; REsp
1.454.163/RJ, Rel. Ministro Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, DJe 18.12.2015; e
REsp 1.554.318/SP, Rel. Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma, DJe 2.9.2016.
3.2. O INSS alega o fato impeditivo do direito (o exercício de trabalho pelo segurado) somente
na fase de cumprimento da sentença, pois há elementos de natureza processual prejudiciais à
presente tese a serem considerados, notadamente a aplicabilidade da tese repetitiva fixada no
REsp 1.253.513/AL (Rel. Ministro Castro Meira, Primeira Seção, DJe de 20.8.2012).
RESOLUÇÃO DA TESE CONTROVERTIDA
4. Alguns benefícios previdenciários possuem a função substitutiva da renda auferida pelo
segurado em decorrência do seu trabalho, como mencionado nos arts. 2º, VI, e 33 da Lei
8.213/1991. Em algumas hipóteses, a substitutividade é abrandada, como no caso de ser
possível a volta ao trabalho após a aposentadoria por tempo de contribuição (art. 18, § 2º, da
Lei 8.213/1991). Em outras, a substitutividade resulta na incompatibilidade entre as duas
situações (benefício e atividade remunerada), como ocorre com os benefícios auxílio-doença
por incapacidade e aposentadoria por invalidez.
5. Desses casos de auxílio-doença e aposentadoria por invalidez, é pressuposto que a
incapacidade total para o trabalho seja temporária ou definitiva, respectivamente.
6. Como consequência, o Regime Geral de Previdência Social arca com os citados benefícios
por incapacidade para consubstanciar a função substitutiva da renda, de forma que o segurado
que não pode trabalhar proveja seu sustento.
7. A cobertura previdenciária, suportada pelo regime contributivo solidário, é o provimento do
sustento do segurado enquanto estiver incapaz para o trabalho.
8. É decorrência lógica da natureza dos benefícios por incapacidade, substitutivos da renda,
que a volta ao trabalho seja, em regra, causa automática de cessação desses benefícios, como
se infere do requisito da incapacidade total previsto nos arts. 42 e 59 da Lei 8.213/1991, com
ressalva ao auxílio-doença.
9. No caso de aposentadoria por invalidez, o art. 42 da Lei de Benefícios da Previdência Social
(LBPS) estabelece como requisito a incapacidade "para o exercício de atividade que lhe
garanta a subsistência", e, assim, a volta a qualquer atividade resulta no automático
cancelamento do benefício (art. 46).
10. Já o auxílio-doença estabelece como requisito (art. 59) que o segurado esteja "incapacitado
para o seu trabalho ou para a sua atividade habitual". Desse modo, a função substitutiva do
auxílio-doença é restrita às duas hipóteses, fora das quais o segurado poderá trabalhar em
atividade não limitada por sua incapacidade.
11. Alinhada a essa compreensão, já implícita desde a redação original da Lei 8.213/1991, a Lei
13.135/2015 incluiu os §§ 6º e 7º no art. 60 daquela, com a seguinte redação (grifos
acrescentados): "§ 6º O segurado que durante o gozo do auxílio-doença vier a exercer atividade
que lhe garanta subsistência poderá ter o benefício cancelado a partir do retorno à atividade. §
7º Na hipótese do § 6º, caso o segurado, durante o gozo do auxílio-doença, venha a exercer
atividade diversa daquela que gerou o benefício, deverá ser verificada a incapacidade para
cada uma das atividades exercidas." 12. Apresentado esse panorama legal sobre o tema,
importa estabelecer o ponto diferencial entre a hipótese fática dos autos e aquela tratada na lei:
aqui o segurado requereu o benefício, que lhe foi indeferido, e acabou trabalhando enquanto
não obteve seu direito na via judicial; já a lei trata da situação em que o benefício é concedido,
e o segurado volta a trabalhar.
13. A presente controvérsia cuida de caso, portanto, em que falhou a função substitutiva da
renda, base da cobertura previdenciária dos benefícios auxílio-doença e aposentadoria por
invalidez.
14. O provimento do sustento do segurado não se materializou, no exato momento da
incapacidade, por falha administrativa do INSS, que indeferiu incorretamente o benefício, sendo
inexigível do segurado que aguarde a efetivação da tutela jurisdicional sem que busque, pelo
trabalho, o suprimento da sua subsistência.
15. Por culpa do INSS, resultado do equivocado indeferimento do benefício, o segurado teve de
trabalhar, incapacitado, para o provimento de suas necessidades básicas, o que doutrinária e
jurisprudencialmente convencionou-se chamar de sobre-esforço. Assim, a remuneração por
esse trabalho tem resultado inafastável da justa contraprestação pecuniária.
16. Na hipótese, o princípio da vedação do enriquecimento sem causa atua contra a autarquia
previdenciária, pois, por culpa sua - indeferimento equivocado do benefício por incapacidade -,
o segurado foi privado da efetivação da função substitutiva da renda laboral, objeto da cobertura
previdenciária, inerente aos mencionados benefícios.
17. Como tempero do elemento volitivo do segurado, constata-se objetivamente que, ao
trabalhar enquanto espera a concessão de benefício por incapacidade, está ele atuando de
boa-fé, cláusula geral hodiernamente fortalecida na regência das relações de direito.
18. Assim, enquanto a função substitutiva da renda do trabalho não for materializada pelo
efetivo pagamento do auxílio-doença ou da aposentadoria por invalidez, é legítimo que o
segurado exerça atividade remunerada para sua subsistência, independentemente do exame
da compatibilidade dessa atividade com a incapacidade laboral.
19. No mesmo sentido do entendimento aqui defendido: AgInt no AREsp 1.415.347/SP, Rel.
Ministro Francisco Falcão, Segunda Turma, Je de 28.10.2019; REsp 1.745.633/PR, Rel.
Ministro Francisco Falcão, Segunda Turma, DJe de 18.3.2019; AgInt no REsp 1.669.033/SP,
Rel. Ministro Napoleão Nunes Maia Filho, Primeira Turma, DJe de 30.8.2018; REsp
1.573.146/SP, Rel. Ministro Napoleão Nunes Maia Filho, Primeira Turma, DJe de 13.11.2017;
AgInt no AgInt no AREsp 1.170.040/SP, Rel. Ministro Sérgio Kukina, Primeira Turma, DJe de
10.10.2018; AgInt no REsp 1.620.697/SP, Rel. Ministro Benedito Gonçalves, Primeira Turma,
DJe de 2.8.2018; AgInt no AREsp 1.393.909/SP, Rel. Ministro Gurgel de Faria, Primeira Turma,
DJe de 6.6.2019; e REsp 1.724.369/SP, Rel. Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma, DJe
de 25.5.2018.
FIXAÇÃO DA TESE REPETITIVA
20. O Tema Repetitivo 1.013/STJ é assim resolvido: "No período entre o indeferimento
administrativo e a efetiva implantação de auxílio-doença ou de aposentadoria por invalidez,
mediante decisão judicial, o segurado do RPGS tem direito ao recebimento conjunto das rendas
do trabalho exercido, ainda que incompatível com sua incapacidade laboral, e do respectivo
benefício previdenciário pago retroativamente."
RESOLUÇÃO DO CASO CONCRETO
21. Ao Recurso Especial deve-se negar provimento, pois o Tribunal de origem julgou o presente
caso no mesmo sentido do entendimento aqui proposto (fl. 142-143/e-STJ): "A permanência do
segurado no exercício das atividades laborativas decorre da necessidade de prover sua
subsistência enquanto a administração ou o Judiciário não reconheça sua incapacidade, não
obstando a concessão do benefício vindicado durante a incapacidade."
22. Consubstanciado o que previsto no Enunciado Administrativo 7/STJ, o recorrente é
condenado ao pagamento de honorários advocatícios de 10% (dez por cento) sobre o valor total
da verba sucumbencial fixada nas instâncias ordinárias, com base no § 11 do art. 85 do
CPC/2015.
CONCLUSÃO
23. Recurso Especial não provido, sob o rito dos arts. 1.036 e seguintes do CPC/2015.”
Assim, fica rejeitado opedido de suspensãodas parcelas do benefício concedidas dentro do
período alegado como trabalhado.
A correção monetária e os juros de mora serão aplicados de acordo com o vigente Manual de
Cálculos da Justiça Federal, atualmente a Resolução nº 267/2013, observado o julgamento final
do RE 870.947/SE em Repercussão Geral.
Diante do exposto, DOU PROVIMENTO À APELAÇÃO DA PARTE AUTORA, para retroagir a
data de início da aposentadoria por invalidez para 30/06/2016, e DOU PARCIAL PROVIMENTO
À APELAÇÃO DO INSS, para fixar a incidência dacorreção monetária, nos termos da
fundamentação.
É o voto.
E M E N T A
PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR INVALIDEZ. ART. 42, CAPUT E § 2º DA LEI
8.213/91. QUALIDADE DE SEGURADO. CARÊNCIA. JUIZ NÃO ADSTRITO AO LAUDO.
INCAPACIDADE TOTAL E PERMANENTE REVELADA PELO CONJUNTO PROBATÓRIO.
REQUISITOS PRESENTES. BENEFÍCIO DEVIDO. DATA DE INÍCIO RETROAGIDA.
CORREÇÃO MONETÁRIA.
1. Via de regra, nas ações em que se objetiva a concessão de auxílio-doença ou aposentadoria
por invalidez, o juiz firma sua convicção por meio da prova pericial. Todavia, o magistrado não
está adstrito ao laudo pericial, podendo formar sua convicção com outros elementos de prova
existente nos autos.
2. Comprovada a incapacidade total e permanente para o trabalho, bem como presentes os
demais requisitos previstos nos artigos 42, caput e §2º da Lei nº 8.213/91, é devida a
concessão do benefício de aposentadoria por invalidez desde a cessação do auxílio-doença
(30/06/2016).
3. A correção monetária e os juros de mora serão aplicados de acordo com o vigente Manual de
Cálculos da Justiça Federal, atualmente a Resolução nº 267/2013, observado o julgamento final
do RE 870.947/SE em Repercussão Geral.
4. OC. Superior Tribunal de Justiça, em sessão de julgamento realizada em 24/06/2020, em
sede de recurso representativo da controvérsia (Tema 1.013 - Recurso Especial repetitivo
1786590/SP e 1788700/SP, rel. Min. HERMAN BENJAMIN), firmou posicionamento no sentido
de que “No período entre o indeferimento administrativo e a efetiva implantação de auxílio-
doença ou de aposentadoria por invalidez, mediante decisão judicial, o segurado do RPGS tem
direito ao recebimento conjunto das rendas do trabalho exercido, ainda que incompatível com
sua incapacidade laboral, e do respectivo benefício previdenciário pago retroativamente”.
5.Apelação da parte autora provida.Apelação do INSS parcialmente provida. ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Décima Turma, por
unanimidade, decidiu dar provimento à apelação da parte autora e dar provimento parcial à
apelação do INSS., nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do
presente julgado.
Resumo Estruturado
VIDE EMENTA
