Processo
ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL / SP
5117057-70.2021.4.03.9999
Relator(a)
Desembargador Federal INES VIRGINIA PRADO SOARES
Órgão Julgador
7ª Turma
Data do Julgamento
13/08/2021
Data da Publicação/Fonte
DJEN DATA: 19/08/2021
Ementa
E M E N T A
PREVIDENCIÁRIO - APOSENTADORIA POR INVALIDEZ - INCAPACIDADE PARA O
TRABALHO - REQUISITOS PREENCHIDOS - TERMO INICIAL DO BENEFÍCIO - JUROS DE
MORA E CORREÇÃO MONETÁRIA - HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS.
1. Por ter sido a sentença proferida sob a égide do Código de Processo Civil de 2015 e, em razão
de sua regularidade formal, conforme certificado nos autos, a apelação interposta deve ser
recebida e apreciada em conformidade com as normas ali inscritas.
2. Os benefícios por incapacidade, previstos na Lei nº 8.213/91, destinam-se aos segurados que,
após o cumprimento da carência de 12 (doze) meses (art. 25, I), sejam acometidos por
incapacidade laboral: (i) incapacidade total e definitiva para qualquer atividade laborativa, no caso
de aposentadoria por invalidez (art. 42), ou (ii) incapacidade para a atividade habitual por mais de
15 (quinze) dias consecutivos, no caso de auxílio-doença (art. 59).
3.No caso dos autos, o exame realizado pelo perito oficial em 03/09/2019, constatou que a parte
autora, empregada doméstica, 51anos de idade na data do exame,é portadora de HIV e de visão
monocular decorrente de complicaçõesda doença, estando incapacitada para o exercício da
atividade laboral de forma parcial e permanente, como se vê do laudo pericial.Ocorre que a parte
autora é pessoa de baixa instruçãoe sempre se dedicou àatividade de empregada doméstica, que
é incompatívelcom asuacondiçãode saúde.E não se pode ignorar que no ambiente de trabalho
domésticosão maiores a estigmatização social e a discriminação sofridas pelos portadores do
vírus HIV, que acabam sendo preteridos nos processos de seleção para admissão no trabalho,
ainda mais considerando que, nessa área, há muita mão-de-obra disponível.
Jurisprudência/TRF3 - Acórdãos
4. O magistrado não está adstrito às conclusões do laudo pericial, conforme dispõem o artigo 436
do CPC/1973 e o artigo 479 do CPC/2015, devendo considerar também aspectos
socioeconômicos, profissionais e culturais do segurado, como no caso dos portadores do vírus
HIV, ainda que assintomáticos. Nesse sentido, a Súmula nº 78/TNU.
5. Não obstante a conclusãodo perito judicial, mas considerando as dificuldades enfrentadas
pelos soropositivos para se recolocarem no mercado de trabalho em razão do preconceito, os
riscos que representam para a integridade da parte autorae o fato de que ela tem baixa instrução
e sempre se dedicou à atividade de empregada doméstica, é possível conceder a aposentadoria
por invalidez, até porque preenchidos os demais requisitos legais.
6. Demonstrado nos autos que a parte autora é segurada da Previdência Social eestá dispensada
do cumprimento da carência exigida pelo artigo 25, inciso I, da Lei nº 8.213/91 (artigo 26, inciso II,
da mesma lei).
7.O termo inicial do benefício, em regra, deveria ser fixado à data do requerimento administrativo
ou, na sua ausência, à data da citação (Súmula nº 576/STJ) ou, ainda, na hipótese de auxílio-
doença cessado indevidamente, no dia seguinte ao da cessação indevida do benefício.No caso,o
termo inicial do benefício é fixado à data da cessação do benefício.
8.Para o cálculo dos juros de mora e correção monetária, devem ser aplicados os índices
previstos no Manual de Orientação de Procedimentos para os Cálculos da Justiça Federal,
aprovado pelo Conselho da Justiça Federal, à exceção da correção monetária a partir de julho de
2009, período em que deve ser observado o Índice de Preços ao Consumidor Amplo Especial -
IPCA-e, critério estabelecido pelo Pleno do Egrégio Supremo Tribunal Federal, quando do
julgamento do Recurso Extraordinário nº 870.947/SE, realizado em 20/09/2017, na sistemática de
Repercussão Geral, e confirmado em 03/10/2019, com a rejeição dos embargos de declaração
opostos pelo INSS.
9. Deferida a tutela antecipada, vez que presentes os seus requisitos - verossimilhança das
alegações, conforme exposto nesta decisão, e o perigo da demora, o qual decorre da natureza
alimentar do benefício.
10. Vencido o INSS, a ele incumbe o pagamento de honorários advocatícios, fixados em 10% do
valor das prestações vencidas até a data da sentença (Súmula nº 111/STJ).
11. Recurso provido.
Acórdao
PODER JUDICIÁRIOTribunal Regional Federal da 3ª Região
7ª Turma
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº5117057-70.2021.4.03.9999
RELATOR:Gab. 22 - DES. FED. INÊS VIRGÍNIA
APELANTE: MARLENE MARTINS FERREIRA
Advogado do(a) APELANTE: GEORGE HAMILTON MARTINS CORREA - SP201395-N
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
OUTROS PARTICIPANTES:
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº5117057-70.2021.4.03.9999
RELATOR:Gab. 22 - DES. FED. INÊS VIRGÍNIA
APELANTE: MARLENE MARTINS FERREIRA
Advogado do(a) APELANTE: GEORGE HAMILTON MARTINS CORREA - SP201395-N
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
OUTROS PARTICIPANTES:
R E L A T Ó R I O
A EXMA. SRA. DESEMBARGADORA FEDERAL INÊS VIRGÍNIA (RELATORA): Trata-se de
apelação interposta contra sentença que julgou IMPROCEDENTE o pedido de concessão de
APOSENTADORIA POR INVALIDEZ ou AUXÍLIO-DOENÇA, com fundamento na ausência de
incapacidade laborativa.
Em suas razões de recurso, sustenta a parte autora:
- estar incapacitada total e permanentemente para sua atividade habitual, fazendo jus à
concessão do benefício pleiteado;
- que, estando com a idade de 51m anos, e incapacitada, ainda que parcialmente, para sua
atividade habitual, e por possuir baixa instrução, não há possibilidade de reabilitação
profissional, o que justifica a concessão da aposentadoria por invalidez.
Sem contrarrazões, vieram os autos a este Egrégio Tribunal.
É O RELATÓRIO.
PODER JUDICIÁRIOTribunal Regional Federal da 3ª Região7ª Turma
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº5117057-70.2021.4.03.9999
RELATOR:Gab. 22 - DES. FED. INÊS VIRGÍNIA
APELANTE: MARLENE MARTINS FERREIRA
Advogado do(a) APELANTE: GEORGE HAMILTON MARTINS CORREA - SP201395-N
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
OUTROS PARTICIPANTES:
V O T O
A EXMA. SRA. DESEMBARGADORA FEDERAL INÊS VIRGÍNIA (RELATORA): Recebo a
apelação interposta sob a égide do Código de Processo Civil/2015, e, em razão de sua
regularidade formal, possível sua apreciação, nos termos do artigo 1.011 do Código de
Processo Civil.
Os benefícios por incapacidade, previstos na Lei nº 8.213/91, destinam-se aos segurados que,
após o cumprimento da carência de 12 (doze) meses (artigo 25, inciso I), sejam acometidos por
incapacidade laboral: (i) incapacidade total e definitiva para qualquer atividade laborativa, no
caso de aposentadoria por invalidez (artigo 42), ou (ii) incapacidade para a atividade habitual
por mais de 15 (quinze) dias consecutivos, no caso de auxílio-doença (artigo 59).
No tocante ao auxílio-doença, especificamente, vale destacar que se trata de um benefício
provisório, que cessa com o término da incapacidade, no caso de ser temporária, ou com a
reabilitação do segurado para outra atividade que lhe garanta a subsistência, se a incapacidade
for definitiva para a atividade habitual, podendo, ainda, ser convertido em aposentadoria por
invalidez, caso o segurado venha a ser considerado insusceptível de reabilitação.
Em relação à carência, nos termos do artigo 26, inciso II, da Lei nº 8.213/91, dela está
dispensado o requerente nos casos em que a incapacidade é decorrente de acidente de
qualquer natureza ou causa, de doença profissional ou do trabalho, ou ainda das doenças e
afecções elencadas no artigo 151 da mesma lei.
Como se vê, para a obtenção dos benefícios por incapacidade, deve o requerente comprovar o
preenchimento dos seguintes requisitos: (i) qualidade de segurado, (ii) cumprimento da
carência, quando for o caso, e (iii) incapacidade laboral.
No caso dos autos, o exame realizado pelo perito oficial em 03/09/2019, constatou que a parte
autora, empregada doméstica, 51anos de idade na data do exame,é portadora de HIV e de
visão monocular decorrente de complicaçõesda doença, estando incapacitada para o exercício
da atividade laboral de forma parcial e permanente, como se vê do laudo pericial (ID
163248509):
"CONCLUSÃO. A autora, sendo portadora de AIDS, encontrando-se atualmente em tratamento,
estando com a doença controlada, sem apresentar sintomatologia e sinais de complicações
decorrentes da doença. Apresenta atualmente cegueira do olho esquerdo, que foi decorrente de
processo infeccioso ocorrido há vários anos como complicação da doença pré-existente.
Encontra-se atualmente com bom estado geral, e apresenta limitações decorrentes da visão
monocular como descrito nas considerações anteriores. De acordo com avaliação deste perito,
apresenta incapacidade parcial e permanente para o trabalho."
Ocorre que a parte autora é pessoa de baixa instruçãoe sempre se dedicou àatividade de
empregada doméstica, que é incompatívelcom asuacondiçãode saúde.
E não se pode ignorar que no ambiente de trabalho domésticosão maiores a estigmatização
social e a discriminação sofridas pelos portadores do vírus HIV, que acabam sendo preteridos
nos processos de seleção para admissão no trabalho, ainda mais considerando que, nessa
área, há muita mão-de-obra disponível.
Destaco que o magistrado não está adstrito às conclusões do laudo pericial, conforme dispõem
o artigo 436 do CPC/1973 e o artigo 479 do CPC/2015, devendo considerar também os
aspectos socioeconômicos, profissionais e culturais do segurado, como no caso dos portadores
do vírus HIV, ainda que assintomáticos.
Nesse sentido, dispõe a Súmula nº 78 da Turma Nacional de Uniformização:
Comprovado que o requerente de benefício é portador do vírus HIV, cabe ao julgador verificar
as condições pessoais, sociais, econômicas e culturais, de forma a analisara incapacidade em
sentido amplo, em face da elevada estigmatização da doença.
Assim, não obstante a conclusãodo perito judicial, mas considerando as dificuldades
enfrentadas pelos soropositivos para se recolocarem no mercado de trabalho em razão do
preconceito, os riscos que representam para a integridade da parte autora, e o fato de que a
parte autora tem baixa instrução e sempre se dedicou à atividade de empregada doméstica, é
possível conceder a aposentadoria por invalidez, até porque preenchidos os demais requisitos
legais.
Nesse sentido, é o entendimento firmado pelo Egrégio Superior Tribunal de Justiça:
... a jurisprudência do STJ alinhou-se no sentido de que, para a concessão da aposentadoria
por invalidez, o magistrado não está vinculado à prova pericial e pode concluir pela
incapacidade laboral levando em conta os aspectos socioeconômicos, profissionais e culturais
do segurado.
(AgInt nos EDcl no AREsp nº 884.666/DF, Relator Ministro Herman Benjamin, DJe 08/11/2016)
E, seguindo essa orientação, aquela Egrégia Corte Superior, em decisões monocráticas
terminativas, tem confirmado os julgados dos Tribunais Regionais que, a despeito da conclusão
médico-pericial, mas com base nas condições socioeconômicos, profissionais e culturais do
segurado, vêm concedendo aposentadoria por invalidez a portadores do vírus HIV, ainda que
assintomáticos (REsp nº 1.609.463/MG, Relatora Ministra Assusete Magalhães, DJe
13/11/2017; AREsp nº 956.184/RS, Relator Ministro Og Fernandes, DJe 26/04/2017; REsp nº
1.610.428/MG, Relator Ministro Benedito Gonçalves, DJe 16/08/2016).
Confiram-se, nesse sentido, os seguintes julgados dos Tribunais Regionais Federais:
CONSTITUCIONAL. PREVIDENCIÁRIO. ASSISTÊNCIA SOCIAL. DIREITO DE IGUALDADE.
PROTEÇÃO ANTIDISCRIMINATÓRIA. PESSOAS VIVENDO COM HIV/AIDS.
SINTOMATOLOGIA E CONDIÇÃO ASSINTOMÁTICA. INCAPACIDADE LABORAL. AUXÍLIO-
DOENÇA E APOSENTADORIA POR INVALIDEZ. MODELO BIOMÉDICO, SOCIAL E
INTEGRADO (BIOPSICOSSOCIAL) DA INCAPACIDADE. TUTELA ESPECÍFICA.
IMPLANTAÇÃO DO BENEFÍCIO.
1. São três os requisitos para a concessão dos benefícios por incapacidade: a) a qualidade de
segurado; b) o cumprimento do período de carência de 12 contribuições mensais; c) a
incapacidade para o trabalho, de caráter permanente (aposentadoria por invalidez) ou
temporária (auxílio-doença).
2. A concessão dos benefícios de auxílio-doença e aposentadoria por invalidez pressupõe a
averiguação da incapacidade para o exercício de atividade que garanta a subsistência do
segurado, e terá vigência enquanto permanecer ele nessa condição.
3. A correta interpretação das normas constitucionais e legais exige a concretização do conceito
jurídico de incapacidade laboral como impossibilidade de desempenho de funções específicas
de uma atividade ou ocupação, em consequência da interação entre doenças ou acidentes e
barreiras presentes no contexto social, que resultam em impedimentos de natureza física,
mental, intelectual ou sensorial, comprometendo o sustento.
4. A experiência de pessoa vivendo com HIV/AIDS requer avaliação quanto à presença de
deficiência em virtude de problemas em funções corporais, que podem resultar, nos termos da
CIF (Classificação Internacional de Funcionalidade, Incapacidade e Saúde), tanto limitações de
atividade, quanto restrições de participação. Limitações de atividade são, nos termos da CIF,
"dificuldades que um indivíduo pode encontrar na execução de atividades" e restrições de
participação, por sua vez, são "problemas que um indivíduo pode enfrentar ao se envolver em
situações de vida".
5. Há direito a benefício por incapacidade para pessoa vivendo com HIV, assintomática para
AIDS, se o preconceito e a discriminação, associados a outros fatores, impedirem ou reduzirem
o exercício de atividade laboral remunerada, como também ao benefício de prestação
continuada, se este conjunto de fatores obstruir a participação plena e efetiva na sociedade em
igualdade de oportunidades.
6. Do ponto de vista jurídico constitucional, não se trata de estabelecer uma relação direta entre
sorologia positiva para HIV, ainda que sem sintomas, e incapacidade laboral decorrente de
estigma ou impedimento de longo prazo que, em interação com barreiras, obstrui participação
igualitária na vida social, assim como estar-se-ia incorrendo em equívoco simplesmente
afirmando que, em si mesma, a ausência de sintomas relacionados ao HIV seja garantia de
capacidade laboral ou de participação igualitária às pessoas vivendo com HIV/AIDS.
7. A mera invocação da assintomatologia de pessoas vivendo com HIV/AIDS é inadequada e
insuficiente para fazer concluir necessariamente pelo indeferimento do benefício, assim como
da pura menção quanto à existência de processos sociais de estigmatização não decorre
imediatamente o direito ao benefício.
8. Necessidade de avaliação de outros fatores além da condição assintomática ou não, cuja
presença pode importar em obstrução para participação igualitária na vida social, tais como: (a)
intersecção com condição econômica e social; (b) intersecção com pertencimentos identitários
que acarretam discriminação múltipla (como raça, etnia, orientação sexual e identidade de
gênero); (c) qualidade da atenção em saúde acessível à pessoa vivendo com HIV/AIDS; (d)
manifestações corporais diversas experimentadas, como lipodistrofias; (e) contexto social e
cultural onde inserido o indivíduo, englobando, por exemplo, níveis de preconceito e
discriminação, estrutura urbana, inserção e socialização em diversos grupos e corpos sociais
intermediários.
9. Relevância de considerar-se a reemergência da epidemia, acompanhada da fragilização da
participação da sociedade civil e das dificuldades enfrentadas pelo SUS, acrescida do
recrudescimento de forças conservadoras e dissonantes do paradigma dos direitos humanos de
soropositivos, alimentam significativamente os processos sociais de estigmatização de pessoas
vivendo com HIV/AIDS, sejam assintomáticas ou não.
10. É necessário superar a naturalização do paradigma de comparação (soronegativo
obviamente sem sintomas para HIV/AIDS) em face do "diferente" (soropositivo assintomático);
atentar para possíveis circunstâncias diversas daquelas vividas pelo paradigma de comparação
(presença de discriminação no mercado de trabalho contra pessoas vivendo com HIV,
independente de sintomatologia); por fim, ampliar o leque de respostas possíveis, uma vez
informada a percepção pela perspectiva do "diferente" (eventual direito ao benefício, ainda que
assintomático, dependendo do contexto).
11. No caso dos autos, a parte autora é portadora de HIV e possui incapacidade total e
permanente para a atividade laborativa. Considerando que as condições pessoais da parte
autora são absolutamente desfavoráveis e é inviável sua reabilitação profissional, é o caso de
concessão de aposentadoria por invalidez.
12. O cumprimento imediato da tutela específica independe de requerimento expresso do
segurado ou beneficiário, e o seu deferimento sustenta-se na eficácia mandamental dos
provimentos fundados no art. 461 do CPC/1973, bem como nos artigos 497, 536 e parágrafos e
537 do CPC/2015.
13. A determinação de implantação imediata do benefício, com fundamento nos artigos
supracitados, não configura violação dos artigos 128 e 475-O, I, do CPC/1973 e 37 da CF/88.
(TRF4, Apel Reex nº 0001148 -48.2015.4.04.9999/SC, 5ª Turma, Relator Desembargador
Federal Roger Raupp Rios, de 17/03/2017)
PROCESSUAL CIVIL. PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR INVALIDEZ. AIDS (HIV).
CONTEXTO SOCIOECONÔMICO. ESTIGMA SOCIAL. IMPROVÁVEL REABILITAÇÃO
PROFISSIONAL. PRECEDENTE. VALORAÇÃO DO CONJUNTO PROBATÓRIO.
CONVICÇÕES DO MAGISTRADO. INCAPACIDADE CONFIGURADA. CORREÇÃO
MONETÁRIA. JUROS DE MORA. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. DANOS MORAIS.
REMESSA NECESSÁRIA E APELAÇÃO DO INSS PARCIALMENTE PROVIDA. SENTENÇA
PARCIALMENTE REFORMADA. AÇÃO JULGADA PARCIALMENTE PROCEDENTE.
1 - A cobertura do evento invalidez é garantia constitucional prevista no Título VIII, Capítulo II da
Seguridade Social, no art. 201, I, da Constituição Federal.
2 - A Lei nº 8.213/91, nos arts. 42 a 47, preconiza que o benefício previdenciário da
aposentadoria por invalidez será devido ao segurado que tiver cumprido o período de carência
exigido de 12 (doze) contribuições mensais, estando ou não em gozo de auxílio-doença, for
considerado incapaz e insusceptível de reabilitação para exercício da atividade que lhe garanta
a subsistência.
3 - O auxílio-doença é direito daquele filiado à Previdência, que tiver cumprido o tempo
supramencionado, e for considerado temporariamente inapto para o seu labor ou ocupação
habitual, por mais de 15 (quinze) dias consecutivos (arts. 59 a 63 da legis).
4 - O ato de concessão ou de reativação do auxílio-doença deve, sempre que possível, fixar o
prazo estimado de duração, e, na sua ausência, será considerado o prazo de 120 (cento e
vinte) dias, findo o qual cessará o benefício, salvo se o segurado postular a sua prorrogação
(§11 do art. 60 da Lei nº 8.213/91, incluído pela Medida Provisória nº 767, de 2017).
5 - Independe de carência, entretanto, a concessão do benefício nas hipóteses de acidente de
qualquer natureza ou causa e de doença profissional ou do trabalho, conforme art. 26, II, da Lei
nº 8.213/91, bem como ao segurado que, após filiar-se ao Regime Geral da Previdência Social -
RGPS, for acometido das moléstias elencadas taxativamente no art. 151 do mesmo diploma
legislativo.
6 - A patologia ou a lesão que já portara o trabalhador ao ingressar no Regime, não impede o
deferimento do benefício se tiver decorrido a inaptidão de progressão ou agravamento da
moléstia.
7 - Necessário para o implemento do beneplácito em tela, revestir-se do atributo de segurado,
cuja mantença se dá, mesmo sem recolher as contribuições, àquele que conservar todos os
direitos perante a Previdência Social durante um lapso variável, a que a doutrina denominou
"período de graça", conforme o tipo de filiado e a sua situação, o qual pode ser prorrogado por
24 (vinte e quatro) meses aos que contribuíram por mais de 120 (cento e vinte) meses, nos
termos do art. 15 e §1º da Lei.
8 - Havendo a perda da mencionada qualidade, o segurado deverá contar com 12 (doze)
contribuições mensais, a partir da nova filiação à Previdência Social, para efeitos de carência,
para a concessão dos benefícios de auxílio-doença e aposentadoria por invalidez (art. 27-A da
Lei nº 8.213/91, incluído pela Medida Provisória nº 767, de 2017).
9 - No que tange à incapacidade, o profissional médico indicado pelo Juízo, com base em
exame pericial de fls. 228/235, diagnosticou a requerente como portadora "Síndrome da
Imunodeficiência Adquirida e Depressão". Salientou que a autora deve ser submetida à
intensiva assistência multidisciplinar clínica, psicológica, psiquiátrica e nutricional e que a
medicação utilizada para o controle da sua condição neuropatológica reduz a capacidade de
vigília. Consignou que a autora poderá sofrer preconceito num exame admissional (fl. 235).
Concluiu pela incapacidade total e temporária, desde 04/06/02 (fl. 232).
10 - A CTPS de fls. 24/29 e o extrato do Cadastro Nacional de Informações Sociais em anexo
comprovam que a autora efetuou recolhimentos previdenciários nos seguintes períodos:
18/05/88 a 18/02/89, 19/02/89 a 19/03/90, 11/04/91 a 31/05/91, 29/04/95 a 02/01/97, 03/11/97 a
28/02/99 e 30/03/98 a 04/02. Além disso, o mesmo extrato do CNIS revela que a autora esteve
em gozo do benefício de auxílio-doença de 09/04/99 a 17/05/99 e 04/06/02 a 13/05/09.
11 - Assim, observada a data de início da incapacidade laboral (04/06/02) e histórico
contributivo da autora, verifica-se que ela havia cumprido a carência mínima exigida por lei, bem
como mantinha a qualidade de segurada, quando eclodiu sua incapacidade laboral.
12 - Saliente-se, no entanto, que a análise da incapacidade para o labor, no caso da
imunodeficiência adquirida, deve se dar à luz das ocupações funcionais habituais do seu
portador, do seu grau de escolaridade, do potencial exibido para recolocação profissional e
reabilitação e, por fim, do ambiente profissional de convivência, eis que muitos dos portadores
do vírus HIV, ainda que assintomáticos, não têm oportunidades de trabalho e são
marginalizados pela sociedade, sofrendo com os constrangimentos, preconceitos e estigmas
que giram em torno da doença; apresentam debilidades físicas e psicológicas; e, em razão do
coquetel que são submetidos, passam por diversos efeitos colaterais, com náuseas e fadigas
que dificultam o exercício de atividade laboral.
13 - Pois bem, no caso em apreço, verifica-se que a requerente sempre desempenhou
atividades braçais (ajudante geral, auxiliar de cozinha, copeira - CTPS de fls. 24/29) e,
provavelmente, vive em um ambiente social hostil a referida patologia, no qual a AIDS é
estigmatizada, sobretudo, em razão do desconhecimento acerca de sua forma de transmissão,
decorrente da própria condição socioeconômica das pessoas que fazem parte do seu convívio.
14 - Destaca-se, do laudo pericial, o seguinte trecho: "Sem antes nada sentir, 1999 começou
com fraqueza e lesão de pele, foi no médico fez exame (herpes zoster), HIV positiva e hepatite
viral tipo C. Trata depressão e ansiedade" (fl. 229). Ademais, conforme relatório médico
fornecido pela Secretaria de Estado da Saúde, Coordenação e Controle de Doenças (SP), a
autora apresenta diagnósticos de: infecção pelo vírus da imunodeficiência adquirida, depressão
grave, fibromialgia, neuropatia periférica (provavelmente desencadeada pelo HIV e
potencializada por algumas drogas do tratamento antirretroviral-ARV), HPV, hepatite viral C e
DM tipo II.
15 - O CNIS da autora revela que o trabalho para prover a subsistência sempre integrou o seu
cotidiano e o afastamento profissional decorreu do diagnóstico do HIV positivo. Precedente: Ag
em AC 0006313-40.2014.4.03.9999/SP, 7ª Turma, relator Desembargador Federal Toru
Yamamoto, DJE 23.09.2016.
16 - Dessa forma, pelo diagnóstico apresentado, a idade da autora (56 anos), a falta de
qualificação profissional, o histórico laborativo indicativo da busca do autossustento por meio de
sua força de trabalho e o ambiente profissional de convívio, somado à depressão, tem-se por
presente a incapacidade absoluta e definitiva para o exercício de atividade que lhe garanta a
subsistência.
17 - Sendo assim, de rigor a concessão do benefício de aposentadoria por invalidez.
18 - Correção monetária dos valores em atraso calculada de acordo com o Manual de
Orientação de Procedimentos para os Cálculos na Justiça Federal até a promulgação da Lei nº
11.960/09, a partir de quando será apurada, conforme julgamento proferido pelo C. STF, sob a
sistemática da repercussão geral (Tema nº 810 e RE nº 870.947/SE), pelos índices de variação
do IPCA-E, tendo em vista os efeitos ex tunc do mencionado pronunciamento.
19 - Juros de mora, incidentes até a expedição do ofício requisitório, fixados de acordo com o
Manual de Orientação de Procedimentos para os Cálculos na Justiça Federal, por refletir as
determinações legais e a jurisprudência dominante.
20 - Honorários advocatícios. De acordo com o entendimento desta Turma, estes devem ser
reduzidos para 10% (dez por cento) incidente sobre a condenação, entendida como o valor das
parcelas vencidas até a data da prolação da sentença (Súmula nº 111 do Superior Tribunal de
Justiça). Isto porque, de um lado, o encargo será suportado por toda a sociedade - vencida no
feito a Fazenda Pública - e, do outro, diante da necessidade de se remunerar adequadamente o
profissional, em consonância com o disposto no art. 20, §§ 3º e 4º, do Código de Processo Civil.
21 - Afastado o pedido de indenização por danos morais, eis que a reparação em questão
pressupõe a prática inequívoca de ato ilícito que implique diretamente lesão de caráter não
patrimonial a outrem, inocorrente nos casos de indeferimento ou cassação de benefício, tendo a
Autarquia Previdenciária agido nos limites de seu poder discricionário e da legalidade, mediante
regular procedimento administrativo, o que, por si só, não estabelece qualquer nexo causal
entre o ato e os supostos prejuízos sofridos pelo segurado. Precedentes desta Corte: TRF3: 7ª
Turma, AGr na AC nº 2014.03.99.023017-7, Rel. Des. Fed. Fausto de Sanctis, D.E 28/03/2016;
AC nº 0002807-79.2011.4.03.6113, Rel. Des. Fed. Toru Yamamoto, D.E 28/10/2014.
22 - Remessa necessária e apelação do INSS parcialmente providas. Sentença parcialmente
reformada. Ação julgada parcialmente procedente.
(TRF3, Apel Reex nº 0000534-82.2009.4.03.6183/SP, 7ª Turma, Relator Desembargador
Federal Carlos Delgado, DE 17/05/2018)
Restou incontroverso, nos autos, que a parte autora é segurada da Previdência Social e
cumpriu a carência de 12 (doze) contribuições, exigida pelo artigo 25, inciso I, da Lei nº
8.213/91,como se vê dos documentos juntados (extrato CNIS - ID 163248481).
Consta, desse(s) documento(s), que a parte autora recebeu o auxílio-doença no período
de22/02/2005a 23/03/2018.
A presente ação foi ajuizada em 13/04/2018.
O termo inicial do benefício, em regra, deveria ser fixado à data do requerimento administrativo
ou, na sua ausência, à data da citação (Súmula nº 576/STJ) ou, ainda, na hipótese de auxílio-
doença cessado indevidamente, no dia seguinte ao da cessação indevida do benefício.
No caso,o termo inicial do benefício é fixado em 24/03/2018, dia seguinte ao da cessação do
benefício de aposentadoria por invalidez.
Para o cálculo dos juros de mora e correção monetária, devem ser aplicados os índices
previstos no Manual de Orientação de Procedimentos para os Cálculos da Justiça Federal,
aprovado pelo Conselho da Justiça Federal, à exceção da correção monetária a partir de julho
de 2009, período em que deve ser observado o Índice de Preços ao Consumidor Amplo
Especial - IPCA-e, critério estabelecido pelo Pleno do Egrégio Supremo Tribunal Federal,
quando do julgamento do Recurso Extraordinário nº 870.947/SE, realizado em 20/09/2017, na
sistemática de Repercussão Geral, e confirmado em 03/10/2019, com a rejeição dos embargos
de declaração opostos pelo INSS.
Presentes os requisitos - verossimilhança das alegações, conforme exposto nesta decisão, e o
perigo da demora, o qual decorre da natureza alimentar do benefício -, defiro a tutela
antecipada.
Vencido o INSS, a ele incumbe o pagamento de honorários advocatícios, fixados em 10% do
valor das prestações vencidas até a data da sentença (Súmula nº 111/STJ).
Ante o exposto, dou provimento ao recurso daparte autorapara condenar o Instituto-réu a
conceder-lhe a APOSENTADORIA POR INVALIDEZ, nos termos dos artigos 42 e 44 da Lei nº
8.213/91, a partir de24/03/2018, dia seguinte ao da cessação do benefício, coma aplicação de
juros de mora e correção monetária, bem como o pagamento de encargos de sucumbência.
Independentemente do trânsito em julgado, determino, com base no artigo 497 do CPC/2015, a
expedição de e-mail ao INSS, instruído com cópia dos documentos do(a)
segurado(a)MARLENE MARTINS FERREIRA, para que, no prazo de 30 dias, sob pena de
multa-diária no valor de R$ 100,00, cumpra a obrigação de fazer consistente na imediata
implantação do benefício de APOSENTADORIA POR INVALIDEZ, com data de início (DIB) em
24/03/2018, e renda mensal a ser calculada de acordo com a legislação vigente.
OFICIE-SE.
É COMO VOTO.
/gabiv/jb
E M E N T A
PREVIDENCIÁRIO - APOSENTADORIA POR INVALIDEZ - INCAPACIDADE PARA O
TRABALHO - REQUISITOS PREENCHIDOS - TERMO INICIAL DO BENEFÍCIO - JUROS DE
MORA E CORREÇÃO MONETÁRIA - HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS.
1. Por ter sido a sentença proferida sob a égide do Código de Processo Civil de 2015 e, em
razão de sua regularidade formal, conforme certificado nos autos, a apelação interposta deve
ser recebida e apreciada em conformidade com as normas ali inscritas.
2. Os benefícios por incapacidade, previstos na Lei nº 8.213/91, destinam-se aos segurados
que, após o cumprimento da carência de 12 (doze) meses (art. 25, I), sejam acometidos por
incapacidade laboral: (i) incapacidade total e definitiva para qualquer atividade laborativa, no
caso de aposentadoria por invalidez (art. 42), ou (ii) incapacidade para a atividade habitual por
mais de 15 (quinze) dias consecutivos, no caso de auxílio-doença (art. 59).
3.No caso dos autos, o exame realizado pelo perito oficial em 03/09/2019, constatou que a
parte autora, empregada doméstica, 51anos de idade na data do exame,é portadora de HIV e
de visão monocular decorrente de complicaçõesda doença, estando incapacitada para o
exercício da atividade laboral de forma parcial e permanente, como se vê do laudo
pericial.Ocorre que a parte autora é pessoa de baixa instruçãoe sempre se dedicou àatividade
de empregada doméstica, que é incompatívelcom asuacondiçãode saúde.E não se pode
ignorar que no ambiente de trabalho domésticosão maiores a estigmatização social e a
discriminação sofridas pelos portadores do vírus HIV, que acabam sendo preteridos nos
processos de seleção para admissão no trabalho, ainda mais considerando que, nessa área, há
muita mão-de-obra disponível.
4. O magistrado não está adstrito às conclusões do laudo pericial, conforme dispõem o artigo
436 do CPC/1973 e o artigo 479 do CPC/2015, devendo considerar também aspectos
socioeconômicos, profissionais e culturais do segurado, como no caso dos portadores do vírus
HIV, ainda que assintomáticos. Nesse sentido, a Súmula nº 78/TNU.
5. Não obstante a conclusãodo perito judicial, mas considerando as dificuldades enfrentadas
pelos soropositivos para se recolocarem no mercado de trabalho em razão do preconceito, os
riscos que representam para a integridade da parte autorae o fato de que ela tem baixa
instrução e sempre se dedicou à atividade de empregada doméstica, é possível conceder a
aposentadoria por invalidez, até porque preenchidos os demais requisitos legais.
6. Demonstrado nos autos que a parte autora é segurada da Previdência Social eestá
dispensada do cumprimento da carência exigida pelo artigo 25, inciso I, da Lei nº 8.213/91
(artigo 26, inciso II, da mesma lei).
7.O termo inicial do benefício, em regra, deveria ser fixado à data do requerimento
administrativo ou, na sua ausência, à data da citação (Súmula nº 576/STJ) ou, ainda, na
hipótese de auxílio-doença cessado indevidamente, no dia seguinte ao da cessação indevida do
benefício.No caso,o termo inicial do benefício é fixado à data da cessação do benefício.
8.Para o cálculo dos juros de mora e correção monetária, devem ser aplicados os índices
previstos no Manual de Orientação de Procedimentos para os Cálculos da Justiça Federal,
aprovado pelo Conselho da Justiça Federal, à exceção da correção monetária a partir de julho
de 2009, período em que deve ser observado o Índice de Preços ao Consumidor Amplo
Especial - IPCA-e, critério estabelecido pelo Pleno do Egrégio Supremo Tribunal Federal,
quando do julgamento do Recurso Extraordinário nº 870.947/SE, realizado em 20/09/2017, na
sistemática de Repercussão Geral, e confirmado em 03/10/2019, com a rejeição dos embargos
de declaração opostos pelo INSS.
9. Deferida a tutela antecipada, vez que presentes os seus requisitos - verossimilhança das
alegações, conforme exposto nesta decisão, e o perigo da demora, o qual decorre da natureza
alimentar do benefício.
10. Vencido o INSS, a ele incumbe o pagamento de honorários advocatícios, fixados em 10%
do valor das prestações vencidas até a data da sentença (Súmula nº 111/STJ).
11. Recurso provido. ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Sétima Turma, por
unanimidade, decidiu dar provimento ao recurso daparte autorapara condenar o Instituto-réu a
conceder-lhe a aposentadoria por invalidez, nos termos dos artigos 42 e 44 da Lei nº 8.213/91,
a partir de24/03/2018, dia seguinte ao da cessação do benefício, coma aplicação de juros de
mora e correção monetária, bem como o pagamento de encargos de sucumbência, nos termos
do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Resumo Estruturado
VIDE EMENTA
