
8ª Turma
APELAÇÃO / REMESSA NECESSÁRIA (1728) Nº 5075995-45.2024.4.03.9999
RELATOR: Gab. 27 - DES. FED. THEREZINHA CAZERTA
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: KAINADI BELMONT DE SOUZA
CURADOR: MARCOS GONCALVES DE ALBUQUERQUE
Advogados do(a) APELADO: VICENTE AQUINO DE AZEVEDO - SP97751-N,
OUTROS PARTICIPANTES:
APELAÇÃO / REMESSA NECESSÁRIA (1728) Nº 5075995-45.2024.4.03.9999
RELATOR: Gab. 27 - DES. FED. THEREZINHA CAZERTA
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: KAINADI BELMONT DE SOUZA
CURADOR: MARCOS GONCALVES DE ALBUQUERQUE
Advogados do(a) APELADO: VICENTE AQUINO DE AZEVEDO - SP97751-N,
OUTROS PARTICIPANTES:
R E L A T Ó R I O
Demanda proposta objetivando o restabelecimento do auxílio-doença e a posterior conversão em aposentadoria por invalidez.
O juízo a quo julgou parcialmente procedente o pedido formulado, reconhecendo à parte autora o direito ao benefício pretendido, a partir da data do requerimento administrativo, respeitada a prescrição quinquenal. Deferida a antecipação dos efeitos da tutela.
O INSS apela, requerendo, preliminarmente, o recebimento do recurso em seu duplo efeito. No mérito, pleiteia a reforma da sentença, sustentando, em síntese, o não cumprimento dos requisitos legais à concessão em questão. Se vencido, requer a fixação do termo inicial do benefício na data da citação, bem como a exclusão ou minoração da multa fixada e majoração do prazo para cumprimento do determinado em sede de tutela antecipada, observância da prescrição quinquenal, a fixação dos honorários advocatícios nos termos da Súmula n.º 111 do STJ, isenção de custas e outras taxas judiciárias, desconto, de eventual montante retroativo, dos valores já pagos administrativamente ou de qualquer benefício inacumulável recebido no período, bem como pelo deferimento da cobrança de eventuais valores pagos indevidamente à parte autora em sede de antecipação dos efeitos da tutela.
Com contrarrazões, subiram os autos.
Parecer do Ministério Público Federal pelo desprovimento do recurso.
É o relatório.
THEREZINHA CAZERTA
Desembargadora Federal Relatora
APELAÇÃO / REMESSA NECESSÁRIA (1728) Nº 5075995-45.2024.4.03.9999
RELATOR: Gab. 27 - DES. FED. THEREZINHA CAZERTA
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: KAINADI BELMONT DE SOUZA
CURADOR: MARCOS GONCALVES DE ALBUQUERQUE
Advogados do(a) APELADO: VICENTE AQUINO DE AZEVEDO - SP97751-N,
OUTROS PARTICIPANTES:
V O T O
Requer o INSS, em seu recurso de apelação, a concessão do efeito suspensivo, condicionando eventual implantação de benefício previdenciário após ocorrido o trânsito em julgado.
Não lhe assiste razão.
A alegação veiculada pelo INSS, concernente ao recebimento da apelação no duplo efeito, não se coloca na hipótese dos autos.
A regra geral prevista no caput do art. 1.012 do Código de Processo Civil, segundo o qual “a apelação terá efeito suspensivo”, é excepcionada no § 1.º desse mesmo dispositivo legal, cujo inciso V expressamente determina que, “além de outras hipóteses previstas em lei, começa a produzir efeitos imediatamente após a sua publicação a sentença que confirma, concede ou revoga tutela provisória”.
Não impedem, os recursos, a eficácia da decisão, salvo disposição legal ou decisão em sentido diverso, "se da imediata produção de seus efeitos houver risco de dano grave, de difícil ou impossível reparação, e ficar demonstrada a probabilidade de provimento do recurso" (CPC, art. 995, parágrafo único).
Neste caso, em que o recurso é interposto pelo INSS, não há nem urgência nem evidência para que se conceda o efeito suspensivo. Pelo contrário, a urgência serve à parte autora, já que o benefício previdenciário é considerado verba alimentar.
Tempestivo o recurso e presentes os demais requisitos de admissibilidade, passa-se ao exame da insurgência propriamente dita, considerando-se a matéria objeto de devolução.
DA APOSENTADORIA POR INVALIDEZ E DO AUXÍLIO-DOENÇA
Os requisitos da aposentadoria por invalidez encontram-se preceituados nos arts. 42 e seguintes da Lei n.° 8.213/91, consistindo, mais precisamente, na presença da qualidade de segurado, na existência de incapacidade total e permanente para o trabalho e na ocorrência do cumprimento da carência, quando exigida.
O auxílio-doença, por sua vez, tem seus pressupostos previstos nos art. 59 e seguintes do mesmo diploma legal, sendo concedido nos casos de incapacidade temporária.
Excepcionalmente, com base em entendimento jurisprudencial consolidado, admite-se a concessão de tais benefícios mediante comprovação pericial de incapacidade parcial e definitiva para o desempenho da atividade laborativa, que seja incompatível com a ocupação habitual do requerente e que implique em limitações tais que restrinjam sobremaneira a possibilidade de recolocação no mercado de trabalho, diante das profissões que exerceu durante sua vida profissional (STJ: AgRg no AREsp 36.281/MS, rel. Ministra ASSUSETE MAGALHÃES, 6.ª Turma, DJe de 01/03/2013; e AgRg no AREsp 136474/MG, rel. Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, 1.ª Turma, DJe de 29/06/2012).
Imprescindível, ainda, o preenchimento do requisito da qualidade de segurado, nos termos dos arts. 11 e 15, ambos da Lei de Benefícios.
"Mantém a qualidade de segurado, independentemente de contribuições:
I - sem limite de prazo, quem está em gozo de benefício;
II - até 12 (doze) meses após a cessação das contribuições, o segurado que deixar de exercer atividade remunerada abrangida pela Previdência Social ou estiver suspenso ou licenciado sem remuneração;
III - até 12 (doze) meses após cessar a segregação, o segurado acometido de doença de segregação compulsória;
IV - até 12 (doze) meses após o livramento, o segurado retido ou recluso;
V - até 3 (três) meses após o licenciamento, o segurado incorporado às Forças Armadas para prestar serviço militar;
VI - até (seis) meses após a cessação das contribuições, o segurado facultativo.
§ 1º O prazo do inciso II será prorrogado para até 24 (vinte e quatro) meses se o segurado já tiver pago mais de 120 (cento e vinte) contribuições mensais sem interrupção que acarrete a perda da qualidade de segurado.
§ 2º Os prazos do inciso II ou do § 1º serão acrescidos de 12 (doze) meses para o segurado desempregado, desde que comprovada essa situação pelo registro no órgão próprio do Ministério do Trabalho e da Previdência Social.
§ 3º Durante os prazos deste artigo, o segurado conserva todos os seus direitos perante a Previdência Social.
§ 4º A perda da qualidade de segurado ocorrerá no dia seguinte ao do término do prazo fixado no Plano de Custeio da Seguridade Social para recolhimento da contribuição referente ao mês imediatamente posterior ao do final dos prazos fixados neste artigo e seus parágrafos."
A perda da qualidade de segurado, portanto, ocorrerá no 16.º dia do segundo mês seguinte ao término do prazo fixado no art. 30, II, da Lei n.º 8.212/91, salvo na hipótese do § 1.º do art. 102 da Lei n.º 8.213/91 – qual seja, em que comprovado que a impossibilidade econômica de continuar a contribuir decorreu da incapacidade laborativa.
Registre-se que, perdida a qualidade de segurado, imprescindível a existência de, pelo menos, seis meses de recolhimento, para que seja considerado novamente filiado ao regime, nos exatos termos do art. 27-A da Lei de Benefícios.
Por fim, necessário o cumprimento do período de carência, nos termos do art. 25 dessa mesma lei, a saber:
“Art. 25. A concessão das prestações pecuniárias do Regime Geral de Previdência Social depende dos seguintes períodos de carência, ressalvado o disposto no artigo 26:
I – auxílio-doença e aposentadoria por invalidez: 12 (doze) contribuições mensais;”
Em casos específicos, em que demonstrada a necessidade de assistência permanente de outra pessoa, possível, ainda, com base no art. 45 da Lei de Benefícios, o acréscimo de 25% ao valor da aposentadoria por invalidez porventura concedida.
DO CASO DOS AUTOS (INCAPACIDADE TOTAL E PERMANENTE)
É entendimento consolidado nas Cortes Superiores que o pleito de concessão e restabelecimento de benefício assistencial ou previdenciário configura relação jurídica de trato sucessivo e de caráter alimentar.
Ainda, não se olvide que o Supremo Tribunal Federal, no âmbito da repercussão geral, pacificou o entendimento no sentido de que, tratando-se de direito fundamental, uma vez preenchidos os requisitos para a sua obtenção, o direito ao benefício previdenciário não deve ser afetado pelo decurso do tempo:
"RECURSO EXTRAODINÁRIO. DIREITO PREVIDENCIÁRIO. REGIME GERAL DE PREVIDÊNCIA SOCIAL (RGPS). REVISÃO DO ATO DE CONCESSÃO DE BENEFÍCIO. DECADÊNCIA.
1. O direito à previdência social constitui direito fundamental e, uma vez implementados os pressupostos de sua aquisição, não deve ser afetado pelo decurso do tempo. Como consequência, inexiste prazo decadencial para a concessão inicial do benefício previdenciário.
2. É legítima, todavia, a instituição de prazo decadencial de dez anos para a revisão de benefício já concedido, com fundamento no princípio da segurança jurídica, no interesse em evitar a eternização dos litígios e na busca de equilíbrio financeiro e atuarial para o sistema previdenciário.
3. O prazo decadencial de dez anos, instituído pela Medida Provisória 1.523, de 28.06.1997, tem como termo inicial o dia 1º de agosto de 1997, por força de disposição nela expressamente prevista. Tal regra incide, inclusive, sobre benefícios concedidos anteriormente, sem que isso importe em retroatividade vedada pela Constituição.
4. Inexiste direito adquirido a regime jurídico não sujeito a decadência.
5. Recurso extraordinário conhecido e provido."
(STF, RE nº 626.489/SE, Tribunal Pleno, Relator Ministro ROBERTO BARROSO, DJe 23/09/2014)
Nesse sentido, em matéria de concessão de benefício previdenciário ou assistencial, não corre a prescrição do fundo de direito do benefício pretendido ou indeferido na via administrativa, prescrevendo apenas as parcelas anteriores aos 5 anos que precederam a data do ajuizamento da ação, conforme dispõe o referido parágrafo único do art. 103 da Lei n.º 8.213/1991, e nos termos da Súmula nº 85 do Superior Tribunal de Justiça, verbis:
Art. 103. O prazo de decadência do direito ou da ação do segurado ou beneficiário para a revisão do ato de concessão, indeferimento, cancelamento ou cessação de benefício e do ato de deferimento, indeferimento ou não concessão de revisão de benefício é de 10 (dez) anos, contado: Redação dada pela Lei nº 13.846, de 2019)
Parágrafo único. Prescreve em cinco anos, a contar da data em que deveriam ter sido pagas, toda e qualquer ação para haver prestações vencidas ou quaisquer restituições ou diferenças devidas pela Previdência Social, salvo o direito dos menores, incapazes e ausentes, na forma do Código Civil. (Incluído pela Lei nº 9.528, de 1997)
Súmula nº 85. Nas relações jurídicas de trato sucessivo em que a Fazenda Pública figure como devedora, quando não tiver sido negado o próprio direito reclamado, a prescrição atinge apenas as prestações vencidas antes do quinquênio anterior à propositura da ação.
Ainda que haja ressalva no verbete supratranscrito às hipóteses em que “não tiver sido negado o próprio direito reclamado”, a jurisprudência do STJ consolidou-se no sentido de que, mesmo na ocorrência de negativa de concessão de benefício previdenciário pelo INSS, não se configura a prescrição do próprio fundo de direito, porquanto o direito fundamental a benefício previdenciário não pode ser fulminado sob tal perspectiva.
Assim, em matéria de previdência social, a prescrição só alcança as prestações, não o direito, que pode ser perseguido a qualquer tempo.
Confiram-se, a título de exemplo, os seguintes julgados:
"PROCESSUAL CIVIL E PREVIDENCIÁRIO. AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL. ENUNCIADO ADMINISTRATIVO 3/STJ. INDEFERIMENTO DE APOSENTADORIA. PRESCRIÇÃO DO FUNDO DE DIREITO. NÃO OCORRÊNCIA. INCIDÊNCIA DO PRAZO DECADENCIAL DO CAPUT DO ARTIGO 103 DA LEI 8.213/1991. AGRAVO INTERNO NÃO PROVIDO.
1. A jurisprudência do STJ é firme e uníssona no sentido de que, mesmo na hipótese de negativa de concessão de benefício previdenciário e/ou assistencial pelo INSS, não há falar em prescrição do próprio fundo de direito, porquanto o direito fundamental a benefício previdenciário não pode ser fulminado sob tal perspectiva.
2. O direito à obtenção de benefício previdenciário é imprescritível, apenas se sujeitando ao efeito aniquilador decorrente do decurso do lapso prescricional as parcelas não reclamadas em momento oportuno.
3. Agravo interno não provido."
(STJ, AgInt no REsp nº 1.869.582/CE, AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL 2020/0077930-0, Relator Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, 2ª T., Julgamento 24/08/2020, Publicação/Fonte DJe 01/09/2020)
"PREVIDENCIÁRIO. AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL. (...) INDEFERIMENTO DE BENEFÍCIO. NEGATIVA EXPRESSA DO INSS. PRESCRIÇÃO DO FUNDO DE DIREITO. ART. 103, PARÁGRAFO ÚNICO, DA LEI 8.213/1991. IMPOSSIBILIDADE. INTERPRETAÇÃO DO ART. 103 DA LEI 8.213/1991. APLICAÇÃO DO PRAZO DECENAL.
1. A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça firmou o entendimento de que, em matéria de previdência social, a prescrição só alcança as prestações, não o direito, que pode ser perseguido a qualquer tempo, ou seja, "por se tratar de relação de trato sucessivo, o decurso do prazo entre a negativa por parte do INSS e o eventual ajuizamento de ação judicial não tem o condão de fulminar o direito do segurado à obtenção do benefício." (REsp 1.807.959/PB,Min. Sérgio Kukina, 8/5/2019).
2. Nos casos em que houve o indeferimento do requerimento administrativo por parte do INSS, incide o prazo decadencial na revisão do ato administrativo que indefere o pedido do autor, com prescrição apenas das parcelas vencidas além do quinquênio, nos termos do art. 103 da Lei 8.213/91, tendo o segurado dez anos para intentar ação judicial visando ao direito respectivo.
3. Na hipótese, o pedido administrativo de pensão por morte foi negado em 2004 e o ingresso da autora na ação judicial se deu em 2012, não havendo que se falar em ocorrência de prescrição de fundo de direito, tampouco de decadência do direito à revisão do ato de indeferimento por parte da autarquia previdenciária.
4. Agravo interno não provido."
(STJ, AgInt no REsp nº 1.544.535/CE, AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL nº 2015/0178513-9, Relator Ministro BENEDITO GONÇALVES, 1ª T., julgamento, 28/09/2020, publicação/Fonte DJe 01/10/2020)
Observe-se que, in casu, a discussão não envolve pedido de revisão, mas o restabelecimento do benefício NB 544.066.437-4, isto é, trata-se do direito ao benefício, razão pela qual não há falar em decadência ou em prescrição do fundo de direito ou do direito de ação.
Deve ser afastada, então, a ocorrência de decadência, reconhecendo-se que se está a tratar de relação jurídica de trato sucessivo e de caráter alimentar, não se consumando a prescrição ou decadência do fundo de direito, mas apenas de eventuais parcelas anteriores ao quinquênio que antecede a propositura da ação.
No mais, conforme bem pontuado pelo juízo a quo importante atentar as modificações do conceito de incapacidade operações pelo Estatuto da pessoa com deficiência, salientou-se na sentença:
“Sucede que a autora foi considerada incapaz, total e permanente, para o trabalho desde 20/06/2008. Antes da cessação do benefício a autora já fazia jus à aposentadoria por invalidez.
A alegação de prescrição não merece acolhimento, pois a autora foi interditada em 2008 (fl. 34).
O Código Civil de 2002 determina em seu art. 198 que “também não corre a prescrição contra os incapazes de que trata o art. 3º”, hipótese que até o início da vigência da Lei nº 13.146/15 incluiu “os que, por enfermidade ou deficiência mental, não tiverem o necessário discernimento para a prática desses atos”.
A previsão de inocorrência de prescrição contra os incapazes em decorrência de deficiência mental já existia no art. 169, c.c. art. 5º, do Código Civil de 1916. Com a alteração do Código Civil promovida pela Lei nº 13.146/15, embora o texto do art. 198 permaneça inalterado, a referência aos “incapazes de que trata o art. 3º” agora diz respeito tão somente aos menores de dezesseis anos de idade, não mais incluindo os deficientes mentais.
Desta forma, a situação da autora não está mais abrangida pela hipótese de suspensão da prescrição, mas a contagem do prazo deve se dar apenas a partir de 02.01.2016, data de vigência da Lei nº 13.146/15.
A ação foi ajuizada em 21.07.2017, não ocorrendo a prescrição arguida pelo INSS.”
Irretocável a análise realizada, a prescrição quanto a autora começou a correr em 2/1/2016 e a demanda foi distribuída em 21/7/2017, logo, não há parcelas atingidas pela prescrição quinquenal.
Desse modo, o termo inicial do benefício deve ser mantido na data fixada em sentença, data do requerimento administrativa, atentando-se aos marcos temporais acima narrados.
Cabível algumas considerações acerca da multa a ser aplicada em caso de descumprimento da decisão judicial.
Em recentes julgamentos a respeito do tema, o Superior Tribunal de Justiça assim enfrentou o tema:
“O Superior Tribunal de Justiça, como guardião da legislação federal e da segurança jurídica, deve zelar pela credibilidade do Poder Judiciário como um todo, dele devendo partir as diretrizes que dão sustento à força cogente das decisões judiciais em qualquer instância, e não servir de inspiração para o desacato premeditado das ordens que emanam desse Poder, cabendo aqui a máxima de que ‘ordem judicial não se discute, se cumpre’. Em um Estado Democrático de Direito, as ordens judiciais não são passíveis de discussão, senão pela via dos recursos cabíveis.
O destinatário da ordem judicial deve ter em mente a certeza de que eventual desobediência lhe trará consequências mais gravosas que o próprio cumprimento da ordem, e não a expectativa de redução ou de limitação da multa a ele imposta, sob pena de tornar inócuo o instituto processual e de violar o direito fundamental à efetividade da tutela jurisdicional.”
(STJ, REsp 1819069/SC, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, Terceira Turma, j. 26/05/2020, DJe 29/05/2020184)
“A respeito do montante da multa diária, o Superior Tribunal de Justiça possui jurisprudência pacífica no sentido de que o valor das astreintes deve guardar relação de proporcionalidade com o interesse a ser protegido pela prestação da obrigação principal, evitando-se, assim, o desvirtuamento da medida coercitiva, que poderia i) ser mais atrativa ao demandado, por ser a transgressão mais lucrativa que o cumprimento da obrigação (insuficiência da penalidade), ou ii) ser mais vantajosa ao demandante, que enriqueceria abruptamente às custas do réu (penalidade excessiva).
Com efeito, a multa cominatória tem por finalidade constranger o devedor a adotar um comportamento tendente à implementação da obrigação, e não servir de compensação pela deliberada inadimplência.
Assim, para a apuração da razoabilidade e da proporcionalidade das astreintes, não é recomendável se utilizar apenas do critério comparativo entre o valor da obrigação principal e a soma total obtida com o descumprimento da medida coercitiva, sendo mais adequado, em regra, o cotejamento ponderado entre o valor diário da multa no momento de sua fixação e a prestação que deve ser adimplida pelo demandado recalcitrante.
A esse respeito, confiram-se: REsp nº 1.475.157/SC, Rel. Ministro Marco Aurélio Bellizze, DJe 6/10/2014, e AgRg no AREsp nº 394.283/SC, Rel. Ministro Moura Ribeiro, DJe 26/2/2016.
(...)
No julgamento do AgInt no AgRg no AREsp nº 738.682/RJ, o Ministro Luis Felipe Salomão, ao discorrer acerca dos parâmetros normalmente admitidos pela jurisprudência desta Corte Superior para fins de fixação da multa cominatória, constatou que, por vezes, eles apresentam certa incompatibilidade: (...)
Ao final de seu voto, destacou Sua Excelência que 'a vinculação das astreintes à obrigação principal ou à dimensão econômica do dever, apesar de parâmetro confiável, não é, por óbvio, critério absoluto, sendo apenas um dos elementos a ser levados em conta' (AgInt no gRg no AREsp 738.682/RJ, Rel. p/ acórdão Ministro Luis Felipe Salomão, Quarta Turma, julgado em 17/11/2016, DJe 14/12/2016).
Nessa mesma ocasião, foram elencados os seguintes parâmetros para a adequada fixação do valor das astreintes: i) valor da obrigação e importância do bem jurídico tutelado; ii) tempo para cumprimento (prazo razoável e periodicidade); iii) capacidade econômica e capacidade de resistência do devedor e iv) possibilidade de adoção de outros meios pelo magistrado e dever do credor de mitigar o próprio prejuízo (duty to mitigate de loss).”
(STJ, REsp 1840693/SC, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, Terceira Turma, j. 26/05/2020, DJe 29/05/2020)
Esta 8.ª Turma entende que a multa diária na proporção de 1/30 do benefício atende tanto a intimidação do devedor para a força cogente das decisões judiciais quanto a relação de proporcionalidade com o interesse a ser protegido pela prestação da obrigação principal, sem que se tenha o enriquecimento ilícito da parte, mormente à vista da natureza pública dos valores a serem pagos pelo INSS.
Veja-se que, dado o prazo de 30 dias para o cumprimento da determinação de implantação do benefício, caso descumprido, o INSS passaria a pagar o valor correspondente a uma prestação do benefício previdenciário a mais por mês, o que não se mostraria razoável.
Trago à colação os precedentes desta Turma:
“PROCESSUAL CIVIL E PREVIDENCIÁRIO. AGRAVO DE INSTRUMENTO. CUMPRIMENTO DE SENTENÇA. MULTA DIÁRIA. POSSIBILIDADE DE MODIFICAÇÃO OU REVOGAÇÃO PELO MAGISTRADO. RETARDO INJUSTIFICADO OU DELIBERADO NO CUMPRIMENTO DA DECISÃO JUDICIAL. OCORRÊNCIA. INTIMAÇÃO NA PESSOA DO PROCURADOR CONSTITUÍDO NOS AUTOS. VEDAÇÃO AO ENRIQUECIMENTO SEM CAUSA. REDUÇÃO DA MULTA. ENTENDIMENTO DESTA CORTE.
- A legislação processual civil permite a imposição de multa como meio coercitivo, com vistas a assegurar a efetividade no cumprimento da ordem judicial expedida. Conforme entendimento firmado pela jurisprudência, essa multa pode ser a qualquer tempo revogada ou modificada, de acordo com o poder discricionário do magistrado.
- A jurisprudência do C. Superior Tribunal de Justiça firmou entendimento no sentido de ser possível a cominação de multa diária com o fim de compelir o INSS ao cumprimento de obrigação de fazer consistente na implantação de benefício previdenciário. No entanto, conforme entendimento firmado pela jurisprudência, essa multa pode ser a qualquer tempo revogada ou modificada, de acordo com o poder discricionário do magistrado. Precedentes
- No caso dos autos, o INSS foi intimado, na pessoa de seu procurador, deixando, contudo, de dar cumprimento à ordem judicial de cumprimento da obrigação de fazer determinada no título, caracterizando-se o decurso do prazo de 112 dias, entre o termo final estabelecido para cumprimento na decisão que arbitrou a multa e o efetivo cumprimento da obrigação em referência (de 11/11/2019 até 02/03/2020).
- A esse respeito, cumpre ressaltar que, a teor do disposto no art. 513, §2º, do CPC, a intimação foi realizada, na pessoa do procurador constituído nos autos, ficando superada a exigência de intimação pessoal do devedor, prevista na Súmula 410 do STJ, cuja edição ocorreu sob a égide do CPC de 1973. Nesse sentido: TRF 3ª Região, 8ª Turma, AI - AGRAVO DE INSTRUMENTO - 5024108-22.2019.4.03.0000, Rel. Desembargador Federal DAVID DINIZ DANTAS, julgado em 02/06/2020, Intimação via sistema DATA: 05/06/2020.
- Contudo, levando em consideração que a imposição de multa cominatória não pode servir ao enriquecimento sem causa, esta Oitava Turma possui o entendimento de que a multa diária deve ser fixada em 1/30 (um trinta avos) do valor do benefício, por dia de atraso.
- Desse modo, considerando que o valor de R$ 20.000,00 (vinte mil reais), a título de astreintes, mostra-se em descompasso com esse entendimento, impõe-se sua redução nos moldes acima delineados, não prosperando, contudo, o pedido de sua exclusão, porquanto caracterizado o atraso injustificado na implantação do benefício.
- Agravo de instrumento parcialmente provido."
(TRF 3ª Região, 8ª Turma, AI - AGRAVO DE INSTRUMENTO, 5020142-17.2020.4.03.0000, Rel. Desembargador Federal LUIZ DE LIMA STEFANINI, julgado em 10/12/2020, e - DJF3 Judicial 1 DATA: 15/12/2020)
"PREVIDENCIÁRIO. PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. MULTA POR DIA DE ATRASO. VALOR EXCESSIVO. REDUÇÃO. RAZOABILIDADE. PARCIAL PROVIMENTO DO RECURSO.
A imposição de multa pecuniária demanda obediência a determinados parâmetros, v. g., relacionados à função meramente intimidatória da astreinte, à impropriedade de se aplicá-la como mera reparadora de danos ou ao menor sacrifício ao sujeito passivo.
In casu, sua aplicação justifica-se em face da demora na implantação do benefício, considerada a data de intimação do INSS.
Seguindo o entendimento jurisprudencial, contudo, a multa diária imposta à entidade autárquica deve sofrer redução para 1/30 (um trinta avos) da RMI.
Agravo de instrumento parcialmente provido."
(TRF 3ª Região, 8ª Turma, AI - AGRAVO DE INSTRUMENTO, 5008272-72.2020.4.03.0000, Rel. Desembargador Federal DAVID DINIZ DANTAS, julgado em 20/10/2020, e - DJF3 Judicial 1 DATA: 22/10/2020)
Dessa forma, posto que cabível a imposição de astreintes ao INSS, deve ser reduzido o valor da multa diária fixada para 1/30 do valor do benefício.
Quanto ao prazo fixado para a implantação do benefício, dispõe o art. 537 do Código de Processo Civil o seguinte:
"A multa independe de requerimento da parte e poderá ser aplicada na fase de conhecimento, em tutela provisória ou na sentença, ou na fase de execução, desde que seja suficiente e compatível com a obrigação e que se determine prazo razoável para cumprimento do preceito."
Portanto, considerando-se que são normalmente necessários diversos procedimentos administrativos para cumprimento das diversas determinações judiciais, reputa-se razoável o prazo de até 45 (quarenta e cinco) dias, como dispõe o § 5.º, do art. 41-A, da Lei n.º 8.213/91:
“§ 5.º O primeiro pagamento do benefício será efetuado até quarenta e cinco dias após a data da apresentação, pelo segurado, da documentação necessária a sua concessão.”
À vista do quanto previsto no art. 85 do Código de Processo Civil, sendo o caso de julgado ilíquido, o percentual da referida verba deverá ser fixado a posteriori, com observância tanto ao previsto no inciso II do § 4.º do aludido dispositivo do diploma processual quanto à tese firmada pelo STJ no julgamento do tema 1.076 (REsp 1.850.512/SP), publicada em 31/5/2022, para os casos em que o valor da causa ou o proveito econômico da demanda forem elevados, ocasião em que assentado pela E. Corte Superior que “apenas se admite arbitramento de honorários por equidade quando, havendo ou não condenação: (a) o proveito econômico obtido pelo vencedor for inestimável ou irrisório; ou (b) o valor da causa for muito baixo”.
Quanto à base de cálculo da verba honorária, o Superior Tribunal de Justiça, no julgamento dos Recursos Especiais Representativos de Controvérsia de n.º 1.883.715/SP, n.º 1.883.722/SP e n.º 1.880.529/SP (Tema n. 1.105), fixou a seguinte tese: “Continua eficaz e aplicável o conteúdo da Súmula 111/STJ (com a redação modificada em 2006), mesmo após a vigência do CPC/2015, no que tange à fixação de honorários advocatícios”. Desse modo, o percentual a ser fixado a título de verba honorária deverá incidir sobre as parcelas vencidas até a data da decisão que reconheceu o direito da parte autora.
Na hipótese em que o benefício previdenciário objeto do trânsito em julgado é concedido no acórdão que reforma anterior sentença de improcedência, a base de cálculo dos honorários advocatícios deve abranger o valor da condenação vencido até tal momento (STJ, AgInt nos EDcl no REsp n. 1.913.756/SP, Rel. Min. Gurgel de Faria, Primeira Turma, j. 16/8/2021; REsp n. 1.831.207/SP, Rel. Min. Herman Benjamin, j. 2/11/2019; AgRg nos EDcl no AREsp n. 155.028/SP, Re. Min. Mauro Campbell Marques, j. 18/10/2012; AgRg no REsp n. 1.557.782/SP, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, julgado em 17/12/2015, DJe de 18/12/2015; TRF3, 8.ª Turma, AI n.º 5010007-72.2022.4.03.0000, Rel. Des. Fed. Newton De Lucca, j. 04/10/2022).
Nos termos do art. 4.º, inciso I, da Lei Federal n.º 9.289/1996, o INSS está isento do pagamento de custas processuais nas ações de natureza previdenciária ajuizadas nesta Justiça Federal, assim como o está naquelas aforadas na Justiça do estado de São Paulo, por força do art. 6.º da Lei Estadual n.º 11.608/2003, c. c. o art. 1.º, § 1.º, da mesma Lei n.º 9.289/1996, circunstância que não o exime, porém, de arcar com as custas e as despesas processuais em restituição à parte autora, em decorrência da sucumbência, na hipótese de pagamento prévio.
Já no que diz respeito às ações propostas perante a Justiça do estado de Mato Grosso do Sul, as normativas que tratavam da aludida isenção (Leis Estaduais n.º 1.135/91 e n.º 1.936/98) restaram revogadas a partir da edição da Lei Estadual n.º 3.779/09 (art. 24, §§ 1.º e 2.º), pelo que, nos feitos advindos daquela Justiça Estadual, de rigor a imposição à autarquia previdenciária do pagamento das custas processuais, exigindo-se o recolhimento apenas ao final da demanda, caso caracterizada a sucumbência.
Quanto ao prequestionamento suscitado, inexiste contrariedade alguma à legislação federal ou a dispostos constitucionais.
Posto isso, dou parcial provimento à apelação, para fixar os critérios de incidência da multa diária, nos termos da fundamentação, supra.
É o voto.
THEREZINHA CAZERTA
Desembargadora Federal Relatora
E M E N T A
PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR INVALIDEZ. MANUTENÇÃO DA QUALIDADE DE SEGURADO. INCAPACIDADE TOTAL E PERMANENTE RECONHECIDA. CONCESSÃO DO BENEFÍCIO.
- Satisfeitos os requisitos legais previstos no art. 42 da Lei n° 8.213/91 - quais sejam, qualidade de segurado, incapacidade total e permanente e cumprimento do período de carência (12 meses) -, é de rigor a concessão de aposentadoria por invalidez.
- Reconhecimento da procedência do pedido formulado.
